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domingo, 25 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26843: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Parte IV: Na Repartição de Autos Víveres, tenho de assinar o ponto todos os dias, trabalha-se das 8h00 às 12h30, e das 15h00 às 18h30, sábado e domingo de manhã... "Estamos em guerra, até em Bissau", dizem-me!...

Fotoo nº 1 > Exemplar de aparelho de rádio que era oferecido à população no âmbito das políticas "Por uma Guiné Melhor». Estava sintonizado para o PIFAS,,,




Foto nº 2 > O "Pifas", a popular mascote do Programa das Forças Armadas

(Cortesia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)
 


1. Mais alguns extratos das "Recordações de um Furriel Miliciano, Guiné -1973/1974" (*)
 





O Carlos Filipe Gonçalves, Kalu Nhô Roque (como consta na sua página no facebook): (i) nasceu em 1950, no Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde; (ii) foi fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74; (iii) ficou em Bissau até 1975; (iv) radialista, jornalista, historiógrafo da música da sua terra, escritor, vive na Praia; (v) membro da nossa Tabanca Grande desde 14 de maio de 2019, nº 790; (vi) tem 2 dezenas de referências no nosso blogue.(*)
 

(...) "Convém alertar neste ponto, que todas as citações, indicações na gíria militar e documentação referida nos textos (já publicados e a publicar) beneficiam de uma 'Nota de Rodapé' explicativa, mas, infelizmente a formatação de textos no Facebook não aceita essa modalidade gráfica. 

"Os textos integrais e respetivas notas estarão disponíveis numa eventual edição do livro em papel, o que dará aos leitores uma outra perspetiva das descrições e personagens. 

"Continuação, pois, das minhas impressões, no primeiro dia da minha apresentação na Chefia dos Serviços de Intendência (Chefint),  situada no Batalhão da Intendência (Bint), no perímetro de Santa Luzia, onde estão o QG e outras infra estruturas." (...)




Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) (*)

Parte IV:   Na Repartição de Autos Víveres, tenho de assinar o ponto todos os dias, trabalha-se das 8h00 às 12h30, e das 15h00 às 18h30, sábado e domingo de manhã... "Estamos em guerra, até em Bissau", dizem-me!...



Ainda na Repartição de Autos Víveres (…),  fico a saber que tenho de assinar o ponto todos os dias à entrada e saída e que os horários de trabalho nos períodos da manhã (das 8h00 às 12h30) e à tarde (das 15h00 às 18h30) contam com mais uma hora do que o normal na metrópole... 

Sábados, trabalha-se de manhã, folga-se à tarde… Logo me dizem que também se trabalha aos domingos de manhã entre as 10 e o meio-dia. Folga? Só no domingo à tarde. 

Penso com os meus botões: isso é de arrebentar uma pessoa! Vendo o espanto na minha cara, explicam: 

“Temos de estar sempre operacionais, porque estamos em guerra! Bissau é também uma zona operacional!”

Pouco depois é hora de saída, vamos ao almoço na messe, onde há muita conversa e movimentação. Entra-se no refeitório, escolhe-se um lugar vago e sentamo-nos à mesa, já lá estão os pratos e talheres, a comida, o vinho, uma garrafa de água e um «balde de gelo», verifico depois que é «fundamental»! Os veteranos enchem os copos com o gelo para refrescar o vinho! 

O calor é intenso, sempre acima dos 33 graus de dia, à noite a temperatura desce um pouco, mas não se nota. Devido ao calor e humidade, ando sempre encharcado em suor, pois acabo de chegar, vindo do frio da metrópole. 

Tenho sempre sede e quanto mais bebo… mais sede tenho! Os ventiladores no teto não criam nenhum efeito de frescura, só roncam e movimentam o ar quente. Mas, a ventoínha é um utensílio que ninguém dispensa, por isso, também comprei uma no bar da messe, que tem quase tudo o que se precisa a preços módicos… 

Nos quartos, todos têm um ventilador que colocam na parede por cima da cabeceira da cama, explicam os veteranos é para evitar a projeção do ar diretamente no corpo… porque já houve paralisias de braços devido à incidência direta do ar do ventilador, noite inteira!

Chama-me atenção e vai marcar a minha rotina de todos os dias a difusão das emissões da rádio na esplanada da messe. Ouve-se o PIFAS, Programa das Forças Armadas,  que antecede o jornal da tarde às 13 horas em direto da Emissora Nacional em Lisboa. O PIFAS é um programa do Comando-Chefe, dizem-me, produzido pelo Departamento APSIC (Acção Psicológica).

“Na Guiné existe apenas uma emissora de rádio, prolongamento da Emissora Nacional. É divertida, tem anúncios locais, passa discos pedidos, ação psicológica, etc.” recorda o ex-militar António Graça de Abreu. 

A partir das 11 da manhã, começava o PIFAS, um programa de altíssima qualidade com muita animação e informação, transmite muita música Pop, os últimos sucessos em Portugal e na Europa! 

A malta em Bissau escutava nas repartições; eu, como ainda não tinha rádio, só ouvia depois do meio-dia, na esplanada da messe. Os discos pedidos eram o prato forte, mas havia também falatório sobre os mais diversos assuntos, notícias do mundo da música, cinema, etc. Recebia, muitas cartas, todas de militares espalhados pelo mato, em lugares com nomes esquisitos. 

Este programa de rádio tinha um boneco que o personificava/simbolizava (hoje diz-se marketing/ merchandising) sob a forma de um repórter, fardado de camuflado e microfone em punho, chamado Pifas! Era distribuído como prémio de concursos e a ouvintes com envio assíduo de cartas, ou por simples cortesia.

Depois do noticiário das 13:00 da Emissora Nacional, em direto de Lisboa, toda a malta recolhe para a sesta. No pavilhão metálico onde estou alojado, o calor é insuportável, impossível tirar uma soneca. 

Nesta altura, toda a instalação de Santa Luzia, é invadida, pelas lavadeiras! Batem à porta, para fazer a entrega da roupa lavada e tomar a roupa suja, há muita conversa, discussões sobre tal peça que desapareceu, ou não está bem lavada… enfim! 

Pouco depois estamos todos a caminho das repartições, verifico que há outras centenas de civis também a caminho, eles trabalham nas diferentes repartições e serviços deste complexo militar onde fui colocado. Homens e mulheres, civis guineenses, trabalham como datilógrafos, arquivistas, escriturários, etc. Espalham-se pelas salas juntamente com os militares. 

