quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16702: De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (1) - Experiências gastronómicas (Parte I): maionese de peixe do Cacine e açorda de bacalhau com coentros...


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 > c. 1972/73 > O alf mil Luis Mourato Oliveira, "o fotógrafo de serviço".



Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 > c. 1972/73 > O Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil inf CCAÇ 4740, Cufar, 1972/73, e Pel Caç Nat 52, Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74, subunidade "que desmobilizei e onde terminei a minha comissão já depois do 25 de Abril"; novo membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 730. Nascido em Lisboa, tem raízes na Marteleira e Miragaia, Lourinhã, pelo lado materno.



Lourinhã > Marteleira >  Confraria da Batata Raiz de Cana > c. 2016 > O Luis Oliveira, bancário refomado, á volta dos tachos e panelas, na casa de um amigo e confrade. Temos vários amigos em comum (LG).


Fotos (e legendas): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mensagem enviada pelo Luís Mourato Oliveira, com data de 7 do corrente:

Olá,  Luis e Carlos;

Como vou tendo tempo e escrever exercita os neurónios, lembrei-me de escrevinhar algo diferente dos actos de guerra, mas que foram acontecimentos que os acompanharam.
Talvez o texto esteja demasiado extenso e, por isso, chato. Deixo à vossa consideração a publicação por partes porque na prática são quatro estórias.

Um grande abraço para vós e as melhores saudações tabanqueiras.



2. De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (1) >  Experiências gastronómicas (Parte I) 


A gastronomia da região onde nascemos e crescemos por mais simples e “pobre” que seja,  tem uma identidade de paladares e rituais que nunca abandonarão a nossa vida,  e a ausência dos aromas e sabores da nossa infância é sempre motivo de nostalgia e até de saudade, por isso considero que a gastronomia constitui um pilar identitário e cultural a que às vezes é dada pouca importância. 

Quando por razões imperiosas,  como a guerra ou a emigração,  nos afastamos do nosso chão.  é que valorizamos, como quase tudo, as comidinhas que deixámos para trás e que o local onde passámos a viver não nos oferece.

Na Guiné devido a todas as dificuldades de logística, de conservação dos alimentos e até de aquisição de alguns bens que os naturais se recusavam a comercializar, a base da alimentação era o arroz, o feijão e as conservas que,  sendo excelentes alimentos, a sua presença sistemática nos refeitórios e messes, acabava por saturar e fazer crescer a água na boca só com a lembrança de batata frita ou cozida, de uma boa sardinha assada ou de um simples bife com ovo a cavalo. 

Cufar > Pescador de rio  ou de bolanha...
Sempre que através de uma encomenda enviada pela família ou qualquer outro acontecimento invulgar nos permitia inventar um “petisco”,   era uma festa e esse acontecimento passava a fotografia que ainda hoje figura no nosso precioso e muito íntimo álbum que é a memória.

Para além de algumas outras recordações, seleccionei quatro estórias de comida que partilho com os amigos e camaradas do Blog, para que as conheçam e recordem as vossas próprias aventuras gastronómicas na Guiné.


I. Uma oferta 
dos camaradas de Cacine permitiu maionese 
em Cufar


Uma das ausências nos nossos pratos na Guiné, era o peixe fresco. Sobretudo quem vivia no litoral de Portugal tinha o pescado sempre presente na sua dieta e,  embora muitos preferissem a carne que era cara e por isso de uso menos frequente, a falta do “peixinho” era notada.

Na companhia que estava estacionada em Cacine,  esta falta não se sentia porque abundava peixe com qualidade no rio Cacine e um belo dia foi-nos enviado um de dimensões generosas pelos camaradas daquela unidade que certamente sabiam das nossas faltas [, em Cufar]. Se o projecto de almoço era uma delícia só para a vista, a imaginação foi ainda mais rápida e pensei imediatamente em maionese,  um prato frequente em minha casa, sobretudo no verão, e de que tinha imensas saudades. 

Propus-me imediatamente para,  como auxiliar de cozinha,  produzir a desejada iguaria e não se perdeu tempo, não faltavam ovos, azeite, sal e vinagre pelo que o principal estava garantido e portanto mãos à obra!

Como tinha em miúdo auxiliado a minha mãe a confeccionar a maionese (segurava a tigela),  segui os passos de que me lembrava e o molho foi aparecendo na enorme malga de aço com aspecto e gosto de que me lembrava e a grande quantidade produzida permitia,  além de um bom exercício de musculação para antebraço e pulso,  temperar o peixe já cozido e reservado para a degustação.

