quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25799: (In)citações (268): Horizontes da Memória (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 30 de Julho de 2024 com mais um texto, desta feita alusivo aos Horizontes da Memória.

Horizontes da Memória

Programa audiovisual de história do dr. José Hermano Saraiva, o plágio do título serve a minha liberdade de “heresias” e os meus devaneios das tardes deste verão, no disfrute dos 0,35€ diários da minha pensão de combatente...

Neste mês de julho de 2024 faz 60 anos que o Benguela, cargueiro de transporte de gado - com o currículo de navio negreiro, tinha transportado milhares de angolanos e moçambicanos para os trabalhos forçados nas roças de cacau e nas obras públicas de S. Tomé e Príncipe -, desatracou do Cais da Rocha do Conde de Óbidos cheio como um ovo, 900 militares ou carne para canhão na Guerra da Guiné (o meu batalhão mais uns pelotões independentes), partilhavam na harmonia possível os seus três porões com viaturas auto, armamento, obuses de artilharia e bombas de avião. Singrou nos caminhos marítimos de Bartolomeu Dias, Vaco da Gama, Nuno Tristão, etc., portugueses de antigamente, fomos desestivados na ponte-cais de Bissau, carregamos ao ombro o “saco-chouriço” com todos os nossos bens e o Forte da Amura foi o nosso destino.
N/M Benguela - Com a devida vénia a Dicionário de Navios Portugueses

Cumprido um ano de “intervenção às ordens de Comando-chefe”, a fazer a guerra por Bula, Morés, Talicó, S. João, Fulacunda, Cafine, Cacine, Cufar, Buba, Jncassol, Porto Gole e por outros lugares menores onde o inimigo andasse, fomos parar a quadrícula de Buruntuma, tabanca fronteiriça no extremo Leste, onde sobrevivemos quase outro ano – se até aí atuamos como “tropa especial” e móvel sem o ser, de camião, de lanchas LDM e de avião Dakota, à média duma operação por semana, naquela fronteira com a GConacry chegamos a dar batalha três vezes ao dia, o inimigo abundava do outro lado, e sempre com o mesmo à-vontade, a lançar granadas de mão, a metralhar com a G3, a Breda, a bazuca, os morteiros e o canhão s/r 10,7 NATO, - é que o Domingos Ramos, comandante da Frente Leste do inimigo tinha sido nosso camarada, ele tinha tirocinado em Pequim e nós na Fonte da Telha era a nossa diferença…

A guerra é a mãe de tudo, profetizou Heráclito de Éfeso. Faz 60 anos que fomos para a Guiné, não acabamos com a sua guerra, mas a sua guerra acabou com muitos de nós, o MFA não foi gerado com esse propósito, mas nasceu come ele e realizou-o há 50 anos – acabou com a guerra da Guiné para a malta do Portugal europeu, mas legou uma ainda mais mortífera aos guineenses. Amílcar Cabral queixava-se de sermos seus ocupantes ilegais há 500 anos, os seus naturais queixam-se dos 500 anos que andamos a iludi-los…

Para nós, a guerra do Ultramar começou em 1961, para os nossos antepassados começou com a gesta do infante D. Henrique, os 500 anos da sua longevidade alimentaram-se do sangue dos homens e do coração das mulheres, a mesma classe castrense da sustentabilidade desses 500 anos foi que sustentou os 50 anos de longevidade do regime político contra o qual virou as armas – que esconjurou o regime, superou o mantra da guerra civil, que criou a via pacífica e que entregou o destino do país ao Povo são realidades e verdades históricas.

O dia 25A aconteceu “inteiro e limpo”, funcionou como catarse do stresse da guerra da Guiné, também surfei as ondas da euforias, a emergência das derivas e o desvario do PREC encurtou-me essa felicidade, li bastante sobre a guerra civil espanhola, ainda visionei prédios com o andar destruído por granadas lançadas pelo vizinho de cima, deixar em paz a caçadeira Benelli das caçadas às perdizes nas ladeiras do Douro e nas planícies do Alentejo e ter de regressar à G3 nessa contingência foi um grande pesadelo, o 25N dos corajosos foi a terapia das disfunções aos ideais do 25A e esconjurou a perda da felicidade adquirida.

As celebrações das efemérides da mudança de regime pelas armas quando exorbitantes são divisionistas, sem prejuízo de merecedoras, mas numa justa medida. O regime anterior celebrava o 28 de maio, não raro com pompa e circunstância, mas sem decreto de feriado nacional, o regime democrático tem o dever de celebrar condignamente as datas do 5 de outubro, do 25 de abril e do 25 de novembro, mas sem decretos de feriados nacionais. Para quando a celebração das datas institucionais nacionais? Estamos à espera sentados. O Norte fundou a nossa nacionalidade no Castelo de Faria, em 25 de abril de 1127, independência do reino e de Portugal foi conquistada no Castelo de Guimarães em 24 de junho de 1128, os portugueses usaram a mobilidade para a sua dilatação até Coimbra, naturalmente, Lisboa é uma das conquistas do Norte – e há demasiado tempo os conquistadores se deixaram oprimir pelos conquistados…

O 5 de outubro foi um golpe de Estado, celebra a queda do regime, a monarquia fundou e construiu Portugal ao longo de quase 800 anos, em 1910 já era constitucional e evolutiva, na esteira das monarquias inglesas e nórdicas, nações das mais avançadas do mundo. As valas da desgraça foram cavadas pela primeira República, o Estado Novo nem será o seu pior legado, o 25 de Abril foi um golpe de Estado à imagem e semelhança do de 5 de outubro, aquele foi patriótico, de reação ao ultimato inglês ao Mapa Cor-de-Rosa e este iniciou-se corporativo, de reação à equiparação dos capitães milicianos aos direitos e sinecuras da estática classe dos capitães do QP.

