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segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26406: Agenda cultural (877): Rescaldo da apresentação do livro "Guiné, Bilhete de Identidade", de Mário Beja Santos, levada a efeito no dia 13 de Janeiro de 2025 na Livraria Municipal Verney, Oeiras (Mário Beja Santos

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Janeiro de 2025:

Queridos amigos,
É uso e costume nas apresentações oferecer aos participantes uma súmula do que se pretende apresentar. Lamentavelmente, uma tendinite muito arreliadora no meu ombro direito tirou-me entusiasmo para preparar um datashow onde se passassem imagens alusivas a algumas passagens significativas da exposição. Impunha-se explicar à assistência que o meu trabalho nem de perto nem de longe é uma História da Guiné, não passa de uma antologia o que eu considero um acervo de textos um tanto determinantes para entender como se processou a presença portuguesa na Grande e na Pequena Senegâmbia, até se chegar à fundação da Guiné, com as fronteiras aproximadas que tem hoje, facto que só aconteceu em 1886. Portanto, o arco histórico vai da crónica de Zurara a Honório Pereira Barreto, foi ele que deu corpo à junção de parcelas que se estendiam do litoral para o interior, foi ele que se forçou para que o Governo de Lisboa defendesse com unhas e dentes perante a França a legitimidade que tínhamos em toda a orla do Casamansa, em vão. E havia que justificar a razão de dois anexos, um referente à missionação e outro ao pensamento ideológico subjacente à criação do Terceiro Império, a História de Portugal, e por tabela a História da Guiné, têm essa dívida para com a Sociedade de Geografia, muito particularmente entre 1875 e 1900.

Um abraço do
Mário



Da Grande para a Pequena Senegâmbia: a Guiné antes da Guiné
(Apontamentos para a apresentação do livro "Guiné, Bilhete de Identidade", Tomo I, na Livraria Verney, Oeiras, 13 de janeiro de 2025)


Mário Beja Santos

Agradecendo em primeiro lugar, na pessoa do Sr. Coronel Manuel Barão da Cunha, o honroso convite para estar convosco e dar-vos conta do meu trabalho, onde procuro os textos mais relevantes que fundamentam a identidade guineense, não só como empório comercial, colónia e país independente, empreendimento de dois livros, é do primeiro que vos vou falar, dessa Guiné do comércio dos rios e rias, a Guiné de Cabo Verde, as praças e dos presídios, das relações luso-africanas, dos judeus na Senegâmbia, nas companhias majestáticas, do tráfico negreiro, das insurreições e também dos acordos com as chefaturas regionais, e assim chegamos a uma fase agregação do território, a ação de Honório Pereira Barreto que foi ajuntando território avulso, também se falará de um período verdadeiramente trágico, os tempos do domínio filipino, que reduziram a presença portuguesa praticamente ao enclave que existe desde o século XVII. Que pode o leitor esperar deste empreendimento a que lancei mãos?


Guiné, Bilhete de Identidade, não é mais que uma tentativa de organizar numa sequência cronológica os factos e feitos mais destacados da presença portuguesa, desde meados do século XV até à governação do comandante Manuel Sarmento Rodrigues, tempo em que a Guiné passou a ser mais do que um ponto no mapa. Importa esclarecer-vos que não se subentenda que foi meu intento fazer uma História da Guiné Portuguesa, tarefa para o qual não vejo condições de viabilização até que se constitua uma ampla equipa multidisciplinar, proveniente de um conjunto de países com história associada à Guiné-Bissau (pelo menos a Guiné-Bissau, Cabo Verde, Senegal, Guiné-Conacri). O meu trabalho é muito modesto e tem um alvo definido: organizar um elenco de textos alusivos, desde a crónica de Gomes Eanes de Zurara até aos atos governativos que no Pós-Guerra uma dinâmica de desenvolvimento deu uma indiscutível identidade política à região, de tal modo que a comunidade internacional jamais pôs em dúvida a legitimidade das suas fronteiras, independentemente de sonhos que tenham passado pela cabeça de um Sékou Touré para arrebatar território em nome do seu projeto da Alta Guiné, ou da conflitualidade da fronteira entre a Guiné-Bissau e o Senegal, que persiste, e não exclusivamente por razões de uma zona marítima que parece ser economicamente promissora – o Casamansa é mais um desses sinais de que os mapas desenhados na Conferência de Berlim não coincidiram com a natureza dos povos a quem outorgaram nações coloniais. Um drama que persiste.

Em termos de organização, cedo me pareceu que não era editorialmente aceitável publicar num só volume todas estas centenas de páginas. E recebi o bom acolhimento das Edições Húmus, o projeto podia cindir-se em dois volumes, havia só que ter em consideração os dados mais relevantes da cronologia. Deste modo, o volume I abarca a chegada dos portugueses à Terra dos Negros; estando liminarmente afastada qualquer hipótese de uma política de conquistas, houve que estabelecer relações com as chefaturas locais e escolher lugares apropriados em regiões do litoral para fazer o trato de mercadorias e também o tráfico negreiro. Gerou-se uma literatura de enorme riqueza, de acordo com a preparação do viajante, as navegações de Cadamosto, o olhar de um geógrafo como Duarte Pacheco Pereira, as expressões assombrosas que acompanham os relatos de Valentim Fernandes ou Diogo Gomes, entre muitos outros, e ganhará preponderância um texto deslumbrante pela observação do pormenor, o Tratado Breve dos Rios da Guiné, de André Álvares de Almada, cavaleiro da Ordem de Cristo. A presença nos rios e rias fez-se com luso-africanos e judeus, havia que enfatizar essa realização e falar de uma figura que permanecerá ativa durante séculos, o tangomao, um perturbador das ordens régias, mas um cabouco da aculturação, e até de uma nova ordem linguística.

Como é compreensível, não me mantive alheado do contexto histórico anterior à presença portuguesa. Mas ninguém ignora que não há fiabilidade nem rigor quanto aos povos autóctones e aos de proveniência sudanesa-nilótica, nem me pareceu de utilidade, já que este meu projeto não se aparenta, nem mesmo colide, com a História da Guiné, e daí não se procurar referenciar, mesmo à luz dos conhecimentos atuais, quais os impérios e reinos que conviveram neste território. Contudo, dá-se a palavra a Carlos Lopes, o seu trabalho sobre o Império do Cabo permite aflorar quem efetivamente aqui foi poder, mesmo que não tenha tido assento em todo o território da atual Guiné-Bissau. Nem mesmo entendi ser útil referências a Arguim e S. Jorge da Mina, dado que a Coroa delimitou rigorosamente, desde o contrato com Fernão Gomes, que as áreas de comércio não se estendiam a outros pontos que não desde o Cabo Verde continental até à região periférica da Serra Leoa.

Impunha-se igualmente referenciar o tráfico de escravos e a importância assumida pelo arquipélago de Cabo Verde no território da Senegâmbia; havia também que falar da competição com holandeses, espanhóis, franceses e ingleses, pois aparecem na Mina, sobem o Senegal, os ingleses formam uma sociedade de comércio na Serra Leoa, os holandeses tomam a ilha de Bezeguiche (Goreia) aos portugueses, como mais tarde Arguim. Isto para relevar que a União Ibérica foi a vários títulos funesta para a presença portuguesa nestes pontos da costa ocidental africana. Com a Restauração, como se disse atrás, essa presença ficou mais ou menos circunscrita ao enclave atual. Funda-se Cacheu, no tempo dos Filipes, com a Restauração nomeia-se capitão-mor para Cacheu, fundam-se Farim e Ziguinchor, floresce o comércio de escravos para o Brasil. Dado que a missionação se constituiu como um fator poderoso da presença portuguesa, entendeu-se pôr em anexo elementos considerados como fundamentais da sua história, por uma questão de racionalidade não se suspendeu a cronologia em 1879, veio-se até ao tempo presente.

No século XVII, Cacheu foi elevada a vila, aparecem estabelecimentos portugueses no rio Bolola e em Guinala (portanto, no Sul). As companhias majestáticas com o exclusivo da navegação e comércio da Guiné, foram um insucesso, tinham o nome de Cacheu a elas associado. Bissau torna-se um ponto de grande interesse, ir-se-á de construção em construção até que no reinado de D. José surge a fortaleza que hoje dá pelo nome de Amura, houve mesmo necessidade de mandar navios de guerra para intimidar os naturais da ilha a não impedirem a construção da praça. Temos então dois capitães-mores, o de Cacheu e o de Bissau. Malsucedidas as empresas majestáticas, em 1783 faz-se contrato com a Sociedade das Ilhas de Cabo Verde para o exclusivo do comércio nestas terras da Guiné.