Compreendo agora a tal falta de pessoal militar, que o tenente-coronel apontou quando me apresentei; imagino também que é uma forma de se dar trabalho às pessoas. Soube depois que a utilização de civis na tropa é uma consequência da política «Por Guiné Melhor» lançada pelo general Spínola, que consiste em trazer bem-estar às populações, dar emprego, acesso aos serviços de saúde, acesso a toda a espécie de benefícios…

A rádio tem um papel importante e integra-se nas acções desenvolvidas nesta política, como recorda o ex-militar Miguel Pessoa: “uma das acções desenvolvidas era a sensibilização da população através da distribuição de rádios (recetores).” E chama então atenção para o seguinte pormenor: 

“O mais curioso daquele rádio (o recetor distribuído) é que o sintonizador rotativo estava naquele caso particular (não posso garantir que fosse em todos) colado na frequência do Pifas, o que impedia a sintonia do aparelho noutras emissões menos favoráveis às nossas cores...” 

Mas, rapidamente esse «bloqueamento» era desfeito e sintonizavam outras rádios como a «Maria Turra»,  nome pelo qual é conhecida entre a tropa portuguesa a Rádio Libertação do PAIGC. 

Um outro militar diz: 

“Lembro-me bem desses rádios que foram distribuídos a elementos da população do Dulombi e que eles se passeavam com os ditos (rádios) aos domingos, pela área do quartel.” 

Convém notar que na época, o «regime colonial» procurava impedir por todos os meios que a população e a tropa ouvissem a «propaganda» da Rádio Libertação do PAIGC.


(Revisão / fixação de texto: LG)

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sábado, 24 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26842: Lembrete (53): Há já 75 magníficos inscritos para o 61º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha, 5ª feira, dia 29 de maio, em Algés... "Piras" são 8, e o régulo Manuel Resende pede: "Tragam mais cinco, para gente compor as mesas: 10 x 8 = 80"

 


O "jovem régulo da Magnífica Tabanca da Linha", Manuel Resende, "autorretrato": dizem os amigos que "não passou pela guerra", ou então que foram os anos que não passaram por ele... (LG)





1. O nº de inscritos até 24 de maio de 2025, para o próximo convívio, dia 29, 5ª feira são 75 (setenta e cinco), o que é muito bom, nos tempos que correm..., tendo em conta que:

(i) o nº total de tabanqueiros das Magnífica  Tabanca da Linha é de 168:

(ii) nesse número se incluem "visigodos" (malta do Norte, até à margem direita do rio Douro) e "mouros" (da margem esquerda do rio Douro até ao reinos do Algarve e D'Além-Mar em África);

(iii) o grosso da maralha é da Área Metropolitana de Lisboa, em especial os "meninos da Linha", mais ums tantos "saloios" (que são os gajos de Loures, Mafra, Torres Vedras, Lourinhã, Cadaval, e demais concelhos estremenhos);

(iv) tripeiros,  chaparros, marafados, etc. só esporadicamente podem vir a estes convívios, por razões óbvias (não há metro até Bragança, por exemplo);

(v) a vida está pela hora da morte e as pernas também já não ajudam;

(vi) desta vez virão mais senhoras, o que ajuda a compor o ramalhete;

(vii) e grande novidade:  há oito "piras", camaradas que se inscrevem pela primeira vez (!), vão ter direito a tratamento VIP (o que, em inglês, quer dizer "Pessoas Muito Importantes".

Parabéns ao Resende: com 75 (1 bigrupo ben reforçado) já dá vontade de... "voltar à guerra", salvo seja,  quer dizer abancar no Caravela De Ouro e deixar fluir o tempo... e desfiar as memórias. Mas já agora, Manel, fica aqui o desafio aos "piras": tragam "mais cinco" para a gente compor as mesas: 10 x 8 = 80.

Lembrete: o prazo de inscrição é até ao final de 2ª feira, dia 26.  Terça, 27, até às  10h00, o Manuel Resende, o "régulo", tem de comunicar o número de "bocas" ao Restaurante para se fazer o tacho. 

Ele espera, entretanto,  que ninguém falte à última hora (a não ser em caso de vida ou de morte). A tolerância são 3 "bicos" para menos...

Inscrições:
Manuel Resende | Tel - 919458210 |
Mail - magnificatabancadalinha2@gmail.com

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Guiné 61/74 - P26841: Os nossos seres, saberes e lazeres (682): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (205): Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 5 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Março 2025:

Queridos amigos,
Só espero não ter abusado da vossa paciência saltando da arte do século XX para a do século XVI, até ser posto na rua não descansei a contemplar grandes nomes do Renascimento e à saída fui contemplar um quadro que sempre me fascinou por Georg Baselitz, obra da década de 1960, já este mestre alemão era motivo de escandaleira. Alguns destes génios da pintura foram referências essenciais para pintores contemporâneos, é o caso de Velásquez, outros têm sido subtraídos de um plano discreto e são hoje glorificados, caso de Andrea Mantegna; diante de um belo quadro de Pieter Bruegel, o Jovem, deixei a memória esvoaçar e recordei uma exposição espantosa intitulada A Firma Bruegel, que visitei no Museu das Belas-Artes de Bruxelas, a história verídica de um empreendimento que meteu várias gerações de Bruegel a reproduzir obras que vinham de Bruegel, o Velho, e que encheram palácios por toda a Europa, nós não ficámos de fora, temos uma dessas obras no Museu Nacional de Arte Antiga. E despeço-me de Der Städel, passo as margens do rio Meno sempre ofuscado por ver a capital do euro completamente iluminada.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (205):
Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 5


Mário Beja Santos

Depois de uma viagem por obras representativas e movimentos estéticos da primeira metade do século XX e a contemplação de uma exposição da cidade de Amesterdão do tempo de Rembrandt, feita uma pausa para descansar as pernas e tomar um snack, atiro-me para o passado, estou ávido em rever algumas obras-primas que aqui visitei no início do século, penso que não constituiu o núcleo duro da coleção do banqueiro Städel, ele tinha as suas preferências pelos barrocos alemão e flamengo, há para aqui obras da maior importância, é essa a incursão que tenho o prazer de vos mostrar, e despeço-me do Städel olhando uma obra contemporânea de Georg Baselitz, da década de 1960, apreciei sempre este pintor um tanto inclassificável, alvo de escândalos, figurativo e abstracionista, onírico e prosaico, exigente pela leitura dos temas da sua pintura, sente-se a intensidade da sua polivalência, experimentou quase tudo no mundo das artes, desde as artes gráficas à encenação, da escultura ao desenho. Aqui vos deixo um resumo do que mais apreciei até soar a campainha e pôr os visitantes na rua. E mesmo aqui deslumbrei-me com a vista do Meno e a cidade iluminada, mostrarei mais tarde.

