Carlos Filipe Gonçalves: (i) nasceu em 1950, no Mindelo, ilha de São Vicente; (ii) foi fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74; (iii) radialista, jornalista, historiógtrafo da música da sua terra, e escritor, vive na Praia, Cabo Verde; (iv) é membro da nossa Tabanca Grande desde 14 de maio de 2019, sentando-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 790; (v) tem 16 referências no nosso blogue; (vi) figura conhecida do meio musical, jornalístico e da rádio (ver aqui a sua entrada na Wikipédia), é também amigo do nosso camarada Manuel Amante da Rosa, e seu contemporâneo no QG/CTIG).
A sua apresentação no Facebook:
(i) Trabalhou como Directeur général na empresa Multimedia SARL - Radio Comercial;
(ii) Trabalhou como chefe de programação na empresa Radio Nacional de Cabo Verde;
(iii) Trabalhou como chefe de programação na empresa Radio Difusão Nacional da Guiné-Bissau;
(iv) Trabalhou como Encarregado Discoteca, Operador Som na empresa Radio Barlavento
(v) Andou na escola Liceu Gil Eanes (Mindelo);
(vi) Estudou Radio em INA - Institut National de L'Audiovisuel - Paris - France
(vii) Vive em Praia (Cabo Verde);
(viii) Natural de Mindelo;
(ix) Casado com Ana Gonçalves
1. Continuação do seu depoimento,sobre o 25 de Abril em Bissau (*), disponível na sua página do Facebook (Carlos Filipe Gonçalves, Kalu Nhô Roque) e também na página do Facebook da Tabanca Grande.
No 25 de Abril eu estava em... (38): Em Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG - Parte III
por Carlos Filipe Gonçalves,
ex-fur mil amanuense
(natural do Mindelo,
vive hoje na Praia, Cabo Verde)
Sou um humilde militar que esteve na Guiné entre 1973/1975. Um cabo-verdiano, jornalista que resolveu fazer uma reportagem do que por lá se passou, para a gente das Ilhas. Por isso, devem ter notado os leitores que eu apenas sou um repórter que descreve, ouve amigos, camaradas da vida militar e consulta documentos para certificar os depoimentos. Um trabalhão! Por isso transcrevo antes este extracto de uma Nota de Alerta ao leitor:
Quando decidi escrever este livro deparei-me com o grande desafio: como contar as vivências em Bissau, 1973 a 1975? Escolhi fazer uma grande «reportagem» contada por um «militar» (que sou eu), através dele, o leitor vai conhecer os quarteis e a vida militar, a cidade de Bissau, como ali se vivia e descobrir uma sociedade «crioula» que por lá existiu!
Sobretudo o leitor irá viver o ambiente e acontecimentos marcantes que ocorreram, no último ano de uma cidade cercada pela guerra. Segue então mais um texto, que espero tenha interesse:
No dia 27 de Abril de 1974 de manhã, há um levantamento popular no centro de Bissau! São enviadas tropas, há um helicóptero no ar a patrulhar, à noite foi decretado o recolher obrigatório! Mamadu Lamarana Bari Manuel, um civil residente em Bissau, recorda, “no dia 28 foi fundada provisoriamente a Comissão de Juventude para Unidade e Progresso (CJUP) (…). Tinha esse movimento o objectivo de acalmar a população, porque houve tentativas de saques na feira da praça e no comércio da cidade baixa”.
Mamadu Lamarana Bari Manuel lembra ainda que depois aconteceu a libertação dos presos políticos, entre eles, o “ídolo da juventude e da música genuína guineense, José Carlos Schwarz e, posteriormente, os presos da colónia penal Djiu di Galinha”.
No dia da libertação dos presos realizou-se em Bissau um grande comício, cujas intervenções ouvi na rádio. O tenente-coronel Jorge Sales Golias, na intervenção referida anteriormente, recorda que os “primeiros dias de Maio de 1974 em Bissau, após o nosso golpe e depois de dois confrontos com a JSN (Junta de Salvação Nacional), tivemos a primeira resposta de Spínola ao nomear o tenente-coronel Carlos Fabião, Encarregado do Governo e Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné.”