Na transição do século, os ingleses marcam a sua presença e revelam-se dispostos a ocupar Bolama e não só. A abolição da escravatura irá exigir uma reflexão sobre o que fazer na economia do território. Honório Barreto adquire o que pode, sufoca insurreições, castiga quem comete desacatos, começa a ganhar-se uma certa fisionomia territorial, alarga-se a presença portuguesa, criam-se estabelecimentos. Enquanto isto se passa, os franceses posicionam-se no rio Casamansa, ignoram inicialmente Ziguinchor, fundam os seus próprios comércios, navegam livremente no rio. Não deixa de impressionar a polivalência de Honório Pereira Barreto, a enfrentar hostilidades internas ou externas: a França a Norte, a Inglaterra a Sul e um pouco por toda a parte insubordinações, tratados de paz, acordos com chefaturas. Em maio de 1858, é proclamada a libertação de escravos existentes no território português. Algo tinha de mudar radicalmente na economia do território, havia que investir noutros recursos, nascia a curiosidade pelas potencialidades que a terra oferecia, logo a agricultura.

É altura de vos informar das razões que me levaram a incluir nos anexos um documento que julgo poder iluminar as preocupações de uma elite que se apercebeu de que o destino português se tinha que orientar para África, e o principal e verdadeiramente dinâmico grupo de interesses que se constituiu foi a Sociedade de Geografia de Lisboa; procurei então, sob a forma de ensaio, analisar o que movia estes homens, e como encontraram um catalisador fora do comum, Luciano Cordeiro. As riquezas de África passam para primeiro plano, há que fazer expedições, procurar definir fronteiras, ocupar cada vez mais espaço. Obviamente que esta matéria fará parte do segundo volume, é um cenário que se abre com a Conferência de Berlim e a Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886, a Guiné passava a ser mais do que um conjunto de praças e presídios e estabelecimentos. A sentença do presidente Ulysses Grant foi favorável a Portugal, quando a Guiné se autonomizara em 1879, não será por acaso que a escolha da capital recairá sobre Bolama.

É toda esta trama que vem desde a Crónica da Guiné de Zurara até à autonomia de 1879, independentemente dos enlaces cronológicos e de acontecimentos históricos que não se podem compartimentar, que é o objeto deste livro. Tratando-se de um despretensioso trabalho de divulgação, achou-se por bem incluir em cada episódio a sede de leitura mais apropriada; o mesmo procedimento se adotará quanto ao volume II onde a consulta nos Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa ganhou uma outra dimensão, como a seu tempo se verá. Infelizmente, não encontrei documentação que relate, do olhar português, a crença islâmica, já bastante enraizada quando chegaram os primeiros navegadores; em contrapartida, há testemunhos sobre o peso do animismo numa boa parte da população guineense, mas tal matéria aparece devidamente relevada com a antropologia e a etnologia, obviamente que dela se fará menção no volume seguinte.

Devo-vos também uma explicação quanto ao teor dos documentos que se anexam. Há uma história da nossa missionação, a obra do Padre Henrique Pinto Rema é já um clássico, estando completamente esgotada a edição de 1982, impunha-se fazer aqui uma síntese e dar a palavra a outros investigadores mais recentes. Nada se pode entender do que foi o espírito do III Império (depois do traumatismo da independência do Brasil, e após a guerra civil e a ascensão da monarquia constitucional, foi-se gradualmente dando atenção a África), se não se atender ao grande detonador para o sonho africano, este teve a sua sede nos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa, a Guiné, se bem que tenha sido alvo de subalternização, fez parte desse pensamento, pareceu-me indispensável reequacionar a nossa presença na Guiné à luz de um quadro ideológico que, com profundas adaptações, figurou até ao fim do Estado Novo.

Gostaria, feita esta apresentação, que me pusessem questões merecedoras de desenvolvimento ou me apresentasse lacunas que têm este trabalho.

Muito obrigado pela vossa atenção.

Fortaleza de S. José de Bissau (Amura), fundada no século XVIII, muito intervencionada até aos tempos modernos
Fortaleza do Cacheu, fundada no século XVII
Brasão de Fernão Gomes de Mina, Livro do Armeiro Mor, de João do Cró, 1509., Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Porto antigo de Cacheu que, segundo a tradição oral local, servia para embarque de escravos.
Fotografia AD - Ação para o Desenvolvimento

Máscara/pendente da Rainha-mãe, em marfim, ferro e cobre, princípio do século XVI, Benim. Na tiara e colar encontram-se representações de navegadores/comerciantes portugueses.
Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque, EUA

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Nota do editor:

Vd. post de 10 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26371: Agenda cultural (876): Apresentação do livro "Guiné, Bilhete de Identidade", de Mário Beja Santos, dia 13 de Janeiro de 2025, pelas 14h30, na Livraria Municipal Verney, Rua Cândido dos Reis, 90 - Oeiras

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25904: Notas de leitura (1723): Breve história da evangelização da Guiné (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Abril de 2023:

Queridos amigos,
Estamos chegados ao Estado Novo e os autores dão-nos conta das atividades desenvolvidas desde a Missão da Guiné, constituída em 1940, até praticamente aos finais do século XX. Esta Missão foi desafetada do bispado de Cabo Verde, começaram grandes desafios para Franciscanos e para as Franciscanas Hospitaleiras, estas ficaram à frente dos Asilos de Bor e Bafatá. Logo a seguir vieram os missionários italianos de duas ordens, dinamizou-se o trabalho na leprosaria de Cumura. Dinamizou-se a atividade educativa que, evidentemente, foi fustigada pela guerra de libertação, e que levou ao encerramento de muitas escolas missionárias. Com a libertação, Roma decide criar a diocese de Bissau, aumentaram as vocações sacerdotais e religiosas, nasceram novas missões, a evangelização abriu as causas da saúde, educação e da promoção da mulher, uma evangelização que abarca hospitais, uma leprosaria, um liceu diocesano e duas escolas profissionais médias. Esta monografia tem o mérito de atualizar o trabalho de referência do padre Henrique Pinto Rema.

Um abraço do
Mário



Breve história da evangelização da Guiné (3)

Mário Beja Santos

Já aqui se deu amplo acolhimento à obra magna do Padre Henrique Pinto Rema, "História das Missões Católicas na Guiné", dela até coligi um resumo para um livro que tenho em preparação sobre os textos fundamentais da presença portuguesa na Guiné. Mas também não se pode descurar outras iniciativas como esta "Breve História da Evangelização da Guiné", da autoria de dois franciscanos devotados a estudos guineenses. Trata-se de uma edição do Secretariado Nacional das Comemorações dos 5 Séculos, datada de maio de 1997. Os autores explicam o significado daquele ano jubilar, tem a ver com a deslocação de D. Frei Victoriano Portuense, há precisamente 300 anos, saiu da sua sede de diocese, na Cidade Velha, na ilha de Santiago, e foi visitar as comunidades cristãs da Guiné; o significado também abrange os 20 anos de existência da Diocese de Bissau.

Já estamos em plenos anos 1940 e 1950. Viviam-se tempos anteriores ao Concilio Vaticano II, a tolerância dialogante sobre valores existentes em todas as religiões eram palavras desconhecidas. A evangelização na Guiné não escapava à regra – religião única era apenas a cristã. Com boa vontade, talvez possamos encontrar duas pequenas exceções a esta regra: o interesse dos Franciscanos no século XVIII em conhecer os usos e costumes dos Pepéis da ilha de Bissau (o desejo de conhecer é o primeiro passo para o respeito e pelo diálogo subsequentes); na morte de Becampolo Có em Bissau, em finais do século XVII, como era cristão o corpo do rei foi sepultado na capela do hospício franciscano em Bissau – os pepéis condescenderam, mas exigiram e conseguiram obter dos frades que nas cerimónias do choro que se pudessem matar vacas, bem como beber e comer à vontade.

Falemos agora da Missão da Guiné, 1940. Em 4 de setembro desse ano, o Papa Pio XII separou definitivamente a Missão da Guiné do bispado de Cabo Verde, ao qual estivera ligado desde 1533. Autónoma nos seus destinos, já com duas congregações religiosas permanentes (Franciscanos portugueses e Franciscanas Hospitaleiras portuguesas) e com a perspetiva de se poder abrir a outras congregações, com uma nova organização missionária voltada para a evangelização e promoção social, a Missão da Guiné trazia amplas expetativas.