Retrato de uma jovem com o seu cabelo solto, Albrecht Dürer, 1497. Dürer frequentou a feitoria de Antuérpia, aqui recebeu encomendas, aqui teve notícia do comércio português, o seu desenho do rinoceronte é fruto dessa relação e desse acervo de encomendas temos uma obra-prima no Museu Nacional de Arte Antiga, S. Jerónimo, uma aquisição do feitor de Antuérpia, Rui Fernandes de Almada.
O geógrafo, Vermeer, 1669. Para ser sincero, era uma das vincadas lembranças que me restava da visita deste museu, um quarto de século atrás. É uma tela pequena, tudo se ilumina, como é obra e graça na pintura de Vermeer da esquerda para a direita, o que permite a quem a contempla ter acesso ao trabalho minucioso do tecido recamado, multicolor, à frente, vemos vividamente um conjunto de objetos, a postura do geógrafo parece a de um modelo, inclinado e a olhar à distância através da vidraça, e depois prende-nos a atenção um sem número de detalhes como aquela estruturação da luz por toda a tela.
Companhia de milícia do distrito XI de Amesterdão sob o comando do capitão Reynier Reael, por Frans Hals e Pieter Codde, 1633-1637. Desde que tive o privilégio de conhecer obras de Frans Hals em Haia, procuro a sua companhia, temos aqui um grupo de gente muitíssimo bem arranjada, o pintor engalanou os dois oficiais, o capitão e o tenente, ricamente vestidos, por aqui me detive, deslumbrado, e sem querer a memória esvoaçou até ao famoso quadro de Rembrandt intitulado A Ronda de Noite, esta rapaziada da tropa queria um registo para todo o sempre, são quadros em que a vivência do grupo é o clamor do poder e da riqueza dos Países-Baixos.
Ecce Homo, por Bosch, ca. 1500. Ainda não é o Bosch do fantástico e do surreal, o que me embevece é esta alucinante profundidade do quadro, a raiva e o escárnio da multidão, a quase humanidade de Cristo que parece tiritar no seu corpo flagelado, curvado, o seu olhar estende-se até à eternidade, totalmente indiferente o conjunto dos seus algozes e da multidão ululante.
Vénus, Lucas Cranach, 1532. Cranach celebrizou-se pela nudeza dos corpos, revela-se um profundo conhecedor da anatomia humana e pela invulgaridade das exposições das figuras, veja-se a escolha da cor do chão em que a deusa assenta os pés, o seu véu transparente, quase translúcido, a evidenciar-se na negridão do fundo da tela.
Retrato do cardeal Gaspar de Borja y Velasco, Velásquez, ca. 1643-1645. Foi um dos maiores retratistas espanhóis, seduziu grandes nomes da pintura até ao presente, caso de Francis Bacon que sentiu atração em distorcer uma destas telas com cardeal, recriando outra pessoa, o pintor espanhol deixa patente o peso dos pormenores, veja-se o nariz cardinalício, o seu olhar penetrante, as faces encovadas, tem majestade, tem pose, mas não nos transmite empatia.
O evangelista S. Marcos, Andrea Mantegna, ca. 1448-1451. Foi um dos maiores do Renascimento italiano, tive a felicidade de ver expostos três quadros seus com o motivo da crucificação de Cristo no Museu das Belas-Artes em Tours, dois emprestados pelo Louvre, a partir de então este genial pintor faz parte das minhas preferências.
Retrato de Simonetta Vespucci como Ninfa, Botticelli, ca. 1480-1485. Botticelli é daqueles pintores que reconhecemos à primeira vista, olha-se para este retrato e de imediato viajamos até ao Nascimento de Vénus, uma das suas obras-primas na Galeria dos Ofícios, em Florença.
Retrato do Papa Júlio II, por Rafael, 1511/12. Pintor de encomendas papais, Rafael encheu o Vaticano de obras e este quadro de alguém que protegeu as artes é uma forma de imortalidade que também Miguel Ângelo ajudou com a poderosa escultura de Moisés junto do túmulo papal na Igreja de S. Pedro em in Vincoli, não muito longe do Fórum Romano.
Praça de S. Marcos em Veneza, Giacomo Guardi, ca. 1870-1810. Esta é a Praça de S. Marcos antes da chegada de Napoleão Bonaparte que mandou fechar o fundo com a chamada galeria napoleónica, neoclássica, que deu a esta praça uma formosura ímpar. Giacomo Guardi era descendente de Francesco Guardi, a maior coleção de obras em coleção particular dele está em Lisboa, no Museu Gulbenkian.
A Virgem e o Menino com S. João Batista e Isabel, Bellini, ca. 1490-1500. É preciso ser dotado de uma finura genial para que esta composição possuir o poder magnético de nos estontear com aqueles tons azuis intensos que ganham um estranho recorte com aquele fundo de azul do céu cheio de nuvens, e como nada destoa na simetria da composição com a indumentária pobre de S. João Batista enlevado diante daquele, como diz o Evangelho, de que ele não era digno de desatar as sandálias.
A adoração dos Reis Magos numa paisagem de inverno, Pieter Bruegel, o Jovem, ca. 1630. Mal sabia o pai deste que se transformara no promotor de uma firma de consecutivas cópias que eram encomendadas pela aristocracia e a grande burguesia. O filho de Pieter Bruegel, o Velho, também não frutava a introduzir variantes, e consegue fazer conjugar, com sucesso pleno, esta mistura de religiosidade com cenas da vida quotidiana, dando um cuidado realce à neve.
Retrato da infanta Margarida, por Velásquez, 1651-1673. Uma obra pictórica de génio fala por mil palavras, esta infanta aparece num conjunto de obras-primas, confesso que a que mais gosto é Las Meninas, que está no Museu do Prado, a infanta de Espanha rodeada da sua Corte no primeiro plano, uma tela cheia de profundidade quando ao fundo se abre uma porta por onde discretamente o pintor sai.
Oberon, por Georg Baselitz, 1963 – 1964. Já se ouvem os chamamentos das 17h45, os senhores visitantes são convidados a sair, e despeço-me desta memorável visita a Der Städel contemplando o Oberon de Baselitz, este mítico rei das fadas que também atraiu Shakespeare que deu intenso vigor na sua comédia Sonho de Uma Noite de Verão, o mesmo Oberon que entusiasmou o músico Weber, o seu Oberon é peça de reportório dos concertos. O que aqui me facina é a multiplicidade de figuras que parecem exatamente saídas de um sonho, fazem parte de um formulário de Baselitz de expor temas em completa rutura com a vida quotidiana. E agora vou ver Frankfurt ao anoitecer.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 17 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26811: Os nossos seres, saberes e lazeres (681): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (205): Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 4 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26840: Agenda Cultural (886): Entrada livre... O nosso grão-tabanqueiro, luso-guineense, Mamadu Baio & Amigos (incluindo o João Graça, violino, mais 5 guineenses), amanhã, dia 25, no Palácio Baldaya, Estrada de Benfica, 701, Lx, às 17h30, na 16ª edição do festival "Junta-Te Ao Jazz"... Encerra, às 18h30, com o grande Paulo Flores, a voz angolana do kizomba, do semba, da resiliência e da esperança


Cartaz (foto de cima) da 16ª edição do "Junta-Te Ao Jaaz", que está a decorrer, de 23 a 25 de maio de 205, no Palácio Baldaya, Estrada de Benfica, 701, Lisboa.


