quarta-feira, 1 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16152: FAP (95): de Gadamael a Kandiafara… sem passaporte nem guia de marcha (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)


Foto nº 2  > "Foto de  autor desconhecido mas já por várias vezes publicada,  refere-se à última missão do Cor Moura Pinto na Guiné, com os pilotos e mecânicos do FIAT G-91 (Co a devida vénia ao autor) 


Foto nº 2 A > 


Foto nº 2 B 

Cortesia do bogue Especialistas da Base Aérea 12 Guiné 65/74 > 25 de janeiro de 2009 > O fim de um grande homem, um grande comandante


 Foto e legenda de Arnaldo Sousa:  pessoal dos Fiat G91/R4 e alguns pilotos. O Comandante da Zona Aérea e da BA12, Coronel [Pilav] Gualdino Maria Moura Pinto (, já falecido [. por doença, segundo inmformação do AMM, e não no acidente  com avião da TAP, o TP 425, vindo de Bruxelas, ocorrido a 19/11/1977 no Aeroporto do Funchal]. 

Da esquerda para a direita: em pé: Sargentos Robalo, Antunes, Pinheiro, Gaudêncio; Cap Pilav Letras, Cor Pilav Moura Pinto, Major Pilav Pedrosa, Cabos Veríssimo, Pinto, Sousa, Sargento Duarte. 

Em baixo: Cabo Lopes, Furriel Pinheiro, Sargento Ramiro, Cabos Brás, Veríssimo (II). Na escada do avião o Ten Pilav Matos. 

Esta foto de despedida foi tirada dias antes da partida do Coronel Moura Pinto para a Metrópole. Pessoa muito educada e de poucas falas, passava com muita calma e esboçando um ligeiro sorriso, inspecção ao avião sem tecer comentários e sem encontrar ponta por onde pegar como se costumar dizer. Todos o admiravam.  [...]  Arnaldo Sousa,  MMA 1ª/72.



A. Mensagem, com data de 24 de maio, do nosso camarada António Martins de Matos [AMM]  [ex-tenente pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje ten gen pilav ref; membro da nossa Tabanca Grande]


Caros amigos

Quase chegados às datas importantes de Gadamael, aqui junto um texto que abarca o período de 1 de junho de 1973 até ao 25 de abril de 1974.

Se o acharem com “pés para ser publicado”, gostaria que o fizessem no 1 de junho, data em que os acontecimentos foram “complicados”.

Para adocicar o texto junto 4 fotos:

A 1ª, tirada por mim, é de Pirada, mostra a distância entre o aquartelamento e o marco da fronteira [Foto nº 1];

A 2ª (, de autor desconhecido mas já por várias vezes publicada, ) refere-se à última missão do Cor Moura Pinto na Guiné, com os pilotos e mecânicos do FIAT G-91:

A 3ª e 4ª foram tiradas da Internet, representam o MirageV e o Skyvan.

Abraço
AMM


B. De Gadamael a Kandiafara… sem passaporte nem guia de marcha

por António Martins de Matos

Numerosos são os textos, palestras, opiniões e até filmes sobre os acontecimentos em Guileje e Gadamael entre os meses de maio e junho de 1973, a maior parte das vezes descrevendo e prognosticando o principio do fim das nossas tropas (NT) e enaltecendo a manobra do PAIGC, no que alguns à posteriori e no sentido de valorizar o momento, denominaram de “Operação Amílcar Cabral”.

Inexplicavelmente os referidos textos, palestras e filmes só relatam os acontecimentos no brevissimo período de duas semanas, entre os dias 22 de maio e 5 de junho de 1973, ninguém se mostrou interessado em seguir a estória dos dias seguintes e saber o que realmente acabou por acontecer em Gadamael e em toda a zona sul da Guiné.

Quem se desse ao trabalho de analisar com maior profundidade os acontecimentos desse junho de 1973 acabaria por constatar que a grande ofensiva do PAIGC no sul da Guiné se resumiu apenas àquelas duas semanas e logo se volatilizou, tudo regressando à situação anterior a 1972.

Porquê? Que se passou?

O que travou o avanço do PAIGC e estancou o tão apregoado “efeito dominó”,propagandeado vezes sem conta por 'Nino' Vieira?

A explicação é simples e tem duas vertentes, por um lado a presença do Batalhão de Paraquedistas na área condicionou de imediato os movimentos dos guerrilheiros na zona, por outro lado a Força Aérea Portuguesa (FAP) bombardeou as matas à volta de Gadamael, silenciando várias bases de fogo, e em seguida entrou pelo território da República da Guiné-Conacri, destruindo a maior base de apoio do PAIGC, situada perto da localidade de Kandiafara.

Passados que são 43 anos e antes que o tema acabe por cair no esquecimento, aqui junto algumas considerações sobre a situação então vivida e factos ocorridos nesses dias.



Mirage V (Imagem, de origem desconhecida, recolhida na Internet, AMM)


1. O material em falta

Na Guiné e logo após a identificação do míssil Strela (6 de abril de 1973), os pilotos da FAP tinham pedido três melhoramentos urgentes.  a saber, pretendiam que: (i) fossem substituídas as metralhadoras 12,7 mm do FIAT G-91 por canhões de 20/30 mm: (ii) fosse instalado na aeronave um sistema de alerta anti-míssil:  e, (iii) na base de Bissalanca, necessitavam de um radar de busca/defesa aérea que os apoiasse em operações de dia/noite ou mau tempo.

Ainda que dispendiosos, todos estes requisitos eram fáceis de implementar, na Força Aérea Alemã havia aviões iguais aos nossos mas equipados com dois canhões de 30mm, sistemas anti-míssil já eram usados no Vietname, e Bissalanca até já tinha um radar de defesa aérea desde 1964, montado em torre metálica perto da cabeceira da pista, só que … não funcionava.

Em complemento a este pedido dos pilotos, o Comandante da Zona Aérea, Coronel Moura Pinto, tinha declarado em 15 de maio de 1973, durante a reunião de Comandos no Quartel-general do Comando Chefe, que, face à ameaça dos mísseis Strela e possível entrada no conflito de aviões MIG, para continuar a dar um apoio eficiente às NT precisava de  oito aviões SKYVAN, para substituir os DO-27, cinco helicópteros equipados com armamento axial, e doze aviões do tipo MIRAGE, com um raio de acção não inferior a 300 milhas náuticas.

Este requisito sobre o raio de acção não era inocente, no caso de um futuro ataque de MIG haveria necessidade de retaliar e destrui-los no solo e a única pista apta a receber os aviões, estava situada em Conacri, a uma distância de cerca de 200 milhas de Bissalanca.

Todos estes pedidos foram devidamente registados, logo os estados-maiores entraram na borbulhagem da burocracia e, de reunião em reunião, estudo em estudo e acta em acta, lá se foram adiando as soluções.

Esta inércia, ignorância, desleixo ou falta de respeito pelos militares que em 1973 combatiam na Guiné já há muito se tinha tornado por demais evidente, o Governo de Lisboa não sabia e/ou não estava minimamente interessado em resolver a situação no Ultramar, o seu lema pautava-se por um … “adiar é resolver”.

Tivessem lido os “Tratados sobre Guerra Subversiva” e deveriam saber que, com o passar do tempo, a situação iria evoluir da “tímida flagelação” para uma “guerra convencional”, onde a artilharia e a aviação acabariam por ter um papel fundamental.

No entanto, durante todos os anos do conflito e para além de alguns pequenos melhoramentos no armamento das nossas forças armadas, nada mais tinha sido feito.

Em boa verdade já não existia o capacete de ferro, cartucheiras a tiracolo e a Mauser mas os tempos da primeira mina encontrada (1963) já tinham passado, usávamos dilagramas e bazucas contra o RPG, obuses da 2ª Grande Guerra contra o canhão sem recuo e o FIAT G-91 contra uma previsível e futura aviação de MIG, de dono indefinido e, ao contrário do que muitos acreditavam, quase certamente pilotados por mercenários experientes, oriundos da Alemanha de Leste, URSS, Reino Unido, …como já anteriormente tinha acontecido na guerra Nigéria/Biafra.

