quinta-feira, 16 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23355: Questões politicamente (in)correctas (57): O luso-tropicalismo e os seus mitos (José Belo, Suécia e EUA)




Guiné  > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O Dauda "Vigeas", "filho do vento" e "mascote da companhia" (*): (i) com outros meninos da Tabanca, a brincar numa poça de água, junto à capelinha; (ii) vivia praticamente com os militares, que o alimentavam e cuidavam dele; (iii) como os carimbos da secretaria da CART 1613, na testa e no braço; dizia-se, na caserna, que era a cara chapada do pai; morreu por volta de 2009,  com cerca de 45 anos; era casado e pai de duas filhas; a família vivia em Bissau (**)

(...) Como escreveu o nosso saudoso capitão SGE Zé Neto (1929 - 2007), "eram todos de etnia fula, de raça negra a população de Guiléle], com excepção de um menino mestiço. Este menino, na altura com onze, doze meses de idade, era filho da Sona, uma jovem de Cacine, comprada pelo alfaiate de Guileje para ser a sua terceira esposa. Tinha o nome de Dauda, mas era tratado por todos nós por Viegas, apelido do pai, capitão que comandara a companhia de Cacine [CCÇ 799, 1965/67]. Ainda hoje, quando revejo as dezenas de fotografias que fiz do garoto, acho que poderíamos anteceder Silva a Viegas [Silva Viegas]. Foi pela minha mão que o miúdo deu os primeiros passos. E foi por ele que, suponho, arrisquei a vida quando, num ataque bem apontado, as morteiradas atingiram a zona da cozinha, lenheiro e depósito de géneros. (...) (*)

O Dauda teve no Zé Neto um protetor. E, história espantosa, em janeiro de 2010, a Júlia Neto, viúva do cap ref José Neto (1929-2007), foi conhecer a esposa e as duas filhas do Dauda (entretanto falecido havia  pouco tempo), em Bissau

Fotos (e legendas): © José Neto (2005). Todos os direitos reservados, [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do José Belo:


Data - 15 jun 2022, 13h45
Assunto - Discutir o Lusotropicalismo

Caro Luís

Na sequência dos textos “lusotropicais” do Camarada José Teixeira  (***) segue um texto em busca de passíveis… diálogos!

Um abraço, J. Belo

[José Belo, jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, (i) tem repartido a sua vida agora entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e os EUA (Key West, Florida; (ii) foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, recusando-se a jubilar-se do cargo: afinal todos os anos pela primavera, corre o boato de que a Tabanca da Lapónia morre para logo a seguir ressuscitar, como a Fénix Renascida; (iii) na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); (iv) é cap inf ref (mas poderia e deveria ser corone) do exército português; (v) durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; (vi) tem 224 referências no nosso blogue.]
___________

O Lusotropicalismo visto "por dentro", analisado "desde fora": debate com cidadãos brasileiros de origem africana (****)


O termo Lusotropicalismo criado por Gilberto Freyre refere os elementos factuais, ideais, outros quase mitológicos, quanto a uma igualdade racial (quanto a ele procurada) pela cultura lusitana nos trópicos.

Uma política de miscigenação rácica, mais ou menos acentuada, tendo em conta variações locais de origem cultural, económica e social.

Nas colónias portuguesas esta política de miscigenação terá tido flutuações temporais em paralelo com flutuações políticas.

Todas estas condições, a somarem-se às demográficas, criaram disparidades bem representadas pelos exemplos de Goa, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné.

Em muitos dos textos publicados neste blogue surge uma “fresca brisa“ de Lusotropicalismo.
Rico em detalhes de atentas observações, permeadas por sentimentalismos românticos, raiando os inatingíveis ideais da... poesia trovadoresca medieval!

Textos cuja importância surge de observações “in loco”.

O que emana destas descrições é o que se poderia referir como… Lusotropicalismo de dentro!
As especificidades criadas por uma envolvente situação de guerra obviamente que torna estas observações menos ricas na sua genuinidade. De qualquer modo seriam as únicas possíveis.

Verdadeiro privilégio dos que tiveram a oportunidade única de, através ampla “janela”, observar as realidades quotidianas na vida de isoladas Tabancas ainda não afectadas por profundas mudanças posteriores .

