1. Já aqui referi o nome do lourinhanense e meu parente José António Canoa Nogueira, que morreu na Guiné em 1965: vd. post de 24 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXV: Homenagem aos mortos da minha terra (Lourinhã, 2005). E na altura recordei a notícia do seu funeral que eu próprio escrevi, na minha qualidade de responsável da redacção do quinzenário regionalista Alvorada. Tinha eu então 18 anos.
Há dias repesquei essa notícia e dei conta que o jornal tinha publicado também a última ou uma das últimas cartas que o Nogueira terá escrito, antes de morrer em combate no sul da Guiné. Ele estava destacado em Ganjolá, sítio que ainda não consegui localizar correctamente no mapa. Há uma Ganjolá Porto e uma Ganjolá Nalu, entre Emapaf e Bedanda, na região sudoeste da Guiné. Não sei se o destacamento de Ganjolá fica perto destas povoações. Também não sei a que companhia pertencia o Nogueira.
Um facto, desconhecido e insólito para mim, mas ao tempo revelador da grande solidariedade dos portugas: na época os restos mortais dos nossos soldados não eram embarcados para a Metrópole, a expensas do Estado. No caso do Nogueira, foram os seus camaradas que se quotizaram para pagar, do seu bolso, o transporte por via marítima da urna... Aliás, entre a morte em Ganjola e o funeral na Lourinhã passaram cerca de três meses e meio...
Fica aqui a minha homenagem a esses bravos anónimos de Ganjolá. E mais uma vez aqui deixo também a saudosa recordação do meu conterrâneo e parente, reproduzindo uma notícia que já tem 40 anos e uma das suas cartas, relatando um pacato domingo no mato!
2. Alvorada. (Lourinhã). 23 de Maio de 1965 : Os restos mortais do José António jazem finalmente na sua Terra Natal.
Depois de transportados da Guiné para a Metrópole a expensas dos seus companheiros de campanha que lhe votavam particular estima e amizade, os restos mortais do soldado José António Canoa Nogueira repousam finalmente no cemitério da sua terra natal.
O funeral, realizado no segundo domingo do corrente, constituiu uma homenagem pública à memória daquele de cuja presença e convívio a morte irremediavelmente nos separou, e um testemunho de apreço pelo sacrifício da sua vida. Nele se incorporaram, além da multidão anónima e inumerável, o sr. Presidente do Conselho, outras autoridades civis e militares e os Bombeiros Voluntários.
À chegada do auto-fúnebre militar, com a urna, os clarins dos Soldados da Paz tocaram a silêncio. E o préstito atravessou a Vila, sob uma impressionante atmosfera de recolhimento e dor.
Antes da urna ser depositada no jazigo, os Bombeiros tocaram a continência, num último adeus e derradeiro tributo de homenagem ao Soldado e Jovem Lourinhanense.
3. Uma carta dirigida ao Alvorada
O jornal publicou uma carta, datada de 10 de Janeiro, endereçada ao Alvorada, que o jornal não chegou a receber, mas que foi entregue pelo seu pai. E onde se revela “a alma simples e transparente do José António, e da sua sensibilidade fina, delicada, capaz de descobrir motivos de beleza numa bandeira que flutua perdida no mato ou numa improvisada e fraterna refeição de campanha. Tinha razão o filósofo e ensaísta brasileiro Tristão de Ataíde quando disse: “No fundo de cada homem dorme um poeta desconhecido.
"Por ser , pois, a última ou uma das últimas cartas que escreveu para a Metrópole, e um apontamento breve mas sugestivo de expedicionário, aqui a publicamos"- acrescentava a notícia do jornal da terra.
Um domingo no mato
Aqui, Ganjolá, Guiné, 10-1-1965
Mesmo no sul da Guiné, pequeno destacamento militar presta continência à Bandeira Verde-Rubra que sobre o mastro fica brilhando ao sol. E que linda que é a nossa bandeira; e é tão alegre, tão garrida, só olhá-la nos faz sentir alegria e também emoção; alegria de sermos portugueses e emoção por estarmos cá longe para a defender. Embora assim perdida no mato, a bandeira, brilhando, afirma que aqui também é Portugal.
Em volta, meia dúzia de barracas verdes, o nosso aquartelamento, a única nota de civilização nesta imensa planície. Muito ao longe, quase perdidas no mato e no capim, algumas palhotas indígenas; de resto, tudo é solidão. Somos soldados de Infantaria e por isso o nosso trabalho é fazer operações em qualquer parte do mato.
Aqui não há escolas e as igrejas não têm paredes; o tecto é o céu. Em toda a parte se reza e tudo nos incita à oração. Deus está em toda a parte e ouve-nos.
Hoje é domingo, dia de descanso, não se trabalha, mas distracções também não há. Alguns vão à pesca ou à caça; outros, deitados debaixo das enormes árvores, dormem e pensam nas suas terras e famílias distantes, mas pertinho do coração. Como são diferentes aqui os divertimentos nos domingos.
Dois soldados vão todos os dias à caça; por isso, fome não há. Temos carne com abundância, mas falta tanta coisa!... Ei-los que chegam com tenros cabritos e gazelas e logo enorme fogueira crepita alegremente. Esfolam-se os animais e lava-se a carne; a água não falta, embora para se beber seja preciso enorme cuidado. Prepara-se um espeto para se assar a carne. Espalha-se então o cheiro da carne assada pelo pequeno acampamento. Está a refeição preparada; troncos de árvores, caixotes vazios, servem de mesa e de cadeiras.
Todos se servem. A refeição é pouco variada: apenas carne assada e pão. O vinho também é pouco, mas dividido irmãmente dá para todos; que bem que sabe uma pinguita com este almoço!...
Bebi-se mais mas não há, paciência… O improvisado cozinheiro faz enormes quantidades de café. Todos enchemos os copos de alumínio e bebemos alegremente. Acaba a refeição; por fim, alguns macacos, meio domesticados, que por aqui andam, aproximam-se e reclamam a sua parte.
