segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13634: Selfies / autorretratos (1): por que é que fomos à guerra... (Vasco Pires / Luís Graça / Francisco Baptista / José Manuel Matos Dinis)


Guiné > 1970 > Um "selfie" ("avant la lettre"...) do Vasco Pires, ex-al mil art,  cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72; bairradino, vive no Brasil desde que acabou a comissão de serviço no CTIG).

Observ.: Selfie - junção do substantivo self (em inglês "eu", "o próprio") e o sufixo ie. Ou selfy... É um tipo de fotografia de autorretrato,  normalmente tirada com uma câmara digital de mão ou telemóvel  com câmara. Foi considerada a palavra internacional do ano de 2013 pelo Oxford English Dictionary. Tornou-se "viral",  como muitas outras modas... Fonte: Adapt. de Wikipedia.


Foto: © Vasco Pires (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


1. O Vasco Pires foi quem deu o mote (*):


(...) Nesses tempos de "selfies" (neologismo que significa autorretrato), chamou minha atenção essa [minha] foto de 1970, poucos dias após a chegada à Guiné [, vd. foto acima].

Autorretrato acompanha a História da Humanidade, lembra Narciso,  filho de liríope, passa pela necessidade de autoconhecimento, até chegar na expressão dos modernistas angustiados.

Mas voltemos ao soldado, que parece perguntar:
- Como é que eu vim parar aqui?

É uma viagem à década de sessenta, jovens inexperientes, num país que se queria fechado ao mundo. Eu, particularmente, vinha da Bairrada profunda, de um grupo familiar que Gramsci apelidada "intelectuais rurais', logo por defenição conservadores, embora dela tenham saído alguns que ele chama de intelectuais urbanos.

Passando pelas escolas locais, cheguei na Academia Coimbrã em plena efervescência da segunda metade da década de 60, verdadeiro "ponto de clivagem", dos valores e hábitos Ocidentais (não vamos achar que somos o centro do Mundo, só porque assim fizemos como nosso mapa).
Um fervilhar de ideias, contestação dos valores tradicionais, onde poucos tinham uma visão cosmopolita.

Na época, muitos devem lembrar, a figura do "passador", que mediante determinada quantia, fazia chegar as pessoas, além Pirenéus.

Pois, tinha um que era amigo da família, pai de um amigo, e que trabalhava em parceria com um frade (não sei se este o fazia por dinheiro ou convicção), eu tinha também, grande parte da família do outro lado do Atlântico. Assim, com essa facilidade, eu, que jamais pensei que a missão era "dilatar a fé e o império", nunca me passou pela ideia de usar os seus serviços, ou me reunir aos parentes. Penso, talvez, que não queria romper com os valores culturais em que estava inserido.
Contudo, "nesta altura do campeonato", não é mais relevante. Alguns de nós foram à guerra por convicção, outros movidos pela propaganda, muitos por inércia, e alguns outros com receio de enfrentar usos e costumes estrangeiros.

2. Comentário do nosso editor Luís Graça [ex-fur mil, armas pes inf, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71]  (*)

(...) "Alguns de nós foram à guerra por convicção, outros movidos pela propaganda, muitos por inércia, e alguns outros com receio de enfrentar usos e costumes estrangeiros". (..:)

Vasco, lusitano da diáspora que estás sempre a lembrar as tuas raízes bairradinas... e respiras portugalidade por todos os poros... Dava uma série, para o nosso blogue, o feliz título que tu escolheste: "autorretrato de um soldado"...

No fundo, a questão que pões é: "por que é que eu fui p'rá guerra"...

Questão provocatória, incómoda, ou até absurda ?... Alguns camaradas nossos poderão achar que sim... Se a "pátria" te chama, só tens que responder com prontidão... Não foi sempre assim ao longo da nossa história ?... Se calhar não foi sempre assim... A história da nossa pátria está longe de ser um "livro aberto" e ter uma única leitura...

Sabe-se que de 1946 a 1973, dois milhões de portugueses sairam da sua terra, e quase metade (45%), em plena guerra colonial, só no curto período de 1966 a 1973... A maioria em idade ativa e jovem... E muitos deles, portanto, terão sido refratários...

Como alguém disse, o Estado Novo e as suas políticas (incluindo a guerra colonial) foram plebiscitadas pelos portugueses "com os pés"...

As motivações para a saída em massa e ilegal (, "a salto",) são fáceis de perceber: o círculo viciosoa da pobreza, em Portugal, não poderia ser mantido mais tempo, com o "milagre económico europeu" à nossa porta... (Os "trinta gloriosos", as décadas de excecional desenvolvimento económico e social que a Europa conheceu, desde o pós-guerra até 1973)... Já não  era preciso ir para o Brasil: a França e a Alemanha estavam ali, à nossa porta, ou pelo menos, a partir dos Pirinéus...

