quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15683: (De)Caras (28): Rescaldo da Sessão evocativa do 20 de Janeiro de 1973: Colóquio “Quem mandou matar Amílcar Cabral?”, organização da Embaixada da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de hoje, 28 de Janeiro de 2016:

Queridos amigos
Envio a notícia sobre a sessão evocativa do assassinato de Amílcar Cabral, por iniciativa da Embaixada da República da Guiné-Bissau

Um abraço do
Mário


Sessão evocativa do 20 de Janeiro de 1973: 
Colóquio “Quem mandou matar Amílcar Cabral?” 

Beja Santos


A Embaixada da República da Guiné-Bissau organizou no sábado 23 de Janeiro um colóquio subordinado ao título “Quem Mandou Matar Amílcar Cabral?”, exatamente o título do livro escrito na década de 1990 pelo jornalista José Pedro Castanheira. Para além deste jornalista e escritor foram convidados Julião Soares Sousa e José Luís Hopffer Almada como comentadores e eu fui convidado como moderador. A sessão decorreu num dos auditórios da Universidade Lusófona(1).

José Pedro Castanheira caraterizou a sua investigação, no âmbito dos 20 anos do assassinato de Amílcar Cabral, enunciou as diligências e os contactos efetuados. Foi o primeiro investigador a ter acesso aos arquivos da PIDE. Observou que ainda não é absolutamente seguro saber quem mandou matar o líder do PAIGC, comentou que procurou entrevistar Joaquim Chissano, presente no tribunal internacional reunido em Conacri, o antigo dirigente da FRELIMO informou-o que este assunto será matéria de um dos seus volumes de memórias. Igualmente recebera a anuência de entrevista do professor Silva Cunha, não se concretizou, resta saber se é possível consultar a sua documentação pessoal que está depositada na Universidade Portucalense. Referiu-se às quatro hipóteses postas pelo complô: a exclusivamente interna; a da responsabilidade das autoridades da Guiné-Conacri, obviamente com a anuência de Sékou Turé, a hipótese de ingerência dos serviços secretos franceses e a operação montada pela PIDE, com recurso a descontentes do PAIGC. Concluiu que qualquer uma destas hipóteses continua em cima da mesa até se revelarem fontes conclusivas, ocorre dizer que todos estavam interessados neste desfecho.

Julião Soares Sousa referiu-se ao assassinato como um crime geneticamente interno. Há imensa neblina nos dias que precedem o assassinato, está presentemente a estudar a correspondência desse período de Amílcar Cabral, há por exemplo uma carta dele para Sékou Turé sobre recolha de fundos do PAIGC, algo enigmática, ao tempo o PAIGC recebia apoios que não justificavam uma campanha de recolha de fundos. Há outros documentos perturbadores que falam de tentativas de negociação sobre as quais ainda há provas pouco consistentes, para interpretar possíveis contactos entre Spínola e o PAIGC. Alpoim Calvão também procurou contactar altos dirigentes do PAIGC. Não são conhecidos quaisquer números sobre interrogados e participantes, considera que terão sido ouvidos em interrogatórios mais de 300 pessoas e condenados cerca de 30 participantes. Há outros elementos intrigantes para os quais é necessário obter resposta, por exemplo tinha sido constituída uma frente para a libertação da Guiné em Conacri, quer Sékou Turé quer Amílcar Cabral tinham informações concretas desta iniciativa. O que lhe ocorre dizer, para além do que está escrito no seu livro "Amílcar Cabral, Vida e Morte de um Revolucionário", continua a investigar os acontecimentos da época, informou que Agostinho Neto também fizera parte do tribunal internacional e analisa agora a documentação produzida pela delegação jugoslava. Na sua opinião, o assassinato é uma agregação de vontades, algumas delas dispersas, provocou uma resposta coesa do PAIGC que modificou os termos da guerra de guerrilhas, a partir dos acontecimentos de Maio, o PAIGC ficou dono e senhor das iniciativas militares introduzindo esquemas da guerra convencional para os quais as forças armadas na Guiné não tinham resposta e aceleravam a resposta das próprias forças armadas portuguesas, desencadeando o 25 de Abril e a resposta singular do MFA na Guiné.

José Hopffer Almada entendeu que é um outro ângulo da questão que continua a pedir um esclarecimento cabal: a unidade Guiné-Bissau-Cabo Verde e o próprio Movimento Reajustador, encabeçado por Nino Vieira, que se traduziu pela quebra sem apelo nem agravo dessa unidade, fulcro do sucesso da luta de libertação na Guiné.