Por outro lado e em termos de defesa aérea, a Guiné continuava totalmente desprotegida, não só contra aviões de combate mas também contra qualquer “avioneta” que, de noite, resolvesse vir largar sobre Bissau umas granadas, uns tijolos ou uns panfletos.

Ao chegar o 25 de abril de 1974, um ano depois do aparecimento do míssil Strela e depois de seis aviões terem sido abatidos, de todos os requisitos operacionais então solicitados e tidos como urgentes e imprescindíveis, nenhuma alteração/melhoramento tinha ocorrido.


Short Skyvan SC-7 (G-BEOL) of Invicta Aviation at the Cotswold Air Show at Cotswold Airport, Kemble, Gloucestershire, England. Later in the day it was used to drop a parachute team.
Date June 2010.  

[By Adrian Pingstone (Arpingstone) (Own work) [Public domain], via Wikimedia Commons ]


2. Estratégias

Entre 6 e 8  de junho de 1973 o então CEMGFA, General Costa Gomes, visitou a Guiné, trazendo a resposta/solução do Governo aos pedidos feitos a 15 de maio de 1973 no Quartel-general do Comando Chefe.

Segundo ele e por motivos não explicados, os pedidos de material militar dificilmente seriam satisfeitos, mas, em contrapartida, aceitavam/sugeriam a retracção dos aquartelamentos da fronteira.

Era a segunda visita de Costa Gomes nesse ano, desde logo se tornou evidente que, para transmitir aquelas decisões do Governo não teria sido necessário vir a Bissau, algo que poderia ter sido comunicado por mensagem, a razão da deslocação e a sua principal missão era a de tentar “amaciar” Spínola.

O General Spínola conhecia bem os textos de Clausewitz e Mao Tse Tung, sabia que a guerra na Guiné nunca poderia ser ganha pela força mas sim cativando as populações locais.  A sua estratégia há muito que estava definida, passava por não hostilizar as populações, criando ordenamentos auto-defendidos, com escolas e apoio sanitário, saudando o regresso dos que anteriormente tinham apoiado a guerrilha e deixando em aberto a possibilidade de, num futuro não muito distante, iniciar negociações com os líderes locais tendo em vista a oferta de uma autonomia negociada.

Interessante e quase nunca referido, durante o seu Comando, Spínola proibira terminantemente que alguém, alguma vez, efectuasse algum disparo na zona da Ilha do Como.

Spínola logo rejeitou a solução apresentada pelo CEMGFA, a estratégia da retracção autorizada pela Metrópole só iria conduzir a um beco sem saída, quando, de retirada em retirada e por falta de espaço, não mais pudessem retrair as forças, a saída acabaria por ser semelhante à que os americanos de Saigão vieram a adoptar em 1975, dos telhados da cidade em direcção aos navios fundeados na baía.

Por outro lado, uma retracção iria destruir pela raiz todo o esforço em que se empenhara, iria deixar vulneráveis todas as populações das áreas junto às fronteiras, e às quais tinha prometido protecção.

A estratégia de Spínola não agradava ao Governo, podia vir a ser um mau exemplo para Angola, e, para o Governo de Marcelo Caetano, só Angola era importante.

Desiludido, sentindo-se manipulado, Spínola desistiu, … outros que fizessem melhor…

Ninguém fez melhor.

Entretanto, o Comandante da Zona Aérea, Coronel Moura Pinto, que sabia de estudos na FAP desde 1971 para a compra de aviões MIRAGE V, ao constatar que o apoio urgente e pedido em 15 de maio de 1973 continuava adiado e a não fazer parte das prioridades do Governo e que, em vez disso e em jeito de consolação, ia recebendo equipamento variado mas sem qualquer utilidade, logo criticou as chefias de Lisboa.

Desta vez foram rápidos a reagir, de imediato foi destituído do cargo que desempenhava.


3. Gadamael

Fazendo parte do então criado COP5, juntamente com Cacine e Guileje, Gadamael era um aquartelamento sem grande estória ou posição estratégica, a sua importância resumia-se a uma missão do tipo entreposto, receber via fluvial os abastecimentos destinados a Guileje e …expedi-los.

Até 1968 o aquartelamento tinha-se mantido protegido de ataques vindos da fronteira pela existência dos destacamentos de Cacoca e Sangonhá e, apesar de entretanto estas duas posições terem sido desactivadas, pouco ou nada se alterou, o rio Cacine era um obstáculo natural para o PAIGC, bem mais interessado em utilizar o Corredor do Guileje.

Raramente Gadamael era atacada, como consequência, o plano de defesa do aquartelamento não era muito elaborado, uns mini-abrigos e algumas valas eram mais que suficientes.

Quando em 22  de maio de 1973 e sem qualquer aviso lhe entraram pelo aquartelamento cerca de 200 militares e 500 civis fugidos de Guileje, logo as coisas se complicaram, não havia espaço para acomodar tanto pessoal.

Em 25 de maio de 1973 e depois de se ter recomposto da surpresa de lhe terem oferecido de bandeja um aquartelamento das NT, ainda por cima cheio de víveres, o PAIGC logo procurou explorar o seu inesperado êxito, em cinco dias recolocou a sua artilharia pesada na direcção de Gadamael e passou a executar um “tiro ao alvo” contra o aquartelamento, bem mais intenso do que tinha feito contra Guileje.

Tudo o que depois aconteceu, resultou apenas da … falta de espaço.

A segunda pedra do dominó oscilou, tudo isso sem que os militares de Gadamael merecessem algum reparo ou reprimenda, apenas tinham sido surpreendidos por acontecimentos estranhos e inopinados, para os quais em nada tinham contribuído e eram completamente alheios.

Oscilou mas não caiu.

Entre 1 e 3 de junho de 1973 a FAP evitou fazer bombardeamentos na zona, nada a ver com desculpas de mau tempo, Strelas ou AA [, antiaéreas], mas sim por se saber haver inúmeros militares e população espalhados e em debandada por toda a área, só com a chegada dos paraquedistas em 3 de junho de 1973 a situação ficou mais ordenada.

A partir do dia seguinte as áreas suspeitas foram devidamente identificadas, as bases de fogo dos morteiros de 120 mm acabaram por ser bombardeadas e calaram-se de vez.

De seguida foi a busca das armas de maior alcance, situadas para além da fronteira, durante alguns dias ainda se tentaram encontrar as bases de fogos nas clareiras perto de Satiguia, mas a área era demasiado vasta, mereceu um pensamento apropriado:  “Em vez de andarmos à procura das formigas, o melhor será encontrarmos o formigueiro”.

Estava lançado o mote para destruir Kandiafara.


4. Kandiafara

No inicio do conflito na Guiné os “estrategas” de então terão pensado que o armamento da guerrilha se limitaria à “catana, canhangulo e arma fina”, tal ideia fez com que o dispositivo das forças portuguesas fosse planeado essencialmente de modo a controlar as fronteiras, espalhando os efectivos pelo terreno, alguns quartéis mesmo no limite do nosso território, em missão do tipo controlo de polícia, ver quem entra e quem sai.

Com a evolução da guerra tal aproximação revelou-se desajustada, a Guiné era um território pequeno, tendo por vizinhos o Senegal e a Guiné-Conacri, ambos hostis, e com as suas fronteiras altamente permeáveis a infiltrações.

Não obstante o dispositivo nacional estar espalhado por todo o território, o apoio logístico do PAIGC ao interior conseguia facilmente ser executado através de corredores de abastecimento mesmo nas vizinhanças dos nossos aquartelamentos, Jumbembem e Sambuiá no Norte, e Guileje no Sul disso eram exemplos.

A missão das NT de tentar impedir o fluxo e refluxo de colunas de abastecimento através desses corredores de infiltração sempre se revelou de êxito duvidoso, algumas colunas terão sido bloqueadas, mas o melhor que se conseguia fazer era atrasar o seu deslocamento, grande parte delas terá passado incólume.

Mas não era só o problema de conter as infiltrações que nos devia preocupar, alguns dos aquartelamentos tinham sido construídos a escassos metros da fronteira e por essa razão ao alcance de um simples tiro de arma ligeira disparado do país vizinho, casos de Guidaje, Pirada e Buruntuma.

