quinta-feira, 4 de junho de 2020

Guiné 61/74 – P21039: (Ex)citações (368): A fé na guerra. Tempo de leitura. (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Camaradas, 

Deixo-vos mais um pequeno texto do meu último livro, nono, editado pela Editora Colibri – “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74”

Deus, virtualmente presente
 A fé na guerra
Tempo de leitura

A inabalável fé que cada um de nós - cidadãos comuns de um cosmos desigual - suporta ao longo da vida, afigura-se como uma junção espiritual que nos transporta a um mundo virtual onde as barreiras do imaculado não ousam ferir princípios que catapultam o ser humano para uma bênção divina. O conceito de fé não deve de forma alguma ser suscetível de hediondas conceções que tornam o homem uma criatura mártir de preconceitos falsamente concebidos. 


A guerra, melhor, viver no terreno as agruras que o conflito teimava em não dar tréguas a um soldado sem medo, tinha também uma outra vertente que conduzia o combatente a venerar algo oculto que permitisse sentir um melhor estado emocional. Afinal, ninguém foge às escarpas que a vida nos contempla. O destino dita o confronto com realidades que jamais ousámos desenhar.  

Assim, partindo do princípio que a fé, embora na conceção dos laicos a convicção seja irreal, remete-nos ao sentimento nobre de um persuadido que olvidou por completo o parecer do mundo pagão e assumiu convictamente penetrar num universo onde a fé sempre pernoitou. 

Penso que cada um de nós perfilha uma ideologia religiosa, ou não, que nos transporta para infindáveis presenças espirituais que em momentos de extremas aflições nos conduz a evocar a palavra Deus. O ateu, que se afirma completamente adverso ao catolicismo, ou a uma outra religião, tem, a espaços, particulares momentos na vida que inadvertidamente o leva a momentos de reflexão, sendo comum vociferar o nome de Deus. Esta a minha conceção. Respeito, todavia, outras opiniões. Porém, existe em cada ser humano uma certeza: em ápices dolorosos lá vem a mítica frase “Deus me valha”. 

A minha experiência no conflito da guerrilha na Guiné, teve como singularidade testar o meu mundo espiritual. Sabia que em casa dos meus pais, Aldeia Nova de São Bento, uma urbe situada num Alentejo sempre desperto, e astuto, a minha saudosa mãe convivia no dia a dia com uma promessa feita a partir do momento em que embarquei para a Guiné que a acomodava em manter as suas “santinhas” velinhas interruptamente acesas, deixando a sua jura antever que a fé superava um sofrimento superior com o qual o seu querido filho se deparava numa guerra que não dava folgas. 

Com a distância do tempo a prevalecer, afirmo que essa candeia incandescente que a fé justamente ditou, elevou a minha autoestima, assumindo em momentos considerados chaves, de delicado apuro, atitudes que me catapultaram para latentes sinais de esperança. 

Aliás, esta iniciativa da minha querida mãe expandia-se certamente por uma imensa diversidade de lares situados algures no mais discreto lar deste cantinho à beira-mar plantado. A família, no seu todo, convivia com a barbaridade que a guerra no Ultramar impunha ao mais modesto cidadão português. A fé incutia na família um estado de espírito que gerava díspares situações que conduziam as mães, em particular, a orar a Deus e depararem-se com pagamentos de promessas. 

Naquela tarde o silêncio protelava-se com o avançar dos ponteiros do relógio. O calor apertava, era normal. Não havia ordens de saída, nem tão-pouco conhecimento de eventuais investidas ao mato. Prevalecia a serenidade. O pessoal dispersava-se no interior do arame farpado e passava o tempo a emborcar cervejas para contemplar os seus bebíveis desejos. Outros divertiam-se a jogar às cartas e havia também quem aproveitasse a ocasião para colocar a escrita em dia, enviando notícias para a metrópole, boas como era da praxe. Nada de insinuar potenciais desgraças entretanto conhecidas. 

A policia do Estado – antiga PIDE – era uma organização que se mantinha sempre atenta. Uma pequena frase a denunciar o flagelo era fatídica. Nada de riscos. O cuidado atempado recomendava-se. Pintava-se a prosa em tons líricos. O sítio onde nos depositaram era esplêndido e tiros, ou desgraças, estavam completamente alheios ao nosso bem estar. Mortos? Estropiados? Nem pensar, estávamos no paraíso. A mãe, o pai, os familiares e os amigos rejubilavam com as boas notícias recebidas do combatente. 

As leituras de livros em tempos de pausa, favoreciam os nossos laboriosos espíritos. Com uma pequena foto da namorada sobre a mesa de cabeceira, estiraçado numa cama onde os ferros apresentavam resquícios de uma ferrugem atroz que se sobrepunha a uma ténue cor de café com leite, e uma ventoinha que me deliciava o corpo, lia atentamente um livro intitulado “UM DEUS NA PALMA DA MÃO”. Um Deus, algures em alguma parte de um universo imaginado, que copiosamente teimava proteger a minha aureola humana e adornava os meus intuitos de uma luta constante pela sobrevivência. 

A briga, não titânica, travava-se, agora, entre as quatro paredes do meu afrodisíaco quarto. Esquecia-me, por momentos, do horrível som emitido pelas armas, dos rebentamentos das minas nas picadas, dos famigerados ataques noturnos aos quartéis, da imprevisibilidade do trilho no mato, ou da ansiedade extrema que a guerra impunha. 

Ao lado, um camarada entretinha-se numa leitura sobre os heróis da banda desenhada. O ator principal era, no final, o vencedor. A personagem, obviamente mítica, ultrapassava barreiras inimagináveis. Vencia obstáculos. Nada temia. Era virtualmente o autêntico vencedor do chamado conto de fadas. Nós, recatados ao infinito do conflito, mergulhávamos num universo onde a prudência ditava ordens. 

Neste eloquente vaguear pelo mundo do ilusório, nós, jovens forçados a integrar esquadrões enviados para os campos de batalha, concluíamos: a guerra é um cosmos devastado por múltiplos interesses e assumidos por gentes que jamais conheceram os contornos de uma peleja onde a dignidade humana acaba por resvalar para conflitos incontornáveis! 