Tal como estava previamente acordado, os elementos da mesa conversaram. Referi que há mais bibliografia significativa que fala do assassinato ou da sua interpretação, caso das obras de Leopoldo Amado, Tomás Medeiros, António Tomás e Daniel Santos. Não há um só documento nos arquivos da PIDE que permita aproximar uma diligência da polícia política no assassinato, os documentos que existem são informações de djilas que funcionavam quase como agentes duplos, e vêm referidos no livro de José Pedro Castanheira. No dia 21 de Janeiro de 1973, António Fragoso Allas enviou uma apreciação do assassinato, atribuiu a conhecidas discórdias entre cabo-verdianos e guineenses, o responsável da PIDE em Bissau só podia ter enviado esta apreciação por não estar envolvido. Mário Soares, na Cova da Moura, perguntou a Spínola, quando este o convidou para ser ministro dos Negócios Estrangeiros, qual o envolvimento direto ou indireto do general no assassinato de Amílcar Cabral, ao que o general respondeu que ninguém na Guiné, sob o seu mando, tinha interferido nas desinteligências internas do PAIGC, não existira qualquer plano para assassinar Cabral, aliás este seria o único interlocutor possível para negociações com o PAIGC. Castanheira lembrou que fora o único jornalista a entrevistar Ansumane Mané, no decurso da guerra civil, e que à pergunta sacramental de quem mandara matara Cabral, Ansumane reportara uma conversa havida com Nino, este estava profundamente comovido mas não descartara claramente a hipótese do seu envolvimento no complô. E, como se sabe, na última entrevista concedida Aristides Pereira ao jornalista José Vicente Lopes, o antigo presidente do PAIGC atribuía responsabilidade direta a Osvaldo Vieira mas insinuou que Nino Vieira não estava alheio ao complô.

Seguiu-se um debate vivacíssimo e após três horas de convívio o moderador referiu que se tinha começado a sessão entre a neblina e o nevoeiro e se concluía entre o nevoeiro e a neblina…
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Notas do editor

(1) Vd. poste de 20 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15642: Agenda cultural (458): Conferência, sábado, 23, às 16h, na Universidade Lusófona, Campo Grande, em Lisboa, sob o tema "Quem mandou matar Amílcar Cabral?: Da investigação à atualidade dos factos". Oradores: José Pedro Castanheira, jornalista; Julião de Sousa, historiador; José Luís Hoppfer de Almada, analista político; moderação: Mário Beja Santos; organização: Embaixada da República da Guiné-Bissau; apoio: RDP África

Último poste da série de 31 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15561: (De)Caras (27): As últimas perdas de 2015: a minha mãe, uma amiga do Fundão e o camarada António Vaz (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1971/74)

4 comentários:

Antº Rosinha disse...

O incansável Beja Santos, sempre atento e atencioso.

Como se esperava, as investigações batem sempre nas mesmas teclas e sempre na dúvida. Quem mandou assassinar Cabral?

Mas é bom que não se deixe de malhar enquanto o ferro não arrefece completamente.

Não devemos aceitar mentiras na guerra que nós (tugas) e imensos guineenses e caboverdanos sofremos lado a lado.

Eram muitos mais os que estavam connosco do que aqueles que estavam com os russo/cubanos.

Ainda há muito ingénuo anti-colonialista primário por este rectângulo abençoado afirmando e aceitando como mandantes do assassinato gente como Spínola, Marcelo Caetano (PIDE), o que não é aceite pelo povo anónimo guineense, ou a animosidade Guiné/Caboverde, acicatada pelo "colon".

Os estudiosos dão ainda umas picadinhas no Sekou Touré.

É bom que se parta para outras hipóteses muito mais credíveis, pois qualquer Sherlok Holmes ou inspector Poirot, hoje pode pegar noutras pontas que podem ser muito mais credíveis.

É que oficialmente a história é contada a nível escolar na Guiné e Caboverde atravez de um livro mandado escrever por um dos intervenientes naquela guerra,os russo/cubanos:

TRÊS TIROS DA PIDE - Quem, Porquê e Como Mataram Amílcar Cabral?
Autor(es)
Oleg Ignatiev

Ora o que ali se defende, pode tornar-se verdade naquela teoria de que uma mentira dita repetidamente pode tornar-se verdade.

Para mim, que não sou Poirot, quem mandou matar Amílcar Cabral foram os mais interessados naquela guerra, os russos e os cubanos.

Mil e uma razões para ter sido essa gente.

A família de Amilcar que desculpe, que acusem o "colon" de lutar contra as ideias de Amílcar, correto, mas olhem bem com quem Amílcar estava metido.

Eram mais importantes internacionalmente os verdadeiros interesses dos russo/cubanos, do que a independência daquele minúsculo e desconhecido território, que era apenas um dos meios utilizados para alcançar os verdadeiros fins.

E com Amílcar Cabral vivo, a guerra não avançava, até havia recuos,como passou a avançar a partir do assassinato.

Porquê? Quem impedia o avanço mais rápido?

Vou qualquer dia amandar um post próprio.

Obrigado Beja Santos pelo teu trabalho

Manuel Luís Lomba disse...