1. Estão a ser dias cheios de boa música e grandes nomes do jazz e soul. Entrada livre.

Já aqui passou ontem, 23:

(i) Selma Uamusse (com a sua "poderosa fusão de ritmos africanos com jazz e eletrónica").

Estão a passar hoje, 24, a partir das 15h00:

(ii) Leonor Baldaque (com "o seu lado mais íntimo e poético, numa viagem sonora única");

(iii) O Mau Olhado ("concerto intenso com mistura de sons tradicionais e contemporâneos"):

(iv) Carmen Souza ("jazz criativo de raízes cabo-verdianas");

Amanhã, a partir das 15h30, ainda temos:

(v) Myles Sanko (25/05 às 16h) ("direto do Reino Unido, traz a sua soul sofisticada e contagiante"):

(vi) Mamadou Baiô & Amigos (25/05 , às 17h30) (os nossos grão-tabanqueiros Mamadu Baio, luso-guineense,  viola elétrica, baixo, João Graça, violino, e mais outros cinco guineenses, com percussão, cora, etc.; é indecente que a organização do festival tenha chamado "senegalês" ao nosso querido Mamadu Baio, de Tabató");

(vii) Paulo Flores (25/05 às 18h30), que "encerra com chave de ouro, com toda a alma do semba angolano misturado com jazz"... (Paulo Flores é dos mais influentes e populares músicos e letristas angolanos contemporâneos, reconhecido pela sua profunda ligação ao kizomba e ao semba  e pelo seu papel como cronista urbano da realidade social e política do seu país de origem: nasceu em Luanda, no bairro de Cazenga, veio para Lisboa, aos 16 anos).

(viii) "E claro, com Soul to Soul a animar entre os concertos para manter o groove sempre no alto!"

(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG)



Lisboa > Bairro da Graça > 2022 > O Mamadu Baio (lê-se: Baiô) e alguns dos músicos com que toca(va), em Lisboa

Foto (e legenda): © Luís  Graça  (2022). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P26839: Facebok...ando (79): Bissássema (cor GNR ref João Manuel Pais Trabulo, ex-alf mil, CCAÇ 2314, Tite e Fulacunda, 1968/69) - Parte II: a tragédia de 3 de fevereiro de 1968 e dias seguintes, que a NT e o PAIGC tentaram esquecer

 

Guiné > Região de Quínara > Carta de Tite (1955) (escala 1/50 mil) > Posição relativa de Tite, Jabadá, Enxudé, rio Geba e Bissássema

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


1. Bissássema, como outros topónimos da guerra, tem estado esquecido. Temos apenas 15 referências no nosso blogue. De um lado do outro da "barricada", há memórias trágicas. Tanto as NT como o PAIGC parece terem feito um "apagão" da batalha de Bissássema (que, em rigor, vai de 31 de janeiro, início da operação para reocupar Bissássema,  a 10 de março de 1968, altura em a tabanca foi queimada e abandonada pelas NT).

Falaremos disso em próximo poste. Mas podemos desde já adiantar o seguinte: o Arquivo Amílcar Cabral / Cada Comum tem apenas uma única referência a Bissássema, um comunicado assinado por Amílcar Cabral, em francês, com datada de 19/2/1968,   quinze dias depois dos acontecimentos, sobre o grande "ronco" do dia 3; omite-se, portanto, os desaires que o PAIGC sofreu, nesse e nos dias seguintes; por sua vez, o livro da CECA sobre a atividade operacional das NT nesse ano tem 5 referências a Bissássema, mas nenhuma reportada ao dia da tragédia (3/2/1968). Lapso? Branqueamento ? "Apagão" ?... 

 (...) "Sabe-se que esta intervenção, em Bissássema, foi um fracasso para ambos os lados, e que o PAIGC sempre ocultou no seu historial. Se, pelo lado português, para além dos prisioneiros e dois desaparecidos e feridos, não se conseguiu concretizar os objetivos propostos; para o lado do PAICG, o elevado números de baixas, levou a que sempre escondesse as suas consequências tendo, inclusivamente, ter sido considerado por alguns, como um dos maior desaires que sofreu no seu movimento de libertação da Guiné." (...)

Este é um excerto do texto do antigo alf mil at inf da CCAÇ 2314 (Tite e Fulacunda, 1968/69), J. M. Pais Trabulo, disponível na sua página do Facebook (João Manuel Pais Trabulo), e também reproduzido na página do CCAÇ 2314 - Agis Quod Agis.e e na página do BART Tite - Guiné (BART 1914).

Hoje Cor GNR ref, Pais Trabulho (natural de Meda, a viver em Gouveia), tem mantido viva a memória desse tempo que foi de "terror, para quem o viveu (CART 2314, CART 1743 / BART 1914, milícia e população, etc.). Bem haja!

A versão dos acontecimentos que vamos aqui reproduzir, parece-nos equilibrada e fidedigna. Deve ser conhecida por um público mais vasto, e nomeadamente pelos nossos leitores. Tiro, pois, o quico ao cor Pais Trabulo que de resto tem mais textos sobre Bissássema e a história da CCAÇ 2314.

Da CCAÇ 2314 também só tínhamos até agora escassas referências. O ex-fur mil Joaquim Caldeira aceitou ser o primeiro representante desta subunidade, sentando-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 905. (Iremos apresentá-lo proximamente à Tabanca Grande; mas fica também aqui o convite para o cor Pais Trabulo se juntar ao blogue dos "amigos e camaradas da Guiné").



O Pais Trabulo no Poço do Inferno, geossítio do Geoparque Estrela (BG 19), s/d. Cortesia da sua página do Facebook (João Manuel Pais Trabulo). Ex- alf mil at inf, CCAÇ 2314 (Tite e Fulacunda, 1968/69).

Na página do CCAÇ 2314 - Agis Quod Agis.e na página do BART Tite - Guiné (BART 1914) o cor Pais Trabulo tem algumas fotos inéditas e preciosas de Bissássema. Vamos pedir-lhe a competente autorização para as reproduzir aqui. É também uma forma de homenagear os bravos, já esquecidos, de Bissássema.





