quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26074: (De) Caras (224): Maurício Saraiva, cofundador e instrutor dos Comandos do CTIG, cmdt do Gr Cmds Fantasmas - Parte II: Um dos momentos mais dramáticos que vivi, na sequência da terrível emboscada com mina A/C, em 28 de novembro de 1964, na estrada de Madina do Boé para Contabane, perto de Gobije (Antóno Pinto, ex-alf mil, Pirada, Madina do Boé e Béli, 1963/65)



Guiné > Brá > Comandos do CTIG > c. 1964 > Emblema de braço do Grupo Fantasmas, que pertenceu ao alferes  mil 'comando' Maurício Saraiva.

Angola > CIC - Centro de Instrução de Comandos > 1963  > O alferes mil Maurício Saraiva em Angola, aquando da frequência do curso de Cmds; no CTIG  será depois promoviodo, por mérito, a tenente e a capitão. 
  

Fotos (e  legendas): © Virgínio Briote (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Madina do Boé > 1966 > Vista aérea do aquartelamento (1966). Imagem reproduzida, sem menção da fonte, no Blogue do Fernando Gil > Moçambique para todas. Presumer-se que a sua autoria seja de Jorge Monteiro (ex-cap mil CCAÇ 1416, Madina do Boé, 1965/67) ou de Manuel Domingues, nosso tabanqueiro, ex-alf mil, CCS/BCAÇ 1856, Nova Lamego, 1965/66 (autor do livro: Uma campanha na Guiné, 1965/67).



1. Alferes, tenente e depois cap mil 'comando' (até  chegar a cor inf, na reforma extraordinária), Maurício Saraiva (1939-2002) foi idolatrado por uns, odiado por outros, "um mal amado", no dizer do Virgínio Briote (*)... 

A nível operacional, começou por integrar a 4ª CCAÇ (Bedanda, 1961) e,  depois de frequentar o curso de comand0s (em Angola, sua terra, 1963), voltou ao CTIG como instrutor e também como comandante operacional. 

A seguir à da Op Tridente (jan - mnar de 1964), irá  comandar o  Grupo Fantasmas, de que fez parte, entre outros, o nosso querido e saudoso tabanqueiro Amadu Djaló (1940-2015).  Recorde-se que o sold cond auto Amadú Djaló alistou-se nos comandos do CTIG, a convite do Maurício Saraiva.

O Amadu Djaló frequentou o 1º Curso de Comandos da Guiné, que decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964. Desse curso fizeram parte 8 guineenses: além do Amadu Djaló, o Marcelino da Mata, o Tomás Camará e outros. Deste curso sairam ainda  os três primeiros grupos de Comandos, que desenvolveram a actividade na Guiné até julho de 1965: Camaleões, Fantasmas e Panteras

Interessa-nos conhecer melhor o percurso do nosso camarada Maurício Saraiva, no CTIG, embora saibamos que ele virá a ser gravemente ferido, por mina A/P, em Moçambique, em 1968, enquanto comandante da 9ª CCmds. (Altamente medalhado por feitos em combate, é agraciado em 1970 com o o grau de Oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito; passaria em 1973 à situação de reforma extraordinária: vd. o seu impressiomnante CV militar, no portal UTW - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar.)

Mas demos voz também àqueles que o conheceram,  para além  do Virgínio Briote (*) e da família (**). Foi o caso do António Pinto (***),  ex-alf mil inf, BCAÇ 506 (Guiné, 1963/65), um veterano de Madina do Boé e de Beli mas também um dos veteranos do nosso blogue. É mais um pequeno contributo para o seu "retrato" que o Virgínio Briote ainda há de fazer, se Deus lhe der vida e saúde... (****). 

 

António Pinto, II Encontro Nacional
da Tabanca Grande, Pombal, 2007

Um dos momentos mais dramáticos que vivi, na sequência  da terrível emboscada com mina A/C, em 28 de novembro de 1964, na estrada de Madina do Boé para Contabane, perto de Gobije


por António Pinto 

(...) A memória já me vai traindo um bocado, mas há momentos que jamais poderei esquecer e com certeza que me acompanharão para sempre. 

Guardei alguns documentos daquele tempo e, vasculhando-os, verifico que pertenci à 3ª Companhia de Caçadores, em Nova Lamego, e aos Batalhões de Caçadores, sediados em Bafatá, nºs 506 e 512 e,  finalmente,  ao Batalhão de Cavalaria nº 705.

Sobre Madina do Boé,  estive lá no 2º ano de comissão, lembro-me que fomos os primeiros a lá chegar e montar o 1º aquartelamento que ficou ao fundo da estrada, onde havia uma escola desactivada. 

Os primeiros tempos passámo-los sem sobressaltos de maior até que houve o 1º ataque, não posso precisar a data. Não tivemos feridos.

Há um episódio, no entanto, entre vários, que me marcou bastante. Vou tentar resumi-lo:

Uma tarde estávamos no destacamento, quando, de repente, ao fundo da tal estrada vimos chegar, com grande alarido,  dois ou três jipes com uma velocidade inusitada e alguém aos gritos, que só conseguimos entender quando chegaram à nossa beira. 

Era um grupo de comandos, chefiados pelo alferes  [Mauríco] Saraiva [um homem tremendamente marcado pela guerra em Angola, onde assistiu à morte de familiares seus, (dizia-se)].

Aos berros, pediu-nos viaturas e homens para efectuar uma operação (de que eu não tinha conhecimento ) nos arredores de Madina.