Neste mês de julho de 2024 há outras efemérides: a do encontro do MFA da Guiné no mato do Oio com o PAIGC de Conacry, no contexto da sua manobra da capitulação militar; e a Lei 7/74 da Descolonização, que Freitas do Amaral explicitou e o general Spínola promulgou… A Quarta Comissão da ONU havia atestado a sua semana de vilegiatura pelos 2/3 da Guiné libertados e que o PAIGC os governava como Estado aos seus pares de Nova Iorque, o MFA não encontrou ninguém dele em Bissau, aquele partido armado era tão prestável para os encontros a tiro e aquele partido-armado demorou duas semanas a disponibilizar um delegado e em Morés, - sítio indelével na minha memória, foi uma operação de dar e levar muita porrada, escorraçamos uma grande manada de vacas, os jatos F84 (ou 86?) matavam-nas à rajada e nós varejávamos as laranjeiras com os canos das G3, o inimigo foi expropriadas das laranjeiras, mas aquelas rustáceas do Morés ainda esperam que cumpramos as ordens aéreas e terrestres do seu abate à catana ou com fogueiras aos pés.

As respetivas manifestações recomendam parcimónia, deixemos Salazar, Caetano, Tomás e os outros estar bem mortos, a paráfrase da cantautora Ana Lua Caiano tanto serve a razão como o erro. A antropologia política e social à parte (é bicicleta do Luís Graça), chamo os consequentistas à colação: o 25A foi um acontecimento de libertação, o MFA foi o ator principal da segunda maior derrota dos 800 anos da História de Portugal (a primeira foi em Alcácer Quibir), o 25 de Novembro da maioria foi o 25 de abri-2 para todos, todos, todos!

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Nota do editor

Último post da série de 24 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25678: (In)citações (267): Compensações às colónias (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Grande "alcaide de Faria", és sempre bem vindo com as tuas originais e estimulantes releituras da nossa história pátria, alargando os nossos "horizontes da memõria"... Um bom agosto de 2024! E saúde, muita. Luís

Valdemar Silva disse...

Luís Lomba
Horizontes da Memória, ser divulgador ou ser historiador há uma grande diferença.

E por muito que queira um "Frei Brandão", a outra vez não ficará na história, fica-se pela vontade de divulgação.


Parece que a ideia dos 0,35€ da pensão deu no que deu e agora vão atacar os nossos veteranos paludismos com quininos de 50% e 100% de borla.

Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Victor Costa disse...

Até que enfim que  voltamos a ver uma mensagem do Manuel L. Lomba, já não era sem tempo.
Também eu manipulava muito bem uma Benelli "pum,pum" de oito tiros até ao final do ano passado. Pesa 3.8 kg e  embora o seu peso se refletisse sobre o cano devido ao peso das munições, eu disparava-a só com a mão direita com a coronha apoiada na anca para recordar velhos tempos da Guiné. Mas tudo tem um fim, a sensibilidade da mão direita foi-se. Agora restam-nos as recordações do tempo em que havia guerreiros no nosso País. O País já não é o mesmo Entretanto vamos tendo conhecimento de uns assaltos, da utilização constante de facas e vamos assistindo à violação de mulheres e crianças, sem nada fazer. Os subsídios para os estrangeiros não faltam, o povo é desprezado e os nossos ex- soldados , nem dinheiro têm para os medicamentos. Tudo isto em nome da democracia, da política das portas abertas, do politicamente correto e do nosso "ENRIQUECIMENTO CULTURAL".
Que raio de cultura esta que nos estão a impingir. Em Lisboa o Haccp num determinado espaço é feito de modo a não distinguir onde começa a alimentação e termina o cocó e sinto que o povo precisa de levar mais umas lambadas para acordar e ver se apanha juízo na cabeça. Lisboa está a começar a arder e os Lisboetas estão eufóricos porque agora que estão perto da morte,vão conhecer as 40 virgens que Maomé lhes prometeu.Os do Norte onde estou incluido nós somos mais casca-grossa,  acima de tudo a defendemos os nossos valores. Aqui até as mulheres têm tomates e a prova disso é o meu filho que tem 45 anos. Entretanto vamos relendo a batalha de D. Francisco de Almeida e a utilização daqueles canhões lá para os lados do Industão no início do século XVI e quanto aos coitados de Lisboa que já estão a arder, eu apenas posso recordar as forcas de 1755 e pedir: HÓ MARQUÊS VEM CÁ ABAIXO OUTRA VEZ. Uma coisa tenho a certeza, ORDEM, são precisos apenas alguns combatentes com tomates para meter este País na ordem. A esperança é a última a morrer, quem sabe se ainda vamos ver o trovão da tempestade! Se isso acontecer,não vai haver cuecas para todos no mercado ah,ah,ah.

Um abraço,

Victor Costa

Eduardo Estrela disse...

" o sonho comanda a vida " mesmo que seja ruim .
" Saúde da boa "
Abraço
Eduardo Estrela

Valdemar Silva disse...

Ó Costa, a vida custa.

"Aqui até as mulheres têm tomates e a prova disso é o meu filho que tem 45 anos." ????

Mas tem calma, os antigos combatentes, não sei se apanha os de 1974, vão ter medicamentos de 50% e 100% de desconto.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz