quinta-feira, 7 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8061: (De)Caras (7): Reconstituição da emboscada do dia 14/6/73, a 3 Km de Piche, pelo sold cond auto Florimundo Rocha (CCAÇ 3546, Piche e Ponte Caium, 1972/74), o único sobrevivente do Unimog 411


Guiné > Zona Leste > Gabu > Carta de Piche (1957) (1/50000) > Local provável da emboscada, levada a cabo por um forte dispositivoo do PAIGC, integrando "cubanos",  a "três ou quatro quilómetros de Piche", a seguir a a um curva, do lado esquerdo da estrada (alcatroada) Ponte Caium-Piche, em 14 de Junho de 1973.  O troço Ponte Caium-Buruntuma não estava alcatroado em 1974 (segundo o depoimento do Rocha). Repare-se que estamos perto da fronteira com a Guiné Conacri, na direcção sudeste (para onde terão retirado as forças do PAIGC, c. de 200, segundo a versão do Rocha).



Reconstituição da emboscada do dia 14/6/73, feita em 4 do corrente, ao telefone, pelo Florimundo Rocha (ex-sold cond auto, CCCAÇ 3546, Piche e Ponte Caium, 1972/74, natural de Lagoa, e que já expressou a sua vontade de integrar a nossa Tabanca Grande, comprometendo-se as fotos da praxe, através da sua filha Susana Rocha) [, foto à direita, 1973, Ponte Caium]:


1.O Rocha já se lembra do número de viaturas que seguiam na coluna, nesse dia fatídico, de 14/6/1973. Ele ia à frente a conduzir o seu Unimog 411, o “burrinho do mato”, que lhe estava distribuído. A seu lado, de pé, ia o Charlô (alcunha do Carlos Alberto Graça Gonçalves, natural de Lisboa) . E atrás, sentados nos bancos, os restantes camaradas do pelotão que haveriam de morrer nesse dia e hora, numa curva da estrada para Piche, a escassos 3 quilómetros da sede da unidade, a CCAÇ 3546/BCAÇ 3883… A saber: o Torrão, o Fernandes e o Santos…

2.Também não pode precisar a hora, mas terá sido depois das 9 da manhã. Foi seguramente da parte da manhã. Antes de partirem para Piche, uns tinham jogado à bola, e outros (uma secção) tinham ido à lenha, como era habitual… Eram actividades que eles faziam pela fresca. Lembra-se que o Torrão nesse dia estava de serviço à lenha. Quanto ao futebol, costumavam jogar, de manhã, pela fresca. O Rocha não falhava um jogo, aliás veio continuar, depois da peluda, a jogar futebol, em clubes da 2ª e 3ª divisões, no Algarve.

3.Já não tem a certeza, mas atrás de si, devia vir uma Berliet, com restos de materiais de construção ou madeiras. Também não se lembra se havia mais viaturas. Tem ideia que “malta de Buruntuma [, CCAÇ 3544, ], ou de Camajabá [, outro destacamento de Piche, CCAÇ 3546]” também vinha atrás, numa terceira viatura… O Wolkswagen (alcunha de um camarada que ficará ferido) vinha atrás, numa outra viatura. O Rocha não o deixou vir com ele. Nessa altura as relações entre ambos não eram as melhores.

4. A distância entre a primeira viatura (o 411) e a segunda (talvez a Berliet) deveria ser de “80 metros”. Ele, Rocha, não ia a mais de 70 km, que era o máximo que o “burrinho” dava, em estrada alcatroada. O asfalto ia até à Ponte. Trabalho da Tecnil, cujas máquinas chegaram a ser atacadas e algumas incendiadas pelo PAIGC. As bermas estavam limpas, o capim cortado. Estamos no início da época das chuvas. E foi “na curva” que o Rocha começou a ver cabeças, de gente emboscada. “Eles tinham-se entrincheirado nos morros de terra deixados pelas máquinas da Tecnil”… Pelo número de efectivos (falava-se no fim “em mais de 200”), está visto que a emboscada “não era para eles”, mas sim para o pessoal de Piche.

