Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 22 de janeiro de 2018
Guiné 61/74 - P18239: Notas de leitura (1034): “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes; Chiado Editora, 2015 (1) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Janeiro de 2018:
Queridos amigos,
Não se põe em causa o entusiasmo e a vontade de investigar deste doutor em Ciência Política. Mas há enviesamentos e erros crassos que bradam aos céus. Como é que é possível um júri de um doutoramento deixar passar em branco Cacheu como capital da Guiné?
Recorde-se que foi a 4 de Agosto de 1914 que se deu às vilas de S. José de Bissau e de Bolama a categoria de cidade, e de vila às povoações de Cacheu, Farim e Bafatá.
Como é que é possível passar em branco a ligeireza de dizer que Amílcar Cabral era mestiço, não se tem em conta a definição de mestiço?
Como é que é possível um júri aceitar num doutoramento afirmações como as de que Amílcar Cabral era um pau-mandado do PCP?
A despeito destes dislates, a despeito de termos que tragar 100 páginas iniciais nada convidativas para a substância em análise, o doutor Livonildo trabalhou, foi pena não ter sabido resistir a especular e a fazer afirmações sem fundamento.
Vamos continuar.
Um abraço do
Mário
Uma proposta para novo modelo de governação na Guiné-Bissau (1)
Beja Santos
A obra intitula-se “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes, Chiado Editora, 2015. O autor concluiu a licenciatura e o mestrado em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e em 2014 terminou o doutoramento em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona do Porto. A dissertação e a tese serviram de base a este livro, que é prefaciado por António José Fernandes, professor catedrático de Ciência Política, foi ele quem acompanhou o programa do curso do doutorando e tece-lhe aqui os maiores elogios:
“A extensa obra do doutor Livonildo engloba, além da descrição e explicação de vários conceitos inerentes ao domínio do objeto de estudo da Ciência Política, uma análise histórico-sociológica do povo (dos povos) da Guiné-Bissau, uma caraterização fundamentada e aprofundada das dimensões política e social deste país, uma crítica ao sistema de governo que tem vigorado na Guiné-Bissau desde a sua independência e a proposta de um novo sistema político de governo para estabelecer e garantir a paz e a concórdia neste país africano de língua oficial portuguesa.
Esta obra, pela natureza e dimensão da sua substância, pela originalidade do seu propósito e pelo rigor concetual da sua terminologia, reveste-se de importância relevante (…) A sua leitura atenta ajudará a desfazer muitos equívocos terminológicos e ajudará também os cientistas políticos a prosseguir com o rigor concetual da Ciência Política".
Antes de mais, é sempre de questionar se se deve publicar na íntegra uma dissertação de doutoramento, que é alvo de formato próprio, com indicações metodológicas e uma carga expositiva que, dada à estampa como livro, pode assumir uma enorme carga dissuasora para a leitura. É este um dos casos, e convém explicar porquê. Quando o leitor está à espera das razões que suscitaram a proposta do investigador, segue-se uma revoada de nomes ligados à epistomologia da ciência, seguindo-se, também despropositado, um apanhado de conceitos básicos de ciência política, nisto já estamos em 100 páginas, o leitor a arder em curiosidade.
Quer-se lembrar ao autor e ao professor catedrático que o orientou que Cacheu nunca foi capital da Guiné, tal designação é pura fantasia, é verdade que foi uma vila com enormíssima importância mas não há um só documento histórico em que o nome de Cacheu apareça conotado com a designação de capital. A Constituição Liberal nem mesmo referia a existência da colónia na Guiné, falava em Cacheu e Bissau, todos sabemos que a presença portuguesa foi durante séculos diminuta, assentava no Litoral e em pontos aprazíveis dos rios, aí se fazia tráfico de escravos e outros negócios; a missionação foi um falhanço rotundo, a obra missionária não recebeu os estímulos necessários nem podia contar com populações amigáveis; recorde-se a questão de Bolama, recorde-se a Convenção Luso-Francesa, a Conferência de Berlim e o imperativo de ocupar o território que nos fora cedido como enclave na África Ocidental francesa.