Memórias de uma guerra… > A Tragédia de Bissássema

por João Manuel Pais Trabulo, cor GNR ref



Tínhamos acabado o treino operacional e a CCAÇ 2314 estava em condições de rumar até Jabadá para assumir a sua área de responsabilidade.

O furriel Fernando Almeida, responsável da logística, deslocara-se para aquele aquartelamento a fim de preparar a ida da companhia.

Enquanto isso, a companhia iria participar numa operação para instalar uma força que iria construir o aquartelamento na região da península de Bissássema, situada na margem sul do rio Geba em frente de Bissau.

Muito se tem dito sobre a "História de Bissássema". Cada uma tem um fundo de verdade no relato desse fatídico mês e consoante a vivência de cada um nessa ocorrência.

A história da Unidade da CCAÇ 2314 refere que “a península de Bissássema se situava na região de Quinara, do lado oposto à cidade de Bissau, tendo o rio Geba de permeio, era uma região essencialmente rica em arroz, cultivado nas extensas bolanhas que a rodeavam e onde o PAIGC se movimentava com facilidade, controlava e recebia apoio logístico da população e onde exercia intensa ação psicológica.

"Face à sua situação estratégica, tendo em conta aquela, tornava-se necessário ocupar a região de modo a evitar possíveis flagelações a Bissau e, por isso, subtrair ao PAIGC o controlo da região, evitando o recrutamento de meios humanos e, também, o reabastecimento de alimentos das suas bases naquele regulado. Era portanto, necessário instalar, assim, uma força naquela região e a consequente construção de um aquartelamento.”


O início de Bissássema ocorreu nos dias 31 de janeiro e 1 de fevereiro 
[de 1968 ], ao se ter realizado naquela região uma operação com a finalidade de instalar essa força. A operação coube à CCAÇ 2314 em conjunto com a CART 1743, reforçadas com elementos da CCS do Bart 1914.

Decorreu aparentemente, sem incidentes significativos e, no local, foi deixada a força comandada pelo alferes mil Rosa, da CART 1743, com o seu pelotão de europeus e mais 2 pelotões de milícias para guarnecer e controlar a região, um de Tite e o outro de Jabadá.

No regresso a Tite, no dia 1 de fevereiro, a CCAÇ 2314 teve o primeiro contato com guerrilheiros do PAIGC e sofreu os dois primeiros feridos, na região de Brandãozinho [carta de de São João ]

Pensou-se que ocupar Bissássema não seria assim tão fácil. Tratava-se de uma tabanca de onde as forças do PAIGC tinham desaparecido sem deixar rasto, mas, na madrugada do dia 3 de fevereiro, desencadeou um forte ataque a Bissássema.

Meia hora depois, o tiroteio parecia ter acabado. Foi esperança de pouca dura, pois logo a seguir, começou um novo ataque. Poucas horas depois, soube-se que a força do PAIGC entrou no dispositivo de defesa, lançando granadas e semeando o pânico.

Em consequência da forte flagelação, o PAIGC expulsou as forças existentes e fez como prisioneiros o alferes António Rosa e mais dois militares   
1º cabo cripto Geraldino Marques Contino e soldado Victor Manuel Jesus Capítulo, todos da CArt 1743].

Os restantes militares puseram-se em debandada para salvar a vida. Na retirada ficaram desaparecidos um furriel e um sargento e este, mais tarde, foi encontrado morto no rio Geba.

Nessa noite, estava em Tite o Conjunto [Académico ] João Paulo.

Diz a História da CCaç 2314:

“Depois do ataque IN, em 03Fev68, às 00h00, a Bissássema, as posições das NT que se encontravam naquela tabanca ficaram desguarnecidas. Encontrando-se esta CCAÇ em Tite, recebeu ordem para se deslocar para Bissássema a fim de socorrer as NT que se encontravam nessa tabanca.

"Á chegada a Bissássema, verificou-se que o IN já havia retirado, apenas se encontravam na tabanca um pequeno número de elementos da população. Foi dada ordem a esta Companhia para guarnecer Bissássema a fim de proteger a população.”

Eram três da manhã. Face às informações sobre o ataque referido, um “pelotão de voluntários”, cujos elementos mais tarde iriam constituir o grupo “Os Brutos”, incluindo um pelotão de nativos, “Os Boinas Verdes”, avançaram de imediato para Bissássema para se inteirarem da situação e, principalmente, em reforço das forças ali estacionadas.

Entretanto, o resto do efetivo da CCAÇ 2314 preparou-se para se dirigir também para aquela região, tendo encontrado a força inicial posicionada nas imediações da tabanca, que aguardava o resto da companhia.

Constata-se que a enorme tabanca estava praticamente abandonada, sem militares, sem forças do PAIGC e sem população. Contudo no percurso foram sabendo do que tinha acontecido e, pelo que ia observando, era evidente que a situação era extremamente grave e imprevisível.

Face à situação, foram distribuídos setores de defesa aos pelotões e ordenado que rapidamente fossem construídos abrigos e campos de tiro. Mas isto não acabou por aqui, o PAICG não queria perder aquela posição estratégica e a todo custo desenvolveu ações no sentido de recuperar a tabanca.

Assim, na noite do dia 4 e, após 4 horas, na madrugada do dia 5 de fevereiro, desencadeou ações com armas de fogo com a finalidade de experimentar e recolher informação sob o posicionamento dos militares ali instalados em abrigos e valas construídos apressadamente.

E 10 minutos antes da meia-noite do mesmo dia 5 de fevereiro, desencadearem uma forte flagelação, que apenas durou cerca de 25 minutos por, ao pretenderem tomar de assaltos as nossas posições, sofreram consequências drásticas (baixas), o que os levou a retirar.

Mas no dia 9 de fevereiro, pela 1 da manhã, regressaram com muito mais efetivos e melhor armamento, talvez comandados por 'Nino Vieira', com a vontade de novo tomar de assalto, capturar e desalojar as posições defensivas da CCAÇ 2314.

Conseguiram abrir uma brecha no dispositivo de defesa em consequência de terem sido feridos 4 elementos de um abrigo, e penetrado no interior do dispositivo de defesa.

Mas a forte reação das NT obrigou as forças do PAIGC a retirar com pesadas baixas, deixadas no local, abandonando grande quantidade de material de guerra e, apressadamente, transportaram grande quantidade de feridos que sofreram no ataque.

Finalmente, passados cerca de 15 dias, no dia 25 de fevereiro, o PAIGC voltou a desencadear mais uma ação violenta de flagelação, agora com menor efetivo e armamento, tendo retirado, novamente, com várias baixas.

Em face do falhanço na efetivação da instalação de um aquartelamento e tendo em consideração os resultados que se registaram no início, foi decidido abandonar a tabanca de Bissássema.