5.Quando o 411, conduzido pelo Rocha, entrou na “zona de morte”, na curva, os primeiros tiros (ou roquetadas) furaram-lhe os pneus. A malta foi projectada. A viatura capotou. O Rocha ficou caído mo lado direito da estrada. Os tipos do PAIGC estavam do lado esquerdo. O fogachal foi tremendo. Ele ainda conseguiu proteger-se atrás da viatura que ficou a trabalhar, de pernas para o ar. Lembra-se de ter pegado em duas ou três G3, dos camaradas feridos, e de ter respondido ao fogo do IN.

6.A emboscada poderá ter demorado “15 a 20 minutos”… O IN teve tempo para tudo: meio escondido, a uns 50 metros já da viatura sinistrada e dos camaradas feridos, viu uns gajos "brancos", “cubanos”, a falar espanhol, a saltar para a estrada… Já não pode precisar quantos eram, mas eram sobretudo “brancos”, poucos negros… Falavam em voz alta, e diziam qualquer coisa, em espanhol, como “condutor morto, condutor morto”… Completamente impotente, sem poder intervir, viu com os seus próprios olhos o espectáculo macabro, os tiros de misericórdia que acabaram com a vida dos camaradas moribundos, tiros na nuca ou na boca. Confirma o que já tínhamos dito antes: os corpos foram depois retalhados, por rajadas de Kalash…

7.Ainda se lembra da chegada das chaimites de Piche, que fizeram fogo contra as forças inimigas, que ripostaram, já no final dos combates. Talvez meia hora depois do início da emboscada. Ainda se lembra, dos 3 ou 4 feridos que foram evacuados, de heli, em Piche. Houve alguém que sugeriu que ele aproveitasse a boleia e se fizesse maluco. Mas ele recusou. Nesse mesmo dia regressaria à Ponte Caium. Não se lembra de ter tido o conforto de nenhum superior hierárquico. Uma simples palavra, muito menos um louvor. Voltou para a ponte e dormiu, como “dormia todos os dias, como ainda hoje dorme” (sem pesadelos ?..., não me respondeu à pergunta)…



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) >  Destacamento da Ponte Caium > Da esquerda para a direita: O 1º Cabo Pinto, e os soldados Ramos, Cristina (segurando granadas de morteiro 60), o Wolkswagen, o Fernandes, de pé (outro que morreu na emboscada de 14/6/1973) e o Silva ("que percorreu 18 km com um tiro no pé!")...  Foto e legenda do Jacinto Cristina: falta identificar o condutor do Unimog 404.


Foto: © Jacinto Cristina (2010). Todos os direitos reservados


8. A única versão que até agora tínhamos desta emboscada, era a do Cristina (que ficou no destacamento e que,portanto, só pode contar o que lhe contaram os sobreviventes; ou do que se lembra dessas versões, e que já aqui resumimos, em tempos=:

“Em data que o Cristina já não pode precisar, a sua companhia sofreu uma violenta emboscada, entre Piche e Buruntuma, montada por um grupo ‘estimado em 400’ elementos IN (ou ‘turras, como a gente lhe chamava’)...Um RPG 7 atingiu a viatura da frente da coluna, que ia relativamente distanciada do grosso da coluna, e que explodiu...Houve de imediato 4 mortos: O Charlô e o Fernandes foram dois deles... Dos outros dois o Cristina já não se lembra.

“Com as granadas de mão dos mortos, o Wolkswagen conseguiu aguentar o ímpeto da emboscada, mas chegou a ter uma Kalash apontada à cabeça... Ninguém sabe como ele se safou... O Silva por sua vez levo um tiro no pé, fugiu, e mesmo ferido fez 18 km até ao aquartelamento”...

9… E voltamos ao monumento erigido á memória dos mortos da Ponte Caium. A ideia, não há dúvida, “foi do Alexandre”, do Carlos Alexandre, que tinham conhecimentos de moldes por trabalhar na construção naval, em Peniche. Ele, Rocha, também deu uma ajuda. Mas não lhe perguntem datas nem pormenores. Disse-lhe que o Cristina já não se lembrava de nada e que o Alexandre estava furioso por causa da amnésia dos camaradas.