Revia-me, como uma pequena peça que integrava a plenitude de um xadrez onde um simples peão se limitava a evocar a palavra de Deus. Avocava, fielmente, uma fé literalmente inacabada. Lembrava-me das orações da minha saudosa mãe; as suas idas constantes à igreja; às missas domingueiras; as suas devoções e da sua entrega ao Pai Todo Poderoso. 

Crenças que se estendiam aos ilustres soldados enviados para o Ultramar a fim de combaterem um inimigo com rosto e de ideais seguros. Homens joviais que deixavam no seu torrão sagrado um vínculo real para o seu chamamento a terras de além-mar. “Carne para canhão”, falava-se nas velhinhas ruas de uma recôndita urbe portuguesa, ou em redor de um balcão de uma velha taberna. “Deus o proteja”, asseverava uma venturosa senhora que conhecia a preceito o rapaz, agora feito militar, numa das lojas da aldeia. 

Restava a inequívoca verdade que a fé na guerra do ex-ultramar prevaleceu entre os homens que combateram no terreno com o IN. Por outro lado, ficará a inquestionável dúvida: será que a Pátria agradeceu a nossa entrega? Será que os nossos companheiros que fazem parte do rol dos falecidos, desaparecidos, estropiados bem como todos aqueles que ainda hoje se deparam com exequíveis sequelas de uma guerra que teimam em persegui-nos, são reconhecidos? O que resta de uma guerra atroz que implicou no rumo das nossas vidas? Responda quem de direito. 

Nós, piamente esperamos, como sempre. Que Deus os oiça e que ilumine as suas mentes.

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. também os postes: 

Guiné 61/74 - P21038: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (22): Fotos do álbum do José Lino Oliveira (ex-fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12jul74 - 15out74) - Parte IV: Brá, BENG 447, 14/10/1974: O último arriar da bandeira no CTIG, mas já sem a presença de representantes do PAIGC.








Guiné > Bissau > Brá > BENG 447 >  14 de outubro de 1974 > O último arriar da bandeira no CTIG, mas já sem a presença de representantes do PAIGC.

Fotos (e legenda): © José Lino Oliveira (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Continuação da publicação do álbum fotográficos do José Lino [Padrão de] Oliveira [ex-fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12-7-1974 / 15-10-1974, a mesma unidade a que pertenceu o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro; membro da nossa Tabanca Grande desde 31/12/2012; vive em Paramos, Espinho] (*)

Parte IV - Brá > BENG 447 >    Fotografias nºs  6 a 13: o arriar da Bandeira no dia de embarque [no "Uíge"]. Por coincidência também foi o Magalhães Ribeiro a arriar a Bandeira.


2. Mensagem do Zé Lino (em reposta a uma observação do nosso editor sobre a qualidade desigual das fotos):

Date: terça, 2/06/2020 à(s) 16:45

Subject: Mansoa 1974

Boa tarde

As fotos de Mansoa (**) são de uma qualidade má pois foram reveladas em Bissau.


Eu tinha, e ainda tenho, a máquina fotográfica reflex Ashai-Pentax com a qual fiz  bastantes fotos em papel como em slides. O problema é encontrá-las. As de Brá são melhores pois foram reveladas cá, e não são de slides. Vou ter mais para enviar, só espero não demorar tanto tempo para as enviar.

Quanto ao camião... Como entregamos o aquartelamento de Mansoa, e o deixamos com tudo, pronto a habitar, viaturas inclusive, tive de alugar 12 camiões para o transporte das nossas tropas até Brá. O camião em causa não posso afirmar se era "nosso" ou não, pois deveriam estar estacionados fora. Lembro-me que todas as viaturas estavam guardadas por militares armados, pois estavam com as nossas malas.

Se precisares de algum esclarecimento sobre os últimos dias é só contactar.

Um grande abraço, José Lino

3. Esclarecimento que nos chega pro email, do José Luís da Silva Gonçalves, ex-Soldado Radiotelegrafista da 2.ª CCAV/BCAV 8320/73 (Olossato, 1974), 729.º Grã-Tabanqueiro (***):


(...) "O último navio a sair do Porto de Bissau foi o "Uíge", mas não foi nele que vieram a últimas tropas. Estas vieram no "Niassa" que, como se sabe,  nem chegou a entrar nas águas territoriais da nova Nação. Correndo o risco, de ser repetitivo,  devo dizer que o "Uíge" desatracou perto das 15 horas da tarde do dia 14 de Outubro de 1974, e os últimos militares começaram a marchar para o porto perto, das 23:30 horas, desse dia, já que quando tocasse a última badalada da noite desse dia, já as lanchas de desembarque vinham a navegar ao encontro do "Niassa".

(...) Eu sei que éramos 2 Batalhões, que encontrei alguns militares do outro batalhão, que moravam em Almada, tal como eu, mas não me lembro que batalhão era. O meu era o BCAV 8320/73, e curiosamente há uns meses atrasados encontrei um desses rapazes do outro Batalhão, mas ele não se recorda nem da companhia a que ele pertencia. Só se lembra de nos termos encontrado a bordo do navio, e dos outros camaradas, companheiros de viagem. (...)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 3 de junho de  2020 > Guiné 61/74 - P21035: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (15): Fotos do álbum do José Lino Oliveira (ex-fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12jul74 - 15out74) - Parte III: a sucata da guerra, abandonada em Brá, no BENG 447...

(**) Vd. poste de 1 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21028: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (15): Fotos do álbum do José Lino Oliveira (ex-fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12jul74 - 15out74) - Parte II: O adeus a Mansoa: 9 de setembro de 1974: o fur mil op esp / ranger Eduardo Magalhães Ribeiro arria a bandeira verde-rubra, na presença dos representantes do MFA e do PAIGC

(***) Vd. poste de 22 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16514: Tabanca Grande (496): José Luís da Silva Gonçalves, ex-Soldado Radiotelegrafista da 2.ª CCAV/BCAV 8320/73 (Olossato, 1974), 729.º Grã-Tabanqueiro

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21037: Manuscrito(s) (Luís Graça) (184): a magia do pôr do sol no Mar do Cerro, Porto das Barcas, Lourinhã, na casa "Atira-te ao Mar!", dos "Duques do Cadaval"










Lourinhã > Porto das Barcas > 2 de junho de 2020 > Casa do meu amigo, camarada e grã-tabanqueiro Joaquim António Pinto Carvalho, onde ele mais a sua Céu(zinha)  têm passado o "confinamento"... O casal, que habitualmente vive em Carnaxide, e tem um turismo no Cadaval, nunca passou tanto tempo nesta casa de férias como agora...

