segunda-feira, 20 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11599: Manuscrito(s) (Luís Graça) (3): O país que via passar os comboios



Lisboa > Museu da Electricidade > 2006

Foto: © Luís Graça (2006). Todos os direitos reservados.


O país que via passar os comboios

14:13h.
Coimbra B.
Estação da CP.
Deprimente.
Como todas as estações B do mundo.
Como todas as estações da CP.
B de 2ª classe.
B, segunda letra do alfabeto.
Como todas as estações da CP urbanas, suburbanas e rurais.
Deprimentes.
Todas as estações de caminho de ferro do mundo são deprimentes.
Abro talvez uma excepção para os apeadeiros.
São bonitos, os apeadeiros.
Ou eram bonitos os apeadeiros da CP,
Quando havia o cavador, o burro, o boi, a charrua,
O camponês, o zé povinho, camponês e burro,

Besta de carga.
A horta, a saída direta para os campos.
As hortas.

Os azulejos azuis  e amarelos Viúva Lamego 
Nas quatro estações do ano.
O termo apeadeiro eternece-me,

Faz-me lembrar os tempos
Em que se ia às hortas.
Eu já não sou desse tempo.
Mas os alfacinhas iam às hortas dos saloios.
Benfica, Porcalhota, Pontinha, 
Sintra, Caneças, Colares ...
Faziam piqueniques, cantavam o fado.
Gosto do termo apeadeiro.
E da ideia de ir passear às hortas.
Em família, aos domingos, de comboio.
Ronceiro, o comboio.
Ronceira, a vida da gente.
Li isso algures numa história qualquer sobre os comboios
Que unificaram o país de norte a sul.
Há uma dívida de gratidão que é devida aos comboios.
E aos homens dos comboios.
E aos engenheiros das estradas e pontes.

E aos operários que as construíram.
Ao zé povinho da cidade e dos campos.
Ao engenho e à obra.
Ao Fontes.

Ao Pereira.
Ao Melo.
Ao fontismo.

Ao positivismo.
Ao génio organizativo.
Mesmo que a minha professora 
De Sociologia Histórica das Classes Laboriosas,
Discípula do E.P. Thompson,
Só gostasse dos corticeiros
Que eram anarcossindicalistas.
Sempre suspeitei que ela não gostasse dos cavadores.
Nem de comboios.
Nem de hortas.
Nem do Fontes.
Nem dos ferroviários,
Nem dos camponeses e dos burros e dos bois.
Naquele tempo parava-se em todas estações e apeadeiros.
E havia tempo, não havia pressa.
Não havia stresse naquele tempo.

Colhiam-se papoilas vermelhas no meio do trigo.
Não havia tempo para se ter stresse.
Morria-se cedo. 
Ou nascia-se tarde.
Sem tempo de ver crescer filhos e netos.
O stresse é uma construção social do meu tempo.
E não havia bombas nos comboios.

Ao alcance de um qualquer toque de telemóvel,
Da Nokia, da Samsung ou da Siemens, tanto faz.
Que as novas tecnologias quando nascem 
(não) são para todos.
Ou talvez houvesse stresse
Mas chamavam-lhe outra coisa.
Afinal, essa coisa é tão velha como a vida.
E morria-se cedo naquele tempo.

A esperança média de vida é um artefacto estatístico.
E há sessenta e tal anos, na França ocupada,
Os ferroviários também punham bombas. 

Nas linhas de caminhos de ferro.
Matavam os seus postos de trabalho em nome da liberdade.
Punham bombas para fazer descarrilar os comboios.
Sabotagem.
Resistência ao ocupante nazi.
Hoje seriam caçados como terroristas internacionais.
Não sou ferroviário nem resistente nem terrorista.
Nem anarcossindicalista.
Estou numa estação deprimente.
Coimbra B.
Coimbra merecia, pelo menos, uma estação A.

Este país, bom aluno da Europa,
Devia merecer uma letra A.
Nem que fosse Coimbra A.
Ouço uma voz gritante.
Alfarelos.
Com paragem não sei onde.
Nunca soube, ao certo, onde fica Alfarelos.