É assim um domingo no mato. Depois de explanar esta ideia, termino. Despeço-me com o mais ardente desejo de a todos vós abraçar brevemente, fazendo preces ao Senhor para que tenhais saúde e boa sorte. Vosso amigo que respeitosamente se subscreve, todo vosso.
José António Canoa Nogueira.
Soldado nº 2955/63
SPM 2058.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 8 de setembro de 2005
quarta-feira, 7 de setembro de 2005
Guiné 63/74 - P160: Teixeira Pinto ou Canchungo ? (Afonso Sousa / Marques Lopes)
1. Texto do Afonso M.F. Sousa:
Hoje existem duas localidades Canchungo e ambas na região do Cacheu. Uma delas corresponde à antiga Teixeira Pinto (população 100% manjaca, chão manjaco, população 9.000 habitantes, num raio de 7 Km (*). Altitude 25m. De Canchungo a Pelundo: 9,4 Km
A outra Canchungo localiza-se mais a Norte (margem direita do Rio Cacheu), junto à fronteira com o Senegal (10.900 habitantes - num raio de 7 Km). Altitude 17m.
Afinal descubro agora [através do Travelpost.com] que existem três localidades "Canchungo" e uma "Canchungozinho".
_____
(*) Só na vila: à volta de 6.300 pessoas.
2. Texto do A. Marques Lopes:
É tendência nossa, quando nos referimos a Teixeira Pinto, dizer "agora Canchungo". Descobri, recentemente, que estaria mais certo dizermos "novamente Canchungo".
Fonte: Carreira (1947).
É que o nome daquela terra da Guiné chamou-se Canchungo desde os tempos mais remotos. Assim é referida em alguns livros em meu poder quando narram as campanhas do capitão João Teixeira Pinto de 1912 a 1915. Nomeadamente em "A Guiné Através da História", da autoria do Coronel Leite de Magalhães, publicado pela Editorial Cosmos com o nº 34 da sua colecção Cadernos Coloniais (sem indicação de data de publicação), e em "História da Guiné - Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936", de René Pélissier, publicado pela Editorial Estampa em 1997 (dois volumes).
A imagem que vos envio é retirada de um mapa inserto no livro "Vida Social dos Manjacos", de António Carreira, editado pelo Centro de Estudos da Guiné Portuguesa em 1947. António Carreira foi, nessa altura, administrador da circunscrição de Cacheu, à qual pertencia a povoação de Canchungo.
Mais tarde, ainda não descobri quando, é que foi dado a Canchungo o nome do "pacificador" Teixeira Pinto (que acabou por morrer no combate de Negonamo, em Moçambique, quando continuava a "pacificar").
Os guineenses, natural e logicamente, baniram o nome de Teixeira Pinto e repuseram o nome original da povoação.
Marques Lopes
Hoje existem duas localidades Canchungo e ambas na região do Cacheu. Uma delas corresponde à antiga Teixeira Pinto (população 100% manjaca, chão manjaco, população 9.000 habitantes, num raio de 7 Km (*). Altitude 25m. De Canchungo a Pelundo: 9,4 Km
A outra Canchungo localiza-se mais a Norte (margem direita do Rio Cacheu), junto à fronteira com o Senegal (10.900 habitantes - num raio de 7 Km). Altitude 17m.
Afinal descubro agora [através do Travelpost.com] que existem três localidades "Canchungo" e uma "Canchungozinho".
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(*) Só na vila: à volta de 6.300 pessoas.
2. Texto do A. Marques Lopes:
É tendência nossa, quando nos referimos a Teixeira Pinto, dizer "agora Canchungo". Descobri, recentemente, que estaria mais certo dizermos "novamente Canchungo".
Fonte: Carreira (1947).
É que o nome daquela terra da Guiné chamou-se Canchungo desde os tempos mais remotos. Assim é referida em alguns livros em meu poder quando narram as campanhas do capitão João Teixeira Pinto de 1912 a 1915. Nomeadamente em "A Guiné Através da História", da autoria do Coronel Leite de Magalhães, publicado pela Editorial Cosmos com o nº 34 da sua colecção Cadernos Coloniais (sem indicação de data de publicação), e em "História da Guiné - Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936", de René Pélissier, publicado pela Editorial Estampa em 1997 (dois volumes).
A imagem que vos envio é retirada de um mapa inserto no livro "Vida Social dos Manjacos", de António Carreira, editado pelo Centro de Estudos da Guiné Portuguesa em 1947. António Carreira foi, nessa altura, administrador da circunscrição de Cacheu, à qual pertencia a povoação de Canchungo.
Mais tarde, ainda não descobri quando, é que foi dado a Canchungo o nome do "pacificador" Teixeira Pinto (que acabou por morrer no combate de Negonamo, em Moçambique, quando continuava a "pacificar").
Os guineenses, natural e logicamente, baniram o nome de Teixeira Pinto e repuseram o nome original da povoação.
Marques Lopes
Guiné 63/74 - P159: Tabanca Grande: Leopoldo Amado, guinense, historiador, novo membro da nossa tertúlia
1. Mensagem enviada a 21 de Agosto de 2005:
Caro Luís Graça: Gostaria de louvá-lo vivamente pelo trabalho que vem desenvolvendo de há um tempo a esta parte sobre a guerra colonial: Guiné. Não o conheço pessoalmente, mas algo diz-me que que também é meu compatriota, ou seja, que é guineense de alguma forma, como aliás todos os guineenses.
Sou historiador guineense, vivo em Lisboa e estou justamente a fechar uma tese sobre a guerra colonial versus guerra de libertação (o caso da Guiné), ou seja, a mesma realidade vista dos sois lados: do Exército português e Portugal, por um lado, e doutro, as FARP e o PAIGC.
Assim, gostaria de manter contacto contactos consigo e, porque não, trocar imenso material, na medida em que, não obstante estar já na fase final da tese, ando a investigar este assunto há pelo menos 7 anos, 3 dos quais para o livro que escrevi para o ex-Presidente Aristides Pereira (um livro que versa mais o aspecto político da guerra da Guiné) e 4 anos dedicados a minha tese (que versa mais os aspectos militares dos contendores.