Depois dos festejos do 1.º de Maio, cujos ecos de Lisboa chegaram a Bissau, tem início a pressão da tropa, para o fim da guerra e início imediato de negociações com o PAIGC. Na cabeça dos militares na Guiné, reinava a ideia de um regresso imediato a casa! Para muitos, a «peluda» devia acontecer já no dia seguinte. (Nota: na linguagem militar, «peluda» designa o depois da saída da tropa quando se pode deixar crescer o cabelo.)
Nesse ambiente de euforia nos quartéis, formam-se comités do MFA, há reuniões e mais reuniões, discute-se, comenta-se… surgem, então, alguns desafios à disciplina militar, no que poderei classificar como «peluda» antecipada, na qual, sem pedido de autorização, a malta deixa crescer o cabelo, bigodes e a barba!
Eu, para além do cabelo à «black power», deixei crescer bigode e mais tarde a barba! É neste ambiente de liberdade e euforia, que se exige e se apoia o início imediato de conversações com PAIGC.
Note-se, no mato, a guerra continua apesar da mudança em curso a nível «político». Em 4 de Maio de 1974 ainda houve ataques do PAIGC como recorda, um ex-militar que estava em Guidage:
“(…) Um grupo de guerrilheiros do PAIGC, em deslocação (do interior da Guiné pelo corredor de Sambuaiá), para a sua base do Kumbamori (Senegal), provavelmente desconhecedores dos últimos acontecimentos políticos, aliviou-se do peso das granadas, até porque já estavam perto da fronteira, descarregando-as sobre nós.”
Mas, encontros entre a tropa e os guerrilheiros do PAIGC, acabam por ocorrer espontaneamente e naturalmente, tal é a vontade de todos, quanto ao fim da guerra! O tenente-coronel Jorge Sales Golias referido anteriormente, recordou:
“Entretanto, davam-se os primeiros encontros entre as nossas tropas e guerrilheiros do PAIGC. (…). Em Bissau constitui-se o «Movimento Alargado de Praças, Oficiais e Sargentos», também conhecido por Movimento para a Paz.”
Nós todos (sobretudo os militares mais jovens como eu) aderimos. Muitos dos mais «velhos» estão desconfiados, não participam… É no âmbito deste movimento, que se realizam várias reuniõesa que assisti e nas quais se aprovam várias moções! A tropa vai fazer pressão para o «fim da guerra», regresso imediato à metrópole e claro negociações imediatas com o PAIGC.
Foi neste ambiente de euforia e expectativa, que se realiza a 16 de Maio em Dakar a primeira reunião entre delegações, portuguesa e do PAIGC, “assinou-se o cessar-fogo 'de jure', uma vez que já existia de facto” (cf. o tenente-coronel Jorge Sales Golias citado anteriormente).
Pouco depois, realizam-se negociações entre uma delegação portuguesa e outra do PAIGC em Londres. Escutávamos o relato do que se passava, na capital britânica através das notícias enviadas em directo via telefone pelo enviado especial do ERG – Emissor Regional da Guiné. Mal soava a percussão da música “We Want To Know” do famoso conjunto nigeriano “Osibisa” – o indicativo do noticiário – toda a malta corria para a esplanada da messe. Marcavam, nas notícias, as posições e exigências sobre Cabo Verde, feitas pelo chefe da delegação do PAIGC, que a imprensa portuguesa apelidou de Major Pedro Pires!
O noticiário difundido às 13 horas nos alto-falantes da messe, contava com um auditório cada vez mais numeroso… No final da ligação, o repórter sempre dizia: “Em directo de Londres para o ERG – Emissor Regional da Guiné, o enviado especial, Bubacar Djaló!”
Muitas pessoas andam agora, sempre com um rádio na mão, para estarem ao corrente dos últimos acontecimentos através da BBC e outras emissoras internacionais!— com Joao Augusto Santos Nascimento e 12 outras pessoas.
(Revisão / fixação de texto: LG)
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Nota do editor LG:
Postes anteriores da série:
1 comentário:
A guerra é uma merda! Assim mesmo, em linguagem de caserna mesmo que algumas virgens violadas não gostem dos termos aplicados . Todos queriam a paz e mesmo assim continuavam a guerrear. O bicho pseudo inteligente é um alarve.
Abraço
Eduardo Estrela
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