1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Agosto de 2021:
Queridos amigos,
Férias repartidas, pois claro, primeiro a Lourinhã, uma delícia com tempo ameno, e agora Sines, com toda a gente a dizer que era um agosto atípico, por mim ainda bem, calor esbraseante já o tive na Guiné, sabem bem as baforadas da ventania, as manhãs com alguma neblina, passear pelos areais sem a inclemência do sol. É sempre com satisfação que se regressa a Sines, abraçar os amigos, visitar uma livraria (A das Artes) que resiste graças a uma vontade indómita do Joaquim, percorrer o Centro das Artes, lembrar o Emmerico Nunes, percorrer aqueles areais escalvados, que fazem parte dos 340 quilómetros da estonteante Costa Vicentina. E regressar a Lisboa semi adormecida, ir ao encontro de novidades como o fechamento daquelas paredes sempre em chaga do Palácio Nacional da Ajuda viradas para a Calçada. Foram dois num: gostei da solução e admirei a exposição dedicada ao reinado de D. Maria II, museologia de talento, para, como diz a publicidade, mais tarde recordar.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (14)
Mário Beja Santos
O concelho de Sines tem muitas paragens obrigatórias. A vila em si incita-nos a ir ao Centro de Artes, ao Centro Cultural Emmerico Nunes, há igrejas e capelas, de visitar a Igreja de Nossa Senhora da Salas é conhecer um belo monumento nacional, temos o panorâmico castelo com um museu municipal e a Casa Vasco da Gama, e depois as praias, um desfrute dentro da chamada Rota Vicentina, a costa do Sudoeste, bem aprazível para desportos náuticos e um duche de luz por fragas e penedias que avançam ao acaso para o mar, fazendo em recantos prainhas recatadas que há muito deixaram de ser solitárias. E há a Lagoa da Sancha, Porto Covo, a ilha e o Forte do Pessegueiro. Só que a criança que nos acompanha tem 10 anos e é de muito boa memória e diz à boca cheia “já vi isso tudo, quero nadar, fazer castelos na areia e passear muito”, e assim terá que ser. Enquanto a dita criança se diverte à grande, aqui se confirma como a Natureza é pródiga, ao fundo passam constantemente os chamados porta-contentores, têm aqui porto de abrigo estratégico, prepara-se um pôr-do-sol esplendoroso e à cautela mostra-se uma grande angular de praias frondosas, tesouro permanente desta Costa Vicentina.
O contraste entre a praia e o campo é de grande peso, estamos num lugar chamado Paiol, talvez a sete quilómetros de Sines, é facto que estamos em agosto, gozamos de dias amenos, mas este céu de fogo que anuncia o fim do dia é pura vitamina para nos lavar a alma.
Uma última visita ao Centro de Artes, antes, porém, ainda se visitou o porto de pesca, deu-se com o nariz na porta da Igreja Matriz, vasculharam-se alguns estabelecimentos comerciais de gosto Art Deco, caso de A Primorosa, teimava-se em registar uma escultura metálica que é de um santo de culto do visitante, Rui Chafes, há umas boas décadas se sente um claro fascínio por esta aparente ilusão de artefactos medievais que tem uma fácil leitura de códigos da contemporaneidade. E mesmo à saída fixou-se um recanto como espaço e conteúdo, isto é, como de uma organização do espaço os irmãos Aires Mateus, alguém que sabe da poda de museologia e museografia dispôs as peças e sentimos um hino à modernidade, a satisfação de dar hossanas às Belas-Artes, neste diálogo entre a Arquitetura e as Artes Plásticas.
Não há uma satisfatória despedida de Sines sem vir a este local onde consta que foi nado e criado Vasco da Gama, ao que parece houve querelas terríveis quando Gama veio das Índias e aqui quis ser vulto e construtor, meteu-se em discussões com a Ordem de Santiago e El-Rei não teve pelos ajustes, pô-lo fora da vila, jamais lhe passou pela cabeça que a querela deixava indiferente a posteridade e que o lugar do Gama era mesmo o Panteão. Porque o destino nos troca as voltas, só para nos lembrar que não há permanência no certo e seguro.
Chegara o tempo, no sempre acalmado mês de agosto em Lisboa, em ir bisbilhotar o fechamento do Palácio Nacional da Ajuda, do que já ouvira escárnio e risota. Pelo contrário, sinto primores de imaginação na solução encontrada, verso e reverso, habituei-me a décadas de ver para aqui umas paredes escalavradas de palácio, a indiciar um sintoma bem nacional de entradas de leão e saídas de sendeiro, a solução parece-me digna, e por isso andei a espiolhar de cima a baixo, despedi-me desta visita indo até ao Jardim das Damas (mais um belo espaço a carecer de intervenção) só para confirmar que o arrojo da contemporaneidade dialoga bem com aquele classicismo de fachada solene e aquelas costas viradas para a Calçada da Ajuda que pareciam leprosas. Mas o que seria de nós sem o escárnio e o maldizer? Posta a cogitação, vai-se visitar o esplendor da Corte, a exposição dedicada ao reinado da Senhora Dona Maria da Glória, iremos ver uma outra bela organização do espaço neste fasto palatino. Fica para a semana.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 28 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22493: Os nossos seres, saberes e lazeres (465): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (6) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
Nas fotos 2 e 3, como na canção "Porto Covo", de Rui Veloso 'Ao longe a cidadela dum navio...'
Valdemar Queiroz
Felizmente aquele par de chaminés da antiga Central Termoelétrica de Sines já não polui o ambiente e o ar se tornou mais respirável. Por incrível que pareça, só aquelas duas chaminés eram responsáveis por um terço (salvo erro) da poluição atmosférica total de Portugal inteiro!!! A central produzia eletricidade através da queima de carvão (suponho que era hulha), carvão este que era transportado em navios até à central. A descarga dos navios estava automatizada e o "cérebro" (chamado autómato programável ou PLC) que controlou o processo foi desenvolvido por três colegas meus e por mim na Efacec.
A Praia de São Torpes, em frente à Central, tinha água quentinha todo o ano.
Como diria o outro 'acabam com tudo...'.
Valdemar Queiroz
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