quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Guiné 53/74 - P13650: In Memoriam (195): Cap art Manuel Carlos da Conceição Guimarães (1938-1967), morto na estrada Geba-Banjara, região de Bafatá... As suas irmãs, Teresa e Ana descobrem agora, emocionadas, as referências sobre ele no nosso blogue e encontraram-se há dias, em Lisboa, com o A. Marques Lopes, seu amigo e companheiro de infortúnio



Guiné > Zona Leste > Geba > CART 1690 > 1967 > O Cap Art Manuel Carlos da Conceição Guimarães, então com 29 anos. Foi um dos 24 capitães mortos no TO da Guiné (*)



Guiné > Zona Leste > Geba > CART 1690 > 1967 > O Alf Mil A. Marques Lopes e o Cap Art Manuel Carlos da Conceição Guimarães.

Fotos: © A. Marques Lopes (2007). Todos os direitos reservados. [Edução: LG]

1. Texto do amigo e camarada, grã-tabanqueiro da primeira hora, A. Marques Lopes, coronel inf  (DFA) na situação de reforma, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968) :


Saber tudo sobre a morte que fora apenas comunicada

por A. Marques Lopes

Creio que foi o marido da Teresa quem lhe disse, um dia, que até podia ser fácil saber referências sobre alguém. Bastava escrever o nome num motor de busca e, se ele estivesse na rede, era mais que certo aparecer o que lá houvesse sobre essa pessoa.

Ai é?... Então, deixa ver. Lembrou-se de escrever o nome do irmão, morto na Guiné: Manuel Carlos da Conceição Guimarães (**). Saltou-lhe o coração de espanto e emoção. Viu a fotografia dele num blogue chamado “Luís Graça & Camaradas da Guiné" (**). Depois de 47 anos estava ali, tal como se lembrava dele:


E o bom do Luís Graça escreveu-me:

«Vê este mail da irmã do teu antigo comandante e, se assim o entenderes, responde-lhe. Dá-nos depois "feedback". Um abração., Luis»

Tá bem. Entrei em contacto com a Teresa e disse-lhe que teria de ir a Lisboa e logo lhe diria quando, para nos encontrarmos. Trocámos alguns mails, entretanto.

Disse-me ela num deles:

«As marcas para todos os que estiveram nessa maldita guerra são com certeza imensas. A flor da nossa juventude despedaçada pela loucura de um velho fascista…. São factos que devem pesar diariamente na memória e nos pesadelos de quem por lá andou. A mim fez-me perder um irmão que eu adorava, que era o meu ídolo e que me deixou como que desamparada. Eu tinha 12 anos, não consegui ir ao funeral dele. Tenho na memória muita coisa que foi dita entre dentes, pois os meus pais tentaram preservar “as meninas” de pormenores que não eram para os nossos ouvidos. A minha mãe ficou de cama quase um ano, numa apatia que só quem passa por elas consegue perceber. Nunca mais a vi usar uma roupa colorida… Carrego na minha memória esses dias que ficaram marcados para sempre.»

E eu num dos meus:

«Durante vários anos, após aquilo, vinha-me à ideia, às vezes, que devia falar com as irmãs do capitão Guimarães. Era a necessidade subconsciente de estar com alguém muito próximo do amigo perdido. Mas acabava por esquecer, porque não tinha contactos. Era a desculpa para o receio de não saber contar o que não queria contar. Uma vez, até, tentei o contacto que sabia que podia ter: fui ao Hotel Tivoli e pedi para falar com a vossa tia Beatriz Costa. Não disse quem era nem para que era (as dúvidas do passo dado) e responderam-me pouco depois que ela estava indisponível, sem me dizerem porquê. Confesso que fiquei aliviado e não tentei mais. E também pensei neste nosso encontro agora programado. Já uma filha de um soldado lá morto me procurou, via internet. Também lhe mandei fotografias que tinha do pai e até lhe contei resumidamente por mail como ele tinha morrido. E ficámos por aí. Mas agora, com vocês, não ia ser assim. Para um encontro tão directo vieram-me novamente as dúvidas e os receios de entrar em pormenores, de dizer coisas que muita gente não entende ou não aceita, de criar inimizades em vez de aproximação. Interroguei-me se seria bom ir ao Hotel Real.»

Mas fui. No dia 22 à tarde, segunda-feira passada, e apesar das inundações, estive em Lisboa com a Teresa e a Ana, irmãs do capitão Guimarães, no Hotel Real, onde combináramos encontrar-nos.