Os textos apresentados por José Teixeira, os saudosos Torcato Mendonça e “Alfero” Cabral, António Rosinha (com referências lusotropicais em Angola, Brasil e Guiné), entre tantos outros Camaradas com experiências semelhantes, todos nos levam ao tal lusotropicalismo visto…. por dentro!

Os textos, análises, descrições e debates, vindos “de fora”, espelham valores e critérios de outras culturas, sociedades, e não menos interesses, em tudo distintos do idealizado (!)
Lusotropicalismo.

Uma parcialidade acentuada pelas diferentes agendas políticas de alguns dos autores.
Algumas das legítimas críticas quanto ao trabalho forçado, impostos discricionários, e outros tipos de opressões a nível local, ficam quase obscurecidos quando isolados do todo orgânico que eram as realidades políticas das diversas potências coloniais.

A um nível eivado de subjetividades por pessoal, tive a oportunidade de participar em debates realizados na Suécia do início dos anos oitenta em que participavam estudantes universitários brasileiros, sendo a maioria de origem africana.

Mais tarde, no próprio Brasil, voltei a ter a oportunidade de debater o Lusotropicalismo, agora não só com jovens estudantes, mas com a participação de indivíduos que representavam de forma abrangente os mais diversos níveis culturais, sociais e políticos.

Tanto no Recife como em Manaus, São Salvador da Baía e Rio de Janeiro, as intervenções dos brasileiros de origem africana tinham em comum o facto de não aceitarem como verdadeiro o mito do mulato/mulata como um resultado de um relacionamento romântico, consentido, não violento na sua essência, entre o colonizador e a mulher africana escravizada.

Concordavam quanto a terem existido casos pontuais de tais romances mas, pelo seu número real em relação às violências exercidas pelo colono, não eram de modo algum justificativos de todo um mito criado por intelectuais privilegiados nas suas raízes europeias.

Como tantos de nós, recebi nos bancos escolares a tal ideia lusotropical a raiar o utópico.
Foi-me muito difícil, no início destes debates, aceitar no seu significado profundo estas descrições brasileiras em contraste total com tudo o que me fora “ensinado” nos verdes anos. 
Para mais, ensinado na forma paternalista tão normal nos tempos da ditadura.
Algumas das opiniões, e razões, apresentadas por estes brasileiros ainda hoje me provocam conflitos valorativos.

De qualquer modo, com todas as suas limitações, romantismos ingênuos e parcialidades analíticas, o Lusotropicalismo de Gilberto Freyre “sobreposto” às realidades sociais e raciais dos Estados Unidos do ano de 2022 torna muito difícil as graduações valorativas.

Um abraço do JBelo

2. Comentário do editor LG:

O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa define assim o luso-tropicalismo:

luso-tropicalismo | n. m.

lu·so·tro·pi·ca·lis·mo
(luso- + tropicalismo)

nome masculino

[Sociologia] Ideia, desenvolvida por Gilberto Freyre (1900-1987, antropólogo, sociólogo e escritor brasileiro), que defende que a colonização portuguesa foi diferente das restantes colonizações europeias nos trópicos e que essa diferença se manifestou na miscigenação e na interpenetração cultural.

"luso-tropicalismo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/luso-tropicalismo [consultado em 16-06-2022].

Sobre o tema vd. também artigo da investigadora da UL/ICS, Cláudia Castelo (*****). Vd também no nosso blogue os postes P15468 e  P21297  (******)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de janeiro de  2006  Guiné 63/74 - P446: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda, o Viegas



(****) 19 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22643: Questões politicamente (in)correctas (56): A caminhada para a... "descolonização exemplar" (José Belo, jurista, Suécia)

(*****) Buala > A Ler > 5 de maeço de 2013 > Cláudia Castelo (Universidade de Lisboa, ICS - Instituto de Ciências Sociais )  > O luso-tropicalismo e o colonialismo português tardio

(******) Vd. postes de:

9 de dezembro de  2015> Guiné 63/74 - P15468: Recortes de imprensa (78): O colonialismo (suave) nunca existiu... Leopoldo Amado, atual diretor do INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, entrevistado em Bissau por Joana Gorjão Henriques ("Público", 6/12/2015, série "Racismo em português")