Em 1932, os Franciscanos portugueses foram quase obrigados a regressar onde, nos séculos anteriores tinham estado mais de 170 anos seguidos. Regressaram e estabeleceram quartel-general em Bula, sendo durante alguns anos os únicos missionários presentes no território. Mas “arrastaram” consigo as Irmãs Franciscanas Hospitaleiras portuguesas (logo em 1933), primeiramente em Bula e depois nos Asilos de Bor e Bafatá e no Hospital Central de Bissau. A seguir chegaram os missionários estrangeiros, os primeiros foram os missionários do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras, e com o seu precioso auxílio foi possível garantir melhor a assistência religiosa permanente a Geba-Bafatá, Bambadinca, Catió, Farim e Suzana. Em 1955, juntaram-se também à missionação os Franciscanos da província de Santo António de Veneza. Deste grupo faziam parte D. Settimio A. Ferrazzetta, o primeiro bispo de Bissau, e Frei Epifânio Cardin, que trabalhou na missão de Cumura. Em 1969, assumiram a direção da leprosaria. Mais tarde estenderiam a sua ação de bem fazer e de evangelização até Bolama, Biombo, Nhacra e Bissau. Também os Franciscanos italianos virão a “arrastar” consigo as Irmãs Franciscanas do Coração Imaculado de Maria, que chegarão à Guiné em 1970, trabalhando primeiro na leprosaria de Cumura e posteriormente em Quinhamel. Em 1969, chegavam à Prefeitura Apostólica da Guiné as Irmãs do Instituto do Santo Nome de Deus, italianas, que se instalaram em Suzana e em Bubaque até 1993.

A ação educativa missionária ir-se-á revelar do maior interesse. A partir da entrega do ensino primário não-oficial às Missões, muitas escolas espalharam-se pelo interior da Guiné. Para o regular funcionamento das aulas, os missionários socorreram-se de professores catequistas, formados sobretudo das escolas das missões de Bula e Bafatá.

Na assistência social e sanitária, foi igualmente relevante o papel das missões católicas em Bor, Bafatá, Bula, Bissau, sem esquecer os internatos menores de Bubaque, Mansoa, Quinhamel e Cumura. A guerra de libertação, como é facilmente compreensível, causou uma enorme perturbação da atividade missionária da Guiné. Muitas escolas missionárias tiveram de fechar as portas por falta de gente que as fizesse funcionar.

E assim chegamos à Diocese de Bissau (1977-1996). Pela Bula Rerum Catholicorum, de 21 de março de 1977, o Papa Paulo VI elevou a Prefeitura Apostólica da Guiné à dignidade de diocese. A sede ficou em Bissau, o seu templo principal é a igreja catedral de Nossa Senhora da Candelária.

Houve um fomento claro e decidido de vocações sacerdotais e religiosas no país. Em 1977 não havia um sacerdote autóctone, em 1997 eram 15. Após 1977 abriram-se mais 6 paróquias em Bissau e novas missões em Tite, Buba, Empada, Bedanda, Ingoré, Cacheu, Caió, Bajob, Betenta, Bigene, Nhoma, Bissorã, entre outras. É uma evangelização que não esquece a promoção social: na saúde, educação e promoção da mulher. Além de 3 hospitais de maiores proporções e de uma leprosaria, há uma trintena de pequenos centros onde diariamente as pessoas acorrem e onde bebés desnutridos ou adultos com toda a sorte de doenças ou problemas vêm procurar alívio.

Por fim, os autores resumem as atividades da educação e da promoção da mulher. A diocese possuiu já um liceu diocesano e duas escolas profissionais médias. Mais de 200 guineenses estudaram fora da Guiné com bolsas obtidas pela diocese, graças aos Amigos das Missões. Hoje as bolsas continuam a ser dadas, mas para estudos dentro do país, no liceu João XXIII e nas faculdades de Medicina e Direito em Bissau.

Trata-se pois de uma monografia que reatualiza o indispensável trabalho do padre Henrique Pinto Rema.


Igreja de Catió, agosto de 1973. Imagem retirada do blogue Arquivo Digital, com a devida vénia
Festa religiosa de Nossa Senhora de Fátima, Padroeira de Catió, 2014
Igreja de Nova Lamego (hoje Gabu), imagem retirada do nosso blogue
Imagem tirada durante a celebração de uma missa no Gabu, 2014
Administração do Crisma a jovens da Paróquia de Santa Isabel de Gabu
Cerimónia presidida pelo segundo bispo de Bissau, D. José Lampra Cá
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Notas do editor:

Vd. post anterior de 26 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25882: Notas de leitura (1721): Breve história da evangelização da Guiné (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 30 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25896: Notas de leitura (1722): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1873) (18) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25882: Notas de leitura (1721): Breve história da evangelização da Guiné (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Abril de 2023:

Queridos amigos,
Da evangelização remota já se falou, aborda-se agora o papel do clero regular com destaque para dois padres guineenses de gabarito, Marcelino de Matos de Barros e Henrique Lopes Cardoso; os autores referem a importância do relatório preparado pelo sexto bispo que pisou a Guiné, D. José Alves Martins, documento que dirigiu ao governador em 1931, dele irá resultar a carta magna das missões católicas na Guiné que perdurará até à independência do país e à subsequente criação da diocese de Bissau, em 1977, não deixando fazer uma descrição pormenorizada da organização missionária. Lembram ainda que a Guiné não tem restos de igrejas dos séculos passados, com exceção da velha capelinha de Nossa Senhora da Natividade, em Cacheu, que vem do século XVII.

Um abraço do
Mário



Breve história da evangelização da Guiné (2)

Mário Beja Santos

Já aqui se deu amplo acolhimento à obra magna do Padre Henrique Pinto Rema, História das Missões Católicas na Guiné, dela até preparei um resumo para um livro que tenho em preparação sobre os textos fundamentais da presença portuguesa na Guiné. Mas também não se pode descurar outras iniciativas como esta Breve História da Evangelização da Guiné, da autoria de dois franciscanos devotados a estudos guineenses. Trata-se de uma edição do Secretariado Nacional das Comemorações dos 5 Séculos, datada de maio de 1997. Os autores explicam o significado daquele ano jubilar, tem a ver com a deslocação de D. Frei Victoriano Portuense, há precisamente 300 anos, saio da sua sede de diocese, na Cidade Velha, na ilha de Santiago, e foi visitar as comunidades cristãs da Guiné; o significado também abrange os 20 anos de existência da Diocese de Bissau.

Referiu-se no primeiro apontamento a história mais remota desta evangelização, não se iludindo a enormidade do insucesso até ao século XVII que foi na Guiné um século de expansão missionária. Cabe agora mencionar o papel do clero secular, tecer a sua apreciação até meados do século XX. Os sacerdotes do clero secular foram os primeiros a fixar-se em algumas praças da Guiné e foram também os mais regulares nessa estadia até aos inícios do século XX. Quando, por exemplo, os Franciscanos Portugueses se ausentaram da Guiné por um período de quase 100 anos (1834-1932) foram os padres seculares os únicos a aguentar o peso da missionação. Estes padres seculares visitavam temporariamente ou fixavam-se nas principais praças (Bissau, Geba, Farim, Ziguinchor, Bolama) e aí atendiam, sobretudo, os moradores das mesmas, ou a elas estritamente ligados: administradores, comerciantes, militares, grumetes. D. João V desejou expressamente deixar ao clero secular o trabalho religioso das praças (centros digamos urbanos) e entregar aos religiosos franciscanos o trabalho de missionação no interior da Guiné e nos rios distantes da Serra Leoa. Entre os séculos XVI a XVIII, os sacerdotes seculares vieram frequentemente à Guiné apenas como simples visitadores; nos séculos seguintes, embora em número sempre escasso, tiveram um caráter de permanência mais regular.

Para um envio de sacerdotes seculares teve real importância no século XIX a criação do seminário de Cernache do Bonjardim bem como no Seminário-Liceu de S. Nicolau, sem esquecer também o seminário na arquidiocese de Goa: o clero secular que missionou na Guiné ao longo dos séculos ou era português ou cabo-verdiano ou goês ou guineense.

Os autores irão destacar duas figuras eméritas de sacerdotes guineenses: os padres Marcelino Marques de Barros (1844-1929) e Henrique Lopes Cardoso (1863-1914). O padre Marcelino frequentou o Colégio das Missões de Cernache de 1855 a 1866, ano em que foi ordenado presbítero, tendo regressado à Guiné em dezembro desse ano. Paroquiou em Bissau, Ziguinchor, Farim, Bolor e Cacheu. Em 1873 foi feito Vigário-Geral da Guiné. Gozou férias em Portugal entre 1877 e 1878, frequentou a Academia de Belas Artes, aspirou a frequentar o curso de Ciências Naturais, mas não lhe deram tempo, teve que regressar à Guiné. Coube-lhe apresentar um trabalho de organização missionária (1880) que ficará mais ou menos letra morta. Em 1885 regressou definitivamente a Portugal onde passou a fazer investigações e a publicar textos do maior interesse. Deve-se-lhe, entre outras, o primeiro dicionário de português-crioulo, com 5.420 palavras.

O padre Henrique Lopes Cardoso nasceu em Bissau em 1863, filho de pai cabo-verdiano e mãe bijagó. Fez o curso do Seminário-Liceu de Cabo Verde, em 1889 foi presbítero e regressou logo à sua terra. Aqui fará a sua primeira estadia de 14 anos paroquiando em Bissau e Geba. Entrará em conflito com o Governador Vasconcelos e Sá que o desterrará para Geba nos finais de 1893, no ano seguinte foi deslocado para a paróquia de Cacheu, será aqui pároco durante 6 anos, acumulando com o cargo de Vigário-Geral. Entrega ao Governo da Guiné um importante parecer a respeito da administração eclesiástica da Guiné, propondo a fundação de uma Missão com Escola de Artes e Ofícios. Tudo letra morta. É na segunda estadia em Bissau que o padre Henrique escreve o seu pequeno, mas importante, “Vocabulário do dialeto Pepel”, seguramente o primeiro e único dicionário pepel até hoje publicado. Até à sua morte, paroquiou em Cabo Verde e Guiné, estando sepultado numa igreja em Santiago.

É significativo que ao longo de 407 anos (até à criação da Missão em 1940) apenas 7 bispos tenham visitado a “terra firme da Guiné”. O sexto bispo a passar pela Guiné foi D. José Alves Martins, foi ele que lançou as bases para uma nova missionação através de um relatório dirigido ao governador com data de abril de 1931, sugeriu uma congregação que se voltasse a fixar na Guiné, falou na necessidade de escolas catequísticas guineenses chefiadas por leigos guineenses. Estas escolas permanentes, a serem subsidiadas pelo Estado, ministrariam o ensino religioso e literário bem como a língua portuguesa. Daqui irá resultar a carta magna das missões católicas na Guiné que perdurará até à independência do país e à subsequente criação da diocese de Bissau, em 1977.

Seguidamente os autores fazem uma descrição muito pormenorizada dessa nova organização missionária, têm uma palavra sobre os hospícios e a evangelização permanente, não deixando de dizer que o número de missionários foi sempre diminuto (raramente ultrapassando a dezena) para um território que até 1886 se estendia desde o Senegal até à Serra Leoa. Até à vinda dos Franciscanos, em 1656, foi possível criar dois pequenos conventos, em Cacheu e Bissau. A Guiné não tem restos de igrejas dos séculos passados, com a única exceção da velha capelinha de Nossa Senhora da Natividade, em Cacheu, que veio do século XVII.

E vamos seguidamente ver o trabalho missionário até ao final do século XX.

Estas quatro imagens foram retiradas do livro em análise
Imagens a cores da viagem
Seminário das missões em Cernache do Bonjardim, na atualidade

(continua)
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Notas do editor

Post anterior de 19 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25859: Notas de leitura (1719): Breve história da evangelização da Guiné (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 23 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25874: Notas de leitura (1720): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, de 1872 a 1873) (17) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25859: Notas de leitura (1719): Breve história da evangelização da Guiné (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Abril de 2023:

Queridos amigos,
Continua-se a dar cumprimento a fazer reportório de toda a literatura para que seja alusiva à presença portuguesa na Guiné, a dimensão missionária não podia ser descurada. Recordo ao leitor que a obra magna continua a ser o memorável trabalho do Padre Henrique Pinto Rema intitulado a História das Missões Católicas na Guiné, mas mais recentemente um escol de franciscanos tem vindo a publicar obras, e delas temos feito referência. Mas há investigação espúria, recordo também que já aqui se aludiu em recensão o percurso geográfico e missionário de Baltasar Barreira, um jesuíta que deixou cartas relativas à missão de Cabo Verde entre os anos de 1604 e 1612.

Um abraço do
Mário



Breve história da evangelização da Guiné (1)

Mário Beja Santos

Já aqui se deu amplo acolhimento à obra magna do Padre Henrique Pinto Rema, História das Missões Católicas na Guiné, dela até preparei um resumo para um livro que tenho em preparação sobre os textos fundamentais da presença portuguesa na Guiné. Mas também não se pode descurar outras iniciativas como esta Breve História da Evangelização da Guiné, da autoria de dois franciscanos devotados a estudos guineenses. Trata-se de uma edição do Secretariado Nacional das Comemorações dos 5 Séculos, datada de maio de 1997. Os autores explicam o significado daquele ano jubilar, tem a ver com a deslocação de D. Frei Victoriano Portuense, há precisamente 300 anos, saiu da sua sede de diocese, na Cidade Velha, na ilha de Santiago, e foi visitar as comunidades cristãs da Guiné; o significado também abrange os 20 anos de existência da Diocese de Bissau.

Começam os autores por elencar as primeiras tentativas de evangelização, mesmo antes da criação da Diocese, em 1533, há prova de que alguém levou a mensagem evangélica a estes povos. Com efeito, o Papa Pio II nomeou Frei Afonso de Bolonho, franciscano, como primeiro responsável do grupo de missionários que partiram para a missão de Guiné. As dificuldades foram inúmeras, estava aceso o conflito entre Portugal e Castela por causa da administração das ilhas Canárias, um problema que só foi solucionado com a celebração do Tratado de Toledo, em março de 1480. Sobre a atividade deste religioso e dos seus 16 companheiros em terras da Guiné nada em concreto se sabe, a documentação é inexistente.

O território dos rios de Guiné foram demarcados a partir da fundação da Diocese da Guiné e Cabo Verde. Pela Bula Pro Excellenti, de 1533, foi criada a Diocese, englobando, além das ilhas de Cabo Verde “o espaço de 350 léguas de terra firme, a começar no rio Gâmbia, junto ao promontório ou lugar de Cabo Verde, continuando até ao promontório ou lugar chamado Cabo de Palmas e rio de Santo André”. Os autores fazem uma descrição dos povos e das regiões da Guiné ao tempo, recordam que os animistas creem no Irã, para eles a verdadeira força espiritual; os muçulmanos estendiam-se principalmente pelo interior, o que facilitou o contacto dos portugueses com as etnias animistas da costa. Contactos que se estabeleceram com os Balantas, Brames, Felupes e Papeis, a um nível comercial. Nesta época os comerciantes portugueses foram-se fixando sucessivamente em Arguim, na ilha de Goreia, Ziguinchor, Cacheu, Bissau e Buba. O nativo africano entendia bem a linguagem do comércio, mas de modo algum aceitava o estatuto de submissão.

No capítulo subsequente, os autores dão conta do que foi a evangelização entre a data da presumível chegada portuguesa à região (1446) até à criação da Diocese, em 1553. Apareciam esporadicamente os padres de visitadores que alimentavam a fé dos cristãos mas diz-se claramente que ao longo de mais de dois séculos a missionação da Costa da Guiné não foi preocupação da Igreja Católica. E daqui os autores transitam para a narrativa das atividades da diocese até à criação da missão contemporânea em 1941. Alertam o leitor para a efémera presença portuguesa em toda a faixa da África Ocidental, explanam as primeiras tentativas de fixação de missionários nas terras da Guiné, recordam os clérigos seculares, os capuchinos franceses e espanhóis e os jesuítas. Alguns pontos são controversos, veja-se este exemplo. Não há notícias da estadia dos Carmelitas Descalços na Guiné, em todo o século XVI, escreve o Padre António Brásio; mas o jesuíta Padre Fernão Guerreiro assegura que nessa época houve missionação na região do Rio Grande de Buba. À cautela, mantém-se a dúvida. É também referido o nome do Padre João Pinto, designado por Padre Jalofo, terá sido o primeiro sacerdote nativo da Guiné. Depois de se fazer referência aos franciscanos, capuchinhos franceses e espanhóis, seguem-se comentários à missão dos padres jesuítas e depois dá-se nota dos franciscanos na Guiné nos séculos XVII e XVIII. Com alguma propriedade, pode falar-se das cristandades de Cacheu, Farim e Geba a partir do século XVII e também está documentada, à época, a comunidade de Bissau e dos Bijagós. É neste contexto que ganha destaque a visita pastoral de D. Frei Victoriano Portuense, ainda no século XVII (recorda-se que ele chegou à diocese em 1688) fez duas viagens ao continente.

O século XVII foi o século da expansão missionária mas o mesmo não se poderá dizer do século XVIII, os autores avançam as hipóteses sobre este decréscimo missionário destacando as ideias do iluminismo. Impõe-se agora uma referência ao clero secular, os autores fazem uma apreciação até aos meados do século XX e dão uma especial ênfase àquele que foi o Vigário-Geral da Guiné, dela nativo, o Padre Marcelino Marques de Barros, iremos de seguida falar desse período.