Para mim, e para a Guiné-Bissau, é sumamente importante a compreensão dos contornos desta guerra, até para que a imprescindível catarse tenha lugar e possa curar as feridas que abriu (e são elas tantas!), pelo que proponho que me aceitem no vosso grupo de tertúlia, caso acharem que a minha presença não iria de alguma forma perturbar, na medida em que [sou] tão somente um estudioso do assunto e bem tão pouco participei na guerra, senão ouvindo os tiros de um o outro lado, que me deixavam borrado de medo (ainda era uma criança) (...).
Leopoldo Amado
2. A minha resposta seguiu só hoje:
Caríssimo Leopoldo:
Fui com alegria que, ao chegar de férias, vi na minha caixa do correio a sua mensagem. Começo por dizer-lhe que as suas palavras me sensibilizaram. De facto, eu e a generalidade dos meus camaradas, ex-combatentes da guerra colonial (ou do Ultramar, como outros preferem dizer), que vivemos quase dois anos das nossas vidas na Guiné, sentimo-nos guineenses e nada do que se lá passou (e até do que se lá passa hoje) nos é indiferente. É impossível não amar a Guiné e o povo guineense. E nessa medida todos somos guineenses, de alma e coração… A história aproximou-nos e afastou-nos. O nosso modesto contributo, através dos nossos escritos na Net, visam de algum modo manter e se possível fortalecer os laços (que são sobretudo culturais e afectivos…) que nos unem às gentes da Guiné.
Leopoldo: O seu nome e alguns dos seus escritos já não nos eram desconhecidos. Fico entusiasmado ao saber que tem um longo trabalho de investigação sobre os aspectos políticos e militares da guerra colonial na Guiné, e que está é está a ultimar uma tese sobre este tópico. O que é ainda mais interessante (e inédito) é a sua dupla abordagem da guerra, vista pelos dois lados. Além disso, você era djubi nesse tempo (tal como o nosso amigo de tertúlia o José Carlos Mussá Biai, natural do Xime) e, como criança, foi uma vítima especial da guerra, tal como nós fomos actores.
É, por isso, que me sinto honrado em aceitá-lo na nossa tertúlia. Falo, em meu nome pessoal. Mas creio também interpretar o sentir dos restanets membros da tertúlia (que já são quase treze dezenas). Seja bem vindo. Temos muito que conversar. Um abraço e até breve.
Luís Graça
PS – Se quiser falar-nos do seu tempo de criança na Guiné e das suas memórias de guerra, esteja à vontade. Pode contactar, por e-mail, com os todos os membros da nossa tertúlia, e decidir o que quer divulgar através deste blogue ou das páginas da minha/nossa página na Net.
Caro Luís Graça: Gostaria de louvá-lo vivamente pelo trabalho que vem desenvolvendo de há um tempo a esta parte sobre a guerra colonial: Guiné. Não o conheço pessoalmente, mas algo diz-me que que também é meu compatriota, ou seja, que é guineense de alguma forma, como aliás todos os guineenses.
Sou historiador guineense, vivo em Lisboa e estou justamente a fechar uma tese sobre a guerra colonial versus guerra de libertação (o caso da Guiné), ou seja, a mesma realidade vista dos sois lados: do Exército português e Portugal, por um lado, e doutro, as FARP e o PAIGC.
Assim, gostaria de manter contacto contactos consigo e, porque não, trocar imenso material, na medida em que, não obstante estar já na fase final da tese, ando a investigar este assunto há pelo menos 7 anos, 3 dos quais para o livro que escrevi para o ex-Presidente Aristides Pereira (um livro que versa mais o aspecto político da guerra da Guiné) e 4 anos dedicados a minha tese (que versa mais os aspectos militares dos contendores.
Para mim, e para a Guiné-Bissau, é sumamente importante a compreensão dos contornos desta guerra, até para que a imprescindível catarse tenha lugar e possa curar as feridas que abriu (e são elas tantas!), pelo que proponho que me aceitem no vosso grupo de tertúlia, caso acharem que a minha presença não iria de alguma forma perturbar, na medida em que [sou] tão somente um estudioso do assunto e bem tão pouco participei na guerra, senão ouvindo os tiros de um o outro lado, que me deixavam borrado de medo (ainda era uma criança) (...).
Leopoldo Amado
2. A minha resposta seguiu só hoje:
Caríssimo Leopoldo:
Fui com alegria que, ao chegar de férias, vi na minha caixa do correio a sua mensagem. Começo por dizer-lhe que as suas palavras me sensibilizaram. De facto, eu e a generalidade dos meus camaradas, ex-combatentes da guerra colonial (ou do Ultramar, como outros preferem dizer), que vivemos quase dois anos das nossas vidas na Guiné, sentimo-nos guineenses e nada do que se lá passou (e até do que se lá passa hoje) nos é indiferente. É impossível não amar a Guiné e o povo guineense. E nessa medida todos somos guineenses, de alma e coração… A história aproximou-nos e afastou-nos. O nosso modesto contributo, através dos nossos escritos na Net, visam de algum modo manter e se possível fortalecer os laços (que são sobretudo culturais e afectivos…) que nos unem às gentes da Guiné.
Leopoldo: O seu nome e alguns dos seus escritos já não nos eram desconhecidos. Fico entusiasmado ao saber que tem um longo trabalho de investigação sobre os aspectos políticos e militares da guerra colonial na Guiné, e que está é está a ultimar uma tese sobre este tópico. O que é ainda mais interessante (e inédito) é a sua dupla abordagem da guerra, vista pelos dois lados. Além disso, você era djubi nesse tempo (tal como o nosso amigo de tertúlia o José Carlos Mussá Biai, natural do Xime) e, como criança, foi uma vítima especial da guerra, tal como nós fomos actores.
É, por isso, que me sinto honrado em aceitá-lo na nossa tertúlia. Falo, em meu nome pessoal. Mas creio também interpretar o sentir dos restanets membros da tertúlia (que já são quase treze dezenas). Seja bem vindo. Temos muito que conversar. Um abraço e até breve.