13 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Boa questão... Ou uma inteligente provocação do Zé Belo: será o nosso blogue... luso-tropicalista ? Eu não sei (nem muito menos posso) responder... Sou suspeito... Mas há gente mais "independente" que o pode fazer... Venham de lá esses comentários. LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Bahia de Todos os Santos e de Quase Todos os Pecados

por Gilberto Freyre

Bahia de Todos os Santos (e de quase todos os pecados)
casas trepadas umas por cima das outras
casas, sobrados, igrejas, como gente se espremendo pra sair num retrato de revista ou jornal
(vaidade das vaidades! diz o Eclesiastes)
igrejas gordas (as de Pernambuco são mais magras)
toda a Bahia é uma maternal cidade gorda
como se dos ventres empinados dos seus montes
dos quais saíram tantas cidades do Brasil
inda outras estivessem para sair
ar mole oleoso
cheiro de comida
cheiro de incenso
cheiro de mulata
bafos quentes de sacristias e cozinhas
panelas fervendo
temperos ardendo
o Santíssimo Sacramento se elevando
mulheres parindo
cheiro de alfazema
remédios contra sífilis
letreiros como este:
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo
(Para sempre! Amém!)
automóveis a 30$ a hora
e um ford todo osso sobe qualquer ladeira
saltando pulando tilintando
pra depois escorrer sobre o asfalto novo
que branqueja como dentadura postiça em terra encarnada
(a terra encarnada de 1500)
gente da Bahia! preta, parda, roxa, morena
cor dos bons jacarandás de engenho do Brasil
(madeira que cupim não rói)
sem rostos cor de fiambre
nem corpos cor de peru frio
Bahia de cores quentes, carnes morenas, gostos picantes
eu detesto teus oradores, Bahia de Todos os Santos
teus ruisbarbosas, teus otaviosmangabeiras
mas gosto das tuas iaiás, tuas mulatas, teus angus
tabuleiros, flor de papel, candeeirinhos,
tudo à sombra das tuas igrejas
todas cheias de anjinhos bochechudos
sãojões sãojosés meninozinhosdeus
e com senhoras gordas se confessando a frades mais magros do que eu
O padre reprimido que há em mim
se exalta diante de ti Bahia
e perdoa tuas superstições
teu comércio de medidas de Nossa Senhora e de Nossossenhores do Bonfim
e vê no ventre dos teus montes e das tuas mulheres
conservadores da fé uma vez entregue aos santos
multiplicadores de cidades cristãs e de criaturas de Deus
Bahia de Todos os Santos
Salvador
São Salvador
Bahia
Negras velhas da Bahia
vendendo mingau angu acarajé
Negras velhas de xale encarnado
peitos caídos
mães das mulatas mais belas dos Brasis
mulatas de gordo peito em bico como pra dar de mamar a todos os meninos do Brasil.
Mulatas de mãos quase de anjos
mãos agradando ioiôs
criando grandes sinhôs quase iguais aos do Império
penteando iaiás
dando cafuné nas sinhás
enfeitando tabuleiros cabelos santos anjos
lavando o chão de Nosso Senhor do Bonfim
pés dançando nus nas chinelas sem meia
cabeções enfeitados de rendas
estrelas marinhas de prata
tetéias de ouro
balangandãs
presentes de português
óleo de coco
azeite-de-dendê
Bahia
Salvador
São Salvador
Todos os Santos
Tomé de Sousa
Tomés de Sousa
padres, negros, caboclos
Mulatas quadrarunas octorunas
a Primeira Missa
os malês
índias nuas
vergonhas raspadas
candomblés santidades heresias sodomias
quase todos os pecados
ranger de camas-de-vento
corpos ardendo suando de gozo
Todos os Santos
missa das seis
comunhão
gênios de Sergipe
bacharéis de pince-nez
literatos que lêem Menotti del Picchia e Mário Pinto Serpa
mulatos de fala fina
muleques
capoeiras feiticeiras
chapéus-do-chile
Rua Chile
viva J. J. Seabra morra J. J. Seabra
Bahia
Salvador
São Salvador
Todos os Santos
um dia voltarei com vagar ao teu seio moreno brasileiro
às tuas igrejas onde pregou Vieira moreno hoje cheias de frades ruivos e bons
aos teus tabuleiros escancarados em x (êsse x é o futuro do Brasil)
a tuas casas a teus sobrados cheirando a incenso comida alfazema cacau.

https://gilbertofreyre.wordpress.com/poems/

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Para saber um pouco mais de quem se fala...

https://pt.wikipedia.org/wiki/Gilberto_Freyre

Tabanca Grande Luís Graça disse...