De vez em quando eu e a Alice damos lá um salto, para beber um copo ou ver o pôr do sol e dar dois dedos de conversa...Os "Duques do Cadaval" (, como eu lhes chamo com ternura,) são excelentes na arte de bem receber... Enfim, também gostamos de os receber na nossa casa e partilhar com eles os petiscos da "Chef" Alice Carneiro. E pertencemos os quatro à Tabanca do Porto Dinheiro / Lourinhã... que continua triste depois da morte do nosso querido régulo Eduardo Jorge Ferreira.

E hoje (, ontem, dia 2...) até fomos juntos comer um choco frito  e uns caracóis no "100 Pratus" (, passe a publicidade,) na Praia da Areia Branca... Andamos a praticar a ciência & a arte do desconfinamento progressivo... Foi quando soubémos que o Pinto Carvalho tinha feito anos, no passado sábado, dia 30... (Toma boa nota,  Carlos Vinhal, que para o ano ele gostava de ver o boneco dele no blogue...).

Ainda a tempo, vai aqui, sob a forma destas fotos tiradas na sua casa do "Atira-te ao Mar!", a nossa manifestação (tranquila) de regozijo... Que a sua "picada" da vida seja longa (pelo menos, até ao km 100), e sem minas nem armadilhas (, que é o mais difícil para os SEXAS... como nós; aliás, SEXA é a Céu; SEPTUAS, somos nós, o Joaquim, eu e a Alice).

Parabéns, Joaquim, chicorações, ainda meio confinados da malta da Tabanca Grande que te conhece e estima.


Lourinhã > Porto das Barcas > 3 de junho de 2020 > 16h00 > Casa dos "Duques do Cadaval"

Foi bonito ver e ouvir (os motores de) as traineiras de Peniche (ontem contei 10,  a pescar sardinha, no nosso mar do Cerro, (aqui em frnte da nossa costa...que é um grande viveiro de sardinha... não sei por que é, bairrismos à parte,   lhe chamam sardinha de Peniche)... Hoje voltei lá para o  café o digestivo, e "partir mantenhas" a outro camarada da Guiné, o João Rebelo (, é cliente da Tabanca da Linha mas ainda não se fez grã-tabanqueiro por falta de pachorra...). À tarde, frente ao "miradouro envidraçado" do "Atira-te ao Mar!", havia já meia dúzia de traneiras... Dizem que ainda é pequenina e magricela...Mss até aos Santos vai engordar... Mais improtante: os nossos pescadores aindam felizes por poderem voltar à sardinha, cuja pesca estava proibida desde outubro passado... Oxalá a Dona Covide os deixe trabalhar...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21017: Manuscrito(s) (Luís Graça) (183): Paimogo, poema para dizer em voz alta à janela ou à varanda, uma boa terapia contra os "irãs maus" que infestam agora os poilões das nossas tabancas, em tempos de COVID-19

Guiné 61/74 - P21036: Historiografia da presença portuguesa em África (211): “A Guiné do século XVII ao século XIX – O testemunho dos manuscritos”, por Fernando Amaro Monteiro e Teresa Vázquez Rocha; Prefácio, 2004 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Novembro de 2019:

Queridos amigos,
A presente investigação assenta no estudo de 46 caixas de manuscritos que estão no Arquivo Histórico Ultramarino. Se dúvidas ainda subsistissem sobre a fragilidade ou diluição da presença portuguesa num espaço de nebulosos limites geográficos que teve variadíssimas designações desde Pequena Senegâmbia até aos Rios da Guiné de Cabo Verde, a documentação analisada deixa bem claro que a presença estava confinada a um conjunto pequenino de praças e presídios, que se pagava para comerciar, pagava-se e era obrigatório oferecer presentes aos régulos das redondezas; a concorrência estrangeira era omnipresente, sempre disposta a ocupar posições como acontecerá com Bolama, a tentativa de afastar os portugueses de Bissau e o processo insidioso usado pelos franceses para ir tomando gradualmente posse do Casamansa; a missionação, por razões facilmente explicáveis, foi sempre um insucesso, e tudo acabaria agravado no período liberal.
Lendo o testemunho destes manuscritos tem-se uma sequência da falta de meios, de uma tropa desordeira, que recebia a soldada a desoras; e se quaisquer dúvidas ainda houvesse que Portugal e a Guiné-Bissau têm uma dívida impagável com Honório Pereira Barreto, estes papéis falam de um mestiço que comprou do seu próprio bolso uma boa parte do território onde se desfralda a bandeira da Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário


Uma imersão por três séculos da Guiné Portuguesa (XVII a XIX)

Beja Santos

Trata-se de uma revisitação, já que, tempos atrás, se alertou o leitor para a importância dos documentos que o livro “A Guiné do século XVII ao século XIX – O testemunho dos manuscritos”, por Fernando Amaro Monteiro e Teresa Vázquez Rocha, Prefácio, 2004, quer para o estudioso como para o curioso.[1]

Em primeiro lugar, os autores discreteiam, e com rigor, em torno dos grandes impérios subsarianos, de algum modo a história da Guiné pré-colonial a eles ficou associada: Gana, Mali, Songai, Fulas. No entretanto, faz-se o registo de diferentes atores que percorreram a Senegâmbia, nunca perdendo de vista o Islão e as confrarias Qadiriya e Tidjaniya, que tiveram forte expressão no norte de África e no noroeste africano.

