domingo, 30 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6500: Meu pai, meu velho, meu camarada (22): Expedicionário no Mindelo, S. Vicente, 1941/43, 1º Cabo Inf Luís Henriques (5) (Luís Graça)



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo  (ou Ribeiro de Julião ?) > Legenda: "Jantar em San Vicente, Nosse terre. Nativos em festa. Recordações da minha estada em C. Verde (Expedição). 1941-1943. Luís Henriques".




Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Ribeira de Julião  > 1943  > Legenda, a tinta verde, já quase impercetível: "Dançando o batuque na Ribeira de Julião,  no dia [da festa ?] de S. João [...] 1943. Luis Henriques". Foto Melo.




Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Hospital, fundado em 1899.




Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Julho de 1942 > Praça e  Mercado da  cidade



 


Vídeo (1' 30''): © Luís Graça (2010). Alojado em You Tube > Nhabijoes


"30 pessoas morriam por dia, no Mindelo", em São Vicente, no auge da fome que grassou em Cabo Verde... A cidade do Mindelo, cuja economia foi profundamente afectada pela guerra,  não escapou aos horrores da seca e da fome. Aí estavam estacionados alguns milhares (c. de 3300)  expedicionários portugueses, como o 1º  cabo Luís Henriques, nº 188/41 (1º Pelotão, 3º Companhia, 1º Batalhão, RI 5).

Os mortos eram levados em esquife e enterrados em vala comum, no cemitério de Monte Sossego. Não se sabe qual foi a morbimortalidade entre os soldados, mas também deve ter sido elevada (por turbeculose, doenças diarreicas, e outras).

Foi, só mais tarde,  ao ler o romance Hora di Bai (editado pela Vértice em 1962), do Manuel Ferreira (1917-1992), expedicionário como o meu pai (esteve no Mindelo entre 1941 e 1947), que eu me apercebi  dessa tragédia imensa, a seca e  a fome que assolou, em 1941/43,  o arquipélago de Cabo Verde (e depois de novo, no pós-guerrem 1946/48). E que matou meninos como o Joãozinho, que rondavam o quartel e que o meu pai protegia, dando-lhe os restos de comida. (Em 1941/43, ilhas como S. Nicolau e o Fogo perdem cerca de um terço da sua população).

O meu pai, à beira de completar 90 anos, já não é capaz de dar, com precisão, as datas em que terá ocorrido o pico da epidemia de fome. Muitos militares portugueses não tiveram  a exacta consciência dessa tragédia que, de resto, também não foi conhecida pela população portuguesa metropolitana.  Até por que em no Portugal metropolitano a morte, nomeadamente a mortalidade infantil (mais de 120 casos por 1000!) era banal, a par da mortalidade por tuberculose entre os jovens (10% de todas as mortes!). 

 Os números que o meu pai cita, devem referir-se ao 1º semestre de 1943. Ele diz que "não viu,  ouvia dizer",  quando esteve internado ("quatro meses"), no hospital militar (ou anexo, um estabelecimento de repouso,  a nordeste da cidade do Mindelo), já na parte final da sua comissão. Ele esteve 26 meses na Ilha, como expedicionário entre julho de 1941 e setembro de 1943. Teve alta da junta médica hospitalar em 17/8/1943. 

De qualquer modo, trinta mortos por dia era muita gente, numa ilha que não tinha mais do que 15 mil habitantes (em 1940), e contou com a presença de mais de 3300 expedicionários, entre meados de 1941 e finais de 1943 (o que dava um elevada densidade militar na ilha: 4,5 habitantes por cada expedicionário).