Com o passar do tempo e o aparecimento na panóplia do PAIGC de artilharia mais potente, inúmeros outros aquartelamentos logo vieram engrossar a lista dos que podiam ser atacados a partir do “estrangeiro”, a saber,  Bajucunda, Copa, Canquelifá, Guileje, Gadamael.

O abandono do Guileje em 22 de maio de 1973 deu ao PAIGC uma nova perspectiva de como bastava posicionar a sua artilharia pesada na zona da fronteira para poder forçar as NT a recuar, tudo isto sem serem obrigados a grandes riscos ou movimentações.

Com a introdução no conflito de uma nova peça de 130 mm (M-46, de alcance superior a 20 quilómetros), a breve trecho outros quartéis iriam ficar em semelhante situação, Piche, Cacine e Aldeia Formosa certamente seriam os próximos alvos.

A não ser tomada uma decisão que contrariasse este tipo de ataques, o PAIGC preparava-se para nos obrigar a retirar de todos os quartéis próximos da fronteira, sem sequer necessitar de entrar no nosso território.

A única maneira de conter estes ataques passava por destruir os grandes centros de logística, ambos situados na Guiné-Conacri, Kandiafara a cerca de 20 quilómetros a oriente de Guileje, recebia o material de guerra desembarcado em Boké e, com a ajuda de Simbeli e Kambera, abastecia todo o sul, e Koundara a uma distância de cerca de 40 quilómetros a leste de Buruntuma que, com o apoio de Kumbamori, abastecia o norte e leste.


5. Os riscos

Portugal já tinha passado por uma má experiência quando da “Operação Mar Verde”.

A maioria dos objectivos tinha falhado, de positivo tínhamos recuperado os prisioneiros portugueses, mas Sekou Touré continuava a ser o presidente da Guiné-Conacri, a oposição ao seu regime tinha sido aniquilada e não estava resolvido o mistério sobre a presença ou não de aviões MIG no seu território.

No plano internacional, de imediato tínhamos sido acusados de um acto de guerra e violação das fronteiras contra um estado soberano, tendo o Conselho de Segurança das Nações Unidas logo aprovado duas resoluções contra Portugal.

Em termos militares pagámos igualmente a ousadia de tal operação, Sekou Touré pediu e obteve um maior apoio militar da URSS, material de guerra que veio engrossar a panóplia do PAIGC.

O Governo Português ainda se esforçou por tentar defender a ideia que nada tinha a ver com a invasão, mas a deserção de alguns elementos dos comandos africanos puseram a nu a nossa participação.

Em termos de lições aprendidas e para um eventual novo ataque dentro do território da Guiné-Conacri havia uma série de riscos que Portugal não podia voltar a correr, a informação sobre o objectivo tinha de estar precisa e actualizada, o alvo tinha de ser totalmente destruído e não podiam ser deixadas “pontas soltas” em território da Guiné Conacri.

Quanto à situação internacional…. logo se veria.


6. O armamento

Cada avião FIAT G-91 foi armado com duas bombas de demolição de 750 libras (cerca de 340 quilos por cada bomba) e 200 munições 12,7 mm em cada uma das 4 metralhadoras.

As bombas de 750 libras, de origem americana, eram de demolição e actuavam por sopro. Obrigavam a um cuidado redobrado na pilotagem, estava-se perto do peso máximo autorizado para a descolagem e, devido à pequena dimensão da asa, não era possível manobrar o avião numa situação de assimetria, as duas bombas tinham que ser largadas na mesma picada de bombardeamento, ainda que pudessem bater dois alvos distanciados de 500 metros.

De referir que este problema de assimetria nas asas custou-nos a perda de um avião em 1 de setembro de 1973 quando, num bombardeamento na área do Morés, o piloto largou uma das bombas e, por motivos não esclarecidos, conservou a outra. (FIAT G-91 5416).

Quanto às metralhadoras, elas apenas seriam usadas para defesa próxima, na remota hipótese de algum encontro imediato com um MIG que nos viesse atacar.


7. A execução

Nessa manhã estavam 8 aviões prontos para operações mas na Guiné e nesse período só havia 6 pilotos qualificados na aeronave.

Logo pela manhã saíram 2 helicópteros de Bissalanca em direcção a Gadamael, tinham como missão ficarem de alerta para uma tentativa de resgate de algum piloto que eventualmente fosse abatido em território da Guiné-Conacri, algo que encarávamos como muito provável, já que sabíamos Kandiafara fortemente defendida com antiaéreas ZPU-4 de 14,5 mm, peças AA de 37 mm e mísseis Strela.

Havia ainda a possibilidade de, caso existissem, sermos confrontados e perseguidos por aviões MIG.

Os de Gadamael ouviram-nos passar, ainda vieram ao rádio, estavam habituados a ver-nos bombardear as matas na zona da fronteira, queriam saber onde íamos, não respondemos, desta vez o objectivo não era na vizinhança mas sim … no estrangeiro.

Em 20 minutos chegámos a Kandiafara, íamos altos, a cerca de 3500 metros de altitude, o que nos dava grande vantagem, lá de cima podíamos ver a área do objectivo na sua totalidade, estávamos ao abrigo de disparos de Strela e, uma vez identificados os alvos, permitia-nos uma picada imediata sobre os mesmos.

Fomos recebidos com um fogo cerrado das peças AA de 37 mm, os projecteis rebentavam um pouco abaixo de nós, formando um tapete branco de pequenas explosões.

Logo de seguida os seis aviões picaram sobre os respectivos alvos e cada um largou as suas duas bombas de 750 libras.

Na recuperação do passe sentimo-nos a ser perseguidos pelo fogo das ZPU-4, o chamado “calor na nuca”; pela minha parte vi algumas tracejantes passarem perigosamente perto da cauda do avião que me precedia, até que ele, com uma manobra brusca, inverteu a direcção da subida.

Depois de, no rádio, verificarmos que todos estavam bem, o regresso a Bissalanca foi “cada um por si”, interessava regressar o mais rápido possível, de modo aos mecânicos reabastecerem e remuniciarem as aeronaves.

Uma hora depois de termos aterrado já estávamos de novo no ar, novamente 6 FIAT G-91, cada um com outras 2 bombas de 750 libras.

Sabíamos que, a haver MIG, esta segunda missão seria o momento indicado para nos atacarem.

A chegada a Kandiafara foi bem diferente da vez anterior, já não houve tapete de explosões de 37 mm, apenas algumas tracejantes de ZPU-4, o que até nos permitiu localizá-las e largar bombas nas suas posições.

Nova verificação de que tudo estava bem e regresso imediato a Bissalanca para mais um remuniciamento.

Mais uma hora de espera e iniciámos uma terceira viagem ao estrangeiro, mais 12 bombas de 750 libras, ao chegarmos a Kandiafara já não vislumbrámos qualquer reacção hostil, nada, …, a área estava cheia de fumo e pó e … parecia deserta.

Esta última largada de armamento já não teve alvos definidos, foi mais na zona, o que tinha de ser destruído já o fora anteriormente.

Ainda ficámos algum tempo a circular à vertical do objectivo, tentando vislumbrar alguma reacção vinda do chão ou do ar, nada aconteceu.

A mais famosa e importante base de apoio do PAIGC acabara de ser destruída.


8. Os resultados 

Em termos diplomáticos a missão acabou por ser um sucesso já que, inexplicavelmente, não houve qualquer queixa internacional.

Como justificação para esta “não queixa” poder-se-á afirmar que, sendo certo que o bombardeamento foi bem dentro do território da Guiné-Conacri, por outro lado foi dirigido apenas contra instalações do PAIGC.

Numa análise mais “elaborada” arriscar-me-ia a dizer que este bombardeamento terá mesmo agradado ao presidente Sekou Touré, o qual há muito que não se sentia seguro com o crescente potencial bélico do PAIGC dentro do seu território, por comparação com a debilidade das suas forças armadas.