(...) Gilberto Freyre foi também reconhecido por seu estilo literário. Ele escreveu um longo poema inspirado por sua primeira visita à Cidade de Salvador: Bahia de todos os santos e de quase todos os pecados. Impresso no mesmo ano em reduzidíssima edição da recifense Revista do Norte, o poema deixou Manuel Bandeira entusiasmado. Tanto que em carta de 4 de junho de 1927 escreveu: “Teu poema, Gilberto, será a minha eterna dor de corno. Não posso me conformar com aquela galinhagem tão gozada, tão envergonhosamente lírica, trescalando a baunilha de mulata asseada!”.(...)

Os dois chegariam a trocar 68 cartas durante décadas. (...)

O poema tem três versões: a primeira foi reproduzida por Manuel Bandeira em sua Antologia dos Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos (1946); a segunda, modificada pelo autor, foi publicada na revista carioca O Cruzeiro de 20 de janeiro de 1942; e a terceira aparece nos livros Talvez Poesia (José Olympio, 1962) e Poesia Reunida (Edições Pirata, 1980). (...)

https://pt.wikipedia.org/wiki/Gilberto_Freyre

antonio graça de abreu disse...

O Brasil tem 200 anos de independência, dois séculos donos do seu próprio destino. No entanto, o ódio ao colonialismo português, a uma sociedade que terá sido mal construída, por culpa dos portugueses, ainda prevalece em muita cabeça brasileira. Somos o português que os pariu. É sempre mais fácil atirar as culpas dos erros e do subdesenvolvimento para cima dos outros. E são independentes há duzentos anos...

abraço,

António Graça de Abreu

Valdemar Silva disse...

Julgo que o luso-tropicalismo foi um facto.
Talvez pela simplicidade dos portugueses, não terem enraizado religiosa ou culturalmente um grau de superioridade, deu azo à miscigenação com o aparecimento do mulato.
Esta miscigenação não foi propositada um "cruzamento e raças", antes, julgo eu, um acontecimento de encontros de homens chegados, sem mulher, logo as arranjaram entre as nativas africanas.
Parece que o mesmo não se verificou em Goa, tendo havido casamentos forçados entre portugueses e goesas para acompanhar a cristianização forçada.

Achei estranho, na Guiné, já com vários anos de presença de muitos milhares de militares metropolitanos e por os aquartelamentos estarem junto ou dentro das tabancas não haver crianças mulatas.
E havia raparigas fulas.... manga di badjuda bonitu....

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Antº Rosinha disse...

O termo luso-tropicalismo, de Gilberto Freire, foi um termo, foi e poderá ser apenas isso, referente à primeira fase da colonização brasileira, ou seja, enquanto foram os portugueses a criar e consolidar aquelas descomunais fronteiras contra espanhois, franceses e holandeses, que pretendiam fazer outros paises.

Isto foi a primeira fase, em que meia dúzia de gatos pingados se socorreram da ajuda de tudo o que tinham à mão, indios e negros, escravos ou não, mais mulatos e brancos e com artes e manhas, criaram aquilo a que se chama Brasil, uno e indivisível. Foi mau?

Para muitos brasileiros foi mau, brasileiros que numas outras fazes de colonização, (a colonização continua)denigrem o termo luso-tropicalismo (poderia ser qualquer outro termo) com uma boca com um disfarçado termo pejorativo "que Deus criou o homem, mas o português o mulato".

Esta boca é pejorativa para a tripla portuga/india/negra.

Se não sabem quem são esses brasileiros vão lá e lidem com italianos, espanhois, alemães...de perto, sem saberem que tu és um verdadeiro portuga.

O que eu me ri de vez em quando, com tanto an...alfabetismo retorcido. (Um baiano ficou dececionado comigo quando soube que eu era português, pensou que eu era "austráquico".

