domingo, 4 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P840: O valente Sargento Enfermeiro Cipriano, da CCAÇ 5, morto em Nova Lamego (José Martins)

Guiné > Zona Leste > Gabu > Canjadude > 1969 > CCAÇ 5 - Os Gatos Pretos (1968/70) > O Fur Mil Transmissões Martins com o seu amigo Sargento Cipriano.

Texto e foto do © José Martins (2006)

Caro Luís

Como já te tinha referido, tive o privilégio de receber originais para entregar aos arquivos históricos.

Entretanto, aquele material que não sabemos quando estará disponivel para os olhos dos estudiosos, foi visto e revisto, e dele respiguei alguns elementos, que muito irão servir nas minhas investigações.

Hoje vou mandar um texto, que não sendo da minha autoria solicitei a competente autorização aos autores para o fazer, apesar de ter sido escrito em 1970, portanto há mais de 35 anos (1).

É uma homenagem a que me associo, porque conforme foto anexa [a inserir mais tarde, por dificuldades técnicas,imputáveis ao servidor, o Blogger.com], era amigo e camarada do homenageado.

Se por acaso o filho do sargento Cipriano ler estas linhas ou o texto, acho que, como nosso camarada de armas, que ele é de facto já que é militar, entre em contacto com a tertúlia.

Um forte abraço
José Martins
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O SARGENTO CIPRIANO (por Pacífico dos Reis e Martins Gago)


Lembro... Como poderia deixar de evocar aquele espírito endiabrado que, a cada frase, nas horas de convívio, nos fazia rir a todos! A sua boa disposição constante e o elevado sentido de camaradagem que em cada acção brotava do seu ser, tornaram-no querido, indispensável para cada hora menos amarga no clima de guerra.

Preto, com a estrela de manjaco a orientar o dinamismo de uma vida inteiramente dedicada à sua profissão que amava, e aos filhos, dois botões de rosa ornamentando o jardim imenso das suas ambições, o sargento Cipriano Mendes Pereira, foi há dias barbaramente assassinado pelos sanguinários vampiros do PAIGC.

Militar firme na sua ideologia, sempre desfez as variadas tentativas que o IN levou a cabo para o fazer ingressar nas suas hostes, raptando-lhe a mãe para o obrigarem a contrariar os seus próprios desígnios. Mas nem assim... Tudo era em vão para demolir aquele caracter formado na rocha do ódio aos inimigos da paz.

Lembro... Como o poderei esquecer!... Aquela tarde do dia 27 de Junho de 1969 e aquela manhã brumosa do dia seguinte, em que o sargento Cipriano de sacola de medicamentos ao ombro e de Walther em punho, encabeçava os Gatos Pretos na perseguição do IN. Os seus gritos de incitamento ouviam-se à distância e aquela frase imortal que a saudade jamais deixará esquecer Gato Preto agarra à mão brotava da sua boca, qual torrente tumultuosa envolvendo e destruindo o moral inimigo.

Lembro... Tanto tenho ainda a lembrar!... Aquela manhã do dia 12 de Setembro desse fatídico ano de 69. A coluna que seguia para Nova Lamego recomeçou o andamento após a picagem da zona perigosa e terminados os flancos necessários à segurança da estrada. Escassos metros percorridos, a viatura rebenta-minas salta da picada entre nuvens negras de TNT, enquanto um fragor dantesco terminava a obra traiçoeira de um IN cobarde que não mostrava a cara. Um silêncio mortal se seguiu nos momentos de surpresa e pasmo dos componentes da coluna. Uma voz forte, enérgica, decidida, se ouviu algum tempo depois na retaguarda e umas pernas ágeis de homem que conhecia o seu dever, se aproximaram correndo do local do sinistro, dando assistência imediata e eficaz à dezena de feridos que juncavam o solo.

O sargento Cipriano era assim... Ao ouvir o rebentamento pegou no saco dos medicamentos e seu olhar ao perigo, correu estrada acima, os dez quilómetros que separavam o aquartelamento do local onde ele sabia precisar de combater a morte.

O sargento Cipriano morreu e, com ele, jazem no escuro do túmulo o militar de rara grandeza, o enfermeiro conhecedor e humano, o homem simples amante da paz e da justiça, o pai estremoso e o suporte de um lar extremamente feliz da nossa Guiné.

Sucumbiu às mãos daqueles que tantas vezes combateu... O seu corpo é hoje pasto de vermes, mas o seu eu, a sua personalidade, continuará na mente daqueles que o conheceram, desafiando o mundo da traição, do terror, da mentira e conduzindo, com o seu exemplo, os homens para o verdadeiro caminho da honra e do dever.

Capitão Pacífico dos Reis

Alferes Miliciano Martins Gago.


Fonte: © RONCO – Jornal do C.I.M. – Bolama. Nº 52. ANO IV. 1 de Janeiro de 1970

O 2º Sargento Enfermeiro Cipriano com o Furriel Trms Martins
Foto do arquivo de José Martins – Dezembro de 1969
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Notas de J.M.:


Elementos recolhidos da História da CCaç 5 – Gatos Pretos – Canjadude. Pesquisa e compilação de José Martins – Fur Mil Tms Inf (1968/1970)

Cipriano Mendes Pereira, 2º Sargento Enfermeiro, número mecanográfico 82034859, já se encontrava ao serviço da Companhia em finais de 1969, tendo assumindo as funções de Comandante da Secção de Saúde.

Além das actividades inerentes à sua função, colaborou na construção do edifício destinado a Posto de Socorros e Enfermaria. Foi também professor das escolas primárias das crianças que residiam na povoação.

Foi abatido ao efectivo da Unidade em 10 de Outubro de 1970 por ter sido transferido para o Hospital Militar 241 / CTIG, em Bissau.

Veio a falecer em combate em 16 de Novembro de 1970, durante a flagelação a Nova Lamego.

O filho do sargento Cipriano é hoje oficial do Exército da Guiné-Bissau, provavelmente já com a patente de Major ou Tenente-Coronel.
O meu capitão Pacífico dos Reis é hoje coronel, na reserva.


Comentário de L.G.:

A expressão "barbaramente assassinado pelos sanguinários vampiros do PAIGC" hoje seria excessiva: no entanto, ela tem de ser entendida no contexto da época (1970), do calor da batalha e da dor pela perda de um camarada, mas também da função político-ideológica, propagandística, que cabia a um jornal de caserna como o Ronco (publicado desde 1969 pelo Centro de Instrução Militar, Bolama – SPM 0058).

Naturalmente que os inimigos, em todas as guerras, não se tratam com mimos. E o papel dos oficiais, com funções de comando ou liderança a nível operacional, era também o de criar e manter o ódio e a raiva que levem um soldado a matar outro soldado, visto como (ou transformado em) seu inimigo, para vingar um camarada morto...

Sem a oportuna nota do José Martins, ficaríamos com a ideia (errada) que o Sargento Cipriano tinha sido feito prisioneiro pelos tipos do PAIGC e depois executado, a sangue frio, quando na realidade ele morreu em combate, na sequência de um ataque ao aquartelamento do Gabu (Nova Lamego), o que não é menos lamentável.
Aqui fica esta observação, feita apenas dentro do espírito das regras da nossa tertúlia, que são basicamente as do bom senso, do bom gosto, da tolerância, da convivialidade, do respeito pela verdade dos factos e pelo rigor historiográfico (que também queremos ajudar a construir)...
A guerra foi dura, muita dura, para todos nós, tugas e turras... Quarenta anos depois já não é a altura, já não temos idade sequer, para ir atrás das fantasias dos que quiseram utilizar-nos, dos que nos utilizaram, mesmo com as melhores intenções do mundo, em nome de coisas e de valores que até podiam ser sagrados para alguns de nós: a Pátria, a Nação, a Independência, a Liberdade... (LG)

1 comentário:

Vitor Bento dos Santos disse...

De facto quem não leia integralmente ficará com uma ideia distorcida da realidade.. Gostei do trabalho.
Vitor Santos
Enfº Combatente