No dia 10 de março de 1968, procedeceu-se à recolha de arroz, e ao reordenamento das populações para seguirem para a região a norte de Tite. Por isso, foram destruídas todas as moranças das tabancas, bem como os próprios abrigos que tínhamos construído para a defesa de Bissássema. Nunca mais lá voltámos. (...)


Fonte - João Manuel Pais Trabulho > Página do Facebook CCAÇ 2314 - Agis Quod Agis. (Com a devida vénia...)

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(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, parênteses retos, links, título: LG)


(Continua)

sexta-feira, 23 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26838: Notas de leitura (1799): José Gomes Barbosa 'versus' Jorge Frederico Vellez Caroço no Boletim Oficial de 1 de julho de 1922 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Permitam-me uma confissão. Há uns bons meses, dirigi-me à bibliotecária da Biblioteca da Sociedade de Geografia, agradecendo-lhe todas as amabilidades de que tenho sido alvo ao longo destes anos, indesmentíveis ajudas em encontrar documentação com realce para as minhas investigações, e confessei-lhe que ia mudar de ramo, fazer outras coisas. Olhando-me com firmeza, disse-me prontamente que não aceitava tal resposta, que eu devia pensar seriamente que havia uma pesquisa à minha espera: primeiro, consultar o Boletim Oficial de Cabo Verde e da Guiné, até à separação das duas colónias; e, segundo, percorrer por inteiro o Boletim Oficial da Província da Guiné, estas publicações, observou, trazem-me por vezes surpresas que não constam nos artigos.
O que de facto aconteceu quando, lateralmente na sequência cronológica me pus num rasto do autor da única História da Guiné, João Barreto, veio de Margão para Lisboa, aqui terá permanecido ano e meio, seguiu depois para Cabo Verde, em plena Primeira Guerra Mundial, andou por Santiago e Ilha do Fogo, irá aparecer na Guiné em 1919, primeiro em Cacheu, depois em Bafatá, mais adiante em Bolama, onde foi alvo de grande reconhecimento pelo seu trabalho como tenente médico de Saúde Pública. Ao folhear o Boletim Oficial de 1 de julho de 1922, encontrei este naco de prosa que muito nos dá que pensar.

Um abraço do
Mário



José Gomes Barbosa versus Jorge Frederico Vellez Caroço

Mário Beja Santos

Depois de ter escrito um livrinho sobre um afamado epidemiologista goês, muito louvado em Bolama na década de 1920, de nome João Barreto, decidi-me consultar por todo este período o Boletim Oficial da Província da Guiné, o que faço com bastante entusiamos na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa. Estes boletins têm maioritariamente informações sobre chegadas e partidas de funcionários, promoções e exonerações, relatórios de saúde pública, taxas alfandegárias, predomina o formalismo e a rotina. Só raramente uma notícia assombrosa, um soco no estômago, algo que nos ajuda a entender melhor a mentalidade num certo tempo e num certo lugar. No Boletim Official n.º 26, de 1 de julho de 1922, chamou-me a atenção o processo disciplinar instaurado contra o professor oficial José Gomes Barbosa. Não posso resistir de publicá-lo na íntegra, ocupa as páginas 300 e 301 do referido Boletim:

“Tendo o primeiro oficial, interino, da Secretaria do Governo, José Lourenço da Conceição Leitão, instaurado, por ordem superior, um processo disciplinar contra o professor José Gomes Barbosa, foram a este enviados os seguintes requisitos:

1.º Por que sendo funcionário público, proferiu na loja do sr. João Marques de Carvalho, comerciante estabelecido nesta praça, palavras que demonstram bem o seu nenhum respeito pela pátria portuguesa?

2.º Como professor, devia ser o primeiro a reprimir campanhas de descrédito contra a pátria portuguesa. Por que foi que na loja referida perfilhou as palavras escritas por René Maram?

3.º Por que na mesma loja disse que estávamos sendo governados por mer… e quanto o dono da loja lhe disse que fosse ao palácio dizê-lo a Sua Ex.ª o Governador, por que respondeu que não era quem o dizia, mas sim o René Maram no seu livro?

Assina o instrutor do processo disciplinar, Conceição Leitão

O arguido respondeu nos seguintes termos:

Resposta ao 1.º quesito: Não houve nas palavras proferidas pelo signatário nenhuma falta de respeito para com a pátria portuguesa, que ama e venera, mais que sua própria mãe, como mãe que é de todos os portugueses. O signatário preza-se de ser tão bom português como os melhores, nascidos em Portugal, na metrópole. Houve unicamente uma troca de palavras entre o signatário e alguns dos presentes, e no decorrer da conversação saíram aquelas desgraçadas palavras, que lastima e se arrepende de ter proferido.

Resposta ao 2.º quesito: Como professor, e como português, nunca fez campanhas de descrédito contra a pátria portuguesa. Mormente agora, que é um acontecimento mundial de travessia de Portugal às terras de Santa Cruz, feita por dois heróis, dois portugueses, enfim, os Exmos. Srs. Sacadura Cabral e Gago Coutinho, que tão alto elevou o nome português, o nome de todos nós.
Não perfilhou as palavras escritas por René Maram antes talvez as tivesse proferido com azedume, porque branco, conquanto natural de Cabo Verde, e portugueses acima de tudo, também se sentia magoado.

Resposta ao 3.º requisito: De nenhum ato de Sua Ex.ª o Governador tem o signatário conhecimento que o levasse a proferir semelhante frase, referindo-se ao mesmo Exm.º Senhor. Tem o mais profundo respeito por Sua Ex.ª, como homem e Governador. Não se lembra de ter referido semelhante frase com referência a Sua Ex.ª o Governador. A conversação que deu origem às frases que me atribuíram e que confessei ter proferido, teve lugar não na loja de comércio do sr. João Marques de Carvalho, mas sim num anexo do mesmo estabelecimento.

É quanto me cumpre dizer em resposta aos quesitos enviados. Bolama, 24 de junho de 1922, José Gomes Barbosa professor oficial.

Sua Ex.ª o Governador da Província deu por último o seguinte despacho:

“Vistos os presentes autos, mostra-se que o professor oficial da escola primária do sexo masculino, em Bolama, José Gomes Barbosa, esquecendo que deve a si mesmo, ao nome português que usa e muito especialmente à nobre missão do Governador que lhe está confiada, proferiu, em público, num estabelecimento desta cidade, umas frases insultuosas para os europeus, para o Governador da Província e, inclusivamente, chegou a renegar a sua própria nacionalidade, dizendo que não era português mas sim cabo-verdiano; e,

Considerando que este professor, pela sua ilustração, exerce uma certa influência entre os seus conterrâneos e que a sua propaganda contra os europeus aqui residentes pode trazer consequências graves;

Considerando, que a fraseologia empregada pelo professor Barbosa, além de imprópria para um indivíduo da sua categoria social, é deprimente e vexatória para a sua raça, admitindo que a pureza do seu sangue seja de uma incontestável autenticidade – o que queremos acreditar porque o sr. Barbosa o afirma?