Em termos operacionais a missão foi igualmente um sucesso, por um lado nenhum avião foi atingido, por outro lado a capacidade de abastecimento do PAIGC na região sul ficou seriamente abalada e o grande esforço que vinha realizando nessa área, diluiu-se de imediato.

Em resumo, em Kandiafara foram largadas 36 bombas de 750 libras, o equivalente a mais de 12 toneladas de explosivos, o maior bombardeamento da FAP nos 13 anos de guerra em África.

Para o êxito da missão muito contribuíram os mecânicos, tantas vezes esquecidos, por vezes maltratados e que, nessa manhã, tinham feito um esforço sobre-humano para prepararem as 18 saídas e o respectivo armamento.


Foto nº 1 > Guiné > Zona leste > Pirada b> 1973 > "Foto  tirada por mim, é de Pirada, mostra a distância entre o aquartelamento e o marco da fronteira".

Foto (e legenda): © António Martins de Matos (2016). Todos os direitos reservados.


9. O rescaldo 

Em novembro de 1973 e como a indiferença perante a necessidade de melhorar o equipamento militar se continuasse a manifestar, o novo Comandante da Zona Aérea, Coronel Lemos Ferreira, subiu o tom das criticas, “SUGERINDO” que, à semelhança do ocorrido na Índia doze anos antes, o Governo preparava-se para tentar encontrar um “bode expiatório”, algo que permitisse justificar o fim do Ultramar, uma maneira hábil de tentar ilibar os políticos e culpar os militares.

Os recém nomeados Ministros da Defesa e Exército, Silva Cunha e Andrade e Silva e o então CEMGFA, General Costa Gomes, engoliram o “sapo” e nada fizeram.

E continuaram a nada fazer.

Algum tempo antes da missão a Kandiafara a FAP já havia bombardeado Kumbamori (no norte) e Kambera (no sudeste), enfraquecendo a logística de apoio do PAIGC nas zonas norte e sul.

O passo seguinte seria atacar e destruir Koundara, a base que apoiava o leste.

Foi feita uma missão de ensaio onde se verificou que o FIAT G-91 com o armamento apropriado e partindo de Bissalanca, apenas conseguia chegar a Buruntuma, devido ao seu pequeno raio de acção.

Ainda assim, a missão podia ser realizada, mas os aviões tinham de, no regresso, aterrar em Nova Lamego para reabastecer, nada de difícil, apenas mais demorado.

Inexplicavelmente … não fomos autorizados.  Ficava no ar a impressão que “alguém, algures” … queria perder a guerra.

Entretanto o nosso sobrevoo na zona de Buruntuma alertara as NT, nunca se saberá como os identificaram mas, … descobriram aviões MIG no ar.

Em dezembro de 1973 o General Bettencourt Rodrigues ordenou uma vasta operação no Cantanhez.

A comparação com Spínola estava a revelar-se difícil, no seu currículo já tinha uma má nota, responsável pela “comemoração da independência”, ainda que a mesma se tivesse efectuado fora da Guiné.  Necessitava urgentemente de marcar pontos.

Em termos de estratégia, a sua decisão desde logo deixava algumas dúvidas sobre a razão e oportunidade, outrora o Cantanhez fora um santuário do PAIGC mas tudo isso se diluíra devido a três factores: (i) a construção dos aquartelamentos das NT na margem esquerda do rio Cumbijã; (ii) o ataque e destruição de Kandiafara;  e (iii) os posteriores bombardeamentos na área, só terminados quando, depois de termos atacado a tabanca nossa/deles de Santa Clara, a população tinha entrado pelo aquartelamento de Cadique a pedir auxilio.

Tínhamos bombardeado a tabanca e de seguida fomos buscar os feridos, tivesse o Fernando Pessa sabido do acontecimento e logo diria … “E esta, heim?”.

Aos olhos de qualquer piloto habituado a sobrevoar a Guiné era evidente que os apoiantes do PAIGC e habituais no Cantanhêz, há muito se tinham apresentado aos nossos aquartelamentos ou … atravessado o rio Cacine, direcção Guiné-Conacri.

Para a FAP e face à não destruição de Koundara, o novo ponto crítico da Guiné estava há muito definido, o leste, onde a protecção das NT continuava a ser descurada.

Em 1 de janeiro de 1974 e com a missão no Cantanhez ainda a terminar, foi o momento do PAIGC iniciar os ataques a Canquelifá, Bajocunda e Copá, com o apoio logístico da entretanto poupada Koundara e a estratégia já anteriormente usada em Gadamael, o chamado “tiro ao alvo”, desta vez utilizando foguetões de 122 mm.


10. O fim

Quando em janeiro de 1974 o PAIGC se retraiu no sul e norte para poder iniciar os ataques ao leste, os “estrategas” do QG/CTIG já não estavam minimamente interessados em estudar e discutir as tácticas e os planos da guerra, mas sim em como se livrarem dela.

Desde logo identificavam como culpados Marcelo Caetano, o seu Governo e os 50 aviadores de Bissalanca que, segundo as más línguas, em vez de apoiarem as NT, “já nem voavam”, ainda que, misteriosamente, continuassem a largar ferro por tudo o que era sitio e a serem abatidos por Strelas (31 de janeiro de 1974, FIAT G-91 5437).

A 8 de fevereiro de 1974 foi a vez das NT abandonarem Copá.

Os passos seguintes foi lerem o livro de Spínola “Portugal e o Futuro”, prepararem a “estratégia revolucionária para aplicar no 26Abril” e … aguardar.

Quando George Orwell escreveu …“A maneira mais rápida de acabar com uma guerra é perdê-la”... não adivinhava ter conseguido tantos admiradores em Lisboa e … arredores.

Dedicado ao meu mui mui grande Comandante Moura Pinto e aos meus amigos Pedroso de Almeida, Bessa e Gil, todos eles já a voarem por outros céus.

AMM
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terça-feira, 31 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16151: Revisitando o "chão fula", e ligando o passado com o futuro (Patrício Ribeiro, Impar Lda) - Parte II: Piche


Foto nº 1 > Maio de 2016 > Piche: a atual tabanca parece ter um ar cuidado...

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Foto nº 2 > Maio de 2016 > Piche, entre Gabu (a 30 km a oeste) e Buruntuma (a 37 km, a nordeste)...


Fotos: © Patrício Ribeiro (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]




1. Excerto da mensagem, de anteontem, do nosso grã-tabanqueiro de Bissau (ou melhor, de Bafatá, onde agora vive) Patrício Ribeiro:


[ Patrício Ribeiro,foto à esquerda: português, natural de Águeda, criado desde terra idade e casado em Angola, com família no Huambo, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde 1984, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda, especilazada em energias alternativas; também conhecido carinhosamente como "pai dos tugas"; vive temporariamente em Bafatá, enquanto a sua empresa leva a luz e a água poyável a quase uma centena de tabancas do chão fula, no leste]


Assunto - Canquelifa - P16127, de 23 de maio de 2016, de Jorge Araújo
30 DE MAIO DE 2016


(...) Vamos deixar algumas obras feitas, em benefício da população. Que na sua maioria são Fulas, que sempre estiveram, ao longo dos séculos, ligados aos Portugueses. E que nos ficam muito agradecidos. Neste caso vão ficar com água potável em 88 tabancas. Neste momento, já a têm em 75, já falta pouco…

(...) Como sempre, encontro antigos militares Portugueses, quando tiro fotos aos antigos quarteis destes locais, vão me contando as histórias desse tempo. Alguns eram milícias, outros militares, ainda outros ex-comandos Portugueses, que estiveram refugiados muitos anos no Senegal, viram muitos colegas seus serem lá capturados, enviados para a Guiné, onde tiveram um fim triste.

Junto algumas fotos das viagens desde: Bafatá, Piche, Canquelifa, e também do meu trabalho para publicarem, se tiver interesse.


(...) Abraço, desde o calor.
Patrício Ribeiro

Impar Lda | Bissau

impar_bissau@hotmail.com
http://www.imparbissau.com/ 





Página da Impar Lda, líder na Guiné-Bissau no campo das Instações Fotovoltaicas: tem mais de 4 centenas de instalações no seu portefólio.