Mário,felicito-te por mais esta tua participação num evento susceptível de avivar as memórias da guerra em que um dia fomos soldados.
Não constituirá uma afronta à razão humana saber-se, com veracidade, os autores materiais e colaterais do assassinato de Amílcar Cabral e não se saber quem o mandou matar?
Socorrendo-nos do raciocínio do sr. de La Palisse, os autores da morte do fundador da nacionalidade bissau-guineense foram a guerra da Guiné e as suas complexidades, designadamente a da falsidade e da mentira (a conclusão é nossa).
Pudemos verificar no terreno que o país de Sekou Touré era um povo faminto e um Estado falido, carente de divisas em absoluto, enquanto o PAIGC, sediado na mesma capital de Conacri e na área reservada ao seu palácio presidencial, prosperava em prestígio internacional e potencial militar, pelas remessas de coroas suecas, dólares americanos, escudos portugueses, etc. Então começara a exigir ao dador Suécia e ao PAIGC uma percentagem desse fluxo de coroas "libertadoras", que foi crescendo exponencialmente e, quando Cabral foi morto, ele não só metia a mão nessa "massa" como no armamento que a União Soviética fazia aportar a Conacri. O PAIGC tinha marinha, barcos e barcaças, mas nos 70% do território que desde 1963 apregoava administrar não tinha nenhum ponto de transbordo e de desembarque...

Manuel Luís Lomba disse...

Olha Mário, já agora venho ampliar o comentário anterior.
Temo que os investigadores venham negligenciando esses e outros indícios de prova, conexos às idiossincrasias de Sekou Touré e aos desígnios geo-estratégicos para a África sub-sariana (nomeadamente a África do Sul, Angola, Moçambique, etc.) da então União Soviética e seus satélites.

A Guiné-Bissau era como uma espinha na garganta da megalomania imperial de Sekou Touré da criação da "Grande Guiné" (já no meu tempo eram reais, bélicos, os problemas idênticos com a Costa do Marfim e o Senegal). Em finais de 1972, Amílcar Cabral convencera a URSS a dotar o PAIGC com a oferta de de mísseis Strella e aviões MiG, para os estacionar em Koundara, a 30 km da fronteira de Buruntuma, e a formar 40 bissau-guineenses pilotos e técnico, enquanto ele tinha de pagar os seus e fazê-los operar por cooperantes argelinos...
O espectro da guerra da Guiné não era a vitória pelo extermínio, mas pelo desgaste, opção comum aos dois contendores - o Estado Português, protagonizado pelo Comandante-chefe general António de Spínola e o PAIGC, liderado por Amílcar Cabral. À data da morte de Cabral, já havia contactos de aproximação entre os beligerantes, por iniciativa do general, veiculados por Fragoso Allas da PIDE/DGS e por Alpoim Calvão, do Estado Maior do Chefe do Estado Maior General, o general Costa Gomes, com o apoio do presidente do Senegal, Nigéria, etc. Indícios seguros de que o problema da Guiné encetava o caminho da resolução pela negociação. E a África do Sul, Angola e Moçambique?

Amílcar Cabral foi eliminado e a guerra da Guiné irrompeu pelo extermínio, pela manobra, armamento e potencial de fogo de guerra convencional e a ameaça do apoio de MiG fantásticos. E os ataques massivos sobre Guidaje, Paunca, Guileje, Gadamael, etc foram enquadrados por russos e cubanos.
E estratégia soviética subempreitou a sua vitória à facção marxista-leninista do MFA - e o povo da Guiné-Bissau continua a pagar essa factura...

João José Alves Martins disse...

Ao Blogue Luís Graça dou os meus mais sinceros parabéns pelas intervenções que acabo de ler, com imensa satisfação, porque reproduzem toda a verdade, se bem que, mais haveria a acrescentar.
Amílcar Cabral foi um grande senhor, mas, como acontece muitas vezes no nosso País, não devidamente considerado e valorizado, pelo que, aproveitando "os ventos da história" se revoltou contra a situação política seguida pelo Estado Novo, aliás, indesejada pela grande maioria do povo português, mas, tendo a sua razão de ser na luta contra a expansão do comunismo como doutrina aglutinadora de interesses, e que tinha em Álvaro Cunhal um seu representante de inegável valor a quem o Kremelin pagava os seus "préstimos".
A inteligência de Amílcar Cabral permitiu-lhe compreender que, entre uma negociação com Spínola ou uma subserviência ao comunismo internacional, a primeira opção era mais favorável aos interesses da Guiné, e, afirmou-o corajosamente. Foram essas afirmações que o denunciaram como alguém a abater, e, Sekou Touré, viu nesse facto, a possibilidade de ganhar uma maior notoriedade e protagonismo.
Estava assim aberta a porta que permitia a conjuntura para o aniquilar. Conjuntura a que se juntaram outras personalidades guineenses aproveitando o facto das muitas quezílias por sanar verificadas entre guineenses e cabo-verdeanos, personalidades tais como João Bernardo Vieira (Nino Vieira).
Quanto à Fundação Mário Soares e ao seu arquivo, urge, em memória dos que morreram ou ficaram deficientes, tomar medidadas em prole da verdade dos factos. E, só o poderemos fazer enquanto formos vivos...
Grande abraço a todos.
João Martins