Adão Pinho Cruz
Ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547
Autor do livro "Contos do Ser e Não Ser"
Ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547
Autor do livro "Contos do Ser e Não Ser"
A luz era azul
A luz do sol era azul... lembro-me como se fosse hoje, a luz azul azulava os claustros, as caras e o sentir. Imaterial, pálida e fria.
As grandes janelas filtravam a luz azul que entrava dentro de nós como chuva miudinha. Pela vida fora senti sempre um arrepio, ao recordar essa luz azul e fria.
As batinas negras dos jesuítas eram azuis e frias… frias e azuis como os olhos, a alma e a sombra. A alma não era, nessa altura, apenas designação académica, por isso ela punha os braços de fora e estrangulava a minha frágil personalidade de adolescente, sem sexo nem liberdade.
Se Deus existisse e fosse justo teria poupado Ignacio de Loyola à mística cristocêntrica e ter-lhe-ia dado Catarina, Germana ou Leonor. Se Deus existisse e fosse humano teria posto A Freira no Subterrâneo dentro da pureza dos meus lençóis, aquecidos de saudade e vazio azul e frio.
A saudade excitava-me, vivia-me de dia e adormeciame de noite. Saudade do Caminho Novo, da minha fogueira quente e vermelha, do meu sol vermelho e quente, do meu campo, do meu rio, da minha noite de estrelas e luar.
A luz azul e fria reacendeu-se ao fim de quase meio século e eu tive medo. A imposição do azul desfaz as formas e os sons e remete para a cidade da morte.
Discordo de Kandinsky no movimento do azul para o infinito solene e metafísico a caminho da eternidade tranquila. E a culpa foi daquela luz azul e fria.
O medo do azul abre as portas do Inferno e mostra lá dentro a coragem a arder. Sem coragem não há saudade, último reduto da liberdade. Coragem, liberdade, saudade inverteram as horas e perderam o tempo. Correm agora fora das veias, à velocidade de uma luz fria e azul, azul e fria.
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Nota do editor
Último post da série de 11 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25831: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (30): "Impunidade e justiça"
1 comentário:
As palavras reflectem o sentir, a procura e o entendimento do imaginário desconhecido.
Acreditamos em quê?!
Eduardo Estrela
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