Contei-lhes tudo em pormenor: como ele morreu, a estúpida quadrícula de 1.600 km2 na mata do Oio, também culpada pela morte dele. Contaram-me das boas lembranças e amor que mantinham pelo irmão: a Ana, que tinha 9 anos, lembrava-se de ele a enxotar quando ele estava ao telefone com uma namorada e ela encostada às pernas dele; a Teresa, com 12 anos, ficava encantada quando a levava no carro dele para passear; quando ele metia as mãos nos bolsos e lhes distribuía as moedas que lá tinha ficavam maravilhadas. Mais velho, oficial com um carreira, um carro, e amigo de ambas, era mesmo o seu ídolo.

Foi uma longa e boa conversa. Ficámos amigos.

A. Marques Lopes

2. Comentário de L.G.

Obrigado, António, pelo teu "feedback"... É um texto muito bonito, que só podia ter a tua assinatura... Fico feliz pelo teu encontro com a Teresa e a Ana, irmãs do nosso malogrado camarada. Tu e o nosso blogue acabamos por cumprir uma missão importante, a de relembrar os nossos mortos, dignificar a sua memória e ajudar a fazer os lutos (em muitos casos ainda "patológicos")... Daí este a razão de ser deste "In memoriam" (***)  e a constação da utilidade (social) do nosso blogue que tu ajudaste a nascer e a desenvolver...

È bom lembrar aos recém chegados à Tabanca Grande (e somos já 668!) que o A.Marques foi um dos mais ativos e produtivos camaradas na I Série do nosso blogue (de 23 de abril de 2004 a31 de maio de 2006). Por ordem de publicação de psotes, é ele, se não erro, o tertuliano nº 4, depois de mim, do Sousa de Castro, do Humberto Reis, seguido em nº 5 pelo David Guimarães.

Publico a seguir a mensagem que a Teresa me mandou e a que tu respondeste de maneira magnânina e solidária. As nossas melhores saudações para a família do  infortunado cap art Manuel Guimarães, que foi teu comandante operacional, amigo e camarada. Fico feliz, por te reencontrar, também, nas nossas lides bloguísticas, já que nos últimos tempos tens arrededado, avalliar até pelo teu próprio blogue, Coisas da Guiné. Um abraço fraterno. (LG).

3. Mensagem de Teresa Guimarães, com data de 2 do corrente:

Muito boa tarde

Percorrendo a internet vim parar ao seu blogue onde me apareceu um artigo escrito por A.Marques Lopes, sobre o meu irmão Capitão Manuel Carlos Guimarães.

Gostaria de entrar em contacto com esse senhor pois ele presenciou a morte do meu irmão na Guiné, mas o e-mail que ele indica no blog está desativado.

Será que me podia fornecer um contacto, pois como pode calcular gostaria muito de falar com ele, se fosse possível.

Obrigada e mais uma vez as minhas desculpas pelo incómodo

Teresa Guimarães


______________

Notas do editor:


(...) Terão morrido 24 capitães no TO da Guiné durante a guerra colonial (1963/74). Excluindo um capitão de 2ª linha e um outro, de quem faltam elementos de identificação, sabemos que desses 22, dezassete eram comandantes de companhias operacionais - 11 do quadro e 6 milicianos. Dez, todos comandantes de companhias operacionais, morreram em combate, sendo 9 do quadro e 1 miliciano. (LG) (...)

(...) Eles morreram mesmo e ficaram longe do convívio dos seus familiares e amigos. Mas ficou a lembrança e, como este caso que vos trago, a pena do estúpida situação da sua morte (...).

O capitão Manuel Carlos da Conceição Guimarães era do quadro de Artilharia. Nas circunstâncias do regime, tinha estado como tenente na esquadra da PSP do Calvário, em Lisboa, depois de ter feito parte da Companhia de Polícia Móvel que esteve em Bissau.

Nesses contextos da juventude formou a sua mentalidade. Rigidez ideológica, fidelidade cega aos desígnios dos mandantes da guerra, alheamento total dos problemas, sentimentos e ambições das populações no terreno. Completa incompreensão das razões da guerra, nem desejo algum de as tentar compreender. Muitos houve assim naquela fase (1967). Ao longo do tempo de guerra muitos foram dando, e penso que ele também teria mudado.

Mas eu fui amigo dele e acompanhei-o desde o princípio, fui o seu braço direito. Tive a incompreensão dos outros alferes, meus amigos de coração actualmente (..:).

O Guimarães foi promovido a capitão e mobilizado para a Guiné. Conhecêmo-lo em 4 de Dezembro de 1966, no RAL1, aquando da formação da companhia (CART 1690) e durante a instrução da especialidae no GACA2, em Torres Novas (de 6 de Dezembro de 1966 a 23 de Fevereiro de 1967).