Mas a visível maioria (branca)que hoje existe por cima no Brasil, onde pontificam alguns Silvas e manueis e joaquins, não concordam com os brasileiros originais como Gilberto Freire e influenciam sub-repticiamente toda a corrente mestiça e negra anti-tuga.

Mas voltando ao termo luso-tropicalismo, (podia ser outro qualquer) porque agora este anti-tropicalismo, até nalgumas franjas caboverdeanas na internet?

Ora vejamos a constituição das cores que formaram os três MPLA, PAIGC, FRELIMO, a tripla vencedora, se foi ou não a continuação do fenómeno da mestiçagem.

Fossem outras formações aquilo não ficava assim, ninguem nos respeitava, olhem sempre para Timor e Goa.

Esses três movimentos tinham o tal ADN, ou chamem-lhe o que quiserem.

Mas luso tropicalismo, não é aquela imagem do militar de camuflado com a criança negra às cavalitas.

Não confundir, pois ainda sobrou muita confusão na cabeça de muita gente.




Anónimo disse...

Podemos comprovar ainda hoje,uma situação de denominação colonial(já em regime pós-colonial),com os trópicos a constituírem um modo de antropólogos e geógrafos falarem de “nós” e dos “outros”.

A teoria do Lusotropicalismo foi introduzida(!) na doutrina oficial do colonialismo português em 1940.
De observar que,no período referido,o termo de referência oficial ainda era “ colonialismo”.

A teoria foi bem recebida por alguns cientistas sociais portugueses sendo usada politicamente pela ditadura de Salazar como justificação “científica” para a permanência de Portugal nos trópicos.

Sobre este assunto existe interessante trabalho de Ramiro Pimenta (Universidade do Porto);João Sarmento (Universidade do Minho) e de Ana de Figueiredo,intitulado:

Luso Tropicalismo /A geografia tropical da ditadura (1920-1974).

JBelo

Anónimo disse...

Caro António Rosinha

Em absoluto acordo quanto à imagem do soldado de camuflado (e armado) com a criança africana aos ombros não representar a essência do Lusotropicalismo.
Representaria antes um símbolo de disfunção do Lusotropicalismo,ultrapassado por uma situação de guerra,de modo algum enquadrada pelos parâmetros do mesmo.

Poderá ser antes interessante exemplo do que alguns sociólogos americanos denominam como “polaridade representativa”.
Vastos estudos sobre o fenómeno terão sido efectuados no período pós Vietname.
Segundo estes estudos a imagem referida ( usada em milhares de panfletos durante as campanhas psico-sociais) seria passível de leituras diferentes,apesar de ambas racionalmente válidas.
Leituras provocadas pelo “estado doutrinário do observador.

A)O soldado protector das populações ameaçadoras.
B)O soldado de regresso de operação de assalto a acampamento inimigo trazendo aos ombros um dos….sobreviventes!

A irmos por aí…………..

Um abraço do JBelo

Antº Rosinha disse...

JBelo, é oportuníssimo este assunto para quem como a nossa geração já tem outros problemas mais difíceis de tratar e de resolver do que este do lusotropicalismo, a nossa idade e a nossa saúde.

JBelo, é verdade que o Estado Novo se agarrou a tudo quanto podia para sobreviver a tantos problemas, segunda grande guerra, guerra do ultramar, guerra fria e a europa colonial a dar as independências a trouxe-mouxe.

Mas houve duas "balelas" a que o Estado Novo se agarrou (?), uma mais popular que a outra, e que os anti-salazaristas , estudiosos ou não, se agarram para deitar abaixo o salazarismo, mas a história vai passando e aparecem contradições monumentais quanto a essas duas "Balelas", chamo-lhe eu assim mesmo.

Uma dessas balelas que agora (hoje)já será alguma coisa mais respeitável, é a crença na quase teoria de Gilberto Freire, do luso-tropicalismo, quando respondemos indignados contra vandalismos contra a nossa história colonial e das descobertas, Padrão dos Descobrimentos e o grande "Brasileiro" Padre António Vieira, dois pequenos exemplos.

A outra balela, que agora também já será algo mais respeitável, são os afamadíssimos 3 FFF, numa altura que só já falta levar as crianças para o Panteão.

Isto, quando sabemos que não era hábito Salazar pôr os pés nas colónias, ir a Fátima, ou sentar-se nas bancadas da Luz, ou ir ao Fado.

Até se vai ficando na dúvida se o Antoninho teria fé naquilo que (se) apregoava, e não estaria mesmo a gozar com o pagode.





Anónimo disse...

Caro Graça de Abreu

Tal como alguma flora lusitana foi levada para o Brasil por colonos (saudosistas?precavidos?) e, no clima tropical, terá crescido de modo quase irreconhecível, o mesmo terá sucedido com algumas das “especificidades” das nossas gentes herdades pelos descendentes “tropicais”.
As boas e….as menos boas!

Um abraço do JBelo

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Quem se lembra do célebre "Fado Ttropical" ? Música de Chico Buarque e letra de Ruy Guerra...

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ruy_Guerra

https://pt.wikipedia.org/wiki/Chico_Buarque

https://www.youtube.com/watch?v=NfjaFMah7sE

Oh, musa do meu fado
Oh, minha mãe gentil
Deixo-te consternado
No primeiro Abril
Não seja tão ingrata
Não esqueças quem te amou
E em tua densa mata
Se perdeu e se encontrou
Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
Sabes, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano
Uma boa dose de lirísmo, além da sífilis, é claro
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas
Em torturar, esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora
Com avencas na catinga
Alecrins no canavial
Licores na moringa
Um vinho tropical
E a linda mulata
Com rendas do Alentejo
De quem numa bravata
Arrebata um beijo
Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Assombra-me a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a agulha empunhadora à proa
Mas o meu peito se desabotoa
E se a sentença se anúncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa
Guitarras e sanfonas
Jasmins, coqueiros, fontes
Sardinhas, mandioca
Num suave azulejo
E o rio Amazonas
Que corre Trás-Os-Montes
E numa pororoca
Deságua no Tejo
Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal
Ainda vai tornar-se o imenso Portugal
Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal
Ainda vai tornar-se o Império Colonial

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sobre o "Fado Tropical"!, do brasileiro Chico Duarte e do moçambicano Ruy Guerra, diz Moacir Silveira, na sua conta no Yu Tube:

https://www.youtube.com/watch?v=NfjaFMah7sE



"Fado Tropical" foi composta especialmente para a peça teatral "Calabar" de Chico Buarque de Holanda e Ruy Guerra durante o período da ditadura militar iniciada com o golpe de 1964. Foi originalmente composta como parte da fala de um dos personagens e deve ser lida no contexto que exigiu dos autores refinada ironia para expressar o desejo das elites brasileiras em se verem "civilizadas" nos moldes europeus.

Em uma verdadeira inversão de valores aceita a visão colonizadora, sem romper laços de dependência na relação norte/sul. Ao inserir imagens que nos remetem a Revolução dos Cravos, golpe que derrubou o governo fascista de Oliveira Salazar em 25 de abril de 1974, chega mesmo a almejar que o Brasil se torne um dia "um imenso Portugal".

Daí advir sua conotação utópica e revolucionária de caráter socialista. Se num primeiro momento mirar-se em Portugal pode significar subserviência ao imperialismo capitalista e adesão ao autoritarismo local, no segundo momento pode também ser vista como uma forma de resistência ao autoritarismo local.

Só quem viveu aqueles duros momentos de nossa história pode ter a dimensão que a mensagem da música transmitia naquela época e continua transmitindo até hoje. "Fado Tropical" foi composta em 1973. Sugerindo painéis de azulejo à moda portuguesa do século XVIII, Chico Buarque e Ruy Guerra propõem nesta canção um retrato crítico do Brasil colonial, que corresponde em filigrana ao país tal como se encontrava sob a ditadura civil-militar.

Na confluência entre pintura, história e literatura, os dois artistas compõem uma série de paisagens e de naturezas mortas luso-tropicais. Através deste jogo metafórico, tornado ainda mais complexo pela censura, buscaremos desvendar como "Fado Tropical", ao recorrer à arte pictórica, esboça uma nova "aquarela do Brasil", ambivalente e irônica, que sugere a permanência do autoritarismo ibérico em nossa formação histórica e cultural.