 De tal maneira ele estava transtornado que chegou a puxar de pistola para um furriel do destacamento, que estava a apertar as botas, tal era a sua pressa.

O que não posso esquecer é o pedido que um dos nossos soldados fez para substituir o condutor duma viatura, salvo erro, uma Mercedes, argumentando que, sendo ele pequeno ( e era-o de facto), se uma mina rebentasse,  ele saltava com mais facilidade, pedindo só para deixar tirar a capota da viatura. Não me recordo do nome dele mas vejo-o constantemente...

Essa patrulha, em que não participei, pois o Saraiva não o permitiu, foi atacada, após o rebentamento de minas. Morreram vários camaradas nossos, entre eles o referido condutor, que teve uma morte horrorosa.

Alguns desses camaradas deixaram este mundo nos meus braços e nos do médico que, na altura, estava conosco e que é por demais conhecido - o Luiz Goes, que todos conhecem, com certeza, pelos seus fados de Coimbra.

Este foi um dos momentos mais dramáticos que vivi na Guiné, para além de outros, especialmente em Beli, onde fui ferido (....)


______________

Notas do editor:

(*) 11 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25832: (De) Caras (308): Maurício Saraiva, cofundador e instrutor dos Comandos do CTIG, cmdt do Gr Cmds Fantasmas - Parte I: O "capitão Manilha", por Virgínio Briote (ex-alf mil cav, CCAV 489, Cuntima; e ex-alf mil 'cmd', Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67)

(**) Vd. poste de 6 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11531: As Nossas Tropas - Quem foi quem (12): Maurício Leonel de Sousa Saraiva, ex-cap inf comando (Brá, 1965/67) (Luciana Saraiva Guerra)

Vd. também poste de:


(...) Tenho muito material sobre o cor Maurício Leonel Saraiva. Fotos, documentos e memórias de acontecimentos, histórias que corriam na altura, outras de que fui testemunha e uma ou outra em que até fui protagonista. Gostaria de fazer um trabalho sobre o Saraiva (já em tempos encomendado pelo Presidente da Associação de Comandos, mas que não pude levar adiante).

Foi ele, o Saraiva, que como tenente me convidou a concorrer aos comandos e, dois meses mais tarde, como capitão, foi meu director de instrução.(..:)


Guiné 61/74 - P26073: Elementos para a história do Pel Caç Nat 51 - Parte X: 43 anos depois, em casa do ex-mil José Daniel Portela Rosa (1946-2021), com a antiga enfemeira paraquedista Giselda e o ex-alf mil José Ribeiro (Armando Faria, ex-fur mil inf MA, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74)



Foto nº 1


Foto nº 2 


Foto nº 3

Sintra   > Casa do Portela Rosa > 29 de julho de 2015 >  Um reencontro emocionante ao fim de 43 anos: o ex-alf mil José Daniel Portela Rosa (Lisboa, 1946 - Sintra, 2021)  (Foto nº 3), com a ex-enfermeira paraquedista Giselda Antunes (Pessoa, pelo casamento) que o evacuou (de Cufar para o HM 241) (foto nº 1) e com o ex-alf mil José Albino da Silva Ribeiro da CCAÇ 4740  (Cufar, 1972/73), ambos feridos com gravidade no acionamento de uma mina A/C, em 29 de julho de 1972.

Fotos (e legendas): © Armando Faria (2024). Todos os direitos reservados 
[Edição e lendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Armando Faria, hoje e ontem


1. Mensagem do nosso tabanqueiro Armando Faria (ex-Fur Mil Inf Minas e Armadilhas, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74) (membro da Tabanca Grande desde 10 de maio de 2010;  tem 27 referências no nosso blogue; técnico de seguros reformado, vive em Vila Nova de Gaia; tem página no Facebook):


Data - 19 out 2024,  18:52 

Assunto - Pel Caç Nat 51

Boa tarde, camaradas.

Aqui está um assunto, Pel Nat 51, pessoal com quem convivi em Cufar.

Fiz parte da CCaÇ 4740, com origem no B.I.I. 17, Angra do Heroísmo, tendo chegado a Cufar a 22 julho de 1972.

Fomos render a CCaç 2797 e com eles estavam o Pel Caç Nat. 51, o Pel Caç Nat. 67 e o Pel Canhões S/R 3079.

A 29 de julho, numa saída de reconhecimento, sairam 2 Pelotões da CCaç.4740 e o Pel Caç Nat .51.

Foi nesse fatídico dia que o então alferes José Daniel Portela Rosa teve o acidente. Assim o descrevo no meu livro de memórias:

“Ano de 1972

A 29 de julho, trágico dia para todos nós, três oficiais, dois da C.CAÇ 4740 e um do Pelotão Caçadores de Nativos 51, são gravemente atingidos pelo acionamento de uma mina.

Em progressão de Cufar Novo à mata de Boche Mende-Camaiupa, três pelotões de combate o segundo e o terceiro da CCAÇ .4740 e o Pel Caç Nat 51, naquele que seria um reconhecimento de zona, foi acionada uma mina antipessoal pelo comandante do Pel Caç Nat 51, alf mil José Daniel Portela Rosa que ficou com uma perna amputada. Foram ainda atingidos com a projeção de estilhaços o alf mil José Lourenço Salvado de Almeida e o al f mil José Albino da Silva Ribeiro da CCAÇ 4740 que ficaram feridos com gravidade.

Foram evacuados os três para o HM2141, Bissau e seguidamente para o HMP, Lisboa.”