Lembro-me bem que partíamos os dois, aos fins-de-semana, no Alfa Romeo Sprint Special dele até Lisboa. Loucuras, sem auto-estrada! Grandes noites na Cave, D. Quixote, Comodoro... A experiência dele na polícia abria todas as portas (as raparigas abraçavam efusivamente o Carlinhos).

Nas vésperas de embarcarmos no Ana Mafalda  (...) , fomos todos ao Comodoro. Um homem, já velho, que conhecíamos por ser frequentador, administrador de um banco qualquer (não me lembro), e que costumava jogar ao par ou ímpar com as raparigas (mostrava uma nota de mil e perguntava qual era o número - par ou ímpar? -, se uma dela adivinhava entregava-lhe a nota... e muitos jogos fazia), disse-nos assim: - Vocês vão para a guerra, para se portarem bem peguem lá - deu-nos várias notas de mil - e vão com estas cinco. - E fomos (alferes e capitão) e foi uma noitada. Era assim, a guerra estava paga.

Era bom homem, o Cap Guimarães. Filho de um Sargento-Ajudante, sobrinho da Beatriz Costa (estive com ele, depois, e chorou a sua morte), morreu aos 29 anos na estrada de Geba para Banjara, a 21 de Agosto de 1967 (3). Lamentou-se-me o pai, que me visitou, estava eu ferido no hospital, que o filho (solteiro) era o sustento de duas irmãs (...)  que andavam a estudar, e que a vida dele estava complicada. (...)

Vd. também  I Série > 5 de junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLVI: Em memória dos bravos de Geba... Texto de A. Marques Lopes, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967)...

(...) Era uma zona muito propícia a azares (...) . Também me calhou a mim (não era mais que os outros, claro, apesar de ter estado 24 horas no campo do inimigo... "teve de ser assim", como disse o Comandante Gazela). Um dia, quando ia no caminho de Geba para Banjara, fui ferido (e sortudo, mais uma vez), assim como o soldado Lamine Turé, do meu grupo de combate ; na mesma altura morreu o comandante da CART 1690, que quis ir comigo nessa viagem, o capitão Manuel C.C. Guimarães (tinha 29 anos, era filho de um sargento-ajudante e sobrinho da Beatriz Costa), e morreu o soldado Domingos Gomes, também do meu grupo de combate.

Levei o corpo do capitão, porque me pareceu que estava ainda vivo, e o Lamine, directamente para Bafatá... porque em Geba não havia médico, vejam lá! Não levei o do Domingos Gomes, porque ficou aos bocados, não deu tempo nem tive condições para os recuperar. De Bafatá fui evacuado para o HM241 [em Bissau], primeiro, e para o Hospital Militar Principal,[em Lisboa], passada uma semana.  (...)


(***) Último poste da série > 19 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13626: In Memoriam (194): João Dias Garcia (1950-2014), ex-1.º Cabo Mec Auto da CCAÇ 19, falecido no passado dia 11 de Setembro de 2014, no Hospital de Leiria (José Manuel Pechorro)

3 comentários:

Luís Graça disse...

Mandámos hoje o seguinte mail à Teresa Guimarães:

Teresa:

Na sequência do seu mail e do v/ encontro, seu e da outra mana, com o nosso amigo e camarada A. Marques Lopes, quisemos fazer uma singela homenagem ao seu irmão...

Disponha do nosso blogue, se lhe apetecer escrever ou mandar algumas fotos do nosso cap Guimarães.

Infelizmente, nada o poderá devolver à vida, mas a sua memória nós temos a obrigação de a honrar... Por outro lado, as irmãs dos nossos camaradas também nossas irmãs são.

Um alfabravo (ABraço). Luís Graça

Anónimo disse...


Teresa Guimaraes
25 set 2014 17:52

(c/c A. Marques Lopes)

Boa tarde Luis

Fica desde já o meu agradecimento ao António por ter feito o relato do nosso encontro e a si pela publicação, e pelas palavras que a acompanharam.
Em meu nome e da minha irmã, o nosso muito obrigada.
Efectivamente, há que divulgar tudo o que se passou, para que a memória não se apague nunca.

Um grande abraço
Teresa guimarães

Anónimo disse...

A memória do Cap Art Manuel Carlos da Conceição Guimarães está perpetuada no Memorial dos Mortos em Combate no palácio da Bemposta, sede da Academia Militar.
Morais Silva