Considerando ainda, que dando o professor Barbosa circulação a uma manifestação de ódio do preto contra o branco, com imagens e frases que a par de uma grosseria e baixeza de sentimentos, denotam uma crassa imbecilidade e asinina estupidez, está, não somente acirrando ódios e malquerenças do cabo-verdiano contra os metropolitanos, mas, inclusivamente, incitando o preto contra o branco, o que é inadmissível e perigoso; mas,

Atendendo a que o professor José Gomes Barbosa, por completo se retrata das informações que fez e na sua resposta aos quesitos dá cabais satisfações a todos nós, portugueses:
Determino que este funcionário seja repreendido com repreensão averbada no seu registo disciplinar, publicando-se este despacho no Boletim Oficial da Colónia, com a resposta que ele dá aos quesitos que lhe foram propostos, para que tenha toda a publicidade a reparação, visto que público foi o agrado. Cumpra-se e publique-se, Jorge Frederico Vellez Caroço.”


Governador da Guiné Jorge Frederico Velez Caroço
Bolama no tempo do Governador Velez Caroço e do professor oficial José Gomes Barbosa
Nunca encontrei comunicação publicitária como esta, a Loja Nova de António Machado era realmente irresistível
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Nota do editor

Último post da série de 19 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26817: Notas de leitura (1798): "Pára-quedistas em Combate 1961-1975", por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2019 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26837: Convívios (1030): Crispins & Crisóstomos + Amigos & Camaradas da Guiné, Convento do Varatojo, Torres Vedras, domingo, 25 de maio 10h00 (João e Vilma Crisóstomo, Nova Iorque)


Torres Vedras > Mosteiro de Santo António do Varatojo > Claustro > "O Mosteiro de Santo António do Varatojo foi fundado por D. Afonso V em 1470, como cumprimento de uma promessa que o monarca havia feito a Santo António, pedindo auxílio para as campanhas do Norte de África. O rei compraria a quinta que posteriormente constituiu a cerca do mosteiro, oferecendo-a à comunidade de franciscano deslocados do Convento de São Francisco de Alenquer para habitarem o novo cenóbio. Em 1474 as obras estavam quase terminadas, pelo que em Outubro desse ano os frades inauguraram o espaço. (...). Classificiado como MN. Monumento Nacional em 1910" 

(Fonte: Património Cultural | DGPC)

Foto: Cortesia da RHLT - Rota Histórica das Linhas de Torres


1. O João e a Vilma estão em Portugal, depois de uma estadia na Eslovénia, em mais extamente em Brestanica, terra da Vilma. 

Regressam a Nova Iorque no dia 3 de junho. Mas até lá ainda querem estar com os "primos" Crisóstomos e Crispins, no dia 25 deste mês, domingo. 

Marcaram encontro no convento de Santo  António do Varatojo, no concelho de Torres Vedras (*):

(...) Depois da Missa das 10.30 AM  de domingo,  dia 25 de maio, reunimo-nos no claustro para  um abraçø.  Era para ser mesmo só um abraçø , sem nada mais. Mas  do Varatojo mesmo ofereceram-me: se quisermos, que podem pôr lá  uma ou duas  mesas para um refresco etc…

 Por isso vou aproveitar: eu vou lá pôr um “alguidar” de salada de fruta , uns biscoitos e um refresco qualquer . E se alguém quiser trazer algo "para compartilhar” …


Estou a pensar  pôr no recinto de  entrada  (onde tem a campainha) uma  mesa para “recolha” , para o caso de alguém querer trazer alguma coisa não ter de o levar para dentro da Igreja….  

Isso não impede que quem quiser "mais e melhor" pode ir almoçar aos restaurantes por ali perto" (...)

 2. O convívio é aberto aos "amigos e camaradas da Guiné" (**), como já tem acontecido noutros anos, e nomeadamente o último, em 2018 (***) . Eis a última mensagem, de ontem  que o João me mandou:

Data - quinta, 22/05/2025, 06:47

(...) Fui ontem (quarta feira ) ao Convento de Varatojo para acertar “logísticas” uma vez que vai lá estar também um outro grupo no mesmo dia 25. Vai haver muita gente, mas ”arranjei tudo” …e está tudo tudo certo.

Importante:

A maneira mais fácil para entrar/chegar ao Convento (e também para estacionar) é entrar pelo portão grande ( que vai estar aberto a partir das 09.30 AM) por onde se tem de passar (único acesso para carros) ao chegar ao Convento.

Desse estacionamento há acesso fácil para o claustro e Igreja. Desta maneira evita-se o uso dum conjunto de escadas (muitos degraus e difíceis) a quem quiser entrar pela porta principal no lado da frente.

Permito-me sugerir que cheguem cedo. A Missa é às 10.30 AM , mas vai haver muita afluência: para estacionar e para se conseguir um "lugar sentado” é mesmo preciso chegar cedo, se possível antes das 10.00 AM.

Vou tentar ligar( já tentei…) mas o meu telefone mostra sempre as chamadas como provenientes da Cochichina (Polónia, Chipre, Inglaterra…) e as pessoas não apanham…

Aguardo com antecipação...
Um grande abraçø, João.



3. Como chegar ao Convento do Varatojo ?

Ver aqui no Google Maps
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26669: Tabanca da Diáspora Lusófona (32): Encontros em 25 de maio (Convento do Varatojo, Torres Vedras) e 29 (Tabanca da Linha, Algés) (João Crisóstomo, régulo)

(***) Vd. poste de 24 de setembro de 2018> Guiné 61/74 - P19039: Convívios (875): Paradas Party, do João Crisóstomo: 16 de setembro de 2018... Foi bonita a festa, pá!

Guiné 61/74 - P26836: Tabanca da Diáspora Lusófona (34): João Crisóstomo reconhecido, pela "Tribuna Portuguesa / Portuguese Tribune", da Califórnia, como "Personalidade do Ano 2024"... Outras nomeações: a Sousa Mendes Foundation foi a "Associação do Ano 2024" , e a inauguração do Museu Aristides de Sousa Mendes, em Carregal do Sal, o "Evento Cultural do Ano 2024".




Recortes de imprensa >  "Tribuna Portuguesa",  de 15 janeiro de 2025 > Editorial, por Miguel V. Ávila, pág, 2. (Reproduzido com a devida vénia...)