É algures no país profundo.
Assim como Freixo de Espada à Cinta
Que ninguém conhece.
Não, vim de boleia.

Muito obrigado.
De Viseu.
Aguardo o Alfa Pendular para Lisboa.
Aliás, Lisboa SA.
Deve chegar às 15:16h.

── Lisboa, Santa Apolónia ?
── Não, Lisboa, Sociedade Anónima!
 Corrijo o portuga por detrás do guiché.
── Não, não quero Santa Apolónia.
Quero a Estação de Lisboa Oriente.
E depois... o que diria o Zé (Cardoso Pires)!

── Lisboa, SA!

Pergunta o portuga, 
Caixa de óculos, por detrás do bunker, 
Que fala em nome da CP.
── Conforto ou turística ?
Olha para mim, como se quisesse me tirar as medidas.
Ou adivinhar a minha secreta conta bancária.
──  2ª classe, se faz favor!
──  Turística...
... 2ª classe, por defeito.
Para quem não ostenta sinais exteriores de riqueza.
Classe B.
E eu a pensar ingenuamente que já não havia 2ª classe.
Comboios de 2ª classe. 

Gente de 2ª classe.
País de 2ª classe no desconcerto das nações.
(Ah!, meu velho José Rodrigues Miguéis,
E a tua gente de 3ª classe
Nos porões nauseabundos dos cargueiros
Que rumavam às Américas!).

Devo ter percebido mal.
Os comboios e a CP também se democratizaram.
Agora só há conforto e turística.
No alfa pendular de todas as emoções e condições.
O Portugal SA já não é mais classista.
Para ter classe basta ter dinheiro no multibanco,
Minha querida professora.

Mas, mais seguro, é na Suiça ou num off shore qualquer.
É o que se chama mobilidade social.
Fugir à condição de besta de carga.
── Vê-se mesmo que o senhor é um utente acidental da CP,
Já não há 2ª classe.

── Sou um mau utilizador do comboio, peço desculpa ──.
Comprei um bilhete de 2ª classe.
17 euros, IVA incluído à taxa de 5%.
── O senhor, desculpe, mas eu sou fã dos comboios.
Tenho uma dívida histórica para com os comboios,
Que unificaram o meu país.
Pode não ser seu, mas é meu.
Tenho orgulho nele.
E tinha que lhe dizer isto.
Vou para Lisboa, SA,

Capital do reino,
Desço na Gare do Oriente...





Lisboa > Museu da Água > Aqueduto das Águas Livres  > 18 de abril de 2013

Foto: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados.

Tenho tempo.

Ou penso que tenho tempo.
Nada como esperar um comboio 

Numa estação de tipo B, Coimbra B
Para saber o que é isso de ter tempo.
É bom ter tempo.

Uma hora de avanço.
Nada de stresse.
Não penses na morte.
Que o stresse mata
Como uma bala de Kalash.
Peço uma sandes manhosa no bar da esquina.
Bebo uma topázio que é uma cerveja local.
Compro o Zé Cardoso Pires no quiosque.
A república dos corvos.
Um livro de contos.
Jornal Público.
Colecção Mil Folhas, ao preço de hipermercado.
Redescubro o meu velho Dinossauro Excelentíssimo.
Que li na revista Almanaque, se bem me lembro.
Deambulo no cais de embarque 

Como o prisioneiro no pátio da prisão.
E leio a única coisa interessante
Que está afixada na parede da estação de Coimbra B.
Alguém mandou afixar.
Creio que em bronze (sou mau em metais):

"Neste cais da estação de Coimbra, embarcou,
No dia 15 de Maio de 1982, Sua Santidade,
O Papa João Paulo II"
.
O artista não quis desqualificar a estação nem a cidade.
Coimbra B ?, 

O que diria a corte papal!
Os grandes deste mundo!
E os turistas que visitam a cidade dos doutores!
E os vindouros!
Mas lá fica a tabuleta.
Para a história.
Para o viajante distraído, apressado ou deprimido como eu.

