MEMÓRIAS DA GUINÉ
Fernando de Pinho Valente (Magro)
ex-Cap. Mil de Artilharia
10 - ACTIVIDADES NÃO OFICIAIS
Na esplanada do café Bento, em Bissau, encontrei o Inocêncio, que conhecia da Metrópole. Ele tinha sido funcionário da Câmara Municipal de Viseu e era genro de um capataz de obras públicas da Junta Autónoma de Estradas onde eu trabalhara.
Fez-me uma festa.
- O Senhor Engenheiro aqui, na Guiné?!
Expliquei-lhe a situação em que me encontrava como Capitão ao serviço do Exército.
Disse-me ele que estava colocado nos Serviços Administrativos da Tecnil, uma empresa de construções, especialmente vocacionada para a abertura e pavimentação de estradas, cujos donos eram oriundos de Viseu. Também me disse que, naquela altura, não tinham nenhum técnico qualificado na empresa e que o Governo havia adjudicado à Tecnil as pavimentações de diversos arruamentos de Bissau. Que iria telefonar à noite para Lisboa ao Engenheiro Ramiro Sobral (um dos donos), como diariamente fazia, e o iria informar que eu estava em Bissau.
- O Senhor Engenheiro não nos quererá dar uma ajuda?
Disse-lhe que me era impossível, uma vez que estava preso ao serviço militar praticamente das 9 horas da manhã até às 17 horas.
Respondeu-me que bastaria que passasse todos os dias pela obra às oito horas da manhã, no início dos trabalhos, para combinar com o encarregado a tarefa do dia tirando-lhe qualquer dificuldade que tivesse. Depois, durante o dia mesmo à hora do almoço bastava que passasse rapidamente pela obra para me assegurar que os trabalhos corriam com regularidade. E isso chegava.
Nessas condições disse-lhe que poderia contar com a minha colaboração.
No dia seguinte o Inocêncio apareceu-me no Batalhão de Engenharia comunicando-me que o Engenheiro Ramiro Sobral me pedia que entrasse imediatamente ao serviço da Tecnil e começasse por estudar os processos de adjudicação das obras e as condições em que as mesmas teriam de ser levadas a efeito para que, logo que possível, os trabalhos pudessem ser iniciados.
Assim entrei ao serviço da empresa sem sequer saber qual seria meu ordenado. Só o vim a saber passados três meses, quando o Engenheiro Ramiro Sobral se deslocou a Bissau e me perguntou quanto queria ganhar.
Informei-o do tempo diário que dedicava à Tecnil, tanto nos locais das obras como com os estudos dos projectos. E disse-lhe que ele sabia melhor do que eu, naquelas condições, quanto poderia valer o meu trabalho.
Adiantou-me um valor mensal que era sensivelmente o que auferia a tempo inteiro em Viseu, na JAE. Aceitei imediatamente a sua proposta.
Trabalhando para a Tecnil, orientei os trabalhos de arranjo e modificação do perfil da Avenida da República junto ao Largo de Nuno Tristão e ao edifício da Sociedade Gouveia e do Café Bento, local onde, quando chovia, se juntava muita água e cujo escoamento era difícil.
Orientei ainda os trabalhos de pavimentação das ruas de Angola e de Moçambique e da estrada de Bor, desde o Largo de Teixeira Pinto até à estrada de Santa Luzia.
Projectei e executei, quase completamente, o edifício das novas instalações da Tecnil junto à estrada de Santa Luzia.
Largo de Nuno Tristão
Também encontrei em Bissau o Dr. Moniz, que conhecia de Viseu como professor da Escola Industrial.
O Dr. Moniz, que possuía uma casa senhorial em Rio de Moinhos, em certa ocasião necessitou de umas árvores e arbustos e dirigiu-se à Direcção de Estradas de Viseu no sentido de conseguir o que pretendia dos viveiros da JAE na Queiriga.
O meu Director mandou-o entender-se comigo, uma vez que, na altura, além da responsabilidade da conservação da rede rodoviária nacional da área de Viseu, também geria o referido viveiro da Queiriga.
Facultei-lhe o que pretendia.
O nosso conhecimento teve origem nesse facto e ele ficou-me sempre agradecido.
O Dr. Moniz informou-me que era Director da Escola Comercial e Industrial de Bissau e que precisava de professores.
- O Senhor Engenheiro é que poderia resolver-me um problema. Não tenho professores de Matemática nem de Desenho.
Disse-lhe que era absolutamente impossível satisfazer o que pretendia uma vez que saía do Quartel cerca das 17 horas.
- Mas o meu problema é justamente no horário nocturno.
Retorqui-lhe que já tinha o serviço da Tecnil e que, depois do jantar, ficava por casa a fazer companhia à família e a descansar.
- No entanto, continuou o Dr. Moniz, o horário nocturno aqui em Bissau começa justamente às 18 horas e o serviço docente a partir dessa hora é pago a dobrar. Não quererá o Sr. Engenheiro ao menos leccionar duas horas por dia das 18 às 20 horas?
Nessas condições aceitei o que o Dr. Moniz me propunha e passei a ser professor de Matemática e de Desenho Geral na Escola Comercial e Industrial de Bissau, exercendo essa actividade durante dois anos lectivos (1970-1971 e 1971-1972).
Fiquei com o meu tempo completamente preenchido até às 20 horas.
Nos fins-de-semana, e em casa à noite, ainda tive tempo de realizar alguns projectos de engenharia civil, a saber:
- Projecto de um edifício misto, com snack-bar, apartamentos e armazém para a Sociedade Comercial Ultramarina de colaboração com o Arquitecto Fernando Pereira Morgado, Capitão miliciano como eu;
- Projecto das infra-estruturas de um bairro de casas económicas para a Caixa de Previdência dos Funcionários Civis;
- Projecto de um bloco de apartamentos com rés-do-chão comercial para António Amaro;
- Projecto de um bloco de apartamentos e das instalações para uma fábrica de camisas.
Algumas pessoas que me estavam mais ligadas começaram, a dada altura, a aperceber-se destas minhas actividades bem como dos rendimentos que auferia e, por isso, na área militar passei a ser conhecido como "Capitão Caça-níqueis".
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 18 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12057: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (9): Os reordenamentos populacionais