Luís Graça
PS – Se quiser falar-nos do seu tempo de criança na Guiné e das suas memórias de guerra, esteja à vontade. Pode contactar, por e-mail, com os todos os membros da nossa tertúlia, e decidir o que quer divulgar através deste blogue ou das páginas da minha/nossa página na Net.
Guiné 63/74 - P158: Antologia (17): Alpoim Calvão: Guerra era evitável (Afonso Sousa)
Texto enviado pelo Afonso M.F. Sousa
Alpoím Calvão: "Guerra na Guiné era evitável"
Agência Lusa, Quarta-feira, 18 de Fevereiro de 2004
O capitão-de-mar-e-guerra português Alpoim Calvão, hoje na reforma, defendeu em Bissau que a guerra colonial que Portugal manteve na então província da Guiné (1963/74) era "evitável" se o PAIGC e a OUA não tivessem interferido.
Numa entrevista à Agência Lusa em Bissau, o militar português responsabilizou o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e a Organização da Unidade Africana (OUA, actual União Africana - UA) de terem recusado uma proposta de Lisboa no sentido da independência.
"O PAIGC não quis entrar na coligação da União dos Naturais da Guiné Portuguesa (UNGP), liderada por Benjamim Pinto Bull (1) e que congregava oito dos nove partidos nacionalistas então existentes. A proposta, com a aprovação de (o então presidente senegalês, Leopold) Senghor, visava, primeiro, a formação de quadros, para depois se caminhar para uma autonomia e, mais tarde, a independência", afirmou.
Para Alpoim Calvão, que cumpriu duas comissões na Guiné (1963/65 e 1969/70) (2), essa "intransigência" do PAIGC, de exigir "independência imediata", foi ao encontro daquilo que a OUA pretendia, tendo sido esta organização que acabou por ajudar a cortar o diálogo entre Lisboa e os movimentos anti-colonialistas.
Segundo Alpoim Calvão, que não se mostrou arrependido pela acção desenvolvida na guerra na Guiné, tudo fora acertado, em Julho de 1963, por António Oliveira Salazar - principal figura do regime português de então - Senghor e Pinto Bull, através de contactos estabelecidos em Dacar pelo cônsul português Gonzaga Ferreira.
"O PAIGC obteve o apoio dos países radicais da OUA e lançou-se abertamente na luta armada e era natural que o outro lado (Portugal) se defendesse e agisse de forma a defender os seus interesses para alcançar os seus fins", disse.
Na opinião de Alpoim Calvão, que esteve uma semana em Bissau a convite do canal de televisão por cabo espanhol "Viver", se o PAIGC tivesse aceite integrar a coligação e a OUA não interferisse, a Guiné-Bissau estaria hoje "muito melhor do que se encontra".
"Passados 30 anos, alguém de bom senso pode dizer que a independência foi um sucesso? Era este o sonho de Amílcar Cabral? Mas foi este o caminho em que ele (Amílcar Cabral) meteu o país. A intenção era, com certeza, outra, mas a realidade é que o país chegou onde chegou", declarou.
Sobre Amílcar Cabral (3), o militar português considerou-o um homem "inteligente", um engenheiro agrónomo "distinto" e uma pessoa de "craveira superior", mas que tinha dois discursos: "um de homem de Estado e outro de racista", um para dentro do partido e outro para fora.
Alpoim Calvão sustentou a afirmação com documentos que disse possuir relacionados com o Congresso do PAIGC de 1969, em Conacri, durante o qual o "pai" das independências da Guiné e Cabo Verde terá afirmado que os guerrilheiros eram "muito amigos do povo português".
"É mentira. Textualmente ele disse o seguinte: 'dar um tiro num portuga numa emboscada é um acto político de primeira grandeza'. Isso não demonstra grande amizade", afirmou.
Além disso, acrescentou, Cabral mostrava alguns "sentimentos racistas" nas suas intervenções para dentro do PAIGC, "pedindo aos guerrilheiros para não se casarem com cidadãs estrangeiras, mas sim com mulheres guineenses".
Alpoim Calvão considerou que Cabral, assassinado a 20 de Janeiro de 1973, em Conacri, em circunstâncias nunca completamente esclarecidas, era um homem "que propunha o terrorismo", pois "incitava os seus homens a matar" o então comandante-chefe das tropas portuguesas, general António de Spínola.
"Como é possível que o general Spínola possa inaugurar três escolas em Bambadinca (centro) e ninguém o mate? Basta uma granada de mão para o matar. É preciso ir a Bissau e matar as famílias dos alferes e dos portugueses que lá estão", terá dito Cabral no congresso, segundo os documentos de Alpoim Calvão.
Questionado pela Lusa sobre quem mandou matar Cabral, Alpoim Calvão disse desconhecer, sublinhando ter a "sensação" de que essa questão "vai ficar em aberto para sempre" e que tem de ser vista à luz de quem lucraria mais com o assassínio do líder guineense.
"Tenho uma teoria, que é apenas uma teoria, mas não tenho provas. Quem lucrou mais foi Sékou Touré (então presidente da vizinha Guiné-Conacri), que tinha ciúmes da estatura de estadista de Cabral, que tinha o sonho da Grande Guiné, até à Casamança, e Cabral era um obstáculo. Mas não sei quem o matou. Não faço ideia", respondeu.
Negando o envolvimento de Portugal na morte de Cabral - "não tinha interesse nenhum, pois Lisboa queria dialogar" -, Alpoim Calvão afirmou que o PAIGC poderá ter estado envolvido na morte de Cabral, "uma vez que havia clivagens entre os cabo-verdianos e os guineenses".
"Por aí também se pode ir lá. Na sequência da morte dele, quantos homens foram fuzilados pelo PAIGC, como ajuste de contas? Dezenas e dezenas", afirmou o militar português, que se escusou a comentar à Lusa o actual momento político na Guiné-Bissau.
Por outro lado, Alpoim Calvão criticou a descolonização feita por Portugal após a queda da ditadura salazarista, a 25 de Abril de 1974, e acusou o então ministro dos Negócios Estrangeiros e ex-presidente português Mário Soares de ter sido "negligente", de forma "quase criminosa".