Junto aqui 3 fotografias, uma do Portela Rosa, uma o Portela Rosa com o então alferes Ribeiro e outra com a nossa enfermeira Giselda Pessoa.

Foi um encontro emocionante que se deu a 29 de julho de 2015, em casa do Portela Rosa.

Este encontro deveu-se a contactos que fiz para saber quem o acompanhou na evacuação de Cufar a 29 julho de 1972, pois ele não fazia ideia quem foi que o manteve “do lado de cá” nesse dia.

Um abraço a todos os Combatentes de todos os tempos, mas um especial aos de Cufar, aquele abraço do tamanho do nosso Cumbijã.

Cumprimentos,

Armando da Silva Faria

Fur Mil Inf Minas e Armadilhas, CCaç 4740.

https://www.facebook.com/groups/457725750912229

https://www.ccac4740.pt/

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Nota do editor:

(*) Último poste da série  > 19 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26057: Elementos para a história do Pel Caç Nat 51 - Parte IX: O cmdt que se seguiu ao Armindo Batata, entre dez70 e jul72, foi o alf mil inf José Daniel Portela Rosa (Lisboa, 1946 - Sintra, 2021)

Guiné 61/74 - P26072: (In)citações (266): Será que é desta ?... Se Xanana Gusmão não vai à nossa Escola nas montanhas de Liquiçá, a nossa Escola vai ter com ele em... Nova Iorque (João Crisóstomo)



Foto nº 1 > Timor > Díli > 2017 > Xanana Gusmão, João e Vilma 
 


Foto nº 2 > Timor > Díli > 2017 > Ramos Horta, João e Vilma 


Foto nº 3> Timor > Díli > 2017 > Mari Alkatiri, João e Vilma 


Foto nº 4 > Timor > Díli > 2017 > Rui Maria Araújo, 
Primeiro Ministro nessa altura. João e Vilma


Foto nº 5 > Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 >  Com Xanana Gusmão:
 "a expressão de surpresa por ver a Escola em páginas dum blogue sobre a Guiné"…



Foto nº 7 > Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 > Protestei, mas o Xanana foi mais teimoso e insistiu em ajudar.( Fez-me lembrar uma experiência semelhante em que Elie Wiesel fez questão de me ir abrir as portas quando eu carregava duas cadeiras.)



Foto nº 8 > Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 >   
Eu e Xanana:  Se for desta que a Escola arranja professores, 
esta foto vai ficar numa parede…



Foto nº 9> Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 >  
Com Luís Guterres, Embaixador de Timor Leste em Washington; 
Dionísio B. Soares, Embaixador de Timor nas Nações Unidas; 
uma senhora, não tenho a certeza ,mas penso 
que é Dulce Soares, ministra da cultura; e eu.



Foto nº 10> Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 >   
Embaixador Luís Guterres; o nosso Embaixador de Portugal 
em Washington Francisco Duarte Lopes; 
Xanana; eu, a Vilma e...uma senhora que foi-me apresentada 
mas não me lembro quem é (ai o que faz a velhice…).



Foto nº 11> Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 > 
 Xanana autografando o livro 
para o Rui Chamusco (que vive na Lourinhã)



Foto nº 12 > Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 > 
 A dedicatória do Xanana:  "Para Rui Chamusco:Muito agradecido
pela escola que construiu em Timor Leste!... 
Muita amizade. Xanana, NY, 23 setembro 2024"

O último livro de Kay Rala Xanana Gusmão
(O Meu Mar, O Meu Timor)

 

Foto nº 6> Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 > 
Xana, a Vilma e eu... Ele fifcou contente pelo livro “LAMETA” 
que lhe entreguei: que nunca tinha recebido 
o primeiro que lhe enviei… o que me leva a concluir 
que outros assuntos também nem sempre chegam 
aos seus destinos…


Fotos (e legenda): © João Crisóstomo  (2024). Todos os direitos reservados 
[Edição e lendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do João Crisóstomo, o "embaixador" da nossa Tabanca Grande em Nova Iorque, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, ativista de causas sociais, etc.

Data - terça, 24/09/2024, 20:00
 Assunto - Será desta ? 


Caro Luís Graça (c/c Rui):


Será desta?


Como sabes tem sido longa a nossa luta para conseguirmos professores acreditados (oficializados) para a escola de S. Francisco de Assis em Timor Leste (*). Temos batido a todas as portas em Portugal e em Timor Leste, mas a solução tem-se mostrado elusiva. 

Em vários casos estes esforços têm sido feitos em encontros e contactos pessoais; em outros casos quando um contacto pessoal tem sido possível, a situação tem sido dada a conhecer através de assessores que sempre garantem que os nossos pedidos chegarão aos destinatários. Não sei se chegam ou não. A verdade é que temos ficado sempre esperando!.

Embora eu tivesse estado com vários líderes em 2017, quando fui a Timor Leste pela primeira vez, nessa altura o projecto da escola apenas existia na mente do casal Glória e Gaspar Sobral e do Rui Chamusco. Este havia-me falado dessa ideia , mas eu ainda não tinha ido às montanhas e não fazia ideia da situação e que necessidade desta escola era tão premente.

Encontrei-me nessa altura com Xanana, 17 anos depois do nosso último encontro em Nova Iorque: um encontro muito agradável, direi mesmo uma experiência extraordinária. 

Como sucedeu com Mari Alkatiri, que tinha sido Primeiro Ministro quando Xanana foi Presidente na primeira administração após a independência de Timor Leste , ou com Ramos Horta e com Rui Maria Araújo, que era o Primeiro Ministro nessa altura. Mas nesta altura o projecto da construção duma escola ainda não existia sequer na minha mente.