Ou se calhar para ninguém.
Só para a História.
Afinal, quem lê neste país placas de bronze 
Afixadas em estações B da CP ?
Aliás, quem lê neste país, perguntaria a minha professora ?

Histórias aos quadradinhos 
Mas não a História com H grande.
Um dia um arqueólogo, um historiador ou um antiquário
Desaparafusa a placa e leva-a para casa,
Para o museu ou para a loja de antiguidades.
Não, nada acontece em Coimbra B.
Mas por aqui passou um peregrino.
João Paulo II.

Um dia,  em 1982.
Por aqui passou Jesus Cristo,
Na pessoa do seu representante na terra.
Sou mau em metais e em teologia.
Mas esta é a minha leitura.
Peço desculpa aos poetas mais doutos  do que eu.
Peço desculpa aos lentes de Coimbra.

Chega o Alfa.
Just in time,
Como na linha de montagem automóvel pós-taylorista da AutoEuropa.
Entro no Alfa e sinto-me quase europeu
Na ponta mais ocidental da Europa acidental.
Com o lusitano Mondego aqui ao lado.
Admiro a eficiência
Das sociedades pós-tayloristas e cosmopolitas.
A nossa nunca chegou a conhecer o Sr. Taylor,

Nem os seus principles of scientific management.
Nem a ética protestante nem o Max Weber.
Provinciana e ronceira, a tua terra,

Lá diriam o Eça e a minha professora, 
Que é queirosiana e estrangeirada.
Acelera o Alfa.
Tenho um secreta vertigem suicidária pela alta velocidade.
Dou por bem empregues os meus 17 euros,

IVA incluído à taxa de 5%.
Isto faz bem à minha autoestima.
Sobretudo depois da sandocha manhosa e da topázio morna
Que engoli, de pé, ao balcão, do bar manhoso
Da estação deprimente de Coimbra B.

── Quanto vai dar ?
──  Chega aos 200 ou mais!, ──
Diz-me um puto de brinco na orelha...
Não apostei.
Nem gosto de apostas.
Deixei de ser solidário, que me desculpe a Santa Casa

Da Misericórdia.
── Umas cartas para passar o tempo ?
── Não, obrigado, não jogo, não aposto, não fumo. 
Tenho livros para ler. 
Abranda o Alfa lá para os lados da Albergaria dos Doze.
Regresso à idade média da minha memória coletiva.
O caminho de Santiago.
As albergarias.
Já em terra dos mouros.
La folie meutrière de la réligion.
A tua, a minha.
Deus é grande e tem muitos profetas.
São bons hortelãos, os mouros e os moçárabes.

── Chega à tabela.
Dezassete e seis na Estação do Oriente,
Diz-me o pica, orgulhoso.

── Até que enfim que os comboios partem e chegam à tabela,
Na nossa terra.
Fico sempre com inveja
Quando vou a Amesterdão e a Leiden.
Quando ia à Holanda, que agora já não vou.
Quero dizer, ao estrangeiro de fora.

── Já não te calha na rifa, ó Ramalho!,
Agora são vinte e cinco cães a um osso, ó Ortigão!

── Vai desejar tomar alguma coisa ?,
Pergunta no futuro próximo o homem-do-chá-café-laranjada...

── Um Prozac, por favor.
── Lamento, mas já não temos. Esgotou-se.
── Sim ?
── Esgotou-se na última viagem que fizemos ao inferno.
11 de Março último.
Estação de Atocha.
Madrid.

── Atocha ?
── Sim, Atocha...Não lê os jornais ? 
── Não, acabo de chegar doutro planeta.
── En Madrid existen dos estaciones principales de tren:
Chamartín y Atocha.
Ambas son estaciones de trenes de largo recorrido y de cercanías
...

── Muchas gracias!, não sabia.
Não vou a Madrid há anos.