Segundo Alpoim Calvão, em 1974, nas negociações para o Acordo de Argel, a parte negociadora portuguesa não teve em conta que o PAIGC tinha aprovado, em Dezembro de 1973, a Lei da Justiça Militar, em que se falava de fuzilamentos.
"Da parte dos negociadores do PAIGC houve uma reserva mental. Do lado dos portugueses, não houve o cuidado de estudar o problema em toda a sua extensão. Não vou fazer o insulto a Mário Soares e dizer que sabia. Mas foi muito negligente, de forma quase criminosa", acusou, numa alusão aos milhares de soldados guineenses que lutaram ao lado do exército português, alguns dos quais, disse, foram mais tarde fuzilados.
"Em termos puramente militares, todos sabem que uma guerra de guerrilha não se ganha nem se perde. Aliás, as guerras são iniciadas pelos políticos e têm de ser terminadas pelos políticos. Os militares limitam-se a aguentar o espaço e o tempo para se desenhar uma solução política. A solução política a que os políticos chegaram foi o desastre que foi. Para ambos os lados", concluiu.
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. o texto de Leopoldo Amado, historiador guineense e membro da nossa tertúla > Elegia ao Professor Pinto Bull
(2) Vd. post de 22 de julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXX: Bibliografia de uma guerra (9): a invasão de Conacri
(3) Vd. biografia de Amílcar Cabral (1924-1973), por Carlos Pinto Santos
Alpoím Calvão: "Guerra na Guiné era evitável"
Agência Lusa, Quarta-feira, 18 de Fevereiro de 2004
O capitão-de-mar-e-guerra português Alpoim Calvão, hoje na reforma, defendeu em Bissau que a guerra colonial que Portugal manteve na então província da Guiné (1963/74) era "evitável" se o PAIGC e a OUA não tivessem interferido.
Numa entrevista à Agência Lusa em Bissau, o militar português responsabilizou o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e a Organização da Unidade Africana (OUA, actual União Africana - UA) de terem recusado uma proposta de Lisboa no sentido da independência.
"O PAIGC não quis entrar na coligação da União dos Naturais da Guiné Portuguesa (UNGP), liderada por Benjamim Pinto Bull (1) e que congregava oito dos nove partidos nacionalistas então existentes. A proposta, com a aprovação de (o então presidente senegalês, Leopold) Senghor, visava, primeiro, a formação de quadros, para depois se caminhar para uma autonomia e, mais tarde, a independência", afirmou.
Para Alpoim Calvão, que cumpriu duas comissões na Guiné (1963/65 e 1969/70) (2), essa "intransigência" do PAIGC, de exigir "independência imediata", foi ao encontro daquilo que a OUA pretendia, tendo sido esta organização que acabou por ajudar a cortar o diálogo entre Lisboa e os movimentos anti-colonialistas.
Segundo Alpoim Calvão, que não se mostrou arrependido pela acção desenvolvida na guerra na Guiné, tudo fora acertado, em Julho de 1963, por António Oliveira Salazar - principal figura do regime português de então - Senghor e Pinto Bull, através de contactos estabelecidos em Dacar pelo cônsul português Gonzaga Ferreira.
"O PAIGC obteve o apoio dos países radicais da OUA e lançou-se abertamente na luta armada e era natural que o outro lado (Portugal) se defendesse e agisse de forma a defender os seus interesses para alcançar os seus fins", disse.
Na opinião de Alpoim Calvão, que esteve uma semana em Bissau a convite do canal de televisão por cabo espanhol "Viver", se o PAIGC tivesse aceite integrar a coligação e a OUA não interferisse, a Guiné-Bissau estaria hoje "muito melhor do que se encontra".
"Passados 30 anos, alguém de bom senso pode dizer que a independência foi um sucesso? Era este o sonho de Amílcar Cabral? Mas foi este o caminho em que ele (Amílcar Cabral) meteu o país. A intenção era, com certeza, outra, mas a realidade é que o país chegou onde chegou", declarou.
Sobre Amílcar Cabral (3), o militar português considerou-o um homem "inteligente", um engenheiro agrónomo "distinto" e uma pessoa de "craveira superior", mas que tinha dois discursos: "um de homem de Estado e outro de racista", um para dentro do partido e outro para fora.
Alpoim Calvão sustentou a afirmação com documentos que disse possuir relacionados com o Congresso do PAIGC de 1969, em Conacri, durante o qual o "pai" das independências da Guiné e Cabo Verde terá afirmado que os guerrilheiros eram "muito amigos do povo português".
"É mentira. Textualmente ele disse o seguinte: 'dar um tiro num portuga numa emboscada é um acto político de primeira grandeza'. Isso não demonstra grande amizade", afirmou.
Além disso, acrescentou, Cabral mostrava alguns "sentimentos racistas" nas suas intervenções para dentro do PAIGC, "pedindo aos guerrilheiros para não se casarem com cidadãs estrangeiras, mas sim com mulheres guineenses".
Alpoim Calvão considerou que Cabral, assassinado a 20 de Janeiro de 1973, em Conacri, em circunstâncias nunca completamente esclarecidas, era um homem "que propunha o terrorismo", pois "incitava os seus homens a matar" o então comandante-chefe das tropas portuguesas, general António de Spínola.
"Como é possível que o general Spínola possa inaugurar três escolas em Bambadinca (centro) e ninguém o mate? Basta uma granada de mão para o matar. É preciso ir a Bissau e matar as famílias dos alferes e dos portugueses que lá estão", terá dito Cabral no congresso, segundo os documentos de Alpoim Calvão.
Questionado pela Lusa sobre quem mandou matar Cabral, Alpoim Calvão disse desconhecer, sublinhando ter a "sensação" de que essa questão "vai ficar em aberto para sempre" e que tem de ser vista à luz de quem lucraria mais com o assassínio do líder guineense.