Os nossos esforços, especialmente por parte do Rui Chamusco que já foi a Timor Leste cinco vezes (**), têm sido razão de muita frustração. Tenho uma admiração enorme por este homem que não desiste, com uma perseverança contagiante que leva os outros a continuarem e a não perderem a esperança. E tem sido esta perseverança dele que me tem motivado a não desistir também.

E, assim de repente, apareceu uma oportunidade que eu não esperava: o Embaixador de Timor Leste nas Nações Unidas, Dionísio Babo Soares, com quem há tempos me encontrei, mandou-me uma mensagem: que o atual Primeiro Ministro de Timor Leste, Xanana Gusmão, em Nova Iorque por ocasião da Assembleia Geral da ONU, ia lançar um livro sobre o mar de Timor “My sea, my Timor”... e se eu estava interessado em aparecer.

Primeiro eu não via razão para ir: depois do acidente que tive há meses decidi ter mais cautela e tenho-me limitado apenas ao mesmo necessário. Mas logo refleti : porque acredito em contactos pessoais como o melhor meio de se conseguirem resultados (como no caso de Aristides de Sousa Mendes e o “Dia da Consciência” junto do Vaticano que tentávamos desde 2004, mas que apenas começou a receber a devida atenção depois dum encontro pessoal com o Secretário de Estado), logo me lembrei que sendo ele agora Primeiro Ministro,  seria uma boa ocasião para tentar falar com ele pessoalmente sobre a escola S. Francisco de Assis…

E mesmo em cima da hora decidi ir. Não tinha tempo para preparações , mas tinha à minha frente alguns posts do nosso blogue sobre as crónicas do Rui Chamusco que tinha acabado de imprimir. São várias centenas já, pois que eu, não sendo letrado em coisas digitais, imprimo tudo o que acho de especial interesse. Apanhei duas ou três folhas onde aparecem a escola e as crianças da escola e levei-as comigo.

Quando cheguei, o Xanana tinha também acabado de chegar. E estava ainda cá fora, muito efusivo a cumprimentar outras pessoas quando nos viu e reconheceu. E até eu fiquei surpreendido pelos abraços e receção calorosa que nos deu. 

E lembrou aos presentes que nos tínhamos encontrado aqui em Nova Iorque no ano 2000. Com receio de não ter oportunidade de falar com ele mais tarde, como sucede muitas vezes nestes casos, logo lhe disse se podia falar com ele sobre um assunto que achava importante, uma escola nas montanhas de Timor Leste, ao mesmo tempo que lhe mostrava essas folhas do nosso blogue. 

Ficou surpreendido,  pensando ser engano : “Mas… como é? … esta escola é na Guiné?"… 

Explicada a razão de que Timor Leste era também assunto importante para os “camaradas e amgos da Guiné" e quantos lessem este blogue, aceitou a explicação. Solícito, ao ver a minha bengala até fez questão de me ajudar a subir as escadas …

E depois de termos cumprimentado alguns convidados presentes que já conhecíamos e outros que nos foi apresentando, foi ele que me me levou para um banco mais afastado "para falarmos melhor”.

Antes de prosseguirmos para o “momento de lançamento do livro",  mandou chamar o Embaixador de Timor-Leste nas Nações Unidas (o mesmo que nos convidou para este evento) a quem instruiu para colher as informações pertinentes sobre este assunto.

Já depois do lançamento, eu pedi-lhe a sua assinatura no livro que queria enviar ao Rui Chamusco. Logo que cheguei a casa apressei-me a chamar o Rui a quem dei conhecimento de tudo e dum livro que tenho aqui para ele, devidamente autografado pelo Xanana.

Fico esperançado que não tenha sido uma conversa em vão! 

Será desta? (**)

João
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PS - Como não sei fazer melhor, aqui vão algumas fotos, com as devidas legendas, se as achares pertinentes e quiseres usá-las.

Legendas:

As primeiras quatro fotos foram tiradas em 2017 durante a nossa primeira visita a Timor Leste.

1 > c/ Xanana | 2 >c/  Ramos Horta | 3 >  >  c/ Mari Alkatiri |  4 > Até parece anedota com Rui Maria Araújo, Primeiro Ministro nessa altura.

As oito seguintes foram tiradas ontem (23 de setembro de 2024).

5 > Podes ver a expressão de surpreza do Xanana por ver a Escola em páginas dum blogue sobre a Guiné…

6 > Ficou contente pelo livro “LAMETA” que lhe entreguei: que nunca tinha recebido o primeiro que lhe enviei… o que me leva a concluir que outros assuntos também nem sempre chegam aos seus destinos…

7 > Protestei, mas ele foi mais teimoso e insistiu em ajudar.( Fez-me lembrar uma experiência semelhante em que Elie Wiesel fez questão de me ir abrir as portas quando eu carregava duas cadeiras).

8 > Se for desta que a escola arranja professores, esta foto vai ficar numa parede…

9 > Com Luís Guterres, Embaixador de Timor Leste em Washington; Dionísio B. Soares, Embaixador nas Nações Unidas; (não tenho a certeza ,mas penso que é Dulce Soares, Ministra da cultura).

10 > Embaixador Luís Guterres; o nosso Embaixador de Portugal em Washington Francisco Duarte Lopes; Xanana e (???) (a senhora foi-me apresentada mas não me lembro quem é;  ai o que faz a velhice…).

11 > Xanana autografando o livro para o Rui Chamusco.

12> A página com a dedicatória...