Estamos agora no enquadramento histórico da Guiné-Bissau, são indicados os povos que compõem o mosaico étnico, o historial imperial que precede a presença portuguesa é relatado à luz dos conhecimentos atuais, e tem cabimento o que o autor refere sobre os podres locais e as suas tradições, que sofreram profundas alterações com a chegada dos Mandingas, Fulas e dos portugueses. O autor fala permanentemente na Guiné-Bissau, o termo não tem nenhum rigor, quanto muito pode falar em Senegâmbia, rios da Guiné de Cabo Verde ou na colónia na Guiné, a Guiné-Bissau é termo a usar para o país independente. Estamos agora noutra vertente do estudo, a guerra colonial, o autor abre polémica desnecessária quando discreteia sobre as causas da guerra de libertação:
“Os causadores da guerra colonial foram, na sua esmagadora maioria, os opositores portugueses do Estado Novo em conluio com as chefias africanas, em especial as que comungava a ideologia socialista baseada no comunismo do tipo marxista-leninista (…) Uma primeira leitura leva-nos a dizer que o PCP e os países comunistas usaram alguns cabo-verdianos e estes, por sua vez, usaram alguns guineenses, sendo o PCP um intermediário nestas relações.
Uma segunda leitura diz-nos que neste estabelecimento de alianças, alguns guineenses/grupos étnicos esclarecidos viram nesta situação a oportunidade de se sujeitaram a curto e médio prazo para, a longo prazo, quando a vitória estava próxima, começaram a inverter a relação de ordem hierárquica da aliança. Estas duas leituras podem enquadrar-se em algumas teorias clássicas. Só na fase final, para prevenir que a queda do regime fosse associada apenas à guerra colonial, estes agentes intervieram em Portugal com um pequeno gesto, o golpe militar de 25 de Abril”.
Não sabemos onde é que o doutor Livonildo foi buscar argamassa para tanta especulação, não indica a conveniente bibliografia que ponha este fantasma comunista na boca de cena. As especulações agravam-se quando, logo a seguir, encontra fortes analogias entre Amílcar Cabral e Honório Pereira Barreto. Não sabemos como é que o doutor Livonildo descobriu que Amílcar Cabral era mestiço, dava a sua ascendência de dois cabo-verdianos, a não ser que tenha provas de algum bisavô branco, mulato ou guineense, e fica-se perplexo como este despautério passa no júri de doutoramento.
Para quem já segue esta leitura de vias sinuosas reticente, o que se segue é de assombração: a guerra colonial, vista pelo autor, é uma quase repetição das antigas alianças de Portugal (Cabo Verde, Mancanhas, Manjacos, Papéis e individualidades) contra as alianças Mandinga do Império de Gabu (Beafadas, Balantas, Fulas, etc) na antiga Guiné. Leia-se com todo o sangue frio possível:
“A guerra colonial na Guiné-Bissau foi, em grande parte, da autoria do PCP (e também da FPLN) responsável pela esmagadora maioria de instruções que Amílcar Cabral executou. Sozinho, Cabral teria tido dificuldade de reunir as condições necessárias para enfrentar o poderoso colonialismo português”.
O doutor Livonildo comprovadamente que não estudou a formação ideológica de Cabral, o seu itinerário político, a organização do PAIGC a partir de 1959 e os apoios que o movimento de libertação recebeu. Tivesse feito essa investigação e não se atreveria a escrever estas barbaridades. Refere que a primeira operação militar contra posições portuguesas foi realizada pela FLING, não é verdade, o ataque a S. Domingos e a vandalização de Varela, em 1961, foi obra do MLG – Movimento de Libertação da Guiné, comandado por François Mendy, um Manjaco que se movimentava bem em Ziguinchor e Koldá, arregimentou um grupo de homens e fez duas incursões a partir do Senegal.
Aceita-se o que o autor refere quanto à escolha, para base das guerrilhas do PAIGC, da República da Guiné Conacri. Mas não se contém e lança tiradas levianas como se a ciência política se permitisse andar a pôr a História em tribunal, e encontrar sem fundamento analogias entre o presente e o passado, como se exemplifica:
“Portugal prejudicou a Guiné Conacri e beneficiou o Senegal ao aceitar a troca de Casamansa por Cacine – este era mais um motivo para os senegaleses se manterem cautelosos face ao PAIGC e aos seus aliados Felupes que desejavam recuperar o Casamansa".