Muitos jovens da nossa geração emigraram, não tanto para fugir à guerra colonail, mas por razões "económicas" (, digamos assim, para simplificar)... E outros (e se calhar muitos) fizeram a guerra para ter direito a um passaporte e poder emigrar (ou passear pelo estrangeiro, estudar, etc.) legalmente...

Lutámos em África também para ter direito a um pátria... De certo modo, foi o teu caso, o meu, e de muitos outros de nós que fizemos a tropa e a a guerra...

Não sei, não temos suficiente evidência empírica sobre esta questão... Cada um, portanto, só poderá falar de si e por si....

Sinto, no entanto, que é não "confortável" para os ex-combatentes falar, para os seus "pares", num blogue como o nosso, com a audiência que o nosso tem, sobre estas "questões do foro íntimo"... Para mais, à distãncia de meio século...

No passado, quando jovens, reagíamos com o corpo inteiro (cabeça, coração, estômago, hormonas, braços e pernas, o chamado "sangue na guelra"...). Hoje tenderemos a "racionalizar" e a "idealizar" as "escolhas" que fizemos no passado (e que estavam longe de serem inteiramente livres...).

Um alfabravo verde-rubro do tamanho do Atãntico que nos separa e que, ao mesmo tempo, nos une... Luís. 


3. Comentário de Francisco Baptista [ex-alf mil inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)] (*):

Amigo Vasco:

O meu percurso é parecido com o teu. sendo eu natural do nordeste transmontano, filho de lavradores ilustrados para o tempo e região, tinham a quarta classe.
Nesses tempos, excluindo os da capital eramos quase todos provincianos, eu influenciado por algumas leituras, não abençoadas pelo regime, pois por falta de meios financeiros, não fui para a faculdade, deixei que me levassem para a Guiné, por inércia, por outros medos e porque tinha 5 irmãos mais novos que precisavam da minha ajuda. (...)

4. Comentário de José Manel Matos Dinis [ex-fur mil, CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71]


Olá, Vasco,

A mesma frase que lança o Luís em comentário, pode ser acrescida de outras controversas condições: para além da veneração à pátria, e da aceitação das atribuições dela decorrentes, também a transigência aos costumes, e o medo da perseguição e discriminação pessoal e familiar eram condicionantes influentes na decisão de ir à guerra. Se podemos considerar decisão, face ao estatuto de passividade existente.

Eu nem me questionei muito. Se fugisse, nem sabia bem para onde, pois uma paixoneta ou outra em Inglaterra não seriam garantia de nada. Por outro lado, cedo comecei a preparar-me mentalmente para a sorte ou o azar de ir batê-las em África, e fui sem custo especial.

O comentário do Luís tem a virtude de alongar o nosso raio de pensamento sobre a questão, e de nos fazer confrontar, 40/50 anos depois, com o estado de espírito da época.

Ele tem uma interrogação pertinente, "não foi sempre assim ao longo da nossa história?"

Pois a minha resposta é que não sei, em primeiro lugar, porque a história está mal contada, em segundo, porque ao longo do tempo muitos foram arrebanhados para diferentes campanhas, sempre ao serviço dos poderosos, que evitavam a valorização do povo para dele disporem melhor. Ainda é assim. (...)

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2 comentários:

Vasco Pires disse...

Bom dia Luis,

Cordiais saudações.

...ainda o "caldo cultural", em que estava inserida a guerra 63/74, e a nossa geração (de pouca sorte?).

Dizia o Sr. Antero de Quental, em maio de 1871:


"...Deste mundo brilhante[até ao século XVI], criado pelo génio peninsular na sua livre expansão,
passamos quase sem transição para um mundo escuro, inerte, pobre, ininteligente
e meio desconhecido.

"...A uma geração de filósofos, de sábios e de artistas
criadores [até ao século XVI], sucede a tribo vulgar dos eruditos sem crítica, dos académicos, dos
limitadores. Saímos duma sociedade de homens vivos, movendo-se ao ar livre:
entrámos num recinto acanhado e quase sepulcral, com uma atmosfera turva pelo
pó dos livros velhos, e habitado por espectros de doutores."

Causas da Decadência dos Povos Peninsulares
Conferências do Casino
Maio de 1871


Será, destes 143 anos passados, podemos tirar argumentos(exceções não valem)para contradizê-lo?


Forte abraço
VP

Vasco Pires disse...

Onde se lê:

Será, destes..

Deve ler-se:

Será, que destes.,.

VP