"Tenho uma teoria, que é apenas uma teoria, mas não tenho provas. Quem lucrou mais foi Sékou Touré (então presidente da vizinha Guiné-Conacri), que tinha ciúmes da estatura de estadista de Cabral, que tinha o sonho da Grande Guiné, até à Casamança, e Cabral era um obstáculo. Mas não sei quem o matou. Não faço ideia", respondeu.
Negando o envolvimento de Portugal na morte de Cabral - "não tinha interesse nenhum, pois Lisboa queria dialogar" -, Alpoim Calvão afirmou que o PAIGC poderá ter estado envolvido na morte de Cabral, "uma vez que havia clivagens entre os cabo-verdianos e os guineenses".
"Por aí também se pode ir lá. Na sequência da morte dele, quantos homens foram fuzilados pelo PAIGC, como ajuste de contas? Dezenas e dezenas", afirmou o militar português, que se escusou a comentar à Lusa o actual momento político na Guiné-Bissau.
Por outro lado, Alpoim Calvão criticou a descolonização feita por Portugal após a queda da ditadura salazarista, a 25 de Abril de 1974, e acusou o então ministro dos Negócios Estrangeiros e ex-presidente português Mário Soares de ter sido "negligente", de forma "quase criminosa".
Segundo Alpoim Calvão, em 1974, nas negociações para o Acordo de Argel, a parte negociadora portuguesa não teve em conta que o PAIGC tinha aprovado, em Dezembro de 1973, a Lei da Justiça Militar, em que se falava de fuzilamentos.
"Da parte dos negociadores do PAIGC houve uma reserva mental. Do lado dos portugueses, não houve o cuidado de estudar o problema em toda a sua extensão. Não vou fazer o insulto a Mário Soares e dizer que sabia. Mas foi muito negligente, de forma quase criminosa", acusou, numa alusão aos milhares de soldados guineenses que lutaram ao lado do exército português, alguns dos quais, disse, foram mais tarde fuzilados.
"Em termos puramente militares, todos sabem que uma guerra de guerrilha não se ganha nem se perde. Aliás, as guerras são iniciadas pelos políticos e têm de ser terminadas pelos políticos. Os militares limitam-se a aguentar o espaço e o tempo para se desenhar uma solução política. A solução política a que os políticos chegaram foi o desastre que foi. Para ambos os lados", concluiu.
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Notas de L.G.:
(1) Vd. o texto de Leopoldo Amado, historiador guineense e membro da nossa tertúla > Elegia ao Professor Pinto Bull
(2) Vd. post de 22 de julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXX: Bibliografia de uma guerra (9): a invasão de Conacri
(3) Vd. biografia de Amílcar Cabral (1924-1973), por Carlos Pinto Santos
terça-feira, 6 de setembro de 2005
Guiné 63/74 - P157: Carta da Província Portuguesa da Guiné (1991) (II) (Luís Graça)
1. O A. Marques Lopes acaba de mandar os seus agradecimentos (muitos...) ao Humberto Reis: " Finalmente consigo ter o mapa perfeito para dar a localização correcta da CART 1690", com sede em Geba. Recorde-se que ele foi alferes miliciano na CART 1690 e já deixou neste blogue muitas estórias, umas dramáticas, outras divertidas, desse tempo (1967/68).
Ao visualizar a carta da Guiné, à escla 1:50.000, que passou a ter disponível nas nossas páginas sobre a guerra colonial,o Marques Lopes conseguiu perfeitamente localizar os sítios dos aquartelamentos e destacamentos da CART 1690 (Geba, Camamudo, Cantacunda, Saré Banda, Banjara), as tabancas em autodefesa (Sare Ganà, Sinchã, Sutu) bem como as bases do PAIGC (Sinchã Jobel, Samba Culo).
2. O Humberto Reis diz, em resposta: "Limitei-me a disponibilizar, com muito gosto, o material cartográfico que tenho e que adquiri em 96 quando voltei à Guiné. Tenho as 71 cartas em que estava dividida a Guiné no nosso tempo, todas à esc. 1/50.000".
3. Nova mensagem do A. Marques Lopes:
Eu conheço essas cartas. Tenho em meu poder a da zona de Barro, que usei e que consegui trazer. É a folha nº 13, encimada "Bigene" (as confinantes seriam 1 "Guidage", 12 "Sedengal", 14 "Binta", 24 "Pelundo", 25 "Bula" e 26 "Mansoa").
De Geba, devido às circunstâncias em que de lá saí [ferido, em combate], só consegui trazer uma, a folha 29 encimada "Bafatá". Mas não tenho a 16 "Banjara", a 17 "Contuboel" e a 28 "Bambadinca", que apanham a maior parte das zonas da minha actividade em Geba.
Sei que elas estão nos Serviços Cartográficos do Exército. Talvez um dia lá vá. Mas, apesar, de ter estado no meio, não sei bem como é que essas coisas funcionam... A Diana Andringa, quando foi à Guiné, foi lá pedir uma carta mas eles disseram-lhe que "só com autorização da Embaixada da Guiné-Bissau".
4. O Carlos Fortunato, por sua vez, considera "excelente este mapa", tendo-lhe permitido "chegar à conclusão que tenho algumas imprecisões no meu site, que tenho que corrigir".
Ao visualizar a carta da Guiné, à escla 1:50.000, que passou a ter disponível nas nossas páginas sobre a guerra colonial,o Marques Lopes conseguiu perfeitamente localizar os sítios dos aquartelamentos e destacamentos da CART 1690 (Geba, Camamudo, Cantacunda, Saré Banda, Banjara), as tabancas em autodefesa (Sare Ganà, Sinchã, Sutu) bem como as bases do PAIGC (Sinchã Jobel, Samba Culo).
2. O Humberto Reis diz, em resposta: "Limitei-me a disponibilizar, com muito gosto, o material cartográfico que tenho e que adquiri em 96 quando voltei à Guiné. Tenho as 71 cartas em que estava dividida a Guiné no nosso tempo, todas à esc. 1/50.000".
3. Nova mensagem do A. Marques Lopes:
Eu conheço essas cartas. Tenho em meu poder a da zona de Barro, que usei e que consegui trazer. É a folha nº 13, encimada "Bigene" (as confinantes seriam 1 "Guidage", 12 "Sedengal", 14 "Binta", 24 "Pelundo", 25 "Bula" e 26 "Mansoa").