Fiquemos ora por aqui. O que a seguir se vai escrever sobre o assassinato de Amílcar Cabral é uma efabulação sem limites, tudo palpites, temos que questionar a toda a hora se a tese de doutoramento se tornou num romance de espionagem.
(Continua)
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Sobre o autor, Livonildo Francisco Mendes:
(i) Livonildo Francisco Mendes (Ildo) nasceu a 28 de Julho de 1974 em Cacheu (Guiné-Bissau), cidade que é considerada o berço da civilização dos guineenses e a primeira capital da Guiné-Bissau;
(ii) conheceu muitas zonas da Guiné-Bissau, graças ao trabalho que o pai, empregado comercial, exerceu desde o período anterior à luta armada até a década de 1990;
(iii) terminado o ensino secundário, foi convidado pelo Ministério da Educação para dar a sua contribuição ao país, tendo trabalhou na Região de Cacheu como Professor de Língua Portuguesa no Liceu Regional Hô-Chi-Minh, em Canchungo e como Professor contratado de Filosofia no Liceu Unidade Escolar 23 de Janeiro, em Bissau;
(iv) frequentou até ao terceiro ano a Licenciatura em Direito na Faculdade de Direito de Bissau;
(v) em 2001 ganhou uma Bolsa de Estudo para Portugal;
(vi) fez o 12º ano na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro (Caldas da Rainha), após o que foi para Coimbra, onde concluiu a Licenciatura e o Mestrado em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra – com uma Dissertação de Mestrado intitulada “Democracia na Guiné-Bissau: por uma mudança de mentalidades”;
(vii) depois do Mestrado, sentiu necessidade de complementar a sua formação na área da Ciência Política e, por esta área de formação não existir em Coimbra, mudou para a Universidade Lusófona do Porto;
(viii) em 2014, terminou o Doutoramento em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona do Porto, com uma Tese intitulada “Modelo Político Unificador - Novo Paradigma De Governação Na Guiné-Bissau”.;
(ix) A Dissertação e a Tese serviram de base a ao livro “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau” (Lisboa, Chiado Editora, 2015, 594 pp.)
Fonte: Adapt. de Chiado Editora > Autores > Livonildo Francisco Mendes
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Nota do editor
Último poste da série de 19 de Janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18227: Notas de leitura (1033): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (18) (Mário Beja Santos)
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7 comentários:
Olá, Mário: Sem prejuízo da minha consideração por este teu desempenho de "provedor" das coisas e loisas da Guiné, venho meter a minha tesoura nesta tua recensão.
Pelos conceitos da altura, que terão prevalecido até ao século XVIII, Cacheu não foi a primeira capital da Guiné-Bissau; pelos conceitos posteriores, terá sido de facto. Começou por um presídio - foi o princípio da "administração" desse território. Em 1973, Madina de Boé tinha população e administração?
Amílcar Cabral não era mestiço? Careço de autoridade no assunto; mas, como produto da colonização de Cabo Verde por Portugal e não do colonialismo português, teve um antepassado branco e outro negro.
Que a oposição ao Estado Novo e o PCP foram fulcrais ao desencadeamento da guerra da Guiné é constatação histórica. Quem venceu?
A organização dos estados do nosso ex-ultramar africano e os seus dirigentes "eleitos" pela sua guerra e reconhecidos pela "Descolonização exemplar" só se converteram ao pluralismo, à democracia substancial e formal, após a implosão da União Soviética...
Abr
Manuel Luís Lomba
Estava a ver que não.
O Sr. Dr. Lenovildo sabe mais que o que a PIDE sabia. O PCP estava por trás de toda a guerra na Guiné.
Parece que Manuel Lomba também é da mesma opinião, opinando com uma constatação histórica só por que o PCP era opositor ao Estado Novo. Extraordinário.
Estava a ver que não, mas parece que o PCP não esteve metido na plantação de cajueiros, na zona de Bafatá, feita por orientação do Eng. Agr. Amílcar Cabral.