Estou de costas para a Europa.
── Atocha está situada en la zona sur de la ciudad,
Muy cercana al centro.
Desde ella salen todos los trenes de largo recorrido
Que van a levante y al sur de España.
También algunos trenes de los que pasan por la estación
Se dirigen luego a Chamartín
Y luego a destinos en la mitad norte de la península.
Dentro de la estación hay otra estación llamada Puerta de Atocha
Desde donde sale el tren de alta velocidad (AVE)
Que va a Andalucía
...

── Muchas gracias! Vejo que é um homem viajado.
── Só faço a península ibérica.
── Ah!, a jangada de pedra...
── Perdão ?!... Sabe, nasci no Entroncamento,
Filho e neto de ferroviários.
Os comboios estão-me na massa do sangue...
Mas a Espanha para mim é pura emoção.
Uma tragédia horrível, aquela...

── E não tem medo do futuro dos comboios ?
── Não... Com os aviões passou-se o mesmo.
Enfim, um homem tem que ganhar a vida.
De qualquer jeito.

── Deixe, a vida continua... As guerras passam.
Olhe, já agora dê-me um compal de maçã.
Fico sempre deprimido quando tomo o comboio.
Ou quando parto. 

Ou penso em bombas nas casas de banho
Das carruagens dos comboios.
Ou quando bebo compal de maçã.
Não sei por que pedi o raio do compal.
Reflexo condicionado.

Empatia.
Compaixão.
Que é coisa rara, tomar o comboio.

E pensar em bombas.
Houve um tempo em que pensava em minas.
Anticarro. Antipessoais.
Minas. Bailarinas. O ballet da morte.
Nasci numa terra onde não passavam comboios.
É um estranho sentimento, esse,
Que me acompanha desde pequeno.
Mas o compal de maçã até é bom.
E dizem que vale mais do que uma chávena de café 
Para te tirar o sono.
Antes de partires às 3 da manhã,
Para a Ponta do Inglês.
── Ponta do Inglês ?!...
Já sei, saíste cedo da casa de teus pais, 
Ainda menino e moço!
── É a voz do sangue, 
O meu lado de marinheiro que nunca fui.
Em boa verdade, detesto os entroncamentos.
Rodo ou ferroviários.

As picadas. Os trilhos.
Detesto o Entroncamento.
Da primeira vez que lá passei.
Meia de dúzia de casas mal caiadas, 
Uma feixe de linhas e cheiro a óleo e a sucata.
Mas tenho a nostalgia dos cais de embarque.
A nostalgia do mar e da maresia.
Uma palavra que mexe comigo.
Cais.
Cais de embarque.
Cais de partida.
Niassa.
Rocha Conde de Óbidos.
Num comboio que veio da noite, silencioso e triste.
Do Campo Militar de Santa Margarida.
Destino: Lisboa.
Com carga para outro destino: Bissau.

Mercadoria=carne para canhão,
Alguém escreveu, a spray,  
Um grafito na última carruagem.
Na primavera de 1969.
Numa outra primavera que não chegou a haver.

── Política, meu estúpido!,
A primavera política do Marcelo Caetano.
Eras jovem
E não vias a luz ao fundo do túnel.
Nem muito menos as luzes da cidade-luz.
Paris.
Perdeste o último comboio para Paris.
Com o teu amigo que queria ser pintor.
Fernando Nobis.
Com paragem, talvez em Atocha,
Para visitar o Greco, o Velasquez, o Goya,
Os grandes de Espanha que estão no Prado...

── És doido, ou quê ?!
Com a pide à perna,
Mais os carabineiros da guardia civil!



Portugal > Alto Douro Vinhateiro, Património Mundial da Humanidade > Vila de Foz Coa > Pocinho > 3/9/2010 > Estação terminal da linha de caminho de ferro do Douro (Porto-Pocinho) > Pormenor dos azulejos da estação, da Fábrica Sant'Anna (fundada em 1741): a vindima...

Foto: © Luís Graça (201o). Todos os direitos reservados.