10. Disse-me, por outro lado, que a filha ia mandar-nos as fotos pedidas, para poder entrar na nossa Tabanca Grande. Sentiu-se muito bem em falar comigo e contar toda esta tragédia. Estava mais calmo do que da primeira vez, em que me falou desta tragédia, emocionadíssimo. É um homem simples e franco. Pu-lo à vontade, mas ainda não consegui que ele me tratasse por tu… “Muito obrigado, o senhor (sic) tem aqui uma casa às suas ordens, quando vier a Lagoa”… 

11.Da nossa conversa, à noite ao telefone (foi ele que me ligou), fiquei a saber que,  em Janeiro de 1973, tinha vindo de férias à Metrópole. Estava, de regresso, em Piche quando se deu a tragédia que matou o Furriel Cardoso, já em 19 de Fevereiro de 1973. Só depois dessa data é que foi para a ponte, para onde ninguém gostava de ir. E por lá ficou até ao fim da comissão.

12. Mas logo a seguir, aconteceu outra tragédia: a morte do Silva, apontador de canhão sem recuo… Morreu na sua viatura quando tentaram levá-lo, moribundo, até ao helicóptero, foram pela estrada fora, sem picar, sem segurança. Tarde demais. Um estúpido acidente, que marcou muito o grupo.

13. Os furriéis só iam um de cada vez para ponte: o Cardoso, que foi vítima da explos
ão de uma armadiha; o Ribeiro, de Braga; o Barrroca, alentejano… No dia da embocada, estava o Ribeiro na ponte. Mais o Cristina, municiador, do morteiro “grande”, o 10,7… 

O Rocha esclarece ainda que na foto de grupo [vd. poste P8029], não é o Santiago (que é da Covilhã), mas sim o Serra (que é de Barcelos), quem aparece à esquerda, de pé… 

Nunca foi a um convívio do batalhão ou da companhia. Voltei a dar-lhe os contactos telefónicos do Cristina. Tentara ligar para o fixo, mas ninguém atendeu. Em, contrapartida, já tinha falado com o Alexandre (ou o Alexandre com ele)…. 

Sobre a ponte diz que era de boa construção, dos princípios dos anos 60. “Até se dizia que tinha sido construída pelo Amílcar Cabral”… Rectifiquei: o Cabral não era engenheiro de pontes, mas agrónomo… Não bate certo… 

13. Outras memórias da ponte: O Gen Spínola um dia aterrou lá, estavam a jogar futebol… Usavam todos barba e cabelo compridos. Não havia barbeiro. O Spínola deu uma piada qualquer, ia de heli para Buruntuma. 


14. Despedi-me do Rocha, para o poupar, mas com a promessa de voltarmos a falar, com mais tempo e vagar. Percebo que lhe fazia bem. E que, por outro lado, só lhe interessa a verdade dos factos… Parece ter boa memória fotográfica.
__________

Nota do editor:

Último poste da série 14 de Janeiro de 2011> 

Guiné 63/74 - P7615: (De)Caras (6): A emboscada às NT na estrada Galomaro-Bangacia (Duas Fontes), em 1/10/1971: o relim do comandante do PAIGC Constantino dos Santos Teixeira,Tchutchu

6 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Acabei de ler e fiquei com o coração apertado...uma raiva que veio de lá a aparecer, a deixar-me meio toldado.
É a Guiné no seu melhor e o raio dos cubanos de trampa.
Há dias escrevi no face que um soldado não assassina, não mata elimina ou abate. Pode parecer eufemismo mas não.
Dou um abraço ao Luís Graça que conseguiu este depoimento e ao Rocha, meu patrício
Agora vou fechar.

Abração a todos Do T.

Luís Dias disse...

Camarigos

O morto em combate de alcunha o "Charlot", era um rapaz de Alfama que tinha andado comigo na instrução primária e que tinha naquele tempo o alcunha do "Manjerico".
A coluna que veio em socorro de Piche já pouco ou nada pode fazer. Possivelmente a emboscada estaria montada para apanhar a malta de Piche que vinha diariamente para a proteção dos trabalhos da TECNIL.
O meu GC/CCAÇ3491 estava nessa altura de reforço ao batalhão de Piche e sabíamos que uma emboscada naquela zona era terrível porque a estrada era elevada notando-se muito bem o perfil do pessoal que seguia nas viaturas. Quando tinha alguma desconfiança de que o "In" podia estar no terreno, descíamos das viaturas e prosseguíamos a pé o que dificultava e de que maneira que fossemos atacados.
Um abraço
Luís Dias
Um abraço
Luís Dias

Luís Graça disse...