Valha-nos isso, para não se cair no ridículo.
Há quem diga que o principal causador de toda aquela guerra teria sido o Gen. De Gaulle para ter mão-de-obra barata para a reconstrução da França, com a emigração clandestina dos portugueses fugidos à guerra nas colónias/ultramar/províncias ultramarinas.
Imaginação fértil para quem não entende as revoltas dos povos. Mal estaríamos nós, os Portugueses, se não tivéssemos corrido à mocada os romanos e à espadeirada os mouros e espanhóis.
Valdemar Queiroz
Caros amigos,
Parece que o Manuel Lomba esta a querer brincar com coisa seria. O Mario esta a falar a serio, se nao comecam a por as coisas em ordem e sao as Universidades portuguesas que desautorizam e desvirtuam a verdade, nao tarda e teremos as nossas pracas cheias de doutores incapazes de diferenciar a cabeca da bosta de boi.
Ha dias, li um artigo desses nossos jovens doutores, se nao eh o mesmo, que afirmava sem pestanejar que, para derrotar os mandingas em Kansala, os fulas tinham recebido armas das maos dos portugueses. Isto em 1864/67.
As Universidades de Coimbra e do Porto mereciam melhor publicidade.
Com um abraco amigo,
Cherno Balde
Cherno, a Universidade Lusófona do Porto é privada... E eu ainda não encontrei a referida tese de doutoramento no respetivo "repositório científico"...
Já agora gostava de saber quem foram os membros do júri de provas públicas, e em especial os arguentes...
http://recil.grupolusofona.pt/
Concordo com uma primeira crítica do Mário Beja Santos:
Já não é "aceitável" que uma tese de doutoramento tenha 600 páginas... E um livro, baseado na tese, muito menos... As "ciências", incluindo as "ciências sociais e humanas". não se medem ao quilo, nem ao metro, nem pelo nº de referências bibliográficas, nem pela sofisticação estatíatica, e coisas assim do género... É bom que os jovens guineenses façam mestrados e doutoramentos, mas tendo sempre orgulho e honra no que fazem... E os novos mestres e doutores devem dar o exemplo de honestidade intelectual, rigor, indeoendência, ética, etc.
E, a propósito, fiz hoje parte do júri que apreciou a dissertação de mestrado em gestão de saúde, da Escola Nacional de Saúde Pública / Universidade NOVA de Lisboa, defendida por uma médica guineense... O tema era a prevalência da diabete Mellitus na Guiné-Bissau, um crescente e dramático problema de saúde pública na África subsariana, em geral, e na Guiné-Bissau, em particular... O estudo baseou-se numa amostra (de conveniência) de c. 1250 homens e mulheres, com 18 ou mais anos de idade, de 4 cidades: Bissau, Cacheu, Bula e Mansoa... A taxa de prevalência encontrada (na amostra) é de 7,9%... E o mais grave: a grande maioria das pessoas (mais de 80%, se não erro) ignoravam que tinham a doença... Ora num país em que não há capacidade de resposta para os "velhos" problema de saúde pública (doenças transmissíveis, que são as doenças dos "pobres": paludismo, tuberculoso, HIV/SIDA, etc. ), muito menos haverá soluções, para já, para as doenças emergentes, crónicas, associadas à urbanização, sedentarismo, alimentação, envelhecimento, etc. , que são típicas dos "ricos"...
Camaradas e amigos Valdemar e Cherno:
O exercício do contraditório é saudável - nada como extraordinário e menos como brincadeira.
A minha opinião, contrária à do Mário, refere-se ao desencadeamento da guerra da Guiné e não ao nacionalismo "de libertação" dos guineenses, que lhe foi subjacente. Isso é vinho de outra pipa.
Abr
Manuel Luís Lomba
Beja Santos é incansável.
Se este livro tem 600 páginas, ainda faltam alguns capítulos...Se quem conta um conto aumenta um ponto!
Já muita gente viveu e morreu acreditando que o mandante do assassinato de Cabral, foi Spínola.
As pessoas ouvem, veem, e ficam com a sua ideia.
Pode ser o caso deste autor.
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