Encontrou-se num documento um quadro histórico desta fase da missionação e terminamos hoje com este conjunto de datas que podem ajudar o leitor a melhor entender os eventos fundamentais da evangelização:
“Embora desde 1533 esteja criada a Diocese de Cabo Verde, deverá dizer-se, no entanto, que é sobretudo a partir de 1660 (fixação dos Franciscanos portuguese em Cacheu, e posteriormente em Bissau) que a evangelização da Guiné se começa a processar com caráter de suficiente regularidade.
Essa evangelização desenvolveu-se em estilo notoriamente itinerante, ou seja, com alguns poucos pontos de fixação (sobretudo nos hospícios de Cacheu e Bissau), e daí irradiando depois para diferentes pontos do território, com a agravante de que, até meados do século XVIII, a itinerância dos frades se espalhava muito para lá da Guiné-Bissau atual, atingindo a sul as costas da Serra Leoa e a norte as do Senegal. Os inícios da evangelização no Senegal, Guiné-Conacri, Serra Leoa, etc., devem bastante a estes primeiros missionários itinerantes, partindo da atual Guiné-Bissau.
O número dos missionários franciscanos da primeira missão franciscana (1660-1834) foi sempre reduzido, embora permanente, raramente ultrapassando a dezena de frades, espalhados por Cacheu, Farim, Geba, Bissau, Ziguinchor.”

Esta referência foi retirada do blogue Intelectuais Balantas na Diáspora, com a devida vénia.

D. Settimio Ferrazzetta (1924-1999), 1.º Bispo da Guiné-Bissau
Imagem de uma reunião da Associação das Mulheres Católicas Guineenses, em tempos de pandemia
Jovens cristãos e a sua catequista

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 16 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25847: Notas de leitura (1718): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, de 1870 a 1872) (16) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25121: Notas de leitura (1662): "Os três rostos da Igreja Católica na Guiné" (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Julho de 2022:

Queridos amigos,
O levantamento efetuado por Frei Vicente respeitante à missionação católica na Guiné é uma leitura pessoal que em nada colide com a obra de referência do Padre Henrique Pinto Rema. Este missionário procedeu a uma leitura de três momentos históricos de tal missionação: a que vai da criação da Diocese de Cabo Verde até 1932, um segundo momento que se estende com o regresso dos missionários até 1977; e a partir desta data um período que ele designa por igreja particular contemporânea, igual a todas as outras, pobres e ricas, projetada por bispos de grande prestígio e exemplaridade. Intervindo na educação, saúde e apoio social, tendo um ensino de gabarito, gestão de instituições de saúde com funcionamento impecável, criando escolas de artes e ofícios, um pouco por toda a parte, justifica-se a confiança deste missionário na crescente projeção desta comunidade de fiéis que não conhece qualquer hostilidade por parte da comunidade islâmica com quem dialoga nas diferentes áreas da sua intervenção.

Um abraço do
Mário



Os três rostos da Igreja Católica na Guiné (2)

Mário Beja Santos

Na mesma revista Itinerarium n.º 227, referente ao primeiro semestre de 2022, dos franciscanos missionários, donde, aliás, já fizemos referência ao Diário do Padre Macedo que testemunhou os primeiros anos da independência da Guiné-Bissau, vem um artigo assinado por Frei João Dias Vicente intitulado “Os três rostos da Igreja Católica na Guiné”, cujo teor merece ser referenciado por alguns aspetos inovadores da leitura historiográfica e religiosa que ele faz. Recorde-se sumariamente o que se escreveu no texto anterior. Sem detrimento da visão global enunciada na obra de referência do Padre Henrique Pinto Rema, "História das Missões Católicas da Guiné", Frei Vicente divide todo o período histórico da missionação em três momentos maiores: a partir de 1533, data da criação da Diocese de Cabo Verde, que inclui os Rios de Guiné, até 1932, data do regresso aos Rios de Guiné dos franciscanos; o segundo momento compreende o período de 1932 a 1977, data da criação da Diocese de Bissau e escolha do primeiro bispo; e o terceiro momento estende-se de 1977 aos nossos dias.

Quanto ao primeiro momento, o autor detalha diferentes fases de missionação, não esquece os padres jesuítas, dois deles, Padres Baltazar Barreira e Manuel Álvares, deixaram informações escritas de grande importância. Assim chegamos ao virar do século XVIII, permanecem na região da Guiné os Franciscanos da Soledade, prestando assistência nas principais praças existentes. Entrara-se num período de decadência das missões, a presença portuguesa estreitara-se e pode dizer-se que a situação política nos Rios de Guiné, na segunda metade do século XVIII, era altamente problemática. Em 1778, as Praças da Guiné sob o domínio português eram: Bissau, Cacheu, Geba, Farim e Ziguinchor. As intrigas e o divisionismo entre autoridades civis e eclesiásticas eram constantes. E escreve dizendo que se os frades deram frequentemente escândalo na sua vida moral e religiosa e no desrespeito, as autoridades civis, por sua vez, não eram melhores.

São tempos de crise de vocações, tempos de crise na atividade missionária franciscana na Guiné. Não admira que em 1802 só houvesse 3 frades na Guiné, em 1806 eram apenas 4 (2 em Bissau e 2 em Cacheu); os últimos frades na Guiné terão existido provavelmente até 1823, como certifica o Procurador-Geral da Província da Soledade. A partir de 1824, os relatórios do mesmo Procurador-Geral já só falam das suas missões de Cabo Verde, sinal de que na Guiné já não estaria nenhum frade. A extinção das Ordens Religiosas em Portugal veio confirmar oficialmente o fim da presença franciscana da Soledade na Guiné.

Foram os sacerdotes do clero regular que aguentaram sozinhos os esforços por manter na Guiné a assistência religiosa possível nas principais praças sob domínio português. O Colégio das Missões Ultramarinas de Cernache do Bonjardim forneceu uns 19 sacerdotes entre 1855 até 1910 que trabalharam na Guiné e 3 deles eram mesmo naturais da região. Do Seminário-Liceu de Cabo Verde, desde 1866 até 1910 saíram 7 sacerdotes que trabalharam na Guiné. Em 1932 haveria em toda a Guiné apenas 3 sacerdotes do clero secular. Frei Vicente caracteriza esta primeira etapa da envangelização nos Rios de Guiné como predominantemente sacramental e sobretudo batismal. Os missionários não conseguiram ter recurso a catequistas leigos que pudessem ajudar a manter a fé dos cristãos e a garantir melhor a preparação dos futuros batizandos.

A segunda etapa (1932 até 1977) é marcada pelo regresso ou vinda de congregações religiosas já com forte preocupação social, regressaram os franciscanos portugueses, vieram as franciscanas hospitaleiras portuguesas; em 1940, passou a existir uma missão com completa autonomia da Diocese de Cabo Verde. A envangelização processou-se através das escolas. Lançou-se o ensino médio liceal com o Colégio Católico de Bissau, mas durou pouco tempo (1943-1945). Graças ao Acordo Missionário (1940) ficou aberto o caminho a missionários não portugueses e o Papa Pio XII criou a Missão sui juris presidida por um Prefeito Apostólico. Os primeiros missionários não portugueses chegaram em 1947, eram os padres do Instituto Pontifício das Missões Estrangeiras, seguiram-se outras missões italianas. Criou-se em 1969 o Seminário da Guiné (primeiro em Bafatá e depois Bissau), mas só passou a ter sucesso quando se construiu a Escola Interna do Seminário, o primeiro sacerdote que saiu deste Seminário foi o Padre José Câmnate na Bissign, será o primeiro bispo guineense nomeado pelo Papa João Paulo II. Esta segunda etapa assentou predominantemente na educação, na saúde e na promoção social, criaram-se infraestruturas que ainda hoje são referências na Guiné: leprosaria de Cumura, o Hospital-Geral de Cumura, o dispensário-maternidade de Quinhamel, os postos sanitários das missões de Catió, Mansoa, Bambadinca, Suzana, entre outros; foram criadas pequenas escolas práticas de aprendizagem de ofícios, casos das pequenas escolas de carpintaria, apareceu inclusivamente o jornal "O Arauto"; Frei Vicente chama a esta igreja a de tempos de missão que se adaptou às variadas dificuldades do período da luta de libertação, que soube ter uma posição ao mesmo tempo colaborante nas tarefas da reconstrução nacional e simultaneamente de crítica em relação à ideologia oficial do marxismo-leninismo.

