quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21652: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (11): Homenageando a memória do Raul Albino (1945-2020): Os Natais de 1968, em Có, e 1969, no Olossato, da CCAÇ 2402 (João Bonifácio, ex-fur mil SAM, hoje a viver no Canadá)






Fotos (e legendas): © João Bonifácio (2008. Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa da brochura "Memórias da CCAÇ 2402 (Guiné 1968/1970), Volume II", mimeog", 2008, páginas inumeradas,il. (Coordenação: Raul Albino).


1. As fotos de cima (e as legendas) são do João G. Bonifácio, ex-fur mil SAM, da CCAÇ 2402 (, Mansabá e Olossato, 1968/70), a viver no Canadá. 

Ele foi um dos colaboradores deste II Volume, juntmente com o ex-cap inf Vargas Cardoso e de outros camaradas como o Carlos Sacramemto, Carlos Santiago, Carlos Costa, Joaquim Ramalho, Maurício Esparteiro, António Maria Veríssimo, António Fangueiro da Silva, e o próprio Raul Albino. O João Bonifácio é membro da nossa Tabanca Grande desde 1 de dezembro de 2006 (*)

Em homenagem ao Raul Albino, ex-alf mil da CCAL CC$02, que nos deixou há pouco tempo (, aliás foi o próprio João Bonifácio que nos deu a triste notícia) (**), vamos aqror reproduzir dois aponatmentos sobre o Natal de 1968 e de 1969 (***), da autoria do João, incluidos naquela brochura.

Aproveitamos para desejar a ele e à sua sua família, bem como à família do Raul Albino, mas também aos demais camaradas da CCAÇ 2402,os nossos votos de um Natal e Ano Novo, tão bom quanto possível, dentro dos contrangimentos a que todos estamos sujeitosnos  nossos países, devido à pandemia de Covid-19.(****).
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1331: Blogoterapia (9): Quando a Pátria não é Mátria para ti (João Bonifácio, Canadá, exvagomestre da CCAÇ 2402)

Guiné 61/74 - P21651: Historiografia da presença portuguesa em África (243): Revista Estudos Ultramarinos, 1959 - n.º 2 - Como se escrevia sobre a luta de libertação em pleno Estado Novo (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Janeiro de 2020:

Queridos amigos, ´

No mínimo dá que pensar se o corpo redatorial da revista Estudos Ultramarinos vivia num estado de inocência ou abstraídos da ascensão, já vigorosa, da luta anticolonial, um pouco por toda a parte. Reproduzem-se documentos que colidiam frontalmente com o ideário do Estado Novo, diz-se mesmo que está presente no II Congresso em Roma um representante angolano. Trata-se de Mário Pinto de Andrade, dirigente do MPLA, que trabalhará, a partir do ano seguinte, em estreita colaboração com Amílcar Cabral, em Conacri. 

Acervo de documentos que vão mesmo até à inclusão da resolução da Conferência de Tachkent, em que participaram escritores e artistas da Ásia e da África, tecendo-se várias críticas ao colonialismo, culmina este acervo de documentos com uma carta dos estudantes norte-africanos a proclamar em Tunis a criação da Confederação Norte-Africana de Estudantes, fazendo sempre a apologia da luta pela independência nacional. 

Mais trotil para o leitor da publicação do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, de onde se recrutavam os quadros para a nossa administração colonial, não podia haver.

Um abraço do
Mário



Como se escrevia sobre a luta de libertação em pleno Estado Novo (2)

Mário Beja Santos

Já se referiu que a revista Estudos Ultramarinos, que tinha como diretor Adriano Moreira, ele também Diretor do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, não deixa de nos surpreender, à distância de cerca de seis décadas, e num tempo em que já pairava no ar o sinal de efervescência da luta anticolonial, a publicação de textos de figuras que se irão distinguir nessa luta ou apresentações ideológicas a que o regime frontalmente se opunha. 

Na verdade, a substância da resolução do I Congresso Internacional de Escritores e Artistas Negros, que se realizou em Paris, em setembro de 1956, em nada era favorável à política colonial portuguesa. E a mensagem de Sékou Touré enviada ao II Congresso Internacional, que se realizou em Roma, em 1959, foi integralmente publicada na revista dirigida por Adriano Moreira, um texto em frontal rota de colisão com a doutrina imperial portuguesa. 

Como se escreveu em artigo anterior, a mensagem de Sékou Touré escalpeliza a essência do ensino colonial e traz propostas para que seja rebatida, tornara-se inevitável recuperar, em todos os povos de África, as manifestações artísticas originais, e estudar o pensamento profundo que anima a arte africana e a torna socialmente útil. Faz a apologia dos deveres do intelectual ou do artista africano, ele deve integrar o seu pensamento com a sua ação, ligá-los às aspirações populares. Se o escritor ou artista se isolam, se nele permanece a mentalidade do colonizado, ele não pode aspirar a uma ação revolucionária, será um desenraizado ou estrangeiro na sua própria pátria. E enuncia como se deve fazer a descolonização intelectual. Dá exemplos ligados ao bailado, com os balés de Keita Fodéba.