Fazia sol e frio em Viseu.
O país profundo.
O país que mexe, dizem-te.
Gosto sempre de ler os jornais da terra
Quando estou no hotel.
Duas estrelas, o hotel. Novo, a cheirar a tinta.
Bom serviço. Comida caseira. Faces rosadas.
Mas faz frio à noite.

── Voyeurismo!  ── pensa ela.
A rapariguinha do bar.
Oito páginas,
Entre notícias locais e os pequenos anúncios classificados.
Duas páginas de anúncios pessoais.
"A brasileira do bumbum"...
"A universitária que faz oral"...
"A mulatchinha dengosa"...

Linguagem de código.
A semiótica da solidão.
Do sexo triste e solitário.

── Mue bem, ligue para o meu telemóvel,
Que a crise bate a todas as portas,
Sem distinção de género, etnia, cor, condição ou religião.

── A crise também chegou ao teu país profundo, baby.
── Ah!, mas Viseu, como cresceu, meu Deus!
── Não sei se cresceu bem...
Não sou de cá.
O Politécnico. 
O túnel de Viriato.
Os colóquios. 
Os debates. 
As ideias.
Os intelectuais e artistas que vêm de fora.
O comércio.
O fórum, que há-de vir.
A Grande Área Metropolitana de Viseu.
Quase 400 mil.
O orgulho de se ser do Kavaquistão.

O que é feito do RI 14 ?
Não sei, a guerra acabou. 
Foi bom para cidade,
A tropa,
O regimento.
── Ruas, estás de granito!,
Diz o grafito.
(Ruas é o chefe da tribo, presumo).
Nada como um bom grafito na terra do Grão Vasco:

── Apreciem o lado empreendedor dos beirões. 
── Só falta a Universidade,
Que mais de 10 mil estudantes do politécnico  já cá temos.

── Tiraram-nos a Faculdade de Medicina,
Os gajos da Covilhã.
Outro lóbi beirão, o da Covilhã.
Registo o orgulho dos  miúdos e miúdas
Da Associação de Estudantes 
Da Escola Superior de Enfermagem de Viseu
Que realizam anualmente as suas jornadas.

O país mexe.
Viseu mexe.
O país profundo mexe.

O Kavaquistão.
Os jovens deste país mexem.
Mesmo com capa e batina,
Vestidos de preto como o corvo do Zé (Cardoso Pires).

16:30h. Passei o corpo pelas brasas.
Perdi um pedaço de mundo.

Revisitei outros infernos.
── O Alfa vai a 140, ó puto.
Temperatura: 19º interior. 20º exterior,
Leio no tabelau de bord.

── Mas agora abranda. 129, 101, 74, 52...
Está parado.

── Porquê ?
Uma placa com um S, outra com um M.
Não percebo nada da sinalética dos comboios.
Obras.
Modernização da linha.
Tenho um pensamento piedoso e nobre 

Para com os trabalhadores anónimos
Que constroem as novas linhas dos caminhos de ferro do futuro.
Ucranianos ? Africanos ? 
Guineenses ? Ex-camaradas teus ? 
Imigras ? Clandestinos ?
── Não lhes vejo nem a cara nem o passaporte.
── Podiam estar a trabalhar na estufas de Almeria, 
O inferno na terra.
Mas aí são magrebinos.

── O novo proletariado do Século XXI.
── Desço na Oriente.
Mandem alguém da empresa buscar-me.

── Dá o Benfica na esporte tê vê.
E de novo o Alfa em marcha...
A paisagem muda.
A paisagem industrial da bacia do Tejo.
A ocupação selvagem da lezíria.
Mataram os campinos e o gado bravo.

E os flamingos. E as ostras,
Les petites portugaises.
O branqueamento de dinheiro
Que vai por essa nova Lisboa do Póximo Oriente.
A luxuriante estação do Oriente.

A ostentação dos ricos.
Just in time.
17:06h.
Cheguei.
Balanço do cliente:

── Pensei que já fosse o TGV.
O TGV é que é.

── Não é o TGV,
Mas por mim não desgostei.
De viajar no Alfa Pendular.
Turística, claro.