Em segundo lugar, desvela-se a complexidade do mosaico étnico e como ele foi observado por diferentes atores (incluindo viajantes) ao longo dos séculos, desde André Alvares de Almada, que foi a grande figura da literatura de viagens à região de onde se configura a Guiné, sem abstrair, claro está, Zurara e viajantes posteriores como Lemos Coelho e Valentim Fernandes. E assim se faz o arco entre o arquipélago de Cabo Verde e a terra firme do continente fronteiro, a tentativa falhada da missionação e a numerosa correspondência dos capitães-mor de Bissau e Cacheu com o governador de Cabo Verde, sempre queixando-se do abandono, da penúria perpétua, da presença estrangeira, da agressividade dos autóctones. É uma correspondência indispensável para se conhecer o que se comerciava nas praças, o estado das fortalezas, o apelo a mais moradores brancos, os negócios que se faziam em Cacheu, Bissau, Geba, Rio do Nuno, Bijagós e Serra Leoa. Fica-se também com um quadro de referência de como a concorrência estrangeira se assenhoreara dos rios da Guiné e dos pontos considerados estratégicos. Haverá mesmo um gradual grito de alarme para a presença francesa no rio de Casamansa, as autoridades de Lisboa não deram ou não puderam dar ouvidos. É ainda dentro deste acervo de testemunhos que se vão encontrar documentos como a carta que o rei Bacampolco de Bissau enviou no final do século XVII a D. Pedro II. Os documentos falam por si: a necessidade de fazer dádivas aos régulos, modo de os fidelizar, irmos conhecendo as etnias que mais auxílios prestavam aos portugueses, ter conhecimento da deficientíssima capacidade militar das guarnições em que os militares chocavam quem chegava pelo seu estado andrajoso. E assim chegamos a uma fase altamente conflitual em que ganha expressão a questão de Bolama, mas a situação do presídio de Ziguinchor também ganha realce, são aspetos que sobressaem na correspondência que é dirigida a diferentes soberanos.

Em terceiro lugar, os autores abordam a confluência do Cristianismo, do Islão e das crenças tradicionais, é talvez o aspeto mais frágil na análise, dir-se-á que é o mais do mesmo, isto numa altura em que há bibliotecas que abordam a expansão islâmica do Norte de África para a região central, que há historiografia pertinente sobre a missionação e os seus insucessos e inúmeros trabalhos de antropólogos, etnólogos e sociólogos sobre as crenças animistas.

Em quarto lugar, procede-se a um inventário sobre o estado da Igreja no século XIX, é um olhar que merece ser considerado para se entender as dificuldades sentidas em melhorar a expansão do catolicismo, sempre confrontado com os ritos gentílicos e o islamismo difundido por Mandingas e Fulas. O Bispo de Cabo Verde não deixará de se lamuriar em permanência com o estado caótico da diocese e com a sua incapacidade de enviar eclesiásticos extintas que estavam as ordens religiosas. Fica-se com um panorama da falta de qualidade do clero ordenado, como as igrejas da Guiné estavam praticamente vazias por falta de padres, todas as propostas enviadas para a revitalização do Cristianismo esbarravam com a indiferença em Lisboa. Não deixa de ser curioso, no entanto, desta correspondência ajuntada pelos autores, ver certos governadores cheios de expetativas sobre as potencialidades guineenses. Após a separação de Cabo Verde, a Guiné era assumida como uma colónia nascente onde tudo estava por fazer. Escrevem os autores que "A menção às potencialidades da Guiné não era inédita. António Maria Barreiros Arrobas, Governador-Geral da Província de Cabo Verde entre 1854 e 1858, sobre a Guiné informava que seria uma possessão muito mais importante que a actual Cabo Verde. O Governador-Geral seguinte falava também esperançoso da parte continental da Província de Cabo Verde, que poderia fornecer grandes recursos às ilhas, essa parte continental era pródiga pela Natureza".


Ninguém ignorava que os limites do território eram imprecisos, ninguém conhecia os seus limites geográficos. O Governador de Cabo Verde, Cabral Vieira, diria em 1878 que "Se é fácil indicar os pontos em cuja posse estamos, onde se acham as nossas autoridades, e ainda aqueles onde o nosso domínio está mais ou menos reconhecido e aceite pelos indígenas (...) não encontro a mesma facilidade em indicar quais os limites do território a que verdadeiramente podemos dar a denominação de Guiné Portuguesa". Mais tarde, já efetuada a separação da Guiné, o Comandante de Bissau, João Rodrigues de Sá e Melo Menezes e Souto Maior, falaria sobre a amplitude do domínio da Guiné: "Os estabelecimentos que possuímos na costa da Guiné, e que são dignos de atenção são unicamente os de Cacheu e Bissau (...) À margem do Rio de S. Domingos (...) em distância de sessenta léguas da sua embocadura a Oriente no interior do país o estabelecimento de Farim, e a dez léguas ao Norte à margem do Rio de Casamansa a Praça de Ziguinchor ambas subordinadas ao Comandante de Cacheu (...) A de Bissau (...) situada mais ao Sul em uma ilha e banhada de um rio, e no centro das terras em distância de cinquenta léguas se acha a povoação de Geba; estes lugares são os que restritamente estão debaixo da sujeição e Domínio Português, sendo todo o resto do país ocupado de gentios bárbaros (...)". Os autores elencam a legislação que tentou dar um caráter administrativo à presença portuguesa e toda esta correspondência trocada entre Bissau e Lisboa não ilude as hostilidades em volta das praças e dos presídios e fica igualmente bem claro o papel crucial desempenhado por Honório Pereira Barreto. Há um importante documento que é apresentado, tem a data de 17 de junho de 1874, é enviado por sessenta negociantes e proprietários ao governador de Cabo Verde, deixa bem claro a natureza dos perigos que eram vividos naquele território, exaltavam-se as potencialidades agrícolas, mas era reclamada uma força militar que pusesse cobro às hostilidades dos autóctones e, claro está, pediam-se menos impostos, os que existiam eram considerados insustentáveis.

Em quinto lugar, estão muito bem organizadas as conclusões da obra, dá uma súmula do que foi a missionação a par das crenças religiosas existentes. E diz-se taxativamente que até ao início do século XIX a presença portuguesa na Guiné se circunscrevia às praças, quase sempre votadas ao abandono, com as relações políticas e até as comerciais bastante controversas, frequentemente marcadas por hostilidades. E escreve-se: “Ao longo da centúria de 1800, tal como acontecera também nos séculos XVII e XVIII, o conhecimento que os manuscritos patenteiam do “gentio” da Guiné é muitíssimo superficial; e o alheamento do colonizador face ao Islão, fortíssimo concorrente, é ainda mais impressionante. As condutas irregulares e a indisciplina reflectem, por um lado, a falta de meios; por outro, a insegurança provocada pelos traumatismos que vão das invasões francesas às lutas civis que na Metrópole fizeram descurar o acompanhamento das possessões ultramarinas”. Não se pode ignorar a instabilidade adveniente do liberalismo, que teve também como consequência o enfraquecimento da Catolicidade no território. O fenómeno que os autores enfatizam é uma alvorada da consciência política dos europeus e dos crioulos como aquela petição dos sessenta negociantes e proprietários, não é de eliminar a hipótese que tenha sido uma boa alavanca para a separação da Guiné de Cabo Verde. E, finalmente, com a Conferência de Berlim, o Governo foi forçado a repensar a natureza da presença na Guiné, como de facto aconteceu, mas muitíssimo tarde se acordou para uma verdadeira ocupação do território.