O terceiro momento vai de 1977 a 2021, Frei Vicente define-o como o rosto de uma igreja particular contemporânea, porque passou a ser uma igreja igual a todas as outras igrejas do mundo. A Igreja Católica na Guiné-Bissau não é alvo de nenhuma hostilidade por parte do credo maioritário islâmico. O primeiro bispo, Dom Settimio Arturo Ferrazzetta, distinguiu-se pela sua simplicidade e bom relacionamento com toda a gente, já fisicamente prostrado, durante a guerra civil de 1998-1999, pôs-se ao caminho para dialogar com os dois contendores, acompanhado por outras entidades religiosas. Com ele, a Igreja Católica deu um salto. Depois de Dom Settimio, virão mais 3 bispos, Dom José Câmnate na Bissign (que resignou em 2020), o brasileiro Dom Pedro Carlos Zilli, bispo de Bafatá e Dom José Lampra Cà. Esta igreja particular está orientada tendencialmente por pastores locais. O lema de Dom José Câmnate na Bissign era a bem-aventurança evangélica: bem-aventurados os construtores da paz. Dom Pedro Carlos Zilli granjeou com enorme prestígio na sua Diocese de Bafatá. Em 2001, em Bafatá, as paróquias existentes eram 8, os sacerdotes diocesanos eram 6, as irmãs religiosas 24, os seminaristas maiores 3; mas em 2017 os sacerdotes já eram 27, os seminaristas maiores 13, os leigos missionários 16 e as religiosas 25. O seu funeral em Bafatá foi impressionante, tempos depois era comum verem-se pessoas com camisolas com o lema de Dom Pedro Zilli: o amor jamais passará.

E o trabalho de Frei Vicente culmina com a apresentação do que eram em 2021 a organização religiosa e leiga da Guiné-Bissau.

Fachada da capelinha de Nossa Senhora da Natividade em Cacheu, o mais antigo templo católico da Guiné
Missa na Guiné-Bissau, imagem do Arquivo Missionárias da Consolata, com a devida vénia
Fiéis católicos guineenses estiveram reunidos, de 8 a 9 de novembro corrente, na peregrinação Mariana 2017, na cidade de Cacheu. A peregrinação deste ano decorreu sob o lema “Maria ka bu medi pabia bu otcha graça diante di Deus (Maria não tenhais medo porque encontrastes a Graça do Pai, tradução livre)”
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Notas do editor:

Post anterior de 22 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25100: Notas de leitura (1660): "Os três rostos da Igreja Católica na Guiné" (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 26 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25112: Notas de leitura (1661): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (9) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25100: Notas de leitura (1660): "Os três rostos da Igreja Católica na Guiné" (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Julho de 2022:

Queridos amigos,
Frei Vicente, missionário franciscano, teve longa permanência na Guiné-Bissau (entre 1975 e 2012), escreveu obra, porventura memorial, no artigo que publicou na revista Itinerarium lança um longo olhar sobre os grandes momentos da missionação. Regista-se hoje o primeiro e mais longo desses períodos, que se estende até 1932, são séculos com diferentes levas de congregações que viveram as maiores atribulações quer com os portugueses quer com a agressividade do meio. Não tinham condições para irem até ao interior e com a crescente islamização da Guiné encontraram uma barreira que lhes parecia intransponível, as portas abertas eram facultadas fundamentalmente juntos das etnias animistas. Veremos como Frei Vicente reconhece que o período posterior à independência foi compensado pela atividade missionária franciscana nos domínios da saúde e educação, distinguiram-se figuras notáveis, como Dom Settimio Ferrazzetta, que num estado de debilidade total, e com o pleno reconhecimento dos credos religiosos mais influentes da Guiné, foi porta-voz do apelo à paz entre os contendores do chamado conflito militar de 1998-1999.

Um abraço do
Mário



Os três rostos da Igreja Católica na Guiné (1)

Mário Beja Santos

Na mesma revista Itinerarium n.º 227, referente ao primeiro semestre de 2022, dos franciscanos missionários, donde, aliás, já fizemos referência ao diário do Padre Macedo que testemunhou os primeiros anos da independência da Guiné-Bissau, vem um artigo assinado por Frei João Dias Vicente intitulado “Os três rostos da Igreja Católica na Guiné”, cujo teor merece ser referenciado por alguns aspetos inovadores da leitura historiográfica que ele faz.

Ele diz que em março de 2021 acabou de redigir algumas recordações avulsas sobre a sua experiência de missionário na Guiné-Bissau (1975-2012), a que deu o título de Guiné-Bissau, a minha segunda pátria. Procura agora neste texto tentar uma descrição das dimensões mais salientes da Igreja Católica neste país africano, desde as origens até aos nossos dias. Não deixa de exaltar o documento de referência obrigatória, a História das Missões Católicas na Guiné, escrito pelo Padre Henrique Pinto Rema, aqui se encontra uma visão global dos factos históricos mais salientes destes últimos cinco séculos.

No percurso histórico da missionação, Frei Vicente encontra três momentos maiores: a partir de 1533, data da criação da Diocese de Cabo Verde, que incluía a terra firme da Guiné, ou os Rios da Guiné, até 1932, data do regresso dos franciscanos à Guiné; o segundo momento ocorreu entre 1932 a 1977, data da criação da Diocese de Bissau e escolha do primeiro bispo; a terceira, de 1977 aos nossos dias.

Estamos, portanto, na primeira fase desse percurso, ocorre relevar a existência de uma desproporção enorme entre o campo da atividade missionária e o número de agentes missionários disponíveis para nela trabalhar. Fala-se concretamente da chamada Senegâmbia que durante os primeiros 200 anos ultrapassava em muito a atual Guiné-Bissau, incluía a Gâmbia, parte do Senegal e estendia-se para sul até à Serra Leoa. Não restam vestígios dos tempos primitivos. Há referências documentais à capelinha da Nossa Senhora da Natividade em Cacheu.

Os sacerdotes do clero secular foram os primeiros a ser enviados para os Rios da Guiné. Havia a visita anual de um sacerdote para administrar os sacramentos aos fiéis – eram os Visitadores. Frei Vicente recorda a especificidade da presença portuguesa em pequenos entrepostos, os missionários, por razões de saúde e segurança, tinham que com eles conviver, o que, regra geral, era fonte da maior animosidade, os missionários não se coibiam de criticar as condições degradantes do tráfico negreiro.

Depois dos Visitadores seguiu-se um período de congregações religiosas serem chamadas para a missionação em toda esta região continental. Primeiro, chegaram os padres carmelitas, seguiram-se os jesuítas, introduziram um estilo de missionação itinerante que os levou de Bissau até à Serra Leoa, dois deles, os Padres Baltazar Barreira e Manuel Álvares, deixaram informações escritas de grande importância. A terceira vaga de congregações foi a dos franciscanos capuchinhos franceses, a Santa Sé tinha decidido também enviar missionários para a costa da Guiné, decisão que trouxe muito mal-estar entre Lisboa e a Curia Romana. A quarta congregação foi a dos franciscanos capuchinhos espanhóis que enviou três levas de missionários, entre 1646 e 1687. A quinta congregação foi a dos franciscanos portugueses da província da Piedade, mantiveram-se na região entre 1657 e 1673, altura em que foram substituídos pelos franciscanos portugueses. A sexta congregação teve por nome franciscanos portugueses da província da Soledade, será a mais duradoura nos Rios da Guiné, por mais de 150 anos.

Um grande e positivo impulso na evangelização foi dado pelo Bispo D. Frei Vitoriano Portuense, na última década do século XVII, fez duas viagens à Guiné. Acontecimento nunca esquecido foi a visita que o Bispo fez ao rei Becampolo Có, em fevereiro de 1696, o rei aceitou ser batizado e mudou o nome para D. Pedro, uma homenagem ao rei D. Pedro II. No virar do século XVIII, os franciscanos da Soledade foram aguentando quanto puderam as suas posições na assistência às principais praças da atual Guiné-Bissau e na assistência possível às populações dos Rios da Guiné até à Serra Leoa. Segue-se um período de decadência das Missões, uma das principais razões para o fenómeno deveu-se essencialmente às ideias filosóficas do iluminismo, do positivismo e do liberalismo.

A Senegâmbia portuguesa estreitava-se. Em 1778, as praças da Guiné sob o domínio português eram: Bissau, Geba, Farim e Ziguinchor. Já deixara de fazer parte deste núcleo da presença portuguesa a Gâmbia e a Serra Leoa.

Em 1802, só havia três frades na Guiné, os últimos frades na Guiné terão resistido provavelmente até 1823, como certifica o Procurador-geral da província da Soledade. Após a extinção das Ordens Religiosas, com o triunfo do liberalismo, foram os sacerdotes do clero secular que, com os bispos de Cabo Verde, aguentaram sozinhos os esforços por manter na Guiné a assistência religiosa possível nas principais praças sob domínio português. Isto para sublinhar que os quase 100 anos que se estendem desde 1834 até 1932 serão um tempo de crescente decadência.