Que é como quem diz, 2ª classe.
De Coimbra B a Lisboa SA.
17 euros, IVA incluído à taxa de 5%.
Mais 10% de desconto nos Hotéis Tal &Tal.
Tive tempo para (des)arrumar algumas ideias.

── O país que via passar os comboios...
E o puto tinha razão:

── Na ponta final, o Alfa Pendular dá mesmo
Os 210.
Um dia ainda vou ter orgulho na CP.
E na terra onde nasci
E onde nunca vi sequer passar os comboios.
Os comboios não passam na minha terra.
Nem chegam a Viseu.
Um abraço aos Viriatos.
Até para o ano.
Voltarei, se me convidarem,
De Expresso, por esses ipês acima.
Com regresso de comboio.

Se não sabotarem o comboio que pára em Coimbra B.
E prometo ao barman

Que não me esquecerei de Atocha.
Sobretudo não esquecerei Atocha.
Quando voltar a Coimbra B.

Outra vez.
Não esquecerei as bombas de Atocha.
Nem as minas e armadilhas da Ponta do Inglês.

25/3/2004. Revisto nesta data.


_______________

Nota do editor:


Último poste da série > 14 de maio de 2013 >Guiné 63/74 - P11566: Manuscrito(s) (Luís Graça) (2): Humor com humor se (a)paga: RIP... Requiescat In Pace... Lápides funerárias da minha coleção!

13 comentários:

Anónimo disse...

Lido e saboreado.

Abraço
AMM

Anónimo disse...

Gostei de lêr, é longo mas muito interessante. Vale.
Abraços
Filomena

Anónimo disse...

Por vezes entra-se..."num jardim onde há flores no ar". Caro Luís Graça...."Chapeau"!

Torcato Mendonca disse...

GOSTO; GOSTO; SIM SENHOR...como escrevem com um clique no Facebook,
Ab,T.

Anónimo disse...

Longo, inteligente e profundo!

Para ser compreendido,deve ser lido

devagar...e em papel.

Quando,Poeta, um livro ?


Abraço.

J.Cabral

Luís Graça disse...

José Bel(íssim)o:

[Mandei este mail para a tua meia dúzia de endereços de email. Veio tudo devolvido].

Tinha piada se tu estivesses em Estocolomo, dia 25 deste mês, às 19h... O João Graça (, meu filho, nosso grã-tabanqueiro, violinista, psi...) estará aí, com a sua banda, os Melech Mechaya... Ele iria adorar conhecer-te, a ti e demais lusolapões...

Mas eu nunca sei por onde andas... Nesse fim de semana, a 26, eles vão estar também em Helsínquia... Um xicor(ação). Luis


http://www.melechmechaya.com/

http://www.tickster.com/sv/events/gcjeaa2dla1ea2v

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Aqui o anúncio do espetáculo em sueco:

Melech Mechaya
På Stallet Folk & Världsmusik i Stockholm

Konsert Lördag 25/5 kl. 20.00

Melek Mechaya (Portugal)är den första och mest framträdande portugisiska klezmer bandet, och "en av de mest spännande akterna på den portugisiska musikscenen" (Salvatore Esposito, från den italienska tidningen BloogFolk). Bandet grundades 2006 i Lissabon, och har släppt sitt tredje album 2012 där fado sångarerskan Misia och trumpetaren Frank London från Klezmatics medverkade. Med fiol, klarinett, gitarr, kontrabas och slagverk, har dessa "enastående musiker" (Eelco Schilder, från den tyska tidningen FolkWorld) turnerat i Portugal, Spanien, Kroatien, Kap Verde och Brasilien. Deras "explosiva föreställning" (Cape-Verdian tidningen Bravanews) kommer nu till de nordiska länderna.