Estava a ressurgir, escreve a mensagem de Sékou Touré, o homem africano outrora marcado pela indignidade dos outros, excluído dos empreendimentos universais, homem despojado de tudo, agora podia reivindicar a plenitude dos seus direitos humanos e uma participação a tempo inteiro. Mensagem que não silencia a crítica e a responsabilidade das civilizações de conquista, fala no crime de Fernando Cortez que liquidou o império Asteca e arrasou os poderosos valores culturais de uma das mais expressivas civilizações pré-colombianas. E a sua mensagem termina com os seguintes parágrafos:

“O processo da participação do homem negro nas obras universais, parte em primeiro lugar da personalidade africana, que não poderá ser reconstituída pelas vontades ou forças exteriores a África, tem que estar integrada na independência e unidade em que repousa o destino do mundo negro. Os compromissos culturais que a dominação estabeleceu impõem ao homem de África uma completa reconversão a fim de que reapareça a sua autêntica personalidade. Na independência da sua jovem soberania, é a via na qual o povo da Guiné está unanimemente comprometido para a libertação total e a unidade efetiva dos povos africanos a fim de que se acelere a sua marcha ou progresso técnico, económico e cultural numa sociedade em perfeito equilíbrio social e moral e num mundo de real civilização humana”

Bonitas palavras para um político que muito rapidamente se transformou num tirano cruel e sanguinário. O tom da resolução do II Congresso Internacional de Escritores e Artistas Negros é muito mais radical, nada tem a ver com a amenidade da resolução de 1956, fala na violência, nas segregações mais insuportáveis que se vivem na Argélia, no Quénia, na Niassalândia, no Congo, em Angola, na Rodésia e particularmente na União Sul-Africana, uma violência que calca os direitos fundamentais dos povos a dispor deles próprios. Recomenda-se a resolução rápida e pacífica dos conflitos violentos em África e principalmente na Argélia, apela-se à libertação de todos os africanos presos ou exilados pelo facto de lutarem pela independência dos seus países e condena a utilização dos africanos nas guerras coloniais. 

Mas em Roma, João XXIII concedeu audiência aos 150 participantes do Congresso. Estavam presentes congressistas de diferentes países, e fala-se na presença de Angola, era Mário Pinto de Andrade. Dirigia o Congresso o embaixador do Haiti em Paris, saudou o Papa, que respondeu com um discurso: 

“A Igreja aprecia, respeita e encoraja um trabalho de investigação e de reflexão que tem por objetivo libertar as riquezas originais de uma cultura própria, de descobrir os pontos de apoio na História, de manifestar as harmonias profundas através das mais diversas manifestações. A universalidade do olhar da Igreja, atenta aos recursos humanos de todos os povos, colocou ao serviço de uma verdadeira paz no mundo. A Igreja convida as elites de todos os povos a ter um espírito harmonioso na colaboração e simpatia profunda com as correntes provenientes das autênticas civilizações”.

A revista dirigida por Adriano Moreira transcreveu o documento em francês, fazendo depois em português um comentário final:

“O discurso do Santo Padre suscitou profunda impressão nos congressistas. Em grande parte estes eram católicos; mas também todos os outros, pertencentes a várias confissões religiosas, fizeram ressaltar que o ensinamento do Chefe venerado da Igreja Católica constitui documento altíssimo, com plena apreciação de quanto a população de estirpe negra sente acerca dos seus destinos e dos seus ideais, postos ao serviço dos mais nobres sentimentos de justiça, de fraternidade e de paz, apregoados por Deus a todos os homens”

Refira-se que ainda nesta secção de documentos se insere o apelo dos escritores dos países da Ásia e da África aos escritores do mundo inteiro, Conferência de Tachkent, outubro de 1958, onde igualmente se apostrofa o colonialismo.
Frantz Fanon no I Congresso de Escritores e Artistas Negros
Mário Pinto de Andrade (para saber mais sobre o II Congresso Internacional de Escritores e Artistas Negros, ver a documentação de Mário Pinto Andrade, que nele participou: Casa Comum
Papa João XXIII
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21625: Historiografia da presença portuguesa em África (242): Revista Estudos Ultramarinos, 1959 - n.º 2 - Como se escrevia sobre a luta de libertação em pleno Estado Novo (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21650: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte IV: atividade operacional: Tite (Nova Sintra, Flaque Cibe, Jabadá, Jufá), setembro de 1966



Guiné  > Região de Quínara > Carta de Tite (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Tite, Jufá, Jabadá e Flaque Cibe.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guimé (2020)




Continuação da publicação da História da 3ª Companhia de Comandos (Lamego e Guiné, 1966/68), documento mimeografado, de 42 pp.,  da autoria de João Borges, ex-fur mil comando. Exemplar oferecido ao seu amigo José Lino Oliveira, com a seguinte dedicatória: "Quanto mais falamos na guerra, mais desejamos a paz. Do amigo João Borges".

[O José Lino [Padrão de] Oliveira foi fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12-7-1974 / 15-10-1974, a mesma unidade a que pertenceu o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro; é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/12/2012; tem dezena e meia de referências no nosso blogue; vive em Paramos, Espinho]


1. Continuação da História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (*)

3ª Companhia de Comandos 
(Guiné, 1966/68) / João Borges
IV (pp. 12-14)







(Continua)
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Nota do editor:

Postes anteriores da série:

17 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21552: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte I: "A minha história"

24 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21578: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte II: Cruz de Guerra de 1ª classe; Mobilização, composição e deslocamento para o CTIG

10 de dezembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21628: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte III: Composição orgânica

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21649: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (10): recordando o meu regresso no T/T Niassa, em 15/12/1973, e desejando o melhor Natal e Ano Novo possíveis para toda a nossa tribo (Ramiro Jesus, ex-fur mil cmd, 35ª CCmds, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73)






Guiné > Bissau > 15 de dezembro de 1973 > T/T Niassa > Regresso da 35ª CCmds (Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73)

Fotos ( e legenda): © Ramiro Jesus (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Ramiro Jesus (ex-Fur Mil Comando,  35.ª CComandos, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73; mora em Aveiro e é membro da nossa Tabanca Grande desde 9/12/2012):

 

Data - 15 dez 20202 13:09 
Assunto - Aniversário do nosso regresso no "Niassa", em 15/12/1973



Bom dia, Luís e restantes editores do nosso blogue.