(Revisão / fixação de texto: LG)

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Notas do editor:

(*) 17 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25950: (In)citações (261): tudo o que temos pedido é que forneçam professores devidamente acreditados para a Escola de São Francisco de Assis (ESFA), nas montanhas de Liquiçá, Timor Leste (João Crisóstomo, Nova Iorque)

(**) Vd.postes de:



quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26071: Historiografia da presença portuguesa em África (448): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1885 (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Agosto de 2024:

Queridos amigos,
Tinha a expetativa de que ao longo do ano de 1885 se desse alguma ressonância aos acontecimentos do Casamansa, mas nada aconteceu. Chama a atenção o detalhe dos boletins sanitários de Cacheu, Bissau e Bolama; a relação dos artigos para o Hospital Militar e Civil de Bolama leva-nos a refletir sobre a natureza da alimentação dos doentes; de uma forma cuidada, o novo Governador lembra que são escassos os efetivos militares para manterem em respeito as tribos irrequietas; o delegado de saúde de Cacheu deixa-nos um relato impressionante do estado da vila; mas ficamos a saber que na feira diária se vendem alimentos como hoje seguramente não aparecem nos mercados guineenses; continuam as manifestações de régulos pedindo que se hasteie a bandeira portuguesa, é talvez também produto do desenvolvimento agrícola que leva as autoridades gentílicas a atrelarem-se à potência colonial.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1885 (7)


Mário Beja Santos

Durante os primeiros meses de 1885, ainda aparecem diplomas assinados por Pedro Ignácio de Gouveia, e depois entra em funções o novo governador, Francisco de Paula Gomes Barbosa. Nos Boletins n.º 6, 7 e 8, todos de fevereiro, vêm publicados os estatutos do Colégio das Missões Ultramarinas. Diga-se em abono da verdade que esses primeiros meses estão enxameados de disposições burocráticas, o costume, nomeações, transferências, taxas alfandegárias, muitos boletins sanitários, onde avultam as doenças próprias da época das chuvas. No Boletim n.º 17, de 25 de abril, temos um edital da Junta da Fazenda Pública onde se anuncia que se abriu a praça para o fornecimento pelo prazo de um ano de um conjunto de artigos para o hospital militar e civil de Bolama, é mais do que uma curiosidade saber por onde anda a base alimentar de um hospital da época, na Guiné: arroz da Índia, açúcar pilé, azeite doce, alhos, batata inglesa (termo que ainda hoje se usa), bacalhau, carne de vaca, chá, cebolas, cevadinha, calda de tomate, doce em latas, farinha de trigo, feijão branco e feijão vermelho, galinhas, leite, folhas de louro, massas, manteiga de vaca, banha de porco, ovos, pão, pimenta, sal, tapioca, vinho do Porto e vinho da Madeira, hortaliças, mandioca, batata doce, lenha, petróleo, fósforos, sabão, torcidas e velas de estearina.

Com pompa e circunstância, vamos encontrar desenvolvido em vários boletins a Nova Reforma Fiscal, tudo a partir do Boletim n.º 19, de 19 de maio. No Boletim n.º 27, de 4 julho consta o alto de perdão concedido pelo Governo aos gentios de Cacanda, mas anteriormente temos um impressionante alto de vassalagem e protesto de amizade que ao Governo português fez o rei das Ilhetas, tudo se vai passar a bordo da escuna Forreá, estavam presentes delegados do Governador, o régulo das Ilhetas, Jepomon, António Gomes, filho do dito régulo, e José da Silva, neto do mesmo. A delegação portuguesa afirmou que o Governador era sabedor da influência do régulo nos demais régulos das Ilhetas, de quem é suserano. “Que nas mãos dele régulo, depositavam a farda e capacete, presente de Sua Excelência o Governador, um ligeiro testemunho das suas boas intenções para com os Ilhetas. O que tudo foi bem explicado e traduzido ao régulo pelos próprios filho e neto que bem conhecem o crioulo, língua em que os legados do Governo fizeram a sua exposição. O régulo respondeu que ele e os seus eram portugueses, de que muito se ufanava. Que fora seu constante propósito acabar com a pirataria a que se dedicavam os insulares sobre a sua jurisdição. Que deste acerto dava testemunho com o seu procedimento e havendo várias embarcações que os seus povos e vizinhos, por vezes, noutro tempo, tinham pilhado e saqueado, fazendo-as restituir a seus donos, pela maioria negociantes de Bissau e de Bolama, citando os nomes de vários negociantes a quem mandar entregar embarcações, tais eram: Carlos Abreu, José de Sena, Victor Martins, Gustavo Theraizol e Blanchard & Companhia (…) Concluindo disse: que terminava por jurar obediência e vassalagem à Coroa Portuguesa, de quem sempre fora fiel e leal vassalo, ratificando qualquer outro juramento.”

Não deixa de ser curioso logo a seguir a este documento aparecer publicado o pedido do régulo de Bubaque para que se hasteasse a bandeira portuguesa e se fundasse uma colónia agrícola no seu território: “George, régulo de Bubaque, rendendo preito e homenagem ao Governo português, deseja que na sua ilha hasteie a bandeira portuguesa e se estabeleça uma colónia agrícola, assegurando que os colonos serão sempre tratados com todo o desvelo e amizade. Grato para com o Governo de Sua Majestade fidelíssima os favores dispensados a seu filho Ambrósio Gomes Jasmim, vem, por esta forma, manifestar ao Excelentíssimo Governador da província a sua viva e eterna gratidão e congratular-se com Sua Excelência pela sua elevação no Governo.” Assina Onhabaque de Bubaque.