Insiste-se que se trata de uma obra que tanto o investigador como o curioso só têm a ganhar com a sua leitura.
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 15 DE AGOSTO DE 2008 > Guiné 63/74 - P3133: Notas de leitura (11): A Guiné do século XVII ao século XIX (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 DE MAIO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21014: Historiografia da presença portuguesa em África (211): Planos de desenvolvimento no rio Geba e em Fá, um pouco antes da guerra (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21035: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (21): Fotos do álbum do José Lino Oliveira (ex-fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12jul74 - 15out74) - Parte III: a sucata da guerra, abandonada em Brá, no BENG 447...






Guiné > Bissau > Brá > BENG 447 > Cemitério de viaturas e outros equipamentos militares (GMC, Panhard, jipes, Obus 14...) abandonados como sucata, no fim da guerra.

Fotos (e legenda): © José Lino Oliveira (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográficos do José Lino [Padrão de] Oliveira [ex-fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12-7-1974 / 15-10-1974, a mesma unidade a que pertenceu o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro; membro da nossa Tabanca Grande desde 31/12/2012; vive em Paramos, Espinho] (*)

Parte III - Brá > BENG 447 > setembro / outubro de 1974
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Guiné 61/74 - P21034: Parabéns a você (1814): António Azevedo Rodrigues, ex-1.º Cabo do CMD AGR 2957 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 2 de Junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21030: Parabéns a você (1813): António Barbosa, ex-Alf Mil Op Especiais do BART 6523 (Guiné, 1973/74) e Osvaldo Colaço, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3566 (Guiné, 1973/74)

terça-feira, 2 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21033: Memória dos lugares (410): Fá Mandinga, local onde passamos "uma espécie de férias” (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá (Mandinga) > 1968 > CART 2339 (1968/69) > O Grupo de combate do Alf Mil Torcato Mendonça. O arriar da bandeira ...

Foto: © Torcato Mendonça


1. Em mensagem do dia 1 de Junho de 2020, o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) lembra o seu tempo em Fá Mandinga.


MEMÓRIA DOS LUGARES

FÁ MANDINGA

De quando em vez, ao ler alguns dos postes que aparecem no blogue, acontece comigo, o que certamente acontece com muitos, sou levado a sítios por onde passei que não estando esquecidos se vão mantendo em hibernação... foi o que me aconteceu ao ler o poste enviado pelo Ex-furriel Fernando Cepa, em que falava de Fá, onde ele esteve algum tempo.

Também a minha companhia num dos tempos mais difíceis para o nosso pessoal (lá esteve uma semana) não motivado por situações de guerra que naquele tempo, por ali, não se fazia sentir… Mas sim pela mudança com que estávamos a ser confrontados, a saída de Mansambo para Cobumba. Local que a maioria de nós nunca tinha ouvido falar. As informações que nos chegavam depois de sabermos da mudança, não eram nada animadoras… embora não fossem ainda tão negativas como as que viemos a ter de enfrentar enquanto por lá estivemos…

Em Fá Mandinga, local onde passamos "uma espécie de férias”, existiam instalações de grandes dimensões em que as telhas que as cobriam, pelo menos algumas, tinham sido fabricadas na então metrópole, na região de Porto de Mós, onde existiam muitas fábricas, o que me tocava ainda mais dada a proximidade da minha terra. Existia também no local, um espaço em mau estado com vários motores inoperacionais que noutro tempo ali teriam funcionado para produzir energia. Um pouco mais abaixo, junto à bolanha, havia mais instalações, onde os padeiros da nossa companhia iam fazer o pão. Creio que não estou errado… foi há muito tempo...

Dizia-se que aquelas instalações pertenciam a Amílcar Cabral quando a guerra começou. Mas diziam-se tantas coisas…

Durante o tempo que lá estivemos, para além do pessoal da cozinha e os padeiros, não me lembro que mais alguém tivesse feito qualquer serviço, eu sei que não fiz assim como os outros condutores. Mas o lado psicológico não deixava ninguém tranquilo. A mais pequena coisa... levava a comportamentos nada comuns. Comigo, aconteceu eu estar deitado durante o dia e um colega entendeu chatear, avisei-o para me deixar estar sossegado ele não fez caso, o que me levou a pegar nas cartucheiras que tinha ali à mão atirando-lhe com elas com alguma violência, coisa que não era meu hábito. Durante algum tempo o nosso relacionamento passou a ser mais distanciado... o José não fez nada de muito mau, era o seu jeito de estar, mas a minha perturbação era enorme.
A esta distância no tempo peço-lhe desculpa e desejo que ele se encontre de boa saúde.

Outro dia, cerca da meia-noite, quando estávamos a dormir houve um “corneteiro” que se lembrou de pôr a tocar o seu instrumento acordando toda a gente. Instrumento que nunca tinha sido usado na nossa companhia, nem em Mansambo e menos depois em Cobumba. Atitude estranha, mas aconteceu… Um dia estava eu junto de outros camaradas do lado de fora das instalações próximo de um poço que existia junto ao caminho que seguia para a bolanha, em que alguém ali por perto tinha um rádio onde uma das canções que ouvi, foi, "Guitarra toca baixinho", cantada por Francisco José.

Estranhamente, ou não, ainda hoje, quando ouço essa canção a minha mente desloca-se logo até Fá Mandinga.
Marcas que ficaram para a vida…

António Eduardo Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21020: Memória dos lugares (409): Fazenda Experimental de Fá (Fernando Cepa, ex-Fur Mil Art)

Guiné 61/74 - P21032: Memórias de um Soldado Maqueiro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845) (9): Álbum fotográfico - Parte II

1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70) com data de 25 de Maio de 2020:

Um abraço Carlos Vinhal
Obrigado pelo teu trabalho.
Gosto de ver a Tabanca crescer.