Para comemorar o 47º. aniversário da minha única "fuga" na guerra da Guiné, celebrado hoje - já que foi a 15/12/73 que embarcámos no Niassa - junto envio umas fotos, tiradas já de dentro do navio, quando este começou a deslizar pelo Geba, satisfazendo o desejo havia tanto tempo alimentado, e que concretizou de vez as informações do "jornal de caserna", que andava farto de nos enganar.

Aproveito para desejar a todos vós e também aos restantes membros da Tribo, o melhor Natal possível, dentro dos limites impostos por este danado deste inimigo, ainda mais esquivo que os (nessa altura) adversários do PAIGC.

Desejo ainda o melhor 2021 para toda a comunidade.

Saúde e um Abraço!
Ramiro Jesus


2. F
icha de unidade > 35ª  Companhia de Comandos


Identificação 35ª CCmds
Unidade Mob: CIOE - Lamego
Cmdt: 
Cap Mil Inf Cmd António Joaquim Alves Ribeiro da Fonseca
Cap Mil Inf Cmd António Rui de Mendonça Andrade
Partida: Embarque em 24nov71; desembarque em 29nov71 (segundo o Ramiro Jesus)
Regresso: Embarque em 15dez73 e desembraque em Lisboa a 23dez73
Divisa: Audaces fortuna juvat (A sorte protege os audazes)

Síntese da Actividade Operacional

(i) Após o desembarque, seguiu em 3dez71 para Teixeira Pinto, a fim de
efectuar o treino operacional com a 26ª CCmds até 4jan72, sendo a imposição
das insígnias de "Comando" efectuada em 14jan72;

(ii) A partir de 6jan72, mantendo-se em Teixeira Pinto, foi atribuída ao
CAOP 1 como subunidade de intervenção e reserva deste agrupamento, tendo
tomado parte em diversas operações e acções de patrulhamento nas regiões
Churo-Caboiana, Burné, Belenguerez e Pijame, entre outras;

(iii) Pelos resultados obtidos e material capturado, destacam-se as operações "Júpiter", "Joeirada 78"e "Jacarandá", entre outras;

(iv) Em 3jan73, foi deslocada para Bula, a fim de actuar como subunidade de
intervenção e reserva do BCav 8320/72, com vista à realização de patrulhamentos,
emboscadas e acções ofensivas nas regiões de Choquemone e Ponta Matar.

(v) Em 15fev73, foi colocada em Brá (Bissau), onde passou a desempenhar
serviços de guarnição, tendo ainda tomado parte em escoltas a colunas de
reabastecimento a Farim e Cacheu e ficando a aguardar o embarque de regresso
a partir de 5dez73.

Observações
Tem História da Unidade (Caixa n." 100 - 2." Div/4." Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas de unidade: Tomo II - Guiné - (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002), pág. 535

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Guiné 61/74 - P21648: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (9): Naquele dia 25 de Dezembro de 1973 (António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Ref)

1. Mensagem do nosso camarada António Martins de Matos, TGen PilAV Ref (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74) e autor do livro de memórias "Voando sobre um Ninho de Strelas", com data de 13 de Dezembro de 2020, lembrando o Dia de Natal de 1973:


25 DE DEZEMBRO DE 1973

Naquele dia 25 de Dezembro de 1973 a actividade aérea na BA-12 estava reduzida ao mínimo dos mínimos, apenas as missões de Alerta, para evacuações de DO-27 e AL-III e a parelha dos Fiat G-91, para uma eventual saída de apoio-fogo.

A meio dessa manhã meti-me na minha Yamaha 200 e lá fui, estrada fora, do Largo do Liceu Honório Barreto, onde morava, até à Base da Bissalanca. A minha tarefa para essa tarde estava bem definida, ia entrar de Alerta ao Fiat G-91 a partir das 13:00 e até ao pôr do sol.

Um almoço muito ligeiro no Bar dos pilotos, ainda vinha cheio de fatias douradas, sonhos, bolo-rei e muitas outras iguarias, o resultado de uma noite de consoada passada em casa das minhas vizinhas do andar de baixo, as enfermeiras paraquedistas. Até tinham sido amigas, sabendo da minha paixão por automóveis e em especial por Porsches, no meio de muitos sorrisos malandrecos tinham-me oferecido um 911 da Dinky Toys, à escala 1/43.
Porsch 911 S 2.2 1970 - Escala 1:43

Era Dia de Natal, Feriado, a “Paz entre os homens de boa vontade”, mais uma série de frases feitas, talvez, nesse dia, a guerra tivesse uma pausa. A primeira missão aconteceu por volta das 14:00. No sistema sonoro do Grupo a mensagem a chegar: - “Alerta aos Fiats”.

Corrida às Operações para saber mais alguns detalhes. A solicitação era para Gadamael, lá no Sul, junto à fronteira com a Guiné Conacri. Recolha do capacete e das fitas da Martin-Baker, quase tudo o resto ficou esquecido no armário, o anti-g, o mae-west e o respectivo equipamento de sobrevivência. No bolso do fato de voo, o que sempre me acompanhava, uma bússola e um espelho, se me apeasse e em caso de necessidade, podia tentar indicar a minha posição.

Uma corrida até à Linha da Frente, o condutor do Jeep a buzinar, os mecânicos a correrem, a tirarem as tampas que protegiam as aeronaves, uma rápida entrada nos aviões de alerta.

Quinze minutos depois já estávamos a sobrevoar a zona. Tinham sido atacados, dos lados da fronteira, com morteiro 120mm.