________________

Nota do editor:

Último poset da série > 30 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16147: Revisitando o "chão fula", e ligando o passado com o futuro (Patrício Ribeiro, Impar Lda) - Parte I: Bafatá

Guiné 63/74 - P16150: In Memoriam (259): José Manuel P. Quadrado (1947-2016): mais um bravo do 1º pelotão da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71) que nos deixa, 47 anos depois de desembarcarmos em Bissau; vivia na Moita, foi 1º cabo apontador de dilagrama, e comandante de secçcão: vai simbolicamente repousar sob o poilão da Tabanca Grande... Que a terra da tua Pátria te seja leve, camarada!


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Malta da CCAÇ 12: da esquerda para a direita:

(i) o 1º cabo José Manuel P Quadrado (que era apontador de armas pesadas de infantaria; pertencia à 1ª secção do 1º Gr Comb, comandado pelo alf mil op esp Francisco Magalhães Moreira; além de apontador de dilagrama, comandava a 1ª secção; fazia as vezes de furriel, pagavam-lhe como cabo); 

(ii)Abílio Soares, 1º cabo at inf, da 3ª secção do 1º Gr Comb (vivia em Lisboa, e terá falecido há muito. em circunstâncias misteriosas, segundo nos relata o Fernando Sousa);

(iii) João Rito Marques (1º Cabo Manutenção de Material, o nosso "cabo quarteleiro";  vive hoje em Sabugal); 

(iv) António {Braga Rodrigues] Mateus, 1º cabo,m 3º Gr Comb, comandado pelo alf mil at inf Abel Rodrigues) [, durante muito tempo emigrado em França, vive em Guifões, Matosinhos);

(iv) e o sold cond auto António C. Gomes. 

Foto: © António Mateus (2012). Todos os direitos reservados.



Óbidos > Restaurante A Lareira > 22 de maio de 2010 > 16º Convívio do Pessoal de Bambadinca 1968/71 > Quatro camaradas da CCAÇ 12 > Da esquerda para a direita: (i) João Gonçalves Ramos (ex-sold radiotelegrafista); (ii) José Manuel P. Quadrado (ex-1º cabo ap armas pesadas inf) (1947-2016); (iii)  Fernando Andrade Sousa (ex-1º cabo aux enf);  e (iv)  Adélio Monteiro (ex-sold cond auto, organizador do encontro de 2009, o 15º, em Castro Daire)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados


Castro Daire > Freguesia de Monteiras > Zona Industrial da Ouvida > Restaurante P/P > 30 de maio de 2009 > 15º Convívio do pessoal de Bambadinca, 1968/71, CCS do BCAÇ 2852, CCAÇ 12 e outras subunidades adidas >

Mais dois camaradas da CCAÇ 12: o ex-1º cabo trms inf António Domingos Rodrigues, de Torres Novas (organizador do 14º Convívio, em 2008, e já falecido há dois ou três anos); e o ex-1º  cabo ap armas pesadas José Manuel P. Quadrado, que vivia na Moita (1947-2016).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados


Foto à esquerda; 1º Cabo Apont de Armas Pesadas nº mec 8490968 José Manuel P. Quadrado (1947-2016)
.
1. A triste notícia chegou ontem pelo telefone: "O Quadrado morreu... Somos cada vez menos"... 

Do outro lado, o Fernando Sousa, que vive na Trofa, e para quem a CCAÇ 12 era (e é) uma família.  Foi uma irmã do Adélio Monteiro, vizinha do Quadrado, que nos deu a triste notícia, por via do irmão e do Fernando de Sousa. (*)

O Patronilho era quem vivia mais perto do Quadrado, e o trazia, de carro, aos convívios. O Francisco António Patronilho, ex-sold condutor auto, vive  em Brejos de Azeitão, onde tem um oficina de reparação automóvel (R de São Gonçalo, 255, Brejos de Azeitão, 2925-256  Azeitão, telf 21 2188 272). O Patronilho estava mais ou menos a par da evolução da doença que matou o Quadrado.

Como diz o Fernando, éramos todos bons amigos e camaradas, a malta metropolitana da CCAÇ 2590 (mais tarde, CCAÇ 12), pouco mais de meia centena, que mal enchia uma carruagem de comboio, quando na noite de 24 de maio de 1969 partiu, de Santa Margarida, para Lisboa, embarcando de manhã no T/T Niassa, no Cais da Rocha Conde de Óbidos.

Foi há 47 anos. Desembarcámos em Bissau a 30. Simbolicamente, o nosso camarada Quadrado quis morrer nesse dia. Há estranhas coincidências, era o seu dia de aniversário e o dia de desembarque em terras africanas. O Fernando também fez ontem anos, 70, era o mais velho dos cabos. O Quadrado devia ser de  1947.  Ele que sofria de uma doença crónica hepática, já não foi este ano ao convívio do pessoal de Bambadinca. (**)

Convivemos pouco ou quase nada depois do nosso regresso á metrópole. Pouco sei da sua vida. Sei que era casado, terá filhos e netos,  Era relativamente assíduo, com a esposa,  nos nossos convívios. Em Bambadinca, também lhe chamavam o "Alentejano". O José Fernando Almeida, ex-fur trms da CCAÇ 12, diz-nos que ele tinha sido condutor de automotora no Metro de Lisboa.

Dada a minha presença irregular nos convívios do pessoal de Bambadinca (1968/71), encontrei-o três ou quatro vezes (em Lisboa,em Castro Daire, em Óbidos). Continuava a ser  o homem simples e bom que aprendi a estimar desde Santa Margarida até Bambadinca. Tínhamos em comum o facto de sermos, os dois,  de armas pesadas de infantaria, nós e o 1º cabo Virgílio da Encarnação (4º Gr Comb). Como a nossa companhia era de intervenção, deram-nos, aos três,  uma G3 e converteram-nos em atiradores de infantaria. O Quadrado sempre no 1º Gr Comb do alf mil op esp Francisco Moreira, eu saltitando de pelotão em pelotão, conforme o serviço e as conveniências. "Pião das nicas", às ordens do capitão...

Fizemos juntos diversas operações em que apanhámos porrada da grossa. Confiaram-lhe o temível dilagrama porque  era um tipo aparentemente calmo, ponderado e reservado.  Era um arma letal. De qualquer modo, o 1º Gr Comb era um grupo armado até aos dentes: havia pelo menos 4 apontadores de dilagrama (2 na 1ª secção!), além da metralhadadora ligeira de fitas HK21, o morteiro 60, o LGFog 3,7 e o LGFog 8,9.

Além disso, o Quadrado era comandante de secção, o 1º Gr Comb só tinha dois furrieis, o António [Manuel Martins] Branquinho (1947-2013), e o Joaquim [João dos Santos] Pina (que vive em Silves).

2. Recordo aqui uma das operações em que os bravos do 1º Gr de Comb podiam ter sido todos massacrados, a Op Borboleta Destemida (região do Xime, 14 de janeiro de 1970, em que participou também a CART 2520, unidade de quadrícula do Xime). Portaram-se como heróis os homens que iam à frente, com um guia prisioneiro. 

Foram feridos com gravidade,  e evacuados para o HM 241 (Bissau), o furriel Joaquim Pina, o 1º cabo at inf Manuel Monteiro Valente (, apontador de dilagrama), o sold trms José Leites Pereira e o sold at inf Mamadu Au (Ap Metr Lig Hk 21), todos da 2ª secção (que o Pina comandava).

Hoje despede-se da "terra da alegria" mais um dos bravos da CCAÇ 12, o  1º cabo José Manuel P. Quadrado, meu camarada. Regressou são e salvo a casa, em março de 1971, mas trazia já com ele o vírus mortal do triângulo maldito Xime-Bambadinca-Xitole.

Deixem-me que ele repouse simbolicamente à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande. Não  quero que ele vá para a vala comum do esquecimento.  

A relação dele com o nosso blogue era ténue, tem apenas três ou quatro referências esparsas. Tanto quanto sei, não tinha email nem página no Facebook. Para a família e amigos fica aqui também a nossa manifestação de pesar e de solidariedade.