Albino Silva



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Nota do editor

Último poste da série de 26 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21010: Memórias de um Soldado Maqueiro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845) (8): Álbum fotográfico - Parte I

Guiné 61/74 - P21031: Meu pai, meu velho, meu camarada (61): In Memoriam: António Correia Caxaria (Atalaia, Lourinhã, 17/12/1917 - São Bartolomeu dos Galegos, Lourinhã, 1/6/2020): o últmo expedicionário de Cabo Verde, ex-fur mil, RI 5 / RI 23, São Vicente, 1941/43




1. Acabei de saber, ontem à noite, pela página do Facebook da Oestefune - Serviços Funerários Lda, com sede na Lourinhã, da morte do meu conterrâneo,  amigo e camarada do meu pai, o António Correia Caxaria, nascido na Atalaia, Lourinhã, em 17/12/1917. 

Fiquei muito triste, mesmo sabendo que ele era um resistente, ia fazer no final deste ano 103 anos. E era, muito provavelemente, o últmo, até então vivo, dos mais de 6 mil e tal homens que, durante a II Guerra Mundial, defenderam a soberania portuguesa do território de Cabo Verde, em especial nas ilhas de São Vicente, Santo Antão e Sal.

O Caxria esteve com o meu pai, Luís Henriques (1920-2012) em São Vicente, entre 1941 e 1943, ambos mobilizados pelo RI 5 (Caldas da Rainha) e integrados no RI 23.

Durante mais de meio século os dois iam, todos os anos ou quase todos os anos, ao convívio do seu batalhão, nas Caldas da Rainha. Era o Caxaria, que vivia em Lisboa, que dava boleia, de carro,  ao meu pai.

Conheci-o pessoalmente no Restaurante Foz, na Praia da Areia Branca, não há muitos anos, talvez por volta de 2012, ano em que morreu o mei pai.. Era um hoimem afável e jovial, vendendo saúde aos 90 e tais anos!... E chegou a visitar os maus pais, no Lar de Nossa Senhira da Guia, na Atalaia.

Aos sábados, era frequente encontrá-lo lá,  no Restaurante Foz, com o filho, nora e netos...Prometi-lhe que o iria visitar um dia na sua quinta, em São Bartolomeu dos Galegos,  Lourinhã... Queria ver o seu álbum de fotografias do Mindelo e São Vicente. E falar desse tempo, das suas recordações, da sua amizade e camaradagem com o meu pai e outros conterrâneos que passaram pelo RI 23.

Sei que a família fez-lhe uma bonita dos festa dos 100 anos. Ia sabendo notícias dele  através do filho ou do Restauante Foz. Hoje recebo a triste notícia de que chegou ao fim a sua viagem terrena. Aprontava-me para ir ao seu  funeral mas vejo que, por vontade expressa da família, as cerimónias fúnebres são restritas ao círculo familiar.

 Mesmo assim, estando em Lisboa, quero ver se ainda dou um salto à Lourinhã, para estar às 3 e picos, à porta da Igreja do Convento de Santo António, para lhe dizer um "Até sempre, meu pai, meu velho, meu camarada!"... Porque os pais dos nossos camaradas, para mais tendo sido expedicionários no Ultramar, também são nossos pais e camradas.

A um dos filhos, que conheço pessoalmente, o eng. Carlos Augusto Amaro Caxaria, especialista em geologia e minas (, que foi presidente, de 2013 a 2016, da EDM-Empresa de Desenvolvimento Mineiro, S.A.), endereço as minhas condolências, em meu nome pessoal, em nome da família do Luís Henriques e em nome também da Tabanca Grande (onde temos aqui vários filhos de antigos expedicionários que foram contemporâneos do Caxaria, em Cabo Verde: o Hélder Valério Sousa, o Augusto Silva Santos, o Luís Dias, o Nelson Herbert).

PS - E peço desculpa à família se algumas vezes troquei o apelido do António: Caxaria, e não Caixaria,  lapso de resto já corrihido no blogue.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > "Parada do Dia 14/8/1942. Foto Melo"... No verso, escrito pelo punho de Luís Henriques: "Comemoração de Aljubarrota em São Vicente. Desfile de todas as tropas e viaturas. A 1ª e a 3ª companhaias do RI 5"... Seguramente que o fur mil António Caxaria também participou neste desfile,,, Infelizmente não tenho nenhuma foto dele com o meu pai... Foto do álbum de Luís Hnriques (1920-2012).

[ O nosso camarada e grã-tabanqueiro Adriano Miranda Lima,. cor inf ref, natural do Mindelo,a viver em Tomar, e agora autor de um livro sobre os expedicionáriso em Cabo Verde ao tempo da II Guerra Mundial,  descreve o sítio, num poste do blogue Praia de Bote, como sendo a Rua do Coco, e chama a a atenção para o pormenor do comandandante da companhia em segundo plano, e que vem a cavalo, como era hábito ainda na época. O dia 14 de agosto é o dia da Infantaria, ]

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P21030: Parabéns a você (1813): António Barbosa, ex-Alf Mil Op Especiais do BART 6523 (Guiné, 1973/74) e Osvaldo Colaço, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3566 (Guiné, 1973/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 31 de Maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21025: Parabéns a você (1812): Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Guiné, 1968/70)

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21029: Notas de leitura (1287): “Guerra e política, em nome da verdade, os anos decisivos”, por Kaúlza de Arriaga; Edições Referendo, 1987 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Março de 2017:

Queridos amigos,
Motiva-me, de há muito, ajuntar o maio número possível de peças sobre a guerra colonial e o que depois se passou. Ao General Kaúlza de Arriaga gabe-se a franqueza: foi sempre um homem do regime, considerou-se um vanguardista em matérias de força aérea e energia nuclear. O que mais impressiona neste seu relato que tem a data de 1987 é a sua impossibilidade, à luz de documentação vinda ao lume posteriormente ao fim do Estado Novo, de poder equacionar em termos concretos as grandes determinantes da luta anticolonial e os apoios que colheu, muito longe de terem ficado confinados ao comunismo, como se fazia acreditar. E pasma-se como é possível escrever-se serenamente de que não tinha havido nenhum massacre em Wiriamu.

Um abraço do
Mário


Kaúlza de Arriaga, as suas queixas contra a descolonização

Beja Santos

“Guerra e política, em nome da verdade, os anos decisivos”, por Kaúlza de Arriaga, Edições Referendo, 1987, é uma compilação de textos em que uma das mais destacadas figuras militares ultranacionalistas apresenta a sua posição sobre a guerra no Ultramar, elenca aqueles que ele considera os casos fulcrais, expõe as doutrinas de guerra e a luta em Moçambique que na sua opinião caminhava para a vitória da posição portuguesa.