1. Mensagem do camarada Amilcar Mendes, ex-1º Cabo Comando, da 38ª CCmds, Os Leopardos (1972/74), dirigida ao noss editor L.G.:


Mano Velho ,saudações , mantenhas e que mais...... Amigo, gostava de falar com o amigo Rocha que esteve em Caium pois passei lá manga de vezes a caminho de Buruntuma, ele deve lembrar-se, a minha companhia esteve três meses em Nova Lamego (Por castigo quando o cinema UDIB em Bissau voou, mas isso e outra historia)... Bem gostava de falar com esse amigo se for possível. Grandes abraços, amigo Graça, do sempre Comando Amilcar Mendes

2. Amílcar, sejas bem aparecido... Já te mandei os contactos do Rocha... Um abraço. Luís

Furriel Ribeiro disse...

Caro amigo Florimundo Rocha, gostava de fazer algumas correcções ao teu comentário sobre a fatídica emboscada de 14/6/1973.
No ponto nº 1 - . Quem ia de pé ao teu lado era eu Furriel Ribeiro, atrás sentados do lado esquerdo ( da morte) ia o Fernandes o Torrão, o Charlô e o Santos, todos estes camaradas morreram, e do lado direito ia o Rolo, o Algés, o Silva e não me lembro quem era o outro que falta.
No ponto nº 3 . - Nós fomos o Piche porque já não havia mantimentos, o alferes Afonso do 1º pelotão chegou à Ponte Caium e pediu-me para eu lhe disponibilizar uma secção e um unimog para ir a Piche buscar alguns mantimentos, não vinha ninguém de Buruntuma, apenas vinha uma berliet de Camajabá.
No ponto nº 4. – A emboscada não era para nós mas sim para uma coluna de grande reabastecimento de munições para Buruntuma que não se sabe porquê! Foi anulada em Nova Lamego.
No ponto nº 5. – O nosso burrinho foi atingido com um RPG 7 na parte de trás do banco do condutor na chapa da carroçaria e com outro RPG 7 no gancho do reboque, foi isto que fez com que o Unimog saltasse, e o pessoal foi cuspido e perdemos as G.3 mas tu apanhaste 2 ou 3 e uma delas era a minha, obrigado Rocha.
No ponto nº 7. – Ó Rocha , não tiveste o meu conforto porque eu não to pude dar, visto eu ter sido evacuado para o hospital em Bissau, com o Algés, o Silva e o Rolo, e todos nós estávamos tão chocados como tu.
No ponto nº 13. –Os Furrieis estavam sempre juntos na ponte, primeiro foi o Furriel Cardoso que foi tomar conta da passagem do destacamento do 4º para o 3º pelotão, passada uma semana foi o pelotão com o Furriel Barroca para a Ponte Caium e eu Furriel Ribeiro fui uma semana mais tarde porque fiquei a aprender a fazer e a ler (codificar e descodificar mensagens ), estivemos sempre juntos e no dia da emboscada quem estava na Ponte Caium era o Furriel Barroca.
Um abraço para todos os camaradas,
Furriel Ribeiro

artur aurelio harpa barata disse...

Agora acabei de saber que o Carlos Alberto Graça Gonçalves, tinha a alcunha na vossa companhia do Charlot, para mim era um irmão e era em Alfama O Majerico, onde nas férias dele convivemos bastante e quando nos despedimos ele ia para aí e eu para Angola, ele fartou-se de jurar e a dizer que não queria voltar, e eu fui um dos culpados porque nunca pensei que vinha o 25 de Abril,sei que tem uma filha, que a vi nesses dias e nunca mais a vi
Grande amigo grande irmão, que saudades, quem tiver uma foto dele por favor enviem para arturbarata18@gmail.com
um abraço para todos os companheiros de Guerra

artur aurelio harpa barata disse...

Amigo já escrevi a pedir se me arranjavam uma foto do Carlos Alberto Graça Gonçalves Natural de Alfama que morreu no dia 14-06-73, ele para mim era como o irmão e se deixa meter no meu Facebook, a parte do ataque a coluna onde ele faleceu. o meu obrigado junto envio dois sites feitos por mim onde tem fotos da minha companhia http://www.youtube.com/user/arturbarata http://companhiadecacadores4515.blogspot.pt/