Que a terra da tua pátria te seja leve, meu camarada! (LG)
___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 28 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16141: In Memoriam (258): Soldado Ilídio Fidalgo Rodrigues, o "Esgota Pipas" da CCAÇ 2382, morto por um estilhaço de um projéctil IN (Manuel Traquina, ex-Fur Mil)

(**) Sobre a história da CCAÇ 12, há mais de 3 dezenas de postes publicados:

21 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6447: A minha CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971) (1): Composição orgânica (Luís Graça)


16 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13148: A minha CCAÇ 12 (30): fevereiro de 1971: batismo dos "piras" que nos vieram render... Adeus, Bissau, em 17 de março de 1971, no T/T Uíge... A CCAÇ 12 será extinta em 18 de agosto de.. 1974 ! (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P16149: Parabéns a você (1087): Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Guiné, 1968/70)

____________

Nota do editor

Último poste da série de´27 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16138: Parabéns a você (1086): António Manuel Salvador, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 4740 (Guiné, 1972/74)

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16148: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - X Parte: VI - Por Terras de Portugal (iv) : De Lisboa a Bissau no T/T Timor, de 11 a 17 de fevereiro de 1965


Lisboa > Cais da Rocha Conde Óbidos> 18 de agosto de 1965> Embarque do pessoal da CCAÇ 1426 e de outras unidades para o TO Guiné, no T/T Niassa. Ao fundo a ponte sobre o tejo ainda em construção... Será inaugurada um ano depois, em 6 de agosto de 1966.

 Foto: © Fernando Chapouto (2006). Todos os direitos reservados.




Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67.

Foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô.




Lisboa > Navio da Marinha Mercante Portuguesa Timor > Navio misto (carga e passageiros), de duas hélices; construído em Inglaterra em 1950 e abatido em 1974, tinha mais de 130 metros de comprimento de fora a fora; arqueação bruta: cerca de 7,6 mil toneladas; velocidade máxima: 15 nós; 120 tripulantes; alojamentos para 4 em classe de luxo, 60 em primeira classe, 25 em terceira e 298 em terceira suplementar, no total de 387 passageiros. Armador: Companhia Nacional de Navegação. Lisboa.

Fonte: Navios Mercantes Portugueses (1996) (com a devida vénia...)


1. Continuação da publicação do cap VI - Por Terras de Portugal.... 

Sinopse: Depois de Tavira (CISMI) e de Elvas (BC 8), faz o curso de "ranger" em Lamego e é mobilizado para a Guiné. Unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra"). Parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.
Texto e foto da capa : © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados.


Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > VI - Por Terras de Portugal: Tavira, Elvas, Lamego, Oeiras, Lisboa, Bissau> (iv)  (pp. 33-34)

por Mário Vicente [, foto à direita, março de 2016, Oitavos, Guincho, Cascais]

A dez de Fevereiro de manhã a CCAÇ [763]. desfila pelas ruas de Oeiras, prestando homenagem aos mortos da Grande Guerra no respectivo monumento. No dia seguinte embarcaria com destino a Bissau. 

Conforme tinha marcado, junta-se num bar da Baixa com alguns dos seus companheiros de viagem. Os copos
aquecem um pouco a alma. Há malta que vai dar uma volta de circuns­tância para despedida com miúdas do Bairro Alto. Chico Zé, Carlos Manuel, Jata e Vagabundo, preferem ficar bebendo. Encontrar-se-ão todos em Oeiras. O Velhinha regressa carre­gado de tabaco e passa a noite de borla. A rapariga tinha um irmão lá fora, diz. Devem ter sido uns momentos de loucura, coitada. Fazer amor e pensar no irmão na guerra, deve ter sido o orgasmo de metralhadora.

Manhã de onze de Fevereiro de 1965. António Pedro, Vagabundo, Jata, Chico Zé e restantes sargentos e furriéis à frente das suas secções aguentam-se, embora a alguns lhes saiba  a boca papel de música. A Banda do RI 1 toca o Hino Nacio­nal e marchas militares. As praxes e formalidades do costume. Presentes altas individualidades civis e militares, não faltando o Movimento Nacional Feminino, distribuindo assobios da presi­dente e alguns cigarros, com a secreta mensagem:
– Se morreres!... Que seja na paz de Deus!

Ordem de embarque. Vagabundo sobe as escadas de acesso ao navio, entra no portaló e acena para sua irmã Amália e para os familiares e conhecidos que estão mais ou menos con­centrados na varanda, em frente do cais. Começam os primeiros desmaios, os primeiros gritos e choros. Vagabundo recorda Camões, os Lusíadas, o Velho do Restelo e aflora-lhe ao pensa­mento, enquanto ouve nitidamente por entre o Povo:  «Ó glória de mandar, ó vã cobiça desta vaidade a quem chamamos fama!»

Vagabundo não foi parido para isto. Milhares de len­ços brancos aparecem qual bando de borboletas sobre o cais e do outro lado, os lenços verde amarelados dos militares respon­dem. A sirene do “Timor” dá três roncos. É o delírio em terra e no navio. As mães gritam pelos filhos, as irmãs pelos irmãos, as noivas pelos noivos, as amantes pelos amantes! É aterrador!... Entra Vagabundo, entra, porque esta merda é o princípio do fim. Tu não gostas destas coisas, pois um homem fica mole e é uma grande porra.

Entra no bar do navio e pede um whisky ao barman. O barulho lá fora é ensurdecedor. Dá o primeiro golo e saúda:
– Por ti António que me fizeste! – Segundo golo: 
– Agora por ti Francisca, que me pariste! Por ti também avô Velhote, que ficaste sem companheiro!
– Por favor, dava-me mais um!

O barman com experiência destas situações, encheu o copo e Vagabundo.  já vaporizado, voltou aos seus brindes recordações.
– Por vocês.  irmãs! Calma, tem de ser um golo maior que são duas. Outro! por ti Inha! E os tios e primos? Também, mas são tantos! E os amigos? Ainda são mais! Oh! .,
– Porrr... favorrr... " um mais – pois já gaguejava .... 

Estava mesmo grogue! Veio a poesia, e lembrou-se dum poe­ma de Matos de Sá:

"Nada mudou
podes vir
de novo e com
o mesmo nome.
Em qualquer lugar
a distância para a morte
é a mesma.
Desigual é apenas
a vida que perdemos ..."


–Tânia.  porque não? Para ti também um golo especial e grande! Finalmente por mim, assim bêbedo estou melhor. Os últimos serão sempre os primeiros, (La Palisse) como diria  Marie Luise.

A viagem corre sem problemas para o furriel, até ao terceiro dia de viagem em que por serviço é obrigado a descer ao porão onde estão acomodados os seus soldados. Indescritível!... A miscelânea de odores é horrível, derivada dos enjoos causadores de vómitos de toda a espécie. Apenas uma solução, obrigar os soldados a subir ao convés para apanharem um pouco de ar. O militar começa a aperceber-se das dificuldades que lhe surgirão.

Mário Fitas, foto da página do Facebook
A 17 de Fevereiro aporta no cais de Bissau o navio “Timor”, transportando entre muitos, a CCAÇ 763 da qual faz parte o furriel miliciano Vagabundo. Instalada em Santa Luzia no BCAÇ 600, por escala o furriel Vagabundo tem como primeiro serviço em África, sargento de dia ao batalhão. A sua secção é reforçada por uma esquadra, comandada pelo 1°. cabo Laranjeira, natural de terras do lado do Norte.
– Não há fuga possível, Tânia a tua sombra e recordação sempre me hão-de perseguir.~


O primeiro contacto com África é um pouco desagra­dável. Não estava acostumado a ver tanta gente de cor. Mesmo em frente à porta de armas, há mulheres a chamarem os milita­res. Vagabundo fica furioso, mas o cabo Laranjeira diz-lhe para não ligar.
– Não deixe é ir lá os soldados, pois vão a pé e vêm a cavalo.

Já se sabe o destino da CCAÇ 763: entrar em quadrícula no sector do Tombali, concretamente Cufar, como reforço ao BCAÇ  619 sedeado em Catió, no Sul da Província.