Segundo o antigo Comandante-Chefe das Forças Armadas de Moçambique as causas profundas da guerra foi a infiltração comunista no chamado terceiro mundo, a avidez de destroçar a posição de vanguarda em que se encontrava o Ultramar português, que nada tinha a ver com colonialismo opressores e exploradores, era naqueles territórios que se caminhava para a autodeterminações autênticas, que seriam atingidas provavelmente nos últimos anos da década de 1980 ou nos anos 1990. O nosso Ultramar, continua Kaúlza de Arriaga, estava dependente da confrontação Leste/Oeste, Moscovo queria passar para a sua órbita Angola e Moçambique, para poderem ser utilizadas como bases privilegiadas contra a Namíbia e a África do Sul. O 25 de Abril significou a apostasia e a traição, a posição portuguesa era legítima, no Ultramar agia-se mediante uma guerra construtiva e defensiva e diz explicitamente: “Outro aspeto importante da guerra contra-subversiva no Ultramar português foi a grande humanidade com que as operações, mesmo as especificamente militares, eram conduzidas e executadas (…) dificilmente se encontrará onde e quando se tenha ido mais longe em matéria de acolhimento de prisioneiros”. As forças armadas foram bem-sucedidas na contra-subversão, promoveram as populações, travaram o terrorismo, e culmina com a seguinte afirmação: “Pelo menos em Angola e Moçambique, a contra-subversão conduzida pelas forças armadas e pelas autoridades civis estava inequivocamente muito próxima da vitória final”.

Destas considerações, o general salta para o período pré-25 de Abril e para um célebre almoço que teve lugar em Lisboa, em 14 de Setembro de 1973, onde estiveram presentes os Generais Venâncio Deslandes, Fernando Resende, António de Spínola e Kaúlza. Escreve-se que ali se fez uma análise aprofundada do que ocorria na metrópole, muito com consequências perigosas para o Ultramar, tendo-se concluído da séria conjuntura que se vivia e da possível incapacidade do governo para a enfrentar. Segundo Kaúlza, Marcello Caetano tinha sido ultrapassado pelas organizações e por acontecimentos. E di-lo com a maior das clarezas: “Impunha-se que os generais, chefes das forças armadas em guerra e em operações activas, na sua qualidade de exemplo primeiro, assumissem as suas responsabilidades, fazendo sentir ao poder vigente, firme e decisivamente, as mudanças que se tornavam indispensáveis”. Spínola terá dito que não desejava trabalhar com os outros generais, ele faria sozinho, com a sua gente e quando o entendesse o seu 28 de Maio. O Major Carlos Fabião encarregou-se de estragar a festa, em 17 de Dezembro, no Instituto de Altos Estudos Militares terá alertado para um golpe de generais ultra em preparação. Kaúlza queixou-se de Fabião, ninguém lhe ligou. Apareceu o livro de Spínola, Kaúlza esteve três vezes no primeiro trimestre de 1974 com Américo Thomaz, este também não teve coragem de tomar as medidas consentâneas. Segundo Kaúlza chegara-se à movimentação dos capitães a partir de três casos e situações determinantes: a remodelação ministerial de 7 de Novembro de 1973, a publicação do livro de Spínola e a passividade ou cumplicidade do governo perante o MFA. Chegara o descalabro, também explicado pela marxização europeia, e assim se deu a colocação plena na órbita do imperialismo comunista das nossas parcelas africanas.

Kaúlza de Arriaga em cerimónias do 10 de Junho

Kaúlza foi detido por associação dos acontecimentos do 28 de Setembro de 1974. Acusa gente vingativa como Costa Gomes e Galvão de Melo. Juntou-se a um grupo de 18 cidadãos portugueses que apresentaram uma queixa, em finais de Dezembro de 1979 na secretaria da Polícia Judiciária contra Mário Soares, Almeida Santos, Melo Antunes, Costa Gomes, Rosa Coutinho, Vítor Crespo, Otelo Saraiva de Carvalho, Pires Veloso, Vicente de Almeida d’Eça e outros, como os membros do Conselho de Estado que deram pareceres favoráveis aos acordos que conduziram à descolonização. Fala do seu empenhamento na definição de doutrinas de Estratégia e descreve minuciosamente o programa da cadeira de Estratégia que ministrou no Instituto de Altos Estudos Militares, dá-nos conta da correspondência que travou com Salazar, das suas conferências alusivas à ação estratégica em África, teve, à semelhança de Spínola, boas relações iniciais com Marcello Caetano, acabou tudo em discórdia. As memórias amontoam-se, fala-se do 13 de Abril de 1961 em Angola, do desastre da Índia portuguesa, do conflito entre Adriano Moreira e Venâncio Deslandes, enfim, da degradação e desmoralização das forças armadas. De várias procedências, fizeram-lhe convites para se candidatar à presidência da República, inclusivamente para se confrontar com Américo Thomaz. Não perdoa a Costa Gomes, em 1973, não lhe ter dado mais meios efetivos, para combater o terrorismo em Moçambique.

Momentos há, enquanto se lê esta narrativa, em que questiona se Kaúlza só estava preocupado com Angola e Moçambique, tratava a Guiné como uma subalternidade, uma esquirola em confronto com duas províncias opulentas, e é nesse contexto que se pode ler o que ele pensa:  
“A questão começava em saber-se se a Guiné podia defender-se, sem prejuízo inaceitável para as lutas em Angola e Moçambique, em face da absorção desproporcionada de atenções e de meios contra-subversivos a que se dava lugar. Isto porque a importância da Guiné era, no Conjunto Português, mínima em contraste com a das grandes e prósperas províncias de Angola e Moçambique que, com a metrópole, constituíam a parte fundamental de tal conjunto. Punham-se duas hipóteses. A primeira, a da Guiné ser defensável sem prejuízo das lutas em Angola e Moçambique, havendo nesta hipótese, evidentemente que defendê-la. A segunda, a da defesa da Guiné se projectar, nas mesmas lutas de Angola e Moçambique, com significativo retardamento ou grande prejuízo do êxito português, havendo, nesta outra hipótese, que encontrar-lhe uma solução própria. Parece que, na opinião de Spínola, a guerra na Guiné não poderia vencer-se em termos militares, devendo, em consequência, procurar-se uma solução política. Creio que esta opinião não tinha muito sentido, porque, sendo a subversão/contra-subversão uma luta total, em que o factor militar não é o mais importante, a vitória contra-subversiva só podia, em regra, ser conseguida pelo conjunto de forças de um país lideradas pela Alta Política, e raramente apenas pelas suas Forças Armadas”.