O problema foi a ausência de ervilhas, feijão-verde, alface, picles, beterraba, cenoura, azeitonas, enfim, faltava quase tudo o que normalmente acompanhava aquela refeição fresca e saborosa de que me lembrava mas felizmente não faltava o apetite, o peixe e as batatas o que já era quase literalmente uma lança em África.

O peixe e as batatas foram servidos e temperados com aquela deliciosa maionese de que ainda hoje me lembro e que talvez tivesse sido a primeira maionese servida na 
Guiné.

O refeitório em Cufar

II. Açorda de bacalhau 
com coentros e tudo

Na região Oeste onde tenho as minhas origens, os coentros eram pouco utilizados, das poucas aromáticas que tenho memória figuram a salsa, a erva azeitoneira, o louro, a segurelha, a hortelã e a cidreira. A minha primeira experiência gustativa com os coentros surgiu por acaso em Cufar,  na Guiné.

Um sargento do quadro permanente que, creio, prestava serviço no COP 4 ou no Pelotão de Intendência, alentejano de gema,  não dispensava os coentros para recordar os sabores natais e convidou-me para uma açorda alentejana, prato que eu desconhecia, na minha região apenas tinha comido a dita de alho que acompanhava habitualmente peixe frito embora muitas vezes constituía acompanhamento e conduto. 

Claro que estas ofertas nunca se desperdiçavam e aderi de imediato ao petisco que foi confeccionado na minha presença pelo sargento que dispunha de uma pequena plantação da dita erva aromática.

Pisou os alhos com os coentros e o sal, juntou o azeite e água quente de cozer o bacalhau e regou com esta extraordinária mistura uma malga onde aguardava o bacalhau já desfiado e o pão que, não sendo alentejano, cumpriu de forma admirável a sua função.

Foi um petisco maravilhoso do qual guardo boa memória, neste caso trazida da Guiné, apesar de não ser um prato da região.

Uma prova que a convivência dos militares num cenário de guerra também fomentava a troca de experiências e informações sobre costumes e tradições das diversas regiões do país o que também contribuiu para o nosso enriquecimento como pessoas e como Portugueses.

(Continua)

5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

"the small Portuguese female clams with garlic oil and coriander",. é o que eu recomendo aos meus amigos estrangeiros... As nossas ameijoas à Bulhão Pato, um dos ícones da nossa gastronomia... O que seria de nós, sem os coentros ? Não iam à mesa do rei, dizia a letra do fado, não sabe o rei o que perdeu...

Bravo, meu camarada Luís, com costela de lourinhense... LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Aliás, o coentro nessa época ainda estava longe de estar democratizado. Os portugueses até aos anos 60 viajavam pouco dentro do país... A mobilidade era reduzido, o poder de compra baixo, e poucos felizardos tinham direito a férias pagas..

Começaram a descobrir o seu próprio país depois do "avril au Portugal"... Começaram pelo Algarve... É sempre assim. É preciso que venham os gajos de fora a testar e atestar as coisas boas que temos: as praias, os vinhos, as comidas... A tropa e a guerra juntou gente de norte a sul, e houve trocas de experiências, de conhecimentos, de sabores entre nós, desde o salpicão ao vinho verde...

RTecordo-me de quando casei, no norte, em agosto de 1976,. ter levbado marisco e ameijoas para a boda... Fizemos ameijoas à Bolhão Pato... Mas a princípio os convidados nortenho diziam que o coentro sabia a "fedeljho()[Entomologia: Inseto ortóptero, de cor verde e cheiro considerado desagradável)...

Como tuo o que é bom, "primeiro estranha-se e depois entranha-se" (exceto a coca-cola...) (A autoria da frase publicitária é atribuída ao nosso grande poeta Fernando Pessoa, em 1929, na sequência de um campanha encomendada pela empresa Coca Coca, e depois censurada pelo diretor geral de saúde).

Resumindo, hoje o pessoal do norte lá de casa é fã dos coentros, e não só nas ameijoas. São indispensáveis na horta e na cozinha.

Anónimo disse...

Pois é, amigo Luís! Quem diria que era o pessoal da 3520, estacionado em Cacine, que te havia de proporcionar uma ementa rara! Sabes, eu, mesmo sem te conhecer já adivinhava que viria a ser teu colega de trabalho e melhor, teu grande amigo! E os amigos, mesmo que futuros, nunca se deixam morrer à fome! Grande abraço, Luís, e não páres com as tuas estórias da Guiné!

Juvenal Candeias CCaç 3520

joaquim disse...

Aqui fica um abraço de um anterior comandante do Pel Caç Nat 52.

Pasei uns longos meses no Mato Cão para onde levei o 52 em Novembro de 1972, salvo o erro.

Joaquim Mexia Alves

joaquim disse...

Passei, claro!