Para além de Carlos, um verdadeiro comandante de homens, a CCAÇ possuía um “handicap” extraordinário em ofici­ais sargentos e praças. Mas… África é outro continente, a Guiné um problema, e Cufar um quebra-cabeças.

(Continua)

Guiné 63/74 - P16147: Revisitando o "chão fula", e ligando o passado com o futuro (Patrício Ribeiro, Impar Lda) - Parte I: Bafatá

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 Foto nº 1A > Maio de 2016 > Bafatá, ao fundo o rio Geba


Foto nº 2 > Maio de 2016 > Bafatá, a catedral (1)


Foto nº 2A > Maio de 2016 > Bafatá, a catedral (2)


Fotos: © Patrício Ribeiro (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]



1. Mensagem, de ontem,  do nosso grã-tabanqueiro de Bissau (ou melhor, de Bafatá, onde agora vive) Patrício Ribeiro


[ Patrício Ribeiro,foto à esquerda: português, natural de Águeda, criado desde terra idade e casado em Angola, com família no Huambo, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde 1984, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda, especilazada em energias alternativas; também conhecido carinhosamente como "pai dos tugas"; vive temporariamente em Bafatá, enquanto a sua empresa leva a luz e a água poyável a quase um cenetnas de tabancas do chão fula, no leste]


Assunto - Canquelifa - P16127,  de 23 de maio de 2016, de Jorge Araújo


Depois de ler este Post, junto fotos deste quartel. Vou enviar por 3 vezes as fotos.

Em um dos meus passeios,  no fim de semana passado, andei a estragar o carro e as costas, de Bafatá para Gabú, Piche, Buruntuma, Canquelifa, etc.

Enquanto a chuva não chega, para não nos complicar mais estas viagens na lama... A estrada está boa até Buruntuma, mas difícil até Canquelifá.

Ao ler o P16127 (*), resolvi enviar algumas fotos recentes, desta tabanca e também, ao longo das viagens quase diárias, que faço para esta zona [,  a partir de Bafatá, onde moro temporariamente].

Há quem goste de recordar, em especial o meu amigo António Rosinha, que também por aqui morou e trabalhou [, na TECNIL]. Nestas estradas de pó que, daqui por uns dias serão de lama...

Ambos estivemos na tropa em Angola, tivemos a sorte de não estar cá na guerra. Mas vamos deixar algumas obras feitas, em benefício da população. Que na sua maioria são Fulas, que sempre estiveram, ao longo dos séculos, ligados aos Portugueses.

E que nos ficam muito agradecidos. Neste caso vão ficar com água potável em 88 tabancas. Neste momento, já a têm em 75, já falta pouco…

Em outros tempos, o António Rosinha reparou as estradas para Pirada e Ché-Ché.

Como sempre, encontro antigos militares Portugueses, quando tiro fotos aos antigos quarteis destes locais, vão me contando as histórias desse tempo. Alguns eram milícias, outros militares, ainda outros ex-comandos Portugueses, que estiveram refugiados muitos anos no Senegal, viram muitos colegas seus serem lá capturados, enviados para a Guiné, onde tiveram um fim triste.

Junto algumas fotos das viagens desde: Bafatá, Piche, Canquelifa, e também do meu trabalho para publicarem, se tiver interesse.

Elas vão numeradas para identificação.

Abraço, desde o calor.
Patrício Ribeiro

Impar Lda  | Bissau

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Guiné > Zona leste > Bafatá >c. 1969/70 >  Vista aérea > Em primeiro plano, o rio Geba e a piscina de Bafatá (que tinha o nome do administrador Guerra Ribeiro e foi inaugurada em 1962, tendo sido construído - segundo a informação que temos - por militares de uma unidade aqui estacionada ainda antes do início da guerra).

Do lado esquerdo, o cais fluvial, uma zona ajardinada, a estátua do governador Oliveira Muzanty (1906-1909)... Ao centro, a rua principal da cidade. Vê-se, ao fundo, a estrada que conduz à saída para Nova Lamego (Gabu), à direita, e Bambadinca-Xime, à esquerda. À entrada de Bafatá, havia rotunda. Para quem entrava, o café do Teófilo, o "desterrado", era à esquerda..

Do lado direito pode observar-se a traseira do mercado. Do lado esquerdo, no início da rua, um belo edifício, de arquitetura tipicamente colonial, pertencente à famosa Casa Gouveia, que representava os interesses da CUF, e que, no nosso tempo, era o principal bazar da cidade, tendo florescido com o patacão (dinheiro) da tropa e, claro, dos produtos coloniais de exportação, como a mancarra e outars oleaginosas.  Por aqui passaram milhares e milhares de homens ao longo da guerra,  que aqui faziam as suas compras, iam aos restaurantes, iam ao cinema (!) e até se divertiam... com as meninas do Bataclã (que ficava no bairro da Rocha), já fora da cidadezinha  colonial, como convinha. Em Bambdainca, hvia uma filial ou sucursal do Bataclã, que em tempo de guerra a indústria do amor é a sempre a última a morrer... (LG)


Guiné > Zona leste > Bafatá >c. 1969/70 > Vista aérea > Rua Principal de Bafatá, com início na Casa Gouveia... Ao fundo do lado esquerdo, a igreja católica de Bafatá. chamavamos-lhe a catedral... E em em frente, do outro lado da rua, a sede da autarquia local... Mais acima, ao fundo, do lado direito, o hospital da cidade... À frente à Casa Gouveia, rm ptimeiro planmo, do outro lado da rua, o Mercado de Bafatá, de estilo revivalista. (LG) 

Foto do álbum do Humberto Reis, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71)


Fotos: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: L.G.]


2. Comentário de LG:


Bafatá é hoje uma "dor de alma", oxalá/inshallah/enxalé tu, Patrício Ribeiro,  e outros empresários ainda possam vir a reanimá-la!... Dizem-me que foi destronada pelo Gabu onde quem mais ordena são os comerciantes do "chão de francês"... C'est vrai ?

A nossa doce e tranquila princesa do Geba!... É a localidade, do nosso tempo, mais fotografada, ou pelo menos mais divulgada no nosso blogue em grande parte devido às excelentes fotos (e memórias) de camaradas como o Fernando Gouveia (arquiteto) ou o Humberto Reis (engenheiro), entre outros.

Sobre Bafatá  temos mais de 300 (!) referências no nosso blogue... E no Google Imagens a maior parte das fotos disponíveis (incluindo vistas aéreas) são nossas...

Obrigado, Patrício, em nome da Tabanca Grande e de toda rapaziada que passou pelo leste!... Vamos publicar as outras fotos que mandaste (de Piche e e sobretudo de Canquelifá)... Dá uma apitadela quando vieres de férias, ao "Puto". E se passares por outro sítios do leste (Bambadinca, Contuboel, Sonaco, Gabu, Pirada...)  tira-me umas chapas, com boa resolução como estas!... Como sabes, temos uma ligação forte a essa gente maravilhosa do chão fula!... Mantenhas!... LG
 _____________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 23 de maio de  2016 > Guiné 63/74 - P16127: (De)Caras (40): A Canquelifá da CCAÇ 3545 (1972-1974) e os acontecimentos de janeiro de 1974: a morte do "ranger" fur mil op esp Luís Filipe Pinto Soares (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)

Guiné 63/74 - P16146: Nota de leitura (843): “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988 (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Agosto de 2015:

Queridos amigos
Não é novidade para ninguém que Álvaro Guerra é um dos escritores de primeira plana no arranque da literatura da guerra da Guiné. Em todos os seus primeiros livros, até 1973, a Guiné, os temas da guerra, as figuras que marcaram o combatente, os próprios ferimentos em combate que ele descreve em prosa magnífica no seu livro "O capitão Nemo e eu", são recordações guineenses poderosas, obsidiantes.
Pode-se dizer que esta literatura entrou com o pé direito com nomes como Armor Pires Mota, Álvaro Guerra e José Martins Garcia. As motivações posteriores da escrita são outra história, já contada e ainda por contar, teremos surpresas até que o último de nós exale o suspiro da despedida.