Kaúlza de Arriaga anda num vaivém entre o seu presente e o seu passado, é muito repetitivo, como se disse, dava a luta em Moçambique como vitoriosa, estava mesmo tão vitoriosa que exigia muitíssimos mais efetivos para ficar em Moçambique, diz que houve pseudomassacres em Moçambique, nada aconteceu em Wiriamu. Suficientemente modesto e discreto, deixa na contracapa uma citação de Luc Beyer de Ryke, um jornalista belga que sobre ele escreveu em 25 de Setembro de 1973: “Kaúlza de Arriaga é um carácter e uma lenda. Para os seus adversários é tido como o Massu (célebre oficial paraquedista francês) português. Na verdade, este homem que cultiva com muita arte o sentido das relações públicas, pareceu-nos mais subtil, mais inteligente que Massu. General vitorioso no Norte, não tendo ainda forçado e selado a decisão em Tete, a Kaúlza de Arriaga poder-se-ia aplicar a frase de Barrès: tem sempre o cérebro no punho de um sabre”.

Junta-se o texto de uma notícia que vinha dentro deste livro que adquiri na Feira da Ladra, ao princípio da manhã de sábado, 11 de Março de 2017.

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Nota do editor

Último poste da série de 30 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21023: Notas de leitura (1286): "A batalha do Quitafine: a contraguerrilha antiaérea na Guiné e a fantasia das áreas libertadas", edição que acaba de sair do antigo ten pilav José Nico, BA 12, Bissalanca, 1968/70

Guiné 61/74 - P21028: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (20): Fotos do álbum do José Lino Oliveira (ex-fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12jul74 - 15out74) - Parte II: O adeus a Mansoa: 9 de setembro de 1974: o fur mil op esp / ranger Eduardo Magalhães Ribeiro arria a bandeira verde-rubra, na presença dos representantes do MFA e do PAIGC












 Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCS/BCAÇ 4612/74 (12jul74-15/10/74) >  9 e setembro de 1974 > Cerimónia da entrega (simbólica) do território aos novos senhores da Guiné, o PAIGC,  e  da retirada, ordeira, digna e segura, das últimas tropas portuguesas. Mansoa, em pleno coração do território, na região do Oio, serviu perfeitamente para esse duplo propósito... São fotos históricas, em que se vê o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro, fur mil op esp / ranger, a arriar a bandeira verde-rubra. (O MR é membro da nossa Tabanca Grande, há mais de 15 anos, desde 1/11/2005 (*)...

Já agora, pergunta-se: de quem era o camião , de cor vermelha ou grená, que está estacionado frente ao pau da bandeira ? Devia ser do PAIGC ou ao serviço do PAIGC...


Fotos (e legenda): © José Lino Oliveira (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Mansoa > 1974 > José Lino Oliveira

1. C
ontinuação da publicação do álbum fotográficos do José Lino [Padrão de] Oliveira [ex-fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12-7-1974 / 15-10-1974, a mesma unidade a que pertenceu o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro; membro da nossa Tabanca Grande desde 31/12/2012; vive em Paramos, Espinho] (**)

Parte II - Mansoa > 9 de setembro de 1974

Mas este, não seria ainda o último ato da soberania portuguesa...O BCAÇ 4612/74 seria colocado depois de 9/9/1974, no BENG 447, em Brá, Bissau, e,  conforme informação (e fotos, estas já de melhor qualidade,  do José Lino Oliveir, a publicar nos dois próximos postes), a útima bandeira portuguesa a ser arriada, no CTIG, seria no próprio "dia do  embarque", ou seja, mais de um mês depois, em 15/10/1974

E, "por coincidência, também foi o Magalhães Ribeiro a arriar a Bandeira", diz o José Lino Oliveira.. Será que o nosso "ranger" (e querido coeditor, anigo e camarada MR) confirma ?

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Notas do editor:

Mansoa > 9 de setembro de 1974 >
Comissário político do PAIGC,
Manuel Ndinga, prestando declarações
à imprensa. Foto: Eduardo Magalhães
Ribeiro (2005)
(*) Vd. poste de 1 de novembro de 2005 > Guiné 63/74 - P284: Tabanca Grande: Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp do BCAÇ 4612/74 - Eu estava lá, na entrega simbólica do território (Mansoa, 9 de Setembro de 1974)

(...) Eu estive na Guiné, em Mansoa, em 1974, na CCS do BCAÇ 4612/74 (o último batalhão que partiu para a Guiné e também o último que de lá saiu), e participei, ali, na entrega do aquartelamento ao PAIGC e na simbólica entrega do território, que incluiu uma muito concorrida cerimónia do último arriar de bandeira nacional, com cerimónia oficial, na Guiné, e o hastear da primeira bandeira da Guiné-Bissau.(...)

(...) "Estiveram presentes nessa cerimónia: a CCS do BCAÇ 4612/74, comandada pelo major Ramos de Campos; o comandante  do mesmo batalhão, ten cor Américo C. Varino; um grupo de combate, um grupo de pioneiros, Maria Cabral (viúva de Amilcar Cabral) e o comissário político Manuel Ndinga, do PAIGC [, foto à direita]; e, pelo CEME do CTIG, o major  Fonseca Cabrinha. (...)

(...) "A bandeira foi arriada por mim, à data furriel miliciano de operações especiais, Eduardo José Magalhães Ribeiro. À cerimónia compareceram ainda 
uns largos milhares de nativos locais, de diversas etnias: 
papéis, balantas, fulas, futa-fulas, mandingas, manjacos, etc., 
e umas dezenas de jornalistas de todo o mundo. (...)

(...) Um guerrilheiro do PAIGC hasteia a bandeira da nova República da Guiné-Bissau. Os inimigos de ontem dão-se as mãos e prometem cooperar, no futuro, numa base igualitária, falando a mesma língua. Sob a bandeira do PAIGC os vários povos da Guiné lutaram pela indepência mas é através da língua portuguesa (oficial) que se entendem. (...)