No Boletim Official n.º 32, de 8 de agosto, chama a atenção o início despacho n.º 163 do Governador: “Sendo a força de 1ª linha da guarnição nesta província por vezes insuficiente para manter em respeito as tribos irrequietas que a povoam, e assegurar o sossego e tranquilidade pública, indispensáveis ao bem-estar dos seus habitantes e ao desenvolvimento do comércio e da agricultura…”

Cumpre registar que os boletins sanitários de Bolama, Bissau e Cacheu são cada vez mais detalhados. No Boletim n.º 34, de 22 de agosto, por exemplo, veja-se o relatório da vila de Bissau referente ao mês de julho de 1885:
“O predomínio dos padecimentos das vias respiratórias sobre as diversas doenças observadas na clínica urbana, definem a constituição médica durante o mês; tais afeções, porém, sempre complicadas de febres palustre jamais revestiram caráter de gravidade.” Segue-se a lista dos novos doentes, os curados e os transferidos, faz-se igualmente referência à higiene pública, tinha-se procedido à limpeza da parte do poço que corresponde ao interior da praça de Bissau”

No mesmo boletim, o presidente da Sociedade de Geografia dirige-se ao Governador da Guiné, tudo tem a ver com a Exposição Universal de Antuérpia e à cooperação dada pelo Governo da Guiné, a Sociedade de Geografia congratula-se e agradece aos expositores da província de que o Governador dirige.

No Boletim n.º 36, de 5 de setembro, chama prontamente à atenção o impressionante e singular relatório do serviço de Cacheu referente a 1884, assinado pelo delegado de saúde Alpino da Conceição Ribeiro. Depois de uma descrição minuciosa da localização da vila, deixa-se ao leitor o que há de impressivo em parágrafos elucidativos:
“As ruas que existem, não merecem tal nome. Tão desigual é o seu terreno que charcos e lameiros que na época pluviosa se formaram, as tornam intransitáveis.
Nas proximidades do baluarte do novo centro tem lugar a feira diária de géneros de usos ordinário e comum na povoação. Gentios de vários pontos interiores concorrem ao mercado da batata-doce, feijão, arroz, mandioca, inhame, banana, laranjas, abóboras, melancias, milho, amêndoas de palma, cola, semente de purgueira, muitos outros géneros e frutas; azeite de palma, azeite amargo, vinho de palmeira; ovos, galinhas, patos e outros animais domésticos; cera, borrachas e couros de boi. Aparece o marfim, mas raríssimas vezes.
Realizaram-se 17 batismos. Não houve nenhum casamento. Conquanto a religião oficial seja a dominante, aparentemente professada esta, mas verdadeiramente pratica-se o feiticismo.
Unicamente, mas antes como atos de luxo do que como preceitos da Igreja, ninguém se esquiva ao batismo, encomendação de cadáveres e missa de requiem. O matrimónio, segundo o rito da Igreja Católica, se não inspira repugnância também quase que jamais é aceite. É preferido o enlace matrimonial por um enlace privativo do país que não tem ligação alguma com as leis canónicas nem as civis.”


A Guiné na África Ocidental
Moeda de 50 centavos do 5º centenário da descoberta da Guiné
Moeda da Guiné-Bissau, 2 pesos e meio, 1977, FAO
Djolas da Gâmbia e do Casamansa, fotografia de Joannès Barbier, 1892
Fotografia de um albino senegalês, apresentada na Exposição Colonial de Lyon, 1894
Vista de Carabane, 1889, gravura
Arquipélago dos Bijagós, 1885, xilogravura
Bijagós numa bagabaga, 1885, xilogravura.

Todas estas gravuras podem ser adquiridas na Galerie Napoléon, Paris, o preço é de 60€ (moldura não incluída)

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 16 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26049: Historiografia da presença portuguesa em África (447): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, os últimos meses de 1884 (6) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26070: As nossas geografias emocionais (26): Esta Alemanha debruçada sobre o Báltico: Lübeck, Travemünde, Rostock, Warnemünde, Alemanha (António Graça de Abreu)




Alemanha > Costa báltica >Agosto de  2023 

Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu (2023). Todos os direitos reservados [Edição e lendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

1. Mensagem do nosso amigo e camarada António Graça de Abreu ( ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), ainda no rescaldo de  mais um cruzeiro que efetuou, com a esposa, em agosto de 2023, desta vez à Gronelândia e à Islândia (*):

Data - segunda, 21/10/2024, 22:34
Assunto - Viagens... Dá para publicar ?
 

Lübeck, Travemünde, Rostock, Warnemünde, Alemanha


As minhas aventuras por esta Alemanha debruçada sobre o Báltico começaram no Verão de 1967 (**). 

Eu era um rapazinho de vinte anos, encalhado em Hamburgo, na margem do rio Elba, estudando, trabalhando, meio falho de ternura, entregue aos cuidados da minha menina alemã, companheira e amiga, a Inge Balk, dezanove anos, loiros e doces.

No abrir do Verão, aí viemos ambos de comboio desde Hamburgo até Lübeck, a cidade de Thomas Mann (1875-1955), prémio Nobel da Literatura em 1929, espairecendo pelo burgo hanseático, a liga antiga que unia uns tantos portos de mar do Báltico e do Atlântico Norte. Lübeck, cheia de igrejas, de ruas com casinhas do século XVI, a Holsten Tor, uma das quatro portas da cidade datada de 1464, tudo hoje Património Mundial pela Unesco.