(continua)

Missa na Guiné-Bissau, imagem do Arquivo Missionárias da Consolata, com a devida vénia
Fiéis católicos guineenses estiveram reunidos, de 8 a 9 de novembro corrente, na peregrinação Mariana 2017, na cidade de Cacheu. A peregrinação deste ano decorreu sob o lema “Maria ka bu medi pabia bu otcha graça diante di Deus (Maria não tenhais medo porque encontrastes a Graça do Pai, tradução livre)”
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25088: Notas de leitura (1659): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (8) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24601: Historiografia da presença portuguesa em África (383): Um importante ensaio sobre a missionação franciscana na Guiné e Rios da Guiné, século XVIII na "Revista Itinerarium", ano LXVIII, n.º 228, julho-dezembro de 2022 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
O Padre Manuel Pereira Gonçalves bem investigou no Arquivo Histórico Ultramarino e está na posse da mais recente bibliografia sobre a ação missionária no período que canaliza, a segunda metade do século XVII. Era imperioso para a Coroa fazer um esforço de missionação a partir da diocese de Cabo Verde, que tinha uma ampla extensão e pouquíssimos missionários, recorde-se que a terra firma da costa da Guiné ia desde o rio Gâmbia até ao rio de Santo André. O autor jamais ilude como todo aquele trabalho foi precário e sem sequência, diz mesmo que a presença portuguesa na Guiné foi praticamente nula não só naquele século mas como nos seguintes. Dá-nos um bom histórico sobre o chamado período dos Rios da Guiné e da Etiópia Menor, é muito elucidativa a sua exposição sobre este período missionário que abrangeu a Província de Nossa Senhora da Piedade e a Província da Soledade. E também o autor enfrenta uma questão poderosa que era a ligação entre missionários e comércio, procura dar justificações e recorda que ainda há muitos arquivos por consultar.

Um abraço do
Mário


Um importante ensaio sobre a missionação franciscana na Guiné e Rios da Guiné, século XVIII (2)

Mário Beja Santos

Confesso que desconhecia por inteiro os trabalhos que o Padre Manuel Pereira Gonçalves tem dedicado à Guiné e este seu trabalho publicado na Revista Itinerarium (revista semestral de cultura publicada pelos Franciscanos de Portugal), ano LXVIII, n.º 228, julho-dezembro de 2022, como o leitor comprovará, introduz elementos novos face ao que já sabemos, sobretudo depois das incontornáveis investigações do Padre Henrique Pinto Rema.

O seu trabalho intitula-se "A Missionação dos Franciscanos Observantes (1656-1700), na Guiné ou nos Rios da Guiné". Recorda-se o que já se deixou escrito, o nascimento da diocese de Cabo Verde, que se estendia desde o rio Gâmbia até ao rio de Santo André; uma síntese sobre a presença portuguesa nos Rios da Guiné ou Etiópia Menor (1432-1438); os testemunhos dos Jesuítas na Serra Leoa; o trabalho desenvolvido pela Província de Nossa Senhora da Piedade, um apostolado que irradiava de Cacheu para Norte e Sul. E fica bem claro que a Guiné e a missão de Cabo Verde nos finais do século XVII e durante o século XVIII não atraíam vocações.

Temos agora o registo da Província da Soledade. Em 1674, partiram dez religiosos da Província da Soledade e tinham como superior de missão Frei Vicente de Celorico. O problema era melindroso, apareceram religiosos espanhóis que diziam ter sido enviados com o beneplácito papal, de quem dependiam diretamente, obrigaram a uma intervenção diplomática em Roma. Os religiosos franciscanos arvoravam-se como mensageiros do espírito de S. Francisco, pregavam a alegria e a fraternidade. Mas a missionação era precária. Em 1697, o Conselho Ultramarino sugere às autoridades que em Cabo Verde e na povoação de Cacheu haja catequista indígenas que saibam as línguas da terra e sejam eles os encarregados de preparar os escravos para o batismo, antes de seguirem para o seu destino.

Esta ideia de evangelizar através dos catequistas foi um método que os missionários voltaram a utilizar no século XX. E o autor profere a sua própria observação:
“Uma religião dogmática, intelectual, não tem razão de ser na linguagem do africano. A nossa opinião é que ontem como durante muito tempo no século XX, a Igreja procurou sacramentar, marcar os indivíduos antes que os outros fizessem a sua pedagogia. Mas no século XVII este sempre na mira dos navegantes que o importante era impedir que outras religiões chegassem antes de nós.”

E diz-nos, igualmente, que a presença efetivas dos franciscanos era feita através de hospícios, pequenas capelas, catequeses, os franciscanos na costa ocidental da Guiné não se estabeleciam em lugares fixos. Construíam pequenos locais de catequese mais ou menos provisórios por onde o missionário passava de tempos a tempos. E faz as suas críticas:
“É verdade que nem sempre os missionários foram benévolos para como o comportamento do gentio. Partilhamos da opinião de que, na maioria das vezes, os sacerdotes foram cúmplices em muitas cerimónias que tinham muito de paganismo e muito pouco de vestígios religiosos (…) Em alguns aspetos, a presença religiosa foi inovadora. Religiosos houve que procuraram aprender as línguas nativas, utilizaram catequistas africanos no sentido da catequese e condenaram os métodos utilizados pelos compradores de escravos.”

E disseca o trabalho missionário: “Construíram pequenos locais de catequese mais ou menos provisórios, por onde o missionário passava de tempos a tempos. A falta de clero secular fez com que muitos religiosos tivessem substituídos os sacerdotes na missão de paroquiar. Esse trabalho paroquial impediu uma presença mais efetiva e mais franciscana nas comunidades. O primeiro hospício terá sido construído para frades na povoação de Cacheu, por volta de 1660. Em 1677, já estava arruinado. O segundo hospício foi construído para apoio dos religiosos, em Bissau. Foram os Capuchinhos espanhóis que iniciaram as obras.” E diz-nos igualmente que a pregação apostólica dos religiosos da Província da Soledade tinha esta particularidade singular que era a itinerância. O cronista da Soledade informa que do hospício de Bissau se ia todos os anos ao rio Nuno. No século XVIII, as vocações para esta missão eram cada vez em menor número, o apostolado ficou localizado à volta dos dois hospícios existentes, Cacheu e Bissau.

E o autor debruça-se sobre outra questão delicada, os missionários que se dedicavam ao negócio. Em 1753, era o rei a admoestar o Provincial da Soledade por terem os seus religiosos uma casa clandestina de negócios em Farim, na direção da casa estava um irmão leigo. Mas havia outras queixas: casa aberta de comércio em Geba, contratação de escravos em vários portos, muita dedicação aos negócios e pouca ação no campo religioso.

Prestes a terminar o seu artigo, o autor interroga-se do porquê deste engodo do comércio e procura dar explicações:
“A vida dos missionários não era um mar de rosas. O grande benfeitor, quase único benfeitor, era o Governo de Portugal materializado nas côngruas e viáticos, o pagamento andava sempre muito atrasado. Os religiosos não podiam contar com o auxílio da população. Será escandaloso o terem necessidade de se dedicarem a processos de ordem económica para poderem garantir a sua subsistência sem aludir já ao apoio que ele representava para obras materiais e para o seu apostolado, tais como: igrejas, conventos, hospícios e todo o recheio necessário? A comunidade cristã não tinha estruturas económicas para poder ajudar os religiosos missionários. Há casos isolados, que apenas confirmam a regra geral. Nos finais do século XVII, as crianças Felupes ajudavam na construção da igreja local pelo seu próprio trabalho manual; há ainda a informação de que os Bijagós da ilha de Carache se ofereceram para ajudar a presença dos missionários com arroz e com uma vaca para auxiliar no sustento e no trabalho. É esta a situação económica destes religiosos que partem para a missão de espalhar o Evangelho. Nestas circunstâncias, era natural que um ou outro religioso se dedicasse ao negócio para sobreviver. Só assim nos parecesse justificado o trabalho comercial com o qual angariava o necessário para si e para a missão.”

Mas há um outro aspeto crítico que o autor levanta no termo do seu artigo: “Sabemos de religiosos que deixaram de evangelizar para viver, naquelas paragens, a comerciar. Longe do seu pensamento estava a conversão do indígena e o desenvolvimento socioeconómico do africano. Contudo, legitimar estes factos é complicado, pois que a documentação é escassa.” O autor conclui o seu trabalho com o levantamento que pôde fazer de alguns missionários franciscanos na missão da Guiné no século XVII.

Consideramos este texto do maior interesse dado que o Padre Manuel Pereira Gonçalves trabalhou no Arquivo Histórico Ultramarino e está na posse de bibliografia mais recente sobre a missão franciscana da Guiné.