De acordo com a descrição dos militares do Aquartelamento, as granadas tinham caído longe do arame mas sempre em aproximação, como se alguém estivesse a tentar regular o tiro. À nossa chegada tinham-se calado.
Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Vista aérea de Gadamael Porto nos finais do ano de 1971.
© Foto do Cor Art Ref António Carlos Morais da Silva.

Largámos os foguetes algures. Já há algum tempo que não usava as metralhadoras, o seu calibre era inócuo para quem, na floresta, se pudesse abrigar atrás de uma qualquer palmeira. Para além disso, as placas para-fogo junto à saída dos canos estavam completamente rachadas, bem à vista de todos, com umas feias e atabalhoadas soldaduras, quais cicatrizes. Por causa dessas anomalias, um piloto já se tinha ejectado. No momento de disparar as armas o painel das metralhadoras saltara fora.

Tudo calmo, o pessoal do Aquartelamento satisfeito. Regressámos a Bissalanca com a sensação da ajuda ter ficado um tudo ou nada… incompleta.

Depois de aterrado fui à Secção Fotográfica da Base, quase paredes meias com a Esquadra. Toda aquela zona do Sul da Guiné estava devidamente cartografada e fotografada. Com base no que me haviam dito (morteiro de 120mm e ataque do lado da fronteira), analisei as fotos, tentando descobrir todos os locais possíveis para bases de morteiros de 120mm. No meio de toda aquela floresta encontrei quatro clareiras que se ajustavam ao requisito. Informação em reserva, a ser utilizada numa futura missão na área.

O período de alerta quase a terminar, já me estava a ver de regresso à Yamaha e ao Largo do Liceu, o altifalante do Grupo a transmitir um novo aviso: - “Alerta aos Fiat”.

Outra vez Gadamael. Nova corrida, os mecânicos a apontarem-me uma outra vez o 5437, o avião de alerta, uma outra vez abastecido com os tip-tanks e foguetes. Fiz-lhes sinal para uns outros aviões, uma parelha que estava estacionada ali mesmo ao lado, cada avião com duas bombas de 750 libras, ainda nos cavaletes, mas prontas a serem instaladas. Aqueles mecânicos eram super eficientes, em quinze minutos o armamento foi devidamente acoplado aos aviões e a parelha ficou pronta para voo.
Bissau, 1969 - G-91 R4

Outros quinze minutos e já estávamos de novo na zona. Os do Aquartelamento a confirmarem-me que era outra vez o fdp do 120mm. Apontei a duas das clareiras que tinha identificado nas fotos e, num passe meio esticado, larguei uma bomba em cada uma delas. Depois disse ao meu asa para fazer o mesmo às duas outras clareiras, o que ele, capitão periquito, executou na perfeição.

Um parêntesis para os menos familiarizados com assuntos aeronáuticos; na aviação e independentemente de hierarquias, o mais experiente vai à frente.

Continuando, as bombas de 750 libras eram bem potentes. Ainda a recuperar do passe e sentíamo-las a explodir, o avião até estremecia. Umas outras características, eram bem fuseladas e, ao rebentarem, faziam um enorme cogumelo de pó e detritos, talvez uns vinte metros de altura.

Bombardeamento executado. Ao verificarmos a área para ver se havia alguma reacção de Strelas, descobrimos algo de estranho. No meio de todo aquele verde da floresta havia três rebentamentos castanhos de uns quinze a vinte metros de envergadura e um outro, enorme, uma densa fumarada escura que, no mínimo, deveria ter mais de cinquenta metros de altura.
Algo devia ter explodido lá em baixo, o capitão periquito acabara de fazer o seu primeiro “alvo”.

Regressámos. O voo tinha durado apenas uma meia hora. Como Chefe da Parelha lá tive de ir fazer o respectivo relatório.
Poderia ter escrito três Pings e um Pong, ou, mais de acordo com a sequência da ocorrência, Ping, Ping, PONG, Ping. Não iam perceber. Optei pelas palavras habituais, “Gadamael, junto à fronteira, quatro bombas de 750 lbs, resultados desconhecidos”.
A noite a chegar, o período do Alerta terminado, fomos à nossa vida.

Só semanas mais tarde e através de um relatório da PIDE viemos a saber o resultado daquele grande rebentamento. Uma das bombas fizera explodir as munições que o PAIGC tinha escondido na floresta, para, à noite, irem despejar sobre o Aquartelamento. Pelo menos nessa noite os de Gadamael devem ter dormido descansados.

Outros pensamentos positivos, nunca mais chamei “Pira” ao Capitão Pira.

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Nota do editor

Último poste da série de 15 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21647: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (8): Lisboa resiste, mas também nós resistiremos: Mil alegrias natalícias para todos vós (Mário Beja Santos, ex-Alf Mil)

Guiné 61/74 - P21647: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (8): Lisboa resiste, mas também nós resistiremos: Mil alegrias natalícias para todos vós (Mário Beja Santos, ex-Alf Mil)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,
Há mil e uma maneiras de irmos ao encontro dos outros. Ocorreu-me ir à vossa procura numa Lisboa feita néon e fantasma, chovera a potes, era um fim de tarde em recolhimento, silêncio e recolhimento favoreceram este quinhão de recordações que vos ofereço como minha lembrança de Natal, e estava sempre presente nesta viagem a minha lembrança do Natal em Missirá, naquele ano de 1968, parecia que ia tudo faltar para a festa dos meus camaradas e daqueles civis guineenses a viver todas as fadigas da precariedade em permanência e da guerrilha omnipresente.
E chegaram as lembranças dos outros, que nos encheram de alegria, trouxeram calor e paz que eu espero que encontreis nestas iluminações e nos meus votos sinceros de paz, saúde e bonomia.