Em Travemünde se apanhavam os navios que faziam a ligação com a Suécia e a Finlândia. Em meia dúzia de horas de navegação chegava-se, e chega-se, às capitais do Báltico.

Avançando para o mar, tínhamos também praia em Travemünde. Foi tempo de estender o corpo na areia tépida e de ir molhar os pés nas águas ainda frias no mês de Junho. A praia cheia de barracas de verga, com a abertura orientada a sul, para se protegerem do vento.

Logo ali, do outro lado da foz do rio Trave, começava o arame farpado, com uma alta torre de madeira de vigilância da DDR, a Alemanha Oriental. Os camaradas comunistas tomavam conta da fronteira. Pela primeira vez, eu via a Alemanha dividida, o outro lado aparentemente inacessível.

Ano de 2023, viagem pelas quase mesmas paragens, agora, desde Berlin, 250 quilómetros de comboio, com passagem por Rostock até chegar a Warnemünde, velho porto germânico fundado em 1195. Há cinquenta anos atrás tudo isto era território da DDR, a Alemanha Comunista mas desse lado o sistema político não trouxe liberdade, nem democracia, raramente chegou um pouco mais de felicidade às pessoas. 

Hoje é tudo Alemanha, respira-se um ar mais puro, desinfestado de pestilências políticas do passado. Venho para continuar viagem num navio rumo à Gronelândia e aproveito um dia inteiro para testemunhar as semelhanças entre Travemünde e Warnemünde, ambas portos de mar na margem esquerda da foz de um rio, o Trave e o Warnow, as duas debruçadas sobre o mar Báltico, a 150 quilómetros uma da outra, com praias famosas para alemão fruir. 

Outra vez em Junho, e o tempo ainda frio, 17 graus, mas a cidadezinha já cheia de veraneantes e turistas, alguns de passagem, como eu, em navios de cruzeiro. Desta vez não fui molhar os pés no Báltico, apenas o largo passear pela cidade e, para matar saudades de um glorioso tempo do passado, num imbiss, um tasquinho germânico, comer duas salsichas e beber uma cerveja alemã. (***)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de dezembro de 2023 > Guiné 621/74 - P24920: Dos calores da Guiné aos frios da Gronelândia (6): Em Reykjavik, Islândia, onde nada nos assusta: se a terra treme,é porque o vulcão, não longe, barafusta (António Graça de Abreu)

(**) Vd. poste de 31 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22418: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XIII: Hamburgo, Alemanha Federal, 1967

(***) Último poste da série > 24 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25679: As nossas geografias emocionais (25): Quase todos partimos, até 1972, num navio de transporte de tropas, a partir do Gare Marítima da Rocha Conde Óbidos, e não da Gare Marítma de Alcantara...

Guné 61/74 - P26069 O Spínola que eu conheci (37): "Nunca foram ao Senegal ?!... Deixe-se de rir, nosso alferes, pois comecem a pensar em ir lá"... (A. Marques Lopes, 1944-2023)


Guiné > Região do Caheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > À direita.  ex-alf mil at inf, A. Marques Lopes, que comandava o grupo Os Jagudis.   Ao centro, o seu guarda-costas, e à sua esquerda, presumimos nós, o cap art Carlos Alberto Marques de Abreu (promovido a coronel, em 2/5/1989), e aqui numa foto rara.

 Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edução e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



O gen Spínola em Infandre (1970).
Foto: Arquivo do blogue Luís Graça &
 Camarafdas da Guiné

1. Recorde-se que o nosso querido e saudoso A. Marques Lopes (1944-2024), ex-alf mil, CART 1690 (Geba, 1967/69) foi  evacuado para a metrópole, na sequência de uma mina A/C que matou o cap inf Manuel Guimarães e que o feriu também a ele,  na estrada Geba-Banjara, em 21 de agosto de 1967 (*). 

Ao fim de nove meses de tratamento e recuperação no HMP, em  Lisboa, voltou para o CTIG, em maio de 1968, para cumprir mais 10 meses de comissão de serviço, neste caso na CCAÇ 3, que estava aquartelada em Barro, na região de Cacheu, mesmo junto à fronteir com o Senegal. Passou  a comandar um  grupo de combate que mais tarde se irá chamar... 
"Jagudis" (abutres).

Na altura o comandante era o cap art Carlos Alberto Marques de Abreu (capitão Alves, no livro "Cabra Cega"). ("Depois do 25 de Abril será adjunto do general Spínola; conheci os pais dele, que tinham um restaurante na Calçada do Combro, em Lisboa.") (**).

Passado pouco tempo de chegar à CCAÇ 3, "creio que em junho de 1968, o general Spínola foi a Barro", numa visita relâmpago, que o autor de "Cabra Cega" recontitui, com muita piada.  (    (Lapso do autor: em junho de 1968, Spínola ainda era brigadeiro, e com um mês de Guiné ainda não deveria ser conhecido por "Caco  Baldé"-)

Vamos selecionar alguns excertos das pp. 491/495, e fazer um resumo deste episódio.


2. O A. Marques Lopes [Aiveca, no livro ] estava a descansar, depois de uma noite passada no "tarrafe do Cacheu à  espera que os guerrilheiros passassem" (pág. 491). Chegado às seis da manhã, morto de sono, tirou o camuflado, nem tomou banho, atirou-se para cima da cama... 

"O ruidoso girar característico das pás dos helicópteros" (pág. 492), fê-lo saltar da cama, a ele e ao outro alferes, o Rudolfo (nome fictício). 