Texto e fotos: © Luís Graça (2010). Direitos reservados
__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:



Vd. também 

24 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5154: Meu pai, meu velho, meu camarada (19): Cabo Verde, 1942: Plano de defesa do arquipélago, de Santos Costa (José Martins)

15 de Outubro de 2009 >Guiné 63/74 - P5109: Meu pai, meu velho, meu camarada (18): Do Mindelo a... Bambadinca, com futebol pelo meio (Nelson Herbert / Luís Graça)

12 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5101: Meu pai, meu velho, meu camarada (17): Ilha de S. Vicente, S. Pedro, 1943: Armando Duarte Lopes (Nelson Herbert)

27 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5019: Meu pai, meu velho, meu camarada (13): Mindelo, ontem e hoje ( Lia Medina / Nelson Herbert / Luís Graça)

9 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4926: Meu pai, meu velho, meu camarada (12): 1º cabo Ângelo Ferreira de Sousa, S. Vicente, 1943/44 (Hélder Sousa)

20 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4059: Meu pai, meu velho, meu camarada (1): Memórias de Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, 1941/43 (Luís Graça)

4 comentários:

Anónimo disse...

Luis, quantos cemitérios abandonados a sul do paralelo de FarO!

Vi alguns cemitérios abandonados que vinham já da guerra de 14/18, no sul de Angola.

E quantos cemitérios no fundo do mar.

Dá muito que pensar quando falamos na transladação dos mortos da nossa geração.

Quando o teu pai fala das mortes em Caboverde, se pensarmos que a penincelina estava a querer ser usada nessa altura!

Antº Rosinha

Luís Graça disse...

Morreram de fome, pura e simplesmente. Na sequência da seca (que era cíclica em Cabo Verde), agravada pela terrível conjuntura económica da II Guerra Mundial... Mais de metade da população de Santiago (a ilha mais populosa) terá morrido na fome seguinte, a de 1946/48... Estamos a falar de população civil, caboverdiana...

Os expedicionários, mal ou bem, tinham sempre de comer... E, a verdade se diga, também foram solidários, repartindo as suas sobras com os que mais precisavam... O meu pai tinha um miúdo que ele alimentava, o João zinho (morto em meados de 1943).

Nesta altura (1941/43) o jovem Amílcar Cabral estava a estudar no Liceu do Mindelo. Esta tragédia marcou-o, a ele e ao pai (que chegou a fazer uma exposição ao Ministro das Colónias, Vieira Machado, aquando da sua visita de fim de ano, em 1941, com propostas concretas de solução para a crise cíclica da seca e da fome no arquipélago)... Percebe-se agora melhor a decisão do jovem Cabral de ir para Agronomia e, mais tarde, enveredar pela luta política (e depois armada), na Guiné.

É uma espantosa coincidência, mas foi o período de vida dos dois, o Amílcar (1924-1973) e o meu pai (n. 1920), em que se devem ter cruzado nas ruas do Mindelo... Claro que o meu pai não tem (e nem tinha que ter) quaisquer lembranças dele...As suas vidas não se cruzavam, a não ser acidentalmente. De qualquer modo, alguns milhares de homens, militares, numa ilha de 15 mil habitantes, terão tido algum impacto, a nível económico, mas sobretudo a nível das relações com os civis... Para o melhor e para o pior...

Hélder Valério disse...

Caro Luís

Como já disse (?) o meu pai faleceu há 8 anos. Agora já não posso confrontá-lo com estas notícias que aqui foram aparecendo.
Mas recordo-me, vagamente, de ele referir essas 'fomes', não sei é precisar quantidades e datas.
Quanto ao "Hora di Bai", foi um dos meus livros de 'formação'.
Também, quanto a caboverdeanos, tive ainda outros relacionamentos: um deles, chamado Francelino Gomes, meu professor de matemática, autor de um livro dessa matéria que foi adoptado, salvo erro, aí em 1963, que muito contribuiu para a minha boa formação nesse âmbito, e também um outro professor chamado Terêncio Anahory e que salvo erro integrava uma colectânea de poetas caboverdeanos.
Às vezes penso se isso não acabou por influenciar a minha ida para a Guiné....
Um abraço
Hélder S.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Hélder, não tens mais fotos de São Vicente, do álbum do teu pai ? É preciso "salvar" o pouco que resta desse tempo... Por nós e pelos nossos amigos de Cabo Verde...Por dever de memória...