Abraço do
Mário


Lisboa resiste, mas também nós resistiremos:
Mil alegrias natalícias para todos vós


Mário Beja Santos

6 de dezembro, choveu copiosamente de manhã e no princípio da tarde, depois amainou, aproxima-se o lusco-fusco, está na hora de pôr o meu projeto em andamento, procurar iluminações (em sentido figurado, também) para enviar votos de Boas Festas para quem guarde lembrança, recordar os meus vivos e os meus mortos, passar a ponte baloiçante entre o pretérito, o presente e o almejado futuro. O poeta Manuel Alegre num dos seus livros épicos disse que quando nós desembarcarmos no Rossio é sinal de grandes mudanças, falava do combate à tirania, eu estou no Largo de Camões, onde outrora havia barracas e enxovias, depois urbanizou-se e pôs-se no centro o vate imortal, puseram-lhe crepes no Ultimatum, o Partido Republicano emergia de uma afronta. Aqui decorreu o final de uma das obras-primas de Eça de Queirós, por aqui andarilhei todos os dias, quando trabalhei na Rua do Século, e aproveitava as horas do almoço para bisbilhotar cantos e recantos de inexcedível beleza: subir e descer a Rua da Emenda, percorrer as Chagas, a Rua da Misericórdia, bisbilhotar os alfarrabistas da Rua do Alecrim ou da Calçada do Combro, o resto, em termos de paisagem, estava por minha conta, deram-me o folgado gabinete outrora ocupado por Maria Lamas, era só abrir a janela e tinha o Tejo quase até à foz. Lembranças felizes, evocações felizes, votos felizes para o que a roda da fortuna nos reserva.

Paro diante deste palacete, com o Chiado à frente amistoso, a chispar malícia, foi hotel, consulado, residência de altos representantes, passou a companhia de seguros, tem por vezes belas exposições de artes de uma galeria do rés-do-chão. Ali ao lado, onde é a chiquérrima e sofisticada Hermès, havia a galeria do Diário de Notícias, e quase em frente um quiosque gerido pela Nani e o Vítor Consciência, ali comprei desenhos do Stuart, Amarelhe e Manuel Ribeiro de Pavia, a preços convidativos, um dia o quiosque desapareceu, encontrei a Nani na Feira da Ladra a vender os despojos do quiosque e choramingona, o Vítor finara-se depois de grande sofrimento. E ali perto houve um dos principais cinemas da minha adolescência, o Chiado Terrasse, tinha muitos filmes de capa e espada mas também por ali passavam obras-primas de Hitchcock, John Houston ou John Ford, enfim, reminiscências de todo este espaço que bati a pé, ao longo da minha provecta idade, o mesmo é dizer que vos desejo longa vida, e com muitos aspetos auspiciosos que Deus tem dado à minha.
Por aqui passa a veia cava do Chiado, de baixo para cima e de cima para baixo. Há a Havanesa, a Paris em Lisboa, a Casa David, a Sá da Costa, a Bertrand, as ourivesarias Aliança e Eloy, tudo transformado, embora os espaços possam guardar lembranças da vida febril do passado. Já me postei diante da Basílica dos Mártires, orações telegramáticas para antepassados e vivos, paro agora diante daquele prédio que tem florista à porta e onde no quarto andar funcionou a última tertúlia do Chiado, a Mandíbula de Aço, obra e graça do meu querido amigo Filipe de Sousa, que tinha negócios de fazendas ali mesmo em frente, a Casa Souza, uma atmosfera de arte onde se comia um belo cozido à portuguesa ou uma chispalhada à transmontana, sempre em boa companhia. As lembranças não param e até deu para me especar em frente à Pastelaria Marques, outrora casa de luxo, quando o Ruy Cinatti visitou em casa para conhecer a minha filha Joana, dizendo de chofre que as crianças à nascença são todas iguais, trazia doçarias da Marques e uma linda peça de prata lavrada indiana para a recém-nascida, que continua a estimar tão terna oferta. Do lado esquerdo de quem desce havia a Casa José Alexandre, e logo me ocorre que um ministro me chamou ao gabinete a pedir auxílio, a meio da tarde viria um conceituado embaixador, queria tratá-lo com algum salamaleque, descobrira, atónito, que havia para ali uns copos embaciados e encardidos, eu que tivesse a amabilidade de ir comprar coisa mais digna, em copos de água e cálices de Porto. Lá fui à Casa José Alexandre, fui bem-sucedido. Anos depois, ao mudar de poiso da Praça do Comércio fui para a Avenida da República, ao retirar dossiês que me acompanhariam na viagem dei com copos lascados daquele conjunto adquirido, tinha estoicamente resistido um, desforrei-me, trouxe-o comigo, já chegava de tanto vandalismo e menosprezo por coisa pública. E vamos adiante, há mais luz que nos espera.
A Rua Nova do Almada traz-me à lembrança uma bela exposição que se pôde visitar no Museu Nacional de Arte Antiga que tinha por centro um quadro sobre a Rua Nova dos Mercadores, quando Lisboa tinha fumos de império, especiarias e uma boa percentagem de escravos africanos. Mas também me recordo de uma loja muito concorrida, a Casa Batalha, e do outro lado a Valentim de Carvalho, onde comprei um bom lote de discos de vinil que ficaram em cinzas na Guiné. Arrepio-me sempre quando passo pelo antigo Tribunal da Boa Hora, as vezes que ali fui testemunha para coisa nenhuma, recebia convocatórias para as onze da manhã, e depois vinha o meirinho anunciar que a audiência não teria lugar, receberíamos nova convocatória. E desço para a Rua do Ouro, está bem luminescente o Santander Totta, que conheci como Totta e Açores, quando fui oficial pagador da Agência Militar e vinha buscar em caixas de couro milhões de contos ao Banco de Portugal via às portas deste banco bandos de especuladores a vender ações de lucros prometedores, houve muita gente gulosa que investiu as suas economias neste papel que se veio a demonstrar valer coisa nenhuma, era puro capitalismo de ficção. E daqui vou até à Praça do Município, recordo José Relvas eufórico há 110 anos, como nunca esqueci as suas memórias que me avisaram que existe um oceano entre o sonho e a realidade.
É verdade, fui funcionário público no Terreiro do Paço, subi as escadas do Ministério da Agricultura e num andar superior funcionava o Ministério do Comércio Interno, eu dirigia as relações públicas, para o caso ralações, estamos a falar do tempo em que a inflação tinha dois dígitos, em que os abastecimentos motivavam altas questiúnculas entre partidos e até me lembro de no dia 25 de novembro de 1975 os preclaros membros do governo desapareceram e fiquei com o atendimento telefónico por minha conta, aí para o fim da manhã recebi uma chamada desesperada do Presidente da Câmara do Barreiro a suplicar uma atitude pública para apaziguamento das populações, havia um assalto aos supermercados e mercearias, dizia ele que corria o rumor de que caminhávamos para a guerra civil, agradeci a informação e redigi por minha conta e risco um comunicado que a agência oficial fez divulgar pelos meios de comunicação. Choveu bem todo o dia, já se disse atrás, vou aproveitar os tapetes líquidos para refletir imagens, o Arco da Rua Augusta está bem iluminado, ao contrário do Senhor. D. José que parece vogar num mar de trevas. Ocorreram-me essas imagens, fazem parte deste meu propósito de vos desejar mil alegrias natalícias, festejamos assim juntos o que a pandemia impede, a árvore de Natal parece irradiar calor, é um afago para os olhos, a Lisboa Pombalina está deserta, mas este cone de luz endereça-nos para a paz na terra aos homens de boa vontade.
Que simbólica encontro nestas iluminações da Rua do Ouro? Pois bem, a estrela de Belém, a esperança em melhores tempos, que não nos falta saúde, a curiosidade, o gosto de presentear o outro, a mão estendida para entreajuda. E olhando este céu estrelado, vem-me à mente uns versos de Ruy Cinatti que ainda hoje são um dos meus compassos da vida:

Paz comigo próprio. Paz
que não me contente. Paz
armada ou pacífica, mas paz
que não me iluda. Paz
mítica ou revelada. Paz
que me contagie ou paz
entre mim e os outros. Paz
que me não compare. Paz
ativa, humilde. Paz
que me encha as mãos
e não conspurque. Paz
vocativa: semente, fruto. Paz
na alma. Paz
de Deus que me enamora
só de Deus enamorado.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de Dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21643: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (7): É Natal, é Natal, apesar dos confinamentos (António Marreiros, natural de Sagres, a viver há 48 anos no Canadá, ex-alf mil, CCaç 3544 (Buruntuma, 1972) e CCAÇ 3 (Bigene e Guidage, 1972/74), membro n.º 822 da Tabanca Grande

Guiné 61/74 - P21646: Casos: a verdade sobre... (19): A recusa dos militares guineenses da CCAÇ 12 em irem render a CART 3494 no Xime, em março de 1973, obrigando a uma intervenção do gen Spínola (António Duarte / Valdemar Queiroz / Luís Graça / Jorge Araújo)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) > Um coluna logística ao Xitole... O pessoal fazendo uma paragem na famosa  Ponte dos Fulas, destacamento do Xitole.

A Ponte dos Fulas (sobre o Rio Pulom, afluente do Rio Corubal) era uma espécie de guarda avançada do Xitole (na altura, a unidade de quadrícula, do Setor L1, mais a sul, era a sede da CART 2716, em 1970/72).

Perspetiva: norte-sul, quando se vem de Bambadinca e Mansambo para Xitole e Saltinho. A ponte, em madeira, de construção ainda relativamente recente e em bom estado, era vital para as ligações de Bambadinca e Mansambo com o Xitole, o Saltinho e Galomaro... A ponte era defendida por um 1 Gr Comb do Xitole, em permanência, dia e noite... Na foto sãos visíveis, em segundo plano à esquerda, o fortim; em terceiro plano, ao fundo, à direita, as demais instalações do destacamento.

Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno, Sori e Umarau (que irão depois para a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12). Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade (!). Eram do recrutamento local.

Foto: © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários sobre a alegada insubordinação da CCAÇ 12, em março de 1973 (*):

(i) António Duarte [ex-fur mil da CART 3493, a companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e onde esteve em rendição individual até março de 1974; tem 52 referências no nosso blogue]: 

Boa tarde Camaradas

Sou o António Duarte, que foi furriel atirador na Ccaç12 ente janeiro e dezembro de 1973.

Sei da recusa da companhia em seguir para o Xime, para substituir a CART 3494. Por azar em março de 73, estava eu em Portugal a gozar as minhas segundas férias e, como tal, deixei a CCAÇ 12 em Bambadinca e encontrei-a já instalada no Xime. 

Daquilo que me contaram, nomeadamente o Jioão Candeias da Silva e o António Manuel Sucena Rodrigues, a companhia recusou em seguir para o Xime, alegando transtornos na vida familiar. Não nos podemos esquecer que as praças eram, na esmagadora maioria, muçulmanos, com filhos e alguns com mais de uma mulher.

Por outro lado,  a segurança de Bambadinca nada tinha de semelhante com a do Xime.

Segundo parece a companhia formou e o comandante do batalhão [, BART 3893,]explicou o que se pretendia e levou com uma recusa. Parece que os graduados se demarcaram da situação.