1. Pelo muito que fez (e continua a fazer) pela causa da reabilitação da memória de Aristides Sousa Mendes e a consagração do "Dia da Consciência" mas também pelo aumento da visibilidade, mediática, social e cultural,  da comunidade luso-americana, o nosso amigo e camarada, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, a viver em Nova Iorque, foi considerado  "Personalidade do Ano de 2024" pelo prestigiado jornal, bilingue, "Tribuna Portuguesa" / "Portuguese Tribune", que se publica na Califórnia, desde 1979.(Quinzenal, independente, é o único jornal  que se publica hoje, em português, na costa oeste dos EUA; foi fundado em setembro de 1979 pelo açoriano João P. Brum. )

(...) "Em 2004, este jornal iniciou o reconhecimento anual dos “Melhores do Ano”. Depois dos primeiros anos serem uma simples lista com poucas categorias que ocupavam apenas uma página, a atual lista já ocupa agora cinco páginas desta edição. Como um jornal comunitário, tentamos o nosso melhor para dar a conhecer os eventos comunitários, novas caras e talentos, para assim – juntos – valorizarmos a nossa 'prata da casa' ".

No editorial da edição de 15 de janeiro de 2025, Miguel V. Ávila destaca três personalidades do ano de 2024, um dos quais o nosso João Crisóstomo (vd. recorte acima). A iniciativa tem já 2 décadas.

(...) Não posso deixar de realçar as três “Personalidades do Ano”:

Tony Goulart, o reconhecido líder comunitário, continua a deixar um legado da “experiência luso-americana” por terras da Califórnia. Logo depois de escrever e publicar um importante livro sobre as filarmónicas portuguesas e os 125 anos da sua presença na Califórnia, coordenou a publicação do livro que faltava – Nossa Senhora da Assunção da autoria de Maria Cunha Carty. 

Lembro-me que nos anos 1990s, as comunidades portuguesas da Califórnia viviam sob as sombras das comunidades da Costa Leste; havia a sensação que seríamos inferiores e que a distância nos faria quase invisíveis para com o nosso país de origem. 

A liderança de Tony Goulart e de outros líderes comunitários muito mudaram essa perspetiva e agora as nossas comunidades luso-californianas são reconhecidas como exemplos na Diáspora portuguesa.

Ana Vargas-Smith tem desempenhado um papel importante no desenvolvimento do auto-estima da cidade de Santa Clara. Reconheceu que uma antiga tradição de 50 anos – o Desfile dos Campeões – tinha cessado durante 24 anos e que havia uma lacuna nos habitantes daquela cidade e que a antiga baixa da cidade merecia ser revitalizada. Colocou mãos à obra, criou uma associação sem fins lucrativos e lá reiniciou essa tradição que tinha sido criada por um luso-americano – Ed Cunha – para reconhecer os combatentes da Segunda Guerra Mundial quando regressaram à sua cidade em 1945.

Ana coordena as angariações de fundos e o desfile que agora conta também com um festival de rua. E a Ana tem a certeza que a comunidade portuguesa e associações portuguesas de Santa Clara desfilam... porque não podemos ser uma comunidade invisivel na sociedade americana." (...)

2. Já na edição de 1 de agosto de 2024, fora dado grande destaque à inauguração do Museu Aristides Sousa Mendes, sendo depois considerado, na edição de 15 de janeiro de 2025, como o "acontecimento cultural do ano", enquanto a Sousa Mendes Foundation  foi a "Associação do Ano 2024" .

Reproduz-se a seguir o belíssimo editorial do Miguel Ávila sobre "o museu que faltava para que a memória não falhe", a propósito da inauguração do Museu Aristides de Sousa Mendes, na sua terra natal, Cabanas de Viriatos, Carregal do Sal, no passado dia 19 de julho de 2024. 

O evento foi na altura também noticiado por nós (*). E na ocasião o nosso amigo e camarada João Crisóstomo leu uma mensagem expressamente escrita pelo Papa Francisco associando-se à homenagem ao Cônsul de Bordéus, Aristides Sousa Mendes (1885-1954), que coincidia também com o seu 139º aniversário natalício.




João Crisóstomo lendo uma mensagem do Papa Francisco


O Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa


Família de Sousa Mendes e famílias de refugiados que beneficiaram dos vistas passados pelo Cônsul de Bordéus


Recortes de imprensa > Tribuna Portuguesa, 1 de agosto de 2024 > Editorial, por Miguel V. Ávila, pág, 2. Fotos: pág. 19 (Conteúdos reproduzidos com a devida vénia..)


3. Excerto de mensagem do João Crisóstomo, com data de sábado, 12/04/2025, 08:33, dirigida aos filhos, Cristina e John, e com conhecimento ao nosso editor LG e a um amigo comum. o Rui Chamusco, também ele membro da nossa Tabanca Grande:


(...) Recebi , enviada por e- mail, uma mensagem dum bom amigo e proeminente português na Califórnia, Miguel Ávila, que entre outros lugares de destaque ocupa o de editor do prestigioso jornal bilingue “Portuguese Tribune”/ “Tribuna Portuguesa” e é também membro da "Sousa Mendes US Foundation”, e vice-Presidente do “ Comité Dia da Consciência”.

E porque vocês são meus filhos (e aos outros dois se fossem meus irmãos eu não lhes poderia querer mais ou melhor, sem intuitos de ridículas presunções), partilho o que me enviou que não podia ser mais gratificante:

Primeiro um artigo que escrevi e enviei em novembro passado sobre o problema das armas nucleares. Pensei que não o tinham considerado relevante para ser incluído no jornal, mas afinal não só foi publicado como verifico que dele fizeram "artigo de opinião” (*)

E o segundo a "reportagem da inauguração do museu que deu origem às nomeações para Melhores do Ano 2024.” 

Em ambos os casos a minha colaboração e contributo não foram insignificantes pois que me valeram a distinção de "Homem do ano 2024." (...)

 4. A Tabanca Grande associa-se, com regozijo, ao reconhecimento público feito pela "Tribuna Portuguesa" ao nosso amigo e camarada, "régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona"  (**) que, depois de amanhã,  dia 25, vai estar no Convento de Varatojo, Torres Vedras, a partir das 10h00, num convívio com a família, os Crispins e os Crisóstomos, bem como com os amigos e camaradas da Guiné.  Convívio para o qual estamos todos convidados: é só aparecer: A missa é às 10h30, a que se seguirá um convívio no claustro do convento do séc. XV. O padre Vitor Melícias estará presente.

Quinta feira, dia 29, o João estará também no 61º Convívio da Magnífica Tabanca da Linha, a partir das 12h30, em Algés, no restaurante Caravela de Ouro.