(...) Vestiram os calções e enfiaram as chinelas nos pés (...)  Foram para a porta da secretaria. Já lá estavam o cabo escriturário e o primeiro sargento, este todo aprumado:

 Vem aí o nosso general!  – anunciou, embevecido. (...)

Os dois alferes "viram com espanto o Caco Baldé a aproximar-se em passo decidido, olhar penetrante e pingalim da ordem". Vinha acompanhado pelo comandante da CCAÇ 3... e "todo emproado no camuflado limpo e brilhante pelo uso em cerimónias, de luvas impecáveis e boina vermelha berrante", o ajudante de campo "com a G3 em prontidão, coronha poisada no quadril" (pág. 492).

(...) O Rudolfo mostrou-se preocupado...

 – É, pá, não podemos receber o general em tronco nu, de calções e chinelos.

  Oh, agora, chapéu. Ele  está perto e já olhou para nós. Quando aparece assim de repente, o que é que pode esperar ?
 
O general chegou ao pé deles e o capitão apresentou-os:

   Meu general, estes são comandantes de dois pelotões da minha companhia. Há um que está a montar emboscada num corredor de infiltração e outro está num destacamento. (...)

O Lopes instintivamente ia levantar a mão para bater a pala, mas deu conta que estava "desfardado"... 

(...) Mas o Rudolfo não pensou e fez mesmo a continência. Ninguém ligou, nem o general (pág. 493). (...)

O Lopes [ Aiveca, no livro] achou que devia dizer qualquer coisa, pediu desculpa ao general, dizendo-lhe que não estava à espera e tinha passado toda a noite no mato (...).

   Deixa-te disso, pá. Vamos lá que estou com pressa, quero ir falar com o major do COP  [que era na altura o Correia de Campos ]. (...)

Depois, entraram na secretaria e falaram da atividade operacional, dass infiltrações do PAIGC a partir do Senegal, da missão do COP,  mas também da situação do pessoal e dos problemas de alimentação em Barro.  

(...) Toma nota    ia dizendo o general para o [ajudante de campo, o cap cav  'cmd Almeida Bruno, maio 68 / julho 70].

Este, que pusara a G3, tinha agora um pequeno bloco na mão.

O Aiveca esteve tentado a dizer  que a carne que tinham, era das vacas que, às vezes , iam roubar às aldeias fronteiriças do Senegal, ou daquelas que caíam nas armadilhas que montavam nos carreiros e que os elementos do PAIGC traziam para atravessar o Cacheu. Os gajos das tabancas não querium vender vacas. Mas preferou ficar caladinho, o capitão que desbroncasse. 

 O Caco Baldé ajeitou o monóculo e mudou de conversa.

   Quais são as etnias dos grupos de combate ?

   Meu general, a maior parte são fulas e balantas, mas há de outras etnias, e estão misturados.

  Então vai separá-los, nosso capitão. Fulas num grupo de combate e balantas noutro. Dá mais unidade a cada um e pode criar emulação entre eles. " (pág. 494).

Ninguém disse nada. Não havia nada a dizer porque aquilo foi dito em tom de uma ordem.

  Já alguma vez foram ao  Senegal ?   perguntou po general.

O Aiveca riu-se,  mas depressa ficou sério. O general e o adjunto olharam para ele como que a pergunhtar qual era a piada. O capitão e o Rudolfo ficaram apreensivos, a interrogar com o olhar se ia falar das vacas roubadas no Senegal. Viu que tinha de dizer alguma coisa.

   Peço desculpa, meu general, mas é que nós  nunca fomos ao Senegal.

   Então deixe de se rir, nosso alferes. Comecem a pensar em ir lá (pág. 495)...

E lá abalou a caminho do heli...

3. Conclusão tirada pelo A. Marques Lopes, no poste P47 (**), um dos primeiros que publicámos no blogue, em 6 de junho de 2005:

(..) "   Vocês já foram ao Senegal? 

"Eu, e os outros, que não sabíamos o que ele queria, dissemos que não (já tínhamos ido várias vezes a Sano, Sonako e Samine para roubar vacas e queimar casas). E ele disse:

"–  Então, têm de pensar em ir lá.

" E lá fomos mais à vontade. O roubar vacas era uma preocupação, pois era a nossa subsistência. Muito raramente, havia um abastecimento feito pelos fuzileiros através do rio Cacheu. Às vezes, vinha uma Dornier trazer o correio e os chamados frescos. A maior parte das vezes comíamos arroz e rações de combate, ou, então, uma dobrada hidratada que saltava da panela assim que aquecia. Só tínhamos carne quando havia vacas. (...) (**)

E foi assim que ele conheceu, ao vivo e a cores, o novo com-chefe e governador da Guiné, que tinha acabado de chegar ao CTIG, e que será promovido à categoria de general apenas um ano depois, em julho de 1969... (Há aqui uma notória dissincronia por parte do A. Marques  Lopes ao tratar o Spínola por general em junho de 1968.) (***)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25978: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (9): a última foto do cap art Manuel Guimarães, cmdt da CART 1690, tirada instantes antes de morrer, na estrada Geba-Banjara, vítima de uma mina A/C, em 21 de agosto de 1967

(**) Vd. poste de


(***) Último poste da série > 26 de março de 2024 > Guiné 61/74 - P25308: O Spínola que eu conheci (36): A história do Mário, da CART 2478, contada pelo Manuel Mesquita, da CCAÇ 2614 ("Os Resistentes de Nhala: 1969/71", ed. autor, 2005)