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24580: Historiografia da presença portuguesa em África (382): Um importante ensaio sobre a missionação franciscana na Guiné e Rios da Guiné, século XVIII na "Revista Itinerarium", ano LXVIII, n.º 228, julho-dezembro de 2022 (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24580: Historiografia da presença portuguesa em África (382): Um importante ensaio sobre a missionação franciscana na Guiné e Rios da Guiné, século XVIII na "Revista Itinerarium", ano LXVIII, n.º 228, julho-dezembro de 2022 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Esta revista Itinerarium está a revelar-se uma importante fonte de consulta sobre as missões católicas, são olhares que complementam a obra clássica do Padre Henrique Pinto Rema. Este investigador, Padre Manuel Pereira Gonçalves dá-nos um relato sobre a missionação dos franciscanos observantes em pleno século XVII, a partir de 1656. Convém recordar que D. João IV se viu a braços com a hostilidade espanhola na região, que também se manifestava na missionação, daí os esforços para robustecer a capitania de Cacheu e o apoio que deu à obra missionária, esta centrava.se na diocese de Cabo Verde e o autor aproveita para fazer uma síntese histórica que aqui se plasma por se lhe conferir bastante rigor. Ele irá falar sobre a Província da Soledade na missão de Cabo Verde e da Guiné, mas antes dá-nos uma apreciável nota do trabalho desenvolvido pela Província de Nossa Senhora da Piedade. Daremos seguimento ao trabalho do Padre Manuel Gonçalves fazendo depois uma recensão de um artigo publicado na mesma revista intitulado "Recordações da guerra civil de Bissau (1998/1999)" pelo então vigário geral da diocese, Padre João Dias Vicente.

Um abraço do
Mário



Um importante ensaio sobre a missionação franciscana na Guiné e Rios da Guiné, século XVIII (1)

Mário Beja Santos

Confesso que desconhecia por inteiro os trabalhos que o Padre Manuel Pereira Gonçalves tem dedicado à Guiné e este seu trabalho publicado na "Revista Itinerarium" (revista semestral de cultura publicada pelos Franciscanos de Portugal), ano LXVIII, n.º 228, julho-dezembro de 2022, como o leitor comprovará, introduz elementos novos face ao que já sabemos, sobretudo depois das incontornáveis investigações do Padre Henrique Pinto Rema.

O seu trabalho intitula-se "A Missionação dos Franciscanos Observantes (1656-1700), na Guiné ou nos Rios da Guiné". Começa por concordar com a opinião do Padre Henrique Pinto Rema quanto à área da diocese de Cabo Verde, limites traçados pela bula de ereção da diocese com data de 31 de janeiro de 1533: “A nossa diocese abrange o arquipélago de Cabo Verde e a terra firme da costa da Guiné, desde o rio Gâmbia, perto do promontório ou lugar do Cabo das Palmas até ao rio de Santo André. Segundo a Bula Pro Excellenti, os extremos Norte e Sul da nova Diocese distam 350 léguas, ou seja, cerca de 2100 quilómetros. O território para cima do rio Senegal pertencia à arquidiocese do Funchal.” Observa que a presença portuguesa na Guiné foi praticamente nula nos séculos XVIII e XIX e que para tal situação contribuiu a presença de países melhor apetrechados, económica e militarmente, e que punham permanentemente em causa a existência da nossa soberania. Os portugueses também se viram condicionados pela guerra de corso. No século XVII, os Rios da Guiné, apesar do sentido indefinido segundo os textos legais, faziam parte da área da jurisdição da capitania de Cabo Verde, cujo governador tinha poder sobre o Capitão-Mor de Cacheu.

Indo mais atrás, o autor fala do período entre 1432 e 1438 quando os Rios da Guiné eram sinónimo de Etiópia Menor. Cadamosto foi o primeiro a demandar esta baixa região da Etiópia e a contatar a população negra. Iniciou a sua primeira viagem em 22 de março de 1453, a segunda decorreu em 1456, terá sido nesta que descobriu quatro ilhas cabo-verdianas: Boavista, Santiago, Maio e Sal. Valentim Fernandes refere duas Etiópias, a primeira corre e estende-se pela costa do rio Senegal até ao Cabo da Boa Esperança. E do dito rio até este cabo são 1340 léguas. O outro nome da baixa Etiópia é Guiné. No seu roteiro, Valentim Fernandes fala das duas Etiópias, dizendo que a segunda, a Etópia Superior começa no rio Indo, além do grande reino da Pérsia, do qual a Índia este nome tomou. Mais tarde, Jerónimo Munzer, viajante e cientista alemão, manifestou interesse pelas navegações portuguesas e enviou por Martinho da Boémia uma carta dirigida a D. João II aconselhando-o a descobrir o caminho marítimo para a Índia pelo Ocidente. No ano seguinte, em 1494, ele próprio veio a Portugal, falou com D. João II, das conversas havidas e das suas impressões de viagens deixou o livro Itinerarium. O Padre Manuel Pereira Gonçalves refere também as viagens e trabalho do Padre Manuel Álvares, Jesuíta, que escreveu uma obra Etiópia Menor, o Padre Baltazar Barreira, que missionou na Guiné e que também deixou um precioso relato. Antes destes autores, também André Donelha deixou uma descrição da região, sabemos que esteve pelo menos três vezes na Guiné ao serviço da armada de António Velho Tinoco, provedor da fazenda real das ilhas de Cabo Verde.

Mais precisa que a descrição de André Donelha é a obra "Duas Descrições Seiscentistas da Guiné deixada por Francisco de Lemos Coelho, no século XVII. Como realça o autor, trata-se de uma obra indispensável para um levantamento geográfico e etnográfico desta Etiópia Menor. A documentação histórica subsequente refere de forma indiferenciada os Rios da Guiné ou os Rios da Guiné e Cabo Verde. Lembra também o autor que as ilhas dos Bijagós aparecessem no trabalho do Padre Manuel Álvares. Outros relatos vão conferir importância ao Rio Nuno, não muito longe do Rio Tombali. A importância do Rio Nuno para os portugueses reside na história do seu nome e ainda na abundância de marfim e tintas. Navegando em direção a Sul chega-se ao Rio Verga, próximo está o cabo que tem o mesmo nome. Por fim, temos a Serra Leoa, há testemunhos desse itinerário através dos escritos do Padre Fernão Guerreiro e do Padre Manuel Álvares. Para o autor é absolutamente certo que a descoberta da Serra Leoa se deve ao navegador Pedro de Sintra que foi um pouco mais além do atual território, chegando mesmo à Libéria. O navegador Luís Cadamosto faz referência em pormenor a esta viagem. Em 1462, Pedro de Sintra iniciou uma nova viagem com apenas duas caravelas e desembarcou numa das ilhas dos Bijagós. E prosseguiu viagem, passou pela montanha da Serra Leoa (está-se em crer que este nome deriva do grande rugido que ali se faz sentir por causa das trovoadas). E chegou ao Cabo das Palmas e Rio de Santo André, limite da diocese de Cabo Verde e Guiné, recorde-se que este cabo foi descoberto no reinado de D. Afonso V, em 1469, a mando de Fernão Gomes.

E o autor começa a sua exposição sobre a Província de Nossa Senhora da Piedade, o apoio dado pelo rei D. João IV à Missão de Cabo Verde. É neste apostolado em Cabo Verde que dois franciscanos vão à Guiné: Frei Paulo do Lordelo e Frei Sebastião de S. Vicente, eram portadores de um projeto muito específico, lançar os alicerces do hospício de Cacheu. Na povoação de Cacheu, no século XVI, viviam 800 cristãos ou assim considerados. Os dois religiosos estiveram alguns meses no ensino da região cristã e depois seguiram para o reino dos Banhuns. Foram muito bem recebidos pelo rei da terra, ali ergueram uma pequena capela. E depois estes dois franciscanos fizeram uma longa viagem, tinham como meta a Serra Leoa, passaram por Bissau e o Rio Nuno. Esta missão franciscana entusiasmou outros religiosos. Surgiu uma segunda leva de missionários, em 1662, 12 religiosos capuchos da Província da Piedade marcam presença. E em 1663, Frei André de Faro e Frei Salvador de Taveiro chegam a Cacheu e daqui partem para o território dos Banhuns. Mas o autor não deixa de nos advertir que por volta de 1670 a evangelização do continente não era nada brilhante. E depois de nos ter falado sobre esta Província de Nossa Senhora da Piedade vai referenciar a Província da Soledade na missão de Cabo Verde e da Guiné.

O que será importante reter? A Guiné e a missão de Cabo Verde nos finais do século XVII e durante o século XVIII não atraíram vocações. Só um iluminado era capaz de partir para locais tão difíceis sem saber o que de bom iria encontrar.

Mapa da Costa da Guiné (adaptado de Nuno da Silva Gonçalves, Os Jesuítas e a missão de Cabo Verde (1604-1642), Lisboa, ed. Brotéria, 1996.)

Peregrinação Mariana em Geba, 2013
(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24557: Historiografia da presença portuguesa em África (381): 1.ª Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934, os memoráveis clichés fotográficos de Domingos Alvão (Mário Beja Santos)