Entretanto acabou por chegar o General Spínola que lhes deu a "volta", ameaçando que o chão fula, nestas circunstâncias de recusa, iria ser defendido por uma unidade de outra etnia, suponho balanta. Este facto seria uma vergonha para toda a comunidade fula da CCAÇ 12.

De qualquer forma o Candeias da Silva poderá dar mais detalhes. Infelizmente,  e por já nos ter deixado, o Sucena Rodrigues não pode ajudar.

Um abraço para todos e, se me permitem um mais apertado, para o Luís Graça
António Duarte.

13 de dezembro de 2020 às 13:53 (**)
 
(ii) Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; tem cerca de 120 referências no nosso blogue, e é um activo e incansável comentador]:

E interessante a recusa da CCAL 12 mudar de Bambadinca para Xime, alegando transtornos na vida familiar.

No caso da minha CART 11, também de soldados fulas, muçulmanos, com mulheres e filhos, como Companhia de Intervenção com o Comando em Nova Lamego, os quatro Pelotões estavam constantemente a mudar de local de permanência,  fazendo reforço a outras Companhia,  por exemplo,  em Canquelifá, Piche, Pirada, Paunca... E  quando se previa maior tempo de permanência fora da base lá seguiam com os soldados as mulheres, filhos e bagagens, para depois regressarem novamente a Nova Lamego.

Inclusive, depois de mais de um ano em Nova Lamego, toda a CART 11 mudou em definitivo para Paunca e não houve nenhum problema quanto a transtornos na vida familiar.

A vida no Xime era diferente de Bambadinca, mas em Piche, Canquelifá, Pirada ou Paunca também o era, e de que maneira, em relação a Nova Lamego.

Coisas da puta da guerra.

Abracelos
Valdemar Queiroz

13 de dezembro de 2020 às 14:59

(iii) Tabanca Grande Luís Graça:

Obrigado, António, pelo tua pronta e esclarecedora resposta. É certo que não estavas lá, em Bambadinca, em março de 1973, mas ouviste o testemunho dos teus camaradas. 

Só podia ser essa a razão da recusa: as praças guineenses da CCAÇ 12 tinham as suas razões pessoais, familiares e étnicas para não irem, de bom grado, para o Xime…

Não podia ser por medo: em quatro anos de guerra (duas comissões para a malta metropolitana…) eles já tinham dado sobejas provas de coragem, dedicação, lealdade, apego ao seu chão, e até de portuguesismo… 

Quem andou, como eu, com eles no mato, durante ano e meio, no tempo das chuvas e no tempo seco, no mato, em tabancas, em colunas, em destacamentos, etc., do princípio ao fim, sem o mais pequeno problema disciplinar ou humano, sabe do que fala…

E estou a falar da primeira geração, a da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, ou seja, do período que vai de junho de 1969 a março de 1971. Éramos, como sabes, 6 dezenas de graduados e especialistas, oriundos da então “Metrópole”, a que se juntaram, em Contuboel, no CIM, mais 100 recrutas do recrutamento local, fulas e futa-fulas (sem esquecer 2 mandingas; depois começpu a vir, em rendição individual, um ou outro de fora do chão fula, como o Vitor Sampaio, que era mancanha, de Bissau, e um grande “reguila”). 

Sim, porque o sangue, começou a correr cedo, e para alguns a guerra depressa acabou… Lembro-me do batismo de fogo, em finais de julho de 1969, em Madina Xaquili, ainda em farda nº 3…

O Valdemar Queiroz, um dos instrutores mais queridos das nossas praças, sabe do que eu falo: deu-lhes a recruta e foi com eles ao juramento de bandeira, em Bissau, na presença de Spínola… E ele sabe bem como a parte deles eram crianças, com 16 anos ou menos...

Claro que o exército não era (nem é)  uma democracia… E não havia o hábito de perguntar à malta o que é que queriam para o jantar e muito menos que “resort” turístico preferia… 

Os batalhões de Bambadinca (BCAÇ 2852, BART 2917, BART 3873 e, no fim, BCAÇ 4616/73) usavam e usavam das unidades africanas (,milícias, Pel Caç Nat, companhias de caçadores, etc.). Estavam alia à mão, “eram da terra”, eram "pau para a toda a obra"…Até para "abrir valas" !... Resquícios do tempo do "trabalho forçado" ?!

Será que o comando do BART 3873 não olhou para aqueles homens, com quatro anos de guerra (!), e lhes perguntou a opinião ?

Percebo por que é que ninguém queria ir para o Xime (a começar pelos graduados e especialistas “metropolitanos” que, em Bambadinca, estavam no bem-bom, pelo menos em termos hoteleiros…). 

Os guineenses estavam, desde meados de 1969, a viver, com as suas famílias, na tabanca de Bambadinca (e, se calhar alguns, em Bambadincazinho, não posso jurar)… O Xime era o desterro, para mais a tabanca era exígua, as instalações militares ainda piores, e a população local era mandinga, com parentes no mato…. 

E, a propósito, gostava de saber como é que as duas comunidades passaram a coexistir… Talvez o nosso amigo José Carlos Mussá Biai, o "meino do Xime", hoje o senhor engemheiro, ainda tenha  recordações dos vizinhos fulas da CCAÇ 12... 