Entré 160/100kr stud/medl och medlemmar i Portugisiska föreningen Lusitania

Ett Stallet Friends arrangemang i samarbete med Casa de Fado och Kulturens bildningsverksamhet

Anordnas på Stallet Folk & Världsmusik i Stockholm den 25 maj
Dörrarna öppnas 19:00 (evenemanget börjar 20:00)
Arrangeras av Stallet
Taggar Folkmusik, Världsmusik, Folkmusic-, Worldmusic, Live, Portugisisk-musik, Portugese-music, Klezmer, Fado, Konsert, Concert, Nybrokajen, Stallet, Folk&Världsmusik
Köp biljett

Luís Graça disse...

Meus/minhas caros/as amigos/as e camaradas:

Gosto de escrever estas lengalengas quando tenho tempo: por exemplo, nas férias de verão; quando estou só; quando viajo de comboio; ou quando espero na "sala de espera" (do médico, do hospital...).

Escrevo, como terapia: quando estou com o "cacimbo", ou "chateado" da p... da vida; ou quando sinto raiva (o que não é coisa normal; a raiva tem custos)...

Sou incapaz de escrever textos poéticos quando estou inteiramente feliz (o que acontece com alguma frequência: há dias, horas, momentos, em que um homem se sente bem na sua pele, com os outros e com o mundo)...

Enfim, manias... Os meus filhos gostam desta "literatura" e tem-me pressionado para passar isto a papel e publicar (em livro)...Não tenho a certeza se vale mesmo a pena... Mas gostaria de trer um livrinho para oferecer ao João no dia dos seus 30 anos, em 21/1/2014...

É bom receber "feedback" dos outros...

Abraços grandes. LG

Luís Graça disse...

É, meu caro Jorge, é para se ler devagar, em voz alta e com uma pontinha de raiva, q.b. Tu sabes do ofício.

Anónimo disse...

Caro Luís. Apesar de ser período de saltadas frequentes entre as casas sueca e em Key West,não só pelos "daiquiris"mas também porque ainda trabalho. (Por gosto profissional,ou será, como dizem alguns mais cínicos, os bons pagamentos?) De qualquer modo,a conseguir estar em Estocolmo no dia 25 é mais do que "claro" que lá estarei no concerto,acompanhado por uma manada (não de renas,mas de SUECAS!)para darmos ao teu filho....Aquele Abraço! O E-mail a funcionar na Suécia e nos States é joseph7cb@gmail.com

Anónimo disse...

meu caro amigo Graça

és o único vulcão em brasa que tens a nossa permissão de jorrar lava dessa incandescente...capaz de queimar esta mixordice que grassa no nosso País em cinza...
um grande abraço

os meus parabéns e muita admiração

Joaquim

Anónimo disse...

Meu Caro Luís

Um grande livro, misto de sonho e realidade tal como é composta a nossa vida!Passado vivido amargamente, presente sonhado tão diferente do vivido, e o futuro? teremos que o inventar, ajudá-los a inventar o futuro, porque me parece, que eles não são capazes...

Dão.nos apenas, matéria para dissertação.

Aquele abraço fraterno, de quem vive o mesmo tempo.

Felismina mealha

Anónimo disse...

Dizem que os grandes poetas são na verdade uns deprimidos do "caraças" a alguns até lhes dá para o suicídio..feitios.

Só de ouvir falar em comboio fico deprimido..é que andei tanto neles,nos velhos tempos em que havia 3.ªclasse com bancos de sumo-pau.

Como bom "burguês"
não ando desde mil novecentos e oitenta e três.

Gosto,como agora se diz
Publica meu caro Luís.

C.Martins

Mário Alberto Vasconcelos disse...

Causa:Delícia;
Efeito: sinto-me deliciado.

E não é que " na parte mais ocidental da Europa acidental " existe um poeta que ainda duvida da necessidade de passar à gráfica, memoriando, tudo o que tem escrito?

Como escreveu Joseph Belo - por vezes entra-se ..."num jardim onde há flores no ar" - fico a aguardar o livro para mais tarde desdobrando as folhas sentir esse cheiro das flores.

Aquele abraço, retribuidor do meu maior apreço.

De hoje em Guimarães, outrora em Galomaro (Guiné), amanhã? Deus o saberá.