Um abraço do
Mário


Os Anos da Guerra, por João de Melo (3)

Beja Santos

"O Tempo em Uane", conto de Álvaro Guerra

Álvaro Manuel Soares Guerra nasceu a 19 de Outubro de 1936, em Vila Franca de Xira, onde passou a infância e concluiu os estudos secundários. Frequentou a Faculdade de Direito de Lisboa. Em 1961, foi mobilizado para a Guiné como oficial miliciano, ferido em combate, regressou em 1963. Estudou depois em Paris e ingressou no jornalismo (República e RTP). Após o 25 de Abril foi nomeado como embaixador político. Com este ou aquele matiz, os seus primeiros livros, até 1973, afloram a guerra da Guiné. A particularidade deste conto, tanto quanto eu sei, foi a sua única incursão na modalidade do conto, é passar-se no Sul da Guiné e relatar um ainda quadro de inocência de oficiais milicianos que desconheciam a rede de informações do PAIGC. Deverá datar de 1965 ou 1966.

O arranque do conto é luminoso em várias dimensões:
“A meio da tarde, vieram três alferes de Bedanda, na canoa a motor, tendo como pretexto a dominical caça aos crocodilos. Amarraram a canoa às velhas estacas de cibe do cais de Uane e encaminharam-se para a aldeia, os três alferes, o cipaio e os dois soldados da guarnição de Bedanda, o sol a abrir as primeiras gretas da seca nos estreitos valados do arrozal, o calor a martelar a terra e as costas reluzentes dos balantas que colhiam o arroz, enterrados na lama estagnada da bolanha que se estendia, na geometria infalível dos canteiros, desde a margem do rio até à longínqua orla do mato, limite sombrio daquele infernal e extensíssimo quadrado de sol chispando na água.
Atravessaram lentamente a bolanha, enfrentando o persistente ataque dos mosquitos. O alferes gordo que vinha à frente era quem mais suava, grossas gotas a deslizarem até ás guias do bigode e, por vezes, a arderem nos olhinhos miúdos que, no entanto, espreitavam os seios das mulheres a caminho do celeiro, os balaios cheios equilibrados sobre as cabeças de ébano. Procede-se a uma troca de cumprimentos entre quem vem e quem está. Tinha havido sarrafusca em Fulacunda. Sentam-se e bebem cerveja, e descreve-se o episódio: 
- Conta lá, então, como é que aquilo se passou.
- Uma emboscada. Três mortos e cinco feridos. Um jipe espatifado. Os gajos têm armas automáticas, carabinas, granadas. E uma vontade danada de nos comerem os fígados. 
E, mais adiante: 
- Depois, houve o ataque ao comando do batalhão. Dois mortos. Os tipos saltaram arame e estiveram mesmo na arrecadação do material. 
- E levaram alguma coisa? 
- Há quem diga que sim e quem diga que não. Não se sabe ao certo. 
No silêncio a voz da mestiça recomeçou a morna, serenamente. 
- A sua mulher canta bem, seu Jaquim – disse o da cicatriz.
O homem sorriu, confuso. 
- Mais uma cervejinha, senhor alferes?
Ele disse que não. Nunca se habituara àqueles cheiros adocicados do gergelim, do mel, do coconote, misturados com o suor dos homens – o cheiro das lojas do mato. Isso e a cerveja que lhe caíra no estômago como uma pedra punham-lhe chumbo nas pálpebras. 
- Que é que vieste aqui fazer com o pelotão? 
- Caçar um bando de 50 tipos – respondeu, irónico. 
- Não sabia que esta zona ainda pertencia à tua companhia. Estás a quase 60 quilómetros de Buba. 
E o “Pau de Virar Tripas”: 
- Isso do bando que anda por aqui, é verdade? 
- Sei lá… Mas é evidente que não acredito em semelhante coisa. 
Era muito simples não acreditar, faltava-lhes a certeza absoluta de uma bala tombar um deles, eram ainda imortais, embora já saboreassem o medo, cada um com o seu plano de salvar a vida. Eram outras as próprias palavras e o modo como os quatro alferes as diziam, ali em Uane, uma aldeia Balanta com 50 e tantas moranças, a loja do Joaquim, o Posto e o celeiro, tudo por causa do arroz que os barcos, a pouco e pouco, levavam rio abaixo. O radiotelegrafista apareceu à porta e disse: 
- Há uma mensagem para decifrar, meu alferes. 
Sobrepondo-se à morna que vinha lá de dentro e que se repetia (“Qu’ê d’nha crêtcheu”), a voz cabo-verdiana do Joaquim: 
- Vou mas é mandar a patroa para Bissau.
Uma hora mais tarde, os cinquenta guerrilheiros, algures no mato, já sabiam o que é que o pelotão de Buba tinha vindo fazer a Uane”.

Se me perguntarem o que há de original na natureza deste conto, direi que é surpresa de descrever os primórdios da guerra, escapando completamente ao lápis da Censura. Estamos em meados da década de 1960, vende-se no nosso mercado interno a ideia de que aquela guerra é um vasto somatório de ações de policiamento, e aqui diz-se desabridamente que o excesso de confiança era aproveitado pela rede de informadores, rapidamente alguém fazia chegar ao mato a notícia de que vinha por aí uma operação. E há a trama do próprio conto, entra-se diretamente nos acontecimentos a descrever e traça-se em pinceladas largas o ambiente: a vinda numa canoa, os trabalhos na bolanha, o encontro entre alferes, a ida dos quatro até ao estanco do senhor Joaquim, descrição direta e seca: “Sentaram-se os quatro nas cadeiras aviadores de pau-sangue, rijas de quebrar os ossos, à volta da mesa redonda com um naperão de renda desbotado e sujo”.

Descrevem-se acontecimentos bélicos, sem o cuidado de guardar sigilo do que houve e do que vai haver. Usa-se uma linguagem desbocada e jamais ficaremos a saber se foi o senhor Joaquim, a sua mulher ou um enviado de um ou outro que foi informar o que o pelotão de Buba tinha vindo fazer a Uane. Esta a mestria do conto, ali não falta a modorra, a descontração, a inocência. E ficamos igualmente a saber que é tudo dificílimo naquele Sul que começou a conhecer o tumulto da reviravolta no segundo semestre de 1962, como hoje está devidamente esclarecido.

Penso que se fecha com chave de ouro as recensões ao livro “Os Anos da Guerra”, com organização de João de Melo.
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Nota do editor:

Postes anteriores de:

23 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16124: Nota de leitura (841): “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988 (1) (Mário Beja Santos)
e
27 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16140: Nota de leitura (842): “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16145: Álbum fotográfico do José Salvado, ex-fur mil, CART 1744 (São Domingos, 1967/69) - Parte IV: São Domingos (3): a capital do chão felupe




Foto nº 2  > O autor junto a um velho barco, no rio (oui ribeira) de S. Domingos, afluente do Rio Cacheu


Foto nº 3 > Saída, de bote de borracha, para a uma operação


Foto nº 4 > Aquartelamento de S. Domingos: abrigos


Foto nº 5 > A carregar cascas de ostra...


Foto nº 5 >  Mulher grande, felupe

Guiné > Região do Cacheu > S. Domingos > CART 1744 (1967/69)

Fotos (e legendas): © José Salvado (2016). Todos os direitos reservados



1. Quarte parte do álbum fotográfico do José Salvado, ex-fur mil arm pes inf, CART 1744 (São Domingos, 1967/69).

 Recorde-se que a CART 1744 chegou ao TO da Guiné em 25 de julho de 1967, sendo colocada em S. Domingos, na região do Cacheu, como companhia de intervenção. Fez operações em S. Domingos, Susana, Ingoré, Cacheu e Sedengal. O José Salvado veio de férias à metrópole em 1968. Regressou a casa no T/T Niassa, com partida a 15 de maio de 1969, e desembarque em Lisboa no dia 21.

São Domingos,, na margem direita do Rio de São Domingos, afluente do Rio Cacheu,  era a capital do chão felupe,  que incluía ainda as povoações de  Susana e Varela. onde estiveram destacados militares portugueses ao longo da guerra (1961/74).
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