De Geba, devido às circunstâncias em que de lá saí [ferido, em combate], só consegui trazer uma, a folha 29 encimada "Bafatá". Mas não tenho a 16 "Banjara", a 17 "Contuboel" e a 28 "Bambadinca", que apanham a maior parte das zonas da minha actividade em Geba.
Sei que elas estão nos Serviços Cartográficos do Exército. Talvez um dia lá vá. Mas, apesar, de ter estado no meio, não sei bem como é que essas coisas funcionam... A Diana Andringa, quando foi à Guiné, foi lá pedir uma carta mas eles disseram-lhe que "só com autorização da Embaixada da Guiné-Bissau".
4. O Carlos Fortunato, por sua vez, considera "excelente este mapa", tendo-lhe permitido "chegar à conclusão que tenho algumas imprecisões no meu site, que tenho que corrigir".
segunda-feira, 5 de setembro de 2005
Guiné 63/74 - P156: Carta da Província Portuguesa da Guiné (1961) (I) (Luís Graça)
Amigos & Camaradas de Tertúlia:
1. Há tempos o Sousa de Castro (mas também o David Guimarães) mandaram-me um bom mapa da Guiné-Bissau, proveniente dos serviços cartográficos das Nações Unidas, em formato.pdf. Era dos mais completos e actualizados que havia. Tinha boa qualidade de imagem. E estava disponível “on line”, em páginas como por exemplo a OMS, que como sabem é a agência especializada das Nações Unidas para a saúde. Eu tenho-o utilizado muito, no blogue, fazendo ligações para a página da OMS (http://www.who.int/) . Só que o raio do mapa, entretanto, desapareceu, ou deixou de estar disponível, o que é uma coisa que acontece com muita frequência na Net…
O ideal era ter um bom mapa da Guiné disponível nas nossas páginas, que é para gente poder consultar com frequência, saber onde ficava Nova Lamego (agora, Gabu), Teixeira Pinto (agora, Canchungo), Aldeia Formosa (agora, Quebo) e muitos outros sítios por onde passaram uns de nós e não passaram outros… ou que entretanto mudaram de nome depois da nossa saída em 1974…
Até lá guardem este. O Humberto Reis deu-me há tempos um fotocópia de vários mapas dos serviços cartográficos do Exército Português, sobretudo da Zona Leste. Há um geral sobre a Guiné, mas é impossível digitalizá-lo com qualidade… Só se o Humberto conseguir a partir do original, e reduzindo-o uma dimensão razoável. Entretanto, se algum de vocês tiver um bom mapa (ou o endereço de página com um bom mapa da Guiné-Bissau), digam-me. Eu tenho procurado, mas não estou satisfeito. O das Nações Unidas ainda o melhor existente na Net: Nações Unidas, mapa nº 4063, Julho de 1998, escala em km e em milhas…
2. O Humberto Reis que é um verdadeiro ranger, da escola de Lamego, não conhece obstáculos: foi dar a volta ao mundo para nos arranjar um mapa da Guiné do “nosso tempo”!... A primeira versão, digitalizada que me mandou, não era famosa. Mas ele não desistiu. Prometeu arranjar outra versão com muito melhor resolução.
3. Ao chegar de férias, fui encontrar na minha caixa do correio, o prometido mapa da Guiné Portuguesa, edição dos nossos conhecidos Serviços Cartográficos do Exército, de 1961…
Ficamos a dever um grande favor ao nosso camarada Humberto Reis. Utilizem o zoom para ver o mapa em detalhe. Façam o favor de identificar eventuais erros e lacunas: por exemplo, em 1961, não havia nenhuma localidade chamada Mansambo (que, no nosso tempo, ou seja, em 1969/71, não passava de um aquartelamento, com o tamanho de campo de futebol, fortificado, no meio do mato)...
De facto, Mansambo, na estrada Bambadinca-Xitole, não existia em 1961… Havia lá perto a tabanca de Moricanhe (no nosso tempo, um importante destacamento de milícias que as NT foram obrigadas a abandonar). E estão lá, na carta, bem nítidos os rios e as bolanhas que tornavam aquela estrada um inferno (para além do Senhor IN): O Rio Pulon (com a sua famosa Ponte dos Fulas), o Rio Jagarajá, o Rio Bissari, o Rio Carantaba...
Cliquem aqui para ter acesso à página onde está inserida a carta. E, por favor, aproveitem para fazer grandes viagens, de regresso ao passado…
Carta da Província Portuguesa da Guiné (1961) > Escala 1:50.000
4. Fica aqui também a nossa homenagem aos valorosos cartógrafos militares portugueses. Como sabem, a história da nossa cartografia militar remonta ao Séc. XV, tendo-se desenvolvido com os Descobrimentos. Os Serviços Cartográficos do Exército foram criados em 1933, sendo mais tarde (1993) integrados no actual Instituto Geográfico do Exército .
Um abraço. Em breve, estará disponível a página sobre Bissorã, elaborada pelo Carlos Fortunato (ex-furriel miliciano de transmissões da CCAÇ 13, "Os Leões Negros") (vd. respectivo sítio na Net)
Vosso amigo e camarada,
Luís Graça.