 Como se sabe, o Xime era o pior aquartelamento do Sector L1 e "embrulhava" com frequência no meu tempo… E, depois, do Xime até ao Corubal era a “terra de ninguém”, palco de frequentes e sangrentos episódios de guerra: bombardeamentos aéreos, barragens de artilharia, e da Marinha, emboscadas, golpes de mão, minas e armadilhas, operações de maior ou menor duração, muitas vezes tendo por guias prisioneiros do PAIGC…Não é por acaso que o Xime tem mais de 400 referências no nosso blogue, contra 200 do Xitole, 340 de Mansambo, 630 de Bambadinca…

Fico-me por aqui. Mas gostaria também de saber a “versão” dos nossos camaradas da CART 3494, como o Jorge Araújo, que muito provavelmente nem se deram conta do “drama” da malta da CCAÇ 12… 

De qualquer modo, “tudo está bem quando acaba em bem”… O Caco Baldé (, alcunha do gen Spínola, entre carimhosa e sarcástica),  geriu o conflito, utilizando a velha técnica dos cabos de guerra coloniais, ou seja, dividir para reinar… Claro que a caixinha de Pandora dos ódios étnicos teria que vir ao de cima, depois da independência… 

O que vai ficar para história é que Spínola criou expetativas demasiados altas para os fulas e outras etnias como os manjacos... O caso dos fulas foi paradigmático: morreram pelo seu "chão" e pela "pátria portuguesa", e  quando os portugueses se foram embora, a única coisa que tinham nos bolsos era o patacão pago até ao fim do ano de 1974... Foram miseravelmente tratados como simples mercenários.. Foarm sempre soldados de 2ª classe, que aprenderam a falar português durante a tropa e a guerra, e que nunca tiveram tempo de frequentar,  entre 1969 e 1974, os Postes Escolares Militares e tirar o exame da 4ª classe...Nunca ninguém se preocupou com a promoção escolar, profssional, social e cívica destes valorosos combatantes fulas a quem alguns de nós deve a vida. 

E a gente sabe, por fontes cruzadas, como Bambadinca (, em mandinga, “a cova do lagarto”) foi um altar de martírio para os nossos camaradas guineenses, fulas, que, infelizmente para eles,  acreditaram na nossa palavra e na "palavra de honra" dos novos senhores da guerra, o PAIGC...

José Carlos Suleimane Baldé (, meu camarada da CCAÇ 12 que seria capaz de dar a vida por mim ou pelo António Fernando Marques) e o António Baldé (da CCAÇ 11, pai da infeliz Alicinha, que eu e a Alice quisemos trazer para Portugal, e meu vizinho de Alfragide, hoje apicultor na sua terra) contaram-me coisas, atrozes, que se fizeram em Bambadinca, depois da independência, contra os "colaboracionistas", os "cães do colonialismo", que nos envergonham a todos e não honram a memória de Amílcar Cabral nem dos demais "mártires da liberdade da Pátria"... 

PS1 - O António Baldé, 1º cabo, natural de Contuboel,  esteve no CIM de Bolama (1966/69), np Pel Caç Nat 57 (São João, 1969/70) e na CART 11 (Paunca e Sinchã Queuto, 1970/71): é membro da Tabanca Grande, nº 610].

O ex-1º cabo José Carlos Suleimane Baldé, felizmente ainda vivo, espero, a morar em Amedalai, Xime, é  o único camarada guineense da CCAÇ 12, a integrar a Tabanca Grande, além do Umaru Baldé, este a título póstumo.

 PS2 - António e Valdemar, convenhamos que o tema é pouco natalício... Mas, infelizmente, o nosso blogue não é compaginável com as conveniências do calendário litúrgico... E as nossas conversas são como as cerejas...

Mas já agora: o João Candeias, que estava lá (, enquanto tu, António,  estavas no gozo da tua merecida licença de férias), diz que o Spínola apareceu acompanhado de "quadros africanos"... Seria o régulo de Badora, tenente de 2ª linha ? Ou figuras prestigiadas militares como o ten graduado 'comando' Jamanca que já estava a comandar a CCAÇ 21, se não erro ? O que é que tu sabes sobre isso ?

13 de dezembro de 2020 às 18:07 

(iv) Jorge Alves Araújo, ex-fur mil op esp/ranger, CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), nosso coeditor; tem 275 referências no nosso blogue]:

Camaradas,

Ao ler a presente narrativa notei que o camarada Luís Graça refere o meu nome,  pedindo-me que acrescente algo mais relacionado com a "recusa da CCAÇ 12 em render no Xime a minha CART 3494", no longínquo mês de Março de 1973.

Com efeito, não tenho memória de ter tido conhecimento de qualquer situação anormal relacionada com o tema em análise. E a justificação é a seguinte:

- A exemplo do ocorrido com o camarada António Duarte, eu também não participei na sobreposição entre as duas Unidades, uma vez que, como veio a ficar gravado na cronologia da H.U., a minha última missão no Xime acabou por ser a «Operação Guarida 18», realizada em 3 de Fevereiro de 1973, na região de Ponta Varela.

Nesta Operação conjunta, onde estiveram envolvidos seis Gr Comb (três da CART 3494 e três da CCAÇ 12), acabei por ter um "encontro imediato" com o IN (ver P13839). Concluída a missão, e após o regresso ao Aquartelamento do Xime, preparei-me para seguir para Bissau a fim de voar para Lisboa, de férias, onde cheguei dois dias depois.

Ao regressar ao Xime, em meados de Março de 73, para cumprir o restante tempo da comissão, foi com espanto que constatei que a minha CART 3494 tinha sido transferida para Mansambo, substituindo a (irmã) CART 3493, ocorrência que, segundo julgo saber, teve lugar na primeira quinzena desse mês.

Sobre este assunto, é o que posso afirmar.

Saúde para todo o auditório e um forte abraço... com distanciamento.

13 de dezembro de 2020 às 23:49
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(**) Último poste da série > 13 de dezembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21641: Casos: a verdade sobre... (18): Os "momentos dramáticos" vividos pela CCAÇ 12, em março de 1973, obrigada a render no Xime a CART 3494 [António Lalande Jorge, ex-fur mil mecânico auto, CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, março de 1972 / abril de 1974)]