segunda-feira, 1 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4449: In Memoriam (23): Luís Cabral ou o respeito por um homem que lutou por um ideal (Virgínio Briote)

Guiné-Bissau > Região do Boé > 24 de Setembro de 1973 > Foto da revista PAIGC Actualités, nº 54, Outubro de 1973: "O Camarada Luís Cabral, secretário geral adjunto do nosso Partido, eleito Presidente do Conselho de Estado, seu representante nas relações internacionais, sendo igualmente o comandante supremo das Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP)"...

O primeiro presidente da República da Guiné-Bissau morreu sábado, dia 30 de Maio, em Lisboa, vítima de doença prolongada (*). O seu enterro será amanhã, terça-feira, dia 2, por volta das 10h... Luís Cabral residia em Lisboa desde 1984. Exilou-se em Cuba e depois em Portugal, após um golpe de Estado conduzido, em 14 de Novembro de 1980, pelo falecido 'Nino' Vieira (por quem, de resto, nutria - ao que parece - um 'ódio de estimação').

Uma delegação do PAIGC, de que foi um dos co-fundadores, liderada pelo primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, e que integrou Artur Silva, o ministro da defesa, e Malam Bacai Sanhá, antigo presidente interino do país e candidato do PAIGC às eleições presidenciais do próximo 28 de Junho, veio expressamente a Lisboa apresentar condolências à família de Luís Cabral. SEgundo os jornais de hoje, seria intenção das autoridades guineenses a de, muito oportunamente, trasladar os seus restos mortais, para a sua terra natal, Guiné-Bissau, e fazer-lhe um enterro com honras de Estado. (LG).

1. Mensagem do nosso camarada e amigo, co-editor Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando, Brá, 1965/67 (foto, à esquerda):

Luís:

O corpo do Luís Cabral está na Igreja de São João de Deus, na Pr Londres (frente à Mexicana, como sabes).
Um episódio, até hoje por esclarecer, o abate dos seus antigos inimigos e meus Camaradas, [dos Comandos Africanos,] não me impediu de manifestar o respeito que sinto por um homem que lutou por um ideal.

Enquanto viver, talvez como tantos de nós, não vou esquecer que o Bacar Djassi, o Djamanca, um bom companheiro de tantas caminhadas, o Sisseco, figura muito mais controversa hoje que no meu tempo, o Justo Nascimento, com quem partilhei uma especial afinidade, o Bacar Mané, do meu grupo, um homem simples e afável, e, infelizmente, outros com quem convivi, repito, não posso esquecer que foram executados sem julgamento, sem qualquer hipótese de defesa. Não esqueço, como não posso esquecer as responsabilidades de governantes portugueses, civis e militares, que não foram capazes de prever o que viria a acontecer aos antigos Camaradas Africanos.
Podem dizer que os tempos, pós-Indepenência, foram propícios a ajustes de contas. Mas os Homens é nos tempos conturbados que são precisos.
Luís Cabral era o Chefe máximo nessa altura. Talvez muita coisa lhe escapasse, no meio de tantas prioridades. Mas não tenho informação que lhe diminua a responsabilidade na execução de tantas vidas. Este é um ponto.
O outro, é o homem que pôs a sua vida nas mãos de um ideal, a Independência do seu País. Curvar-me ante o seu corpo foi, para mim, a manifestação do respeito perante alguém contra quem combati, apenas isso. Como o faria e voltarei a fazer perante qualquer outro que se tenha cruzado comigo, de armas na mão, nos mesmos trilhos. Por isso, no livro de condolências escrevi:

Com o respeito de um ex-militar português que cumpriu a comissão na Guiné, entre 1965 e 1967. V Briote.

Um abraço, Luís
VB


2. Comentário de L.G.:


Deixa-me, amigo e camarada Virgíno, despir por momentos a minha pele de editor, e saudar a tua grandeza de alma e a tua nobreza de espírito... É na morte dos nossos inimigos de outrora que somos capazes, muitas vezes, de enxergar mais longe do que o limitado campo de visão que nos proporcionava a mira da G3 ou a seteira do nosso miserável abrigo... É na morte que os inimigos de ontem, de um lado e de outro, se agigantam... É na morte que somos capazes do mais nobre sentimento que distingue os seres humanos de outras espécies (animais): a capacidade de compreender e até de perdoar (não confundir com esquecer), o sentimento de pesar, de piedade, de compaixão... É a morte, e não a vida, que, na maior parte das vezes, aproxima aqueles que, em vida, procuraram destruir-se até à morte...

Admiro alguns cemitérios do sul do nosso país, onde alguém inscreveu, na parte cimeira do portão, a frase tão verdadeira como lapidar (e quiçá irónica): "Campo da Igualdade"... Amigos e inimigos, ricos e pobres, brancos e negros, colonizadores e colonizados, estamos finalmente, na morte, em pé de igualdade, na horizontal, nus, despojados de todos os elementos de status social, sem orgulho nem preconceito, apenas à espera do veredicto final da história e da memória (implacável) dos povos...

Meu caro VB, tu que conheceste pessoalmente (embora em circunstâncias fortuitas) o Luís Cabral, e que ainda tiveste a veleidade de o querer entrevistar para o nosso blogue (**), honras o melhor da nossa Tabanca Grande, dos amigos e camaradas da Guiné, que é também essa nobre (mas difícil) capacidade de respeitar, na morte, os nossos inimigos (ou adversários...) contra quem lutámos, de armas na mão...

Um Alfa Bravo. Luís (***).

_________

Notas de L.G.:

(*) 7 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4301: In Memoriam (22): Carlos Rebelo, a última batalha (Abilio Machado, ex-Alf Mil, CCS / BART 2917, Bambadinca, 1970/72)


(**) Vd. poste de 1 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4447: PAIGC - Quem foi quem (7): Luís Cabral (1931/2009) (Virgínio Briote)

(***) Alguns artigos disponíveis na Internet, aqui listados a título meramente exemplificativo:

(i) Artigos Recomendados pelo portal RTP

Malan Bacai Sanhá recorda o "africanista convicto" que foi Luís Cabral
2009-05-30 22:39:53

Silvino da Luz destaca Luís Cabral como "grande líder" da luta de libertação
2009-05-31 08:44:08

Secretário executivo da CPLP destaca "inquestionável" patriotismo de Luís Cabral
2009-05-31 08:44:20

Governo considera morte de Luís Cabral como perda de um «dos grandes homens guineenses»
2009-05-31 08:45:46

Com morte de Luís Cabral desaparece «parte importante da história do partido» - PAIGC
2009-05-31 08:45:44

Luís Cabral - Biografia/Perfil
2009-05-31 08:44:13


(ii) O Liberal [, Cabo Verde] > Colunistas > Fernando Casimiro (Didinho) > 1 de Junho de 2009 > "O Luís Cabral que conheci era um patriota e um homem bom"

8 comentários:

Hélder Valério disse...

Curioso o artigo do "Didinho".
Por aquilo que tenho lido da sua autoria, não o vejo a fazer "fretes" ou "branqueamento" do que quer que seja. É claro que podemos ser sempre desenganados...
É claro que nesta fase não faltarão frases ou pensamentos acusatórios, bem como não faltarão frases ou pensamentos "desculpatórios", salientando este ou aquele aspecto em detrimento de outros para se "inclinar" a posição debitada.
Mas, sinceramente, todo o artigo aponta as principais responsabilidades para outro(s) alvo(s) o que para mim não é totalmente novidade, já me tinham contado essa história.
Hélder S.

Unknown disse...

Amigo aceita a minha admiração, pela franqueza pela verticalidade e pelos valores expressos no seu acto.
Um abraço. Carlos Filipe
ex CCS BCaç3872 - Galomaro/71

Anónimo disse...

Caro Briote
Subscrevo o comentário do Luis, e abraço-te pelas diligências que fazes, em trazer ao nosso conhecimento, particularidades e personalidades da guerra que nos une.
Abraços para a Tabanca
José Dinis

paulo santiago disse...

Bem-Hajas Briote!
Grande lição de nobreza,um autêntico HOMEM GRANDE.

Luís Graça disse...

Quem sou eu para dizer, no nosso blogue, que o Luís Cabral nutria pelo falecido 'Nino' Vieira um 'ódio de estimação' (sic, memso com aspas ?... Tive o cuidado de acrescentar: "ao que parece"... Em contrapartida, também já li que era um homem afável...

Agora, admito que no lugar dele também não iria morrer de amores por um ex-camarada de partido que me dá uma punhalada nas costas...

Não sou biógrafo do Luís Cabral, nem sequer li a sua autobiografia... Nunca o vi, não o conheci pessoalmente, a não ser na Televisão, uma vez por outra... Não posso ter uma opinião fundamentada sobre um ser humano que não conheço... Teve a sorte ou o azar de ter de substituir outro grande homem, o seu meio irmão Amílcar, e líder histórico do PAIGC...

Outra coisa, por isso, são
as suas responsabilidades históricas, como responsável político, como governante... Aqui também me deparo com grandes lacunas de conhecimento, o que me impede de fazer juízos sumários, sempre apressados e muitas vezes maus...

Na hora da morte das figuras públicas, é normal nós, portugueses, dividirmo-nos em dois grupos: uns que santificam o falecido; outros que o diabolizam... De acordo com as nossas preferências, simpatias, experiências, idiossincrasias. Mais de acordo com o coração do que com a cabeça...

A minha filosofia, a esse respeito, é a seguinte: os seres humanos não devem ser rotulados... Todos os rótulos são simplistas, redutores e, por vezes, injustos... Inventámos os "ismos" por que isso nos facilita a nossa vida, o processamento da tomada de decisão... É muito mais fácil, cómodo, confortável e securizante dividir o mundo em dois: os bons e os maus, os amigos e os inimigos...

Feliz ou infelizmente, a vida, o mundo, os homens, a história, etc., tudo isso junto é muito mais complexo e apaixonante...

Juvenal Amado disse...

Para além de subscrever o que até aqui foi dito, não resisto a acrescentar alguma coisa.
Foram duas opções erradas.

Uma a que levou africanos a combaterem contra os seus irmãos, em pról de uma Nação una e indivisivel que nunca existiu.

O erro tornou-se ainda mais grave, quando esses guerreiros a quem as autoridades militares e coloniais, encheram de honrarias e lhes deram um estatuto que facilmente os enibriou, foram fuzilados sem defesa e por isso sem justiça.

Para mais a pena de morte, não é justiça.

O do estado colonial soma mais esta responsabilidade.
A máquina de guerra que lá deixamos, seria um problema para qualquer governo até aqui na Europa, quanto mais em àfrica.

Como o Virgílio Briote bem diz, os factos ainda estão por esclarecer.
Não terá sido Luis Cabral refém da ala militar do PAIGC?
De qualquer forma honra a quem lutou por um edial

Um abraço
Juvenal Amado

Anónimo disse...

Enquanto viver, talvez como tantos de nós, não vou esquecer que o Bacar Djassi, o Djamanca, meu fiel companheiro de tantas caminhadas, o Sisseco, figura hoje muito mais contoversa que no meu tempo, o Justo Nascimento, com quem partilhava uma especial afinidade, o Bacar Mané do meu grupo, um homem simples e afável, e tantos outros com quem convivi, repito, não posso esquecer que foram executados sem julgamento, sem qualquer hipótese de defesa. Não esqueço, como não posso esquecer as responsabilidades dos governantes portugueses, civis e militares, que digam o que disserem, não previram o que viria a acontecer aos antigos Camaradas Africanos.
Podem dizer que os tempos, pró-Indepenência, foram propícios a ajustes de contas. Mas os Homens Grandes vêm-se também nesses tempos conturbados.
Luís Cabral era o Chefe máximo nessa altura. Talvez muita coisa lhe escapasse, no meio de tantas prioridades. Não tenho informação que lhe diminua a resposnsabilidade na execução de tantas vidas. Este é um ponto.
O outro é o homem que pôs a sua vida nas mãos de um ideal, a Independência de um País.
Curvar-me ante o seu corpo foi, para mim, a manifestação do respeito perante alguém contra quem combati, apenas isso. Como o faria e voltarei a fazer perante qualquer outro que se tenha cruzado comigo, de armas na mão, nos mesmos trilhos.
vbriote

Anónimo disse...

Todos os homens são bons depois de mortos.Já vem de longe, é humano.Interessante a facilidade com que se desviam os erros para terceiros.Che Guevara tb era bom e o Kenedy nem se fala.Além de fomentar o terror em Africa ainda ia contribuindo para queimar o mundo todo com o nuclear.