1. Há tempos o Sousa de Castro (mas também o David Guimarães) mandaram-me um bom mapa da Guiné-Bissau, proveniente dos serviços cartográficos das Nações Unidas, em formato.pdf. Era dos mais completos e actualizados que havia. Tinha boa qualidade de imagem. E estava disponível “on line”, em páginas como por exemplo a OMS, que como sabem é a agência especializada das Nações Unidas para a saúde. Eu tenho-o utilizado muito, no blogue, fazendo ligações para a página da OMS (http://www.who.int/) . Só que o raio do mapa, entretanto, desapareceu, ou deixou de estar disponível, o que é uma coisa que acontece com muita frequência na Net…
O ideal era ter um bom mapa da Guiné disponível nas nossas páginas, que é para gente poder consultar com frequência, saber onde ficava Nova Lamego (agora, Gabu), Teixeira Pinto (agora, Canchungo), Aldeia Formosa (agora, Quebo) e muitos outros sítios por onde passaram uns de nós e não passaram outros… ou que entretanto mudaram de nome depois da nossa saída em 1974…
Até lá guardem este. O Humberto Reis deu-me há tempos um fotocópia de vários mapas dos serviços cartográficos do Exército Português, sobretudo da Zona Leste. Há um geral sobre a Guiné, mas é impossível digitalizá-lo com qualidade… Só se o Humberto conseguir a partir do original, e reduzindo-o uma dimensão razoável. Entretanto, se algum de vocês tiver um bom mapa (ou o endereço de página com um bom mapa da Guiné-Bissau), digam-me. Eu tenho procurado, mas não estou satisfeito. O das Nações Unidas ainda o melhor existente na Net: Nações Unidas, mapa nº 4063, Julho de 1998, escala em km e em milhas…
2. O Humberto Reis que é um verdadeiro ranger, da escola de Lamego, não conhece obstáculos: foi dar a volta ao mundo para nos arranjar um mapa da Guiné do “nosso tempo”!... A primeira versão, digitalizada que me mandou, não era famosa. Mas ele não desistiu. Prometeu arranjar outra versão com muito melhor resolução.
3. Ao chegar de férias, fui encontrar na minha caixa do correio, o prometido mapa da Guiné Portuguesa, edição dos nossos conhecidos Serviços Cartográficos do Exército, de 1961…
Ficamos a dever um grande favor ao nosso camarada Humberto Reis. Utilizem o zoom para ver o mapa em detalhe. Façam o favor de identificar eventuais erros e lacunas: por exemplo, em 1961, não havia nenhuma localidade chamada Mansambo (que, no nosso tempo, ou seja, em 1969/71, não passava de um aquartelamento, com o tamanho de campo de futebol, fortificado, no meio do mato)...
De facto, Mansambo, na estrada Bambadinca-Xitole, não existia em 1961… Havia lá perto a tabanca de Moricanhe (no nosso tempo, um importante destacamento de milícias que as NT foram obrigadas a abandonar). E estão lá, na carta, bem nítidos os rios e as bolanhas que tornavam aquela estrada um inferno (para além do Senhor IN): O Rio Pulon (com a sua famosa Ponte dos Fulas), o Rio Jagarajá, o Rio Bissari, o Rio Carantaba...
Cliquem aqui para ter acesso à página onde está inserida a carta. E, por favor, aproveitem para fazer grandes viagens, de regresso ao passado…
Carta da Província Portuguesa da Guiné (1961) > Escala 1:50.000
4. Fica aqui também a nossa homenagem aos valorosos cartógrafos militares portugueses. Como sabem, a história da nossa cartografia militar remonta ao Séc. XV, tendo-se desenvolvido com os Descobrimentos. Os Serviços Cartográficos do Exército foram criados em 1933, sendo mais tarde (1993) integrados no actual Instituto Geográfico do Exército .
Um abraço. Em breve, estará disponível a página sobre Bissorã, elaborada pelo Carlos Fortunato (ex-furriel miliciano de transmissões da CCAÇ 13, "Os Leões Negros") (vd. respectivo sítio na Net)
Vosso amigo e camarada,
Luís Graça.
terça-feira, 16 de agosto de 2005
Guiné 63/74 - P155: Antologia (16): Op Ametista Real (Senegal, 1973) (João Almeida Bruno)
1. Texto seleccionado e enviado pelo Américo Marques, membro da tertúlia dos ex-combatentes da Guiné (Foi operador de transmissões, na 3ª CART do BART 6523 , Cansissé, Gabu, entre Junho de 1973 e Setembro de 1974).
O Américo, que hoje estou ligado à segurança do trabalho numa grande empresa de Viana do Castelo, mandou-me a seguinte mensagem, que agradeço, juntamente com o texto que abaixo se reproduz, com a devida vénia:
"Amigo Luis, espero que estejas viver umas férias reconfortantes! Se a tua opção for fazer uns passeios peripatéticos pela montanha, tem cuidado que nas nossas florestas existe um turra muito poderoso. Que é o FOGO!
"Depois destas palavrinhas preventivas, vou enviar-te um relato de uma intensa batalha. Não interessa quem mais Vidas destruiu. O que interessa é que os Homens novos reforcem a sua sabedoria e conhecimento sobre o anteontem. Para que se transformem e gerem amanhã um NOVO HOMEM!"
A operação mais importante que comandei foi, no entanto, na Guiné. O nome de código foi Ametista Real - eu sempre dei nomes de pedras preciosas às operações que comandei. Penso que, na altura, foi a operação de maior envergadura daquele tipo, fora do território nacional. Comandava então o Batalhão de Comandos Africanos que foi, julgo, uma das unidades que ganharam o Guião de Mérito, um estandarte especial que penso só ter sido também atribuído à unidade do então capitão de Infantaria Maurício Saraiva, meu grande amigo. De qualquer modo esses guiões estão hoje na Amadora.
A 16 de Maio de 1973 fui chamado de urgência ao Comandante-Chefe; o então general António de Spínola, que me traçou um panorama geral da guarnição militar de Guidage, junto à fronteira com o Senegal. Estava isolada por terra por causa dos fortíssimos campos de minas lançados pelo inimigo. As colunas logísticas, enquadradas por forças pára-quedistas, não conseguiram romper. Era difícil o reabastecimento aéreo e a evacuação de feridos, por causa dos mísseis terra¬ar Strella de que dispunha o PAIGC. E era grande o desgaste físico e psicológico da guarnição.
Tudo indicava que o inimigo pretendia lançar um assalto final a Guidage para tirar dividendos internos e externos. E, por isso, era necessário aliviar a pressão: o único caminho possível era pelo Norte, pelo território senegalês.
A missão foi dada de forma clara e simples: atacar a base inimiga de Kumbamory, que ficava uns cinco quilómetros a norte da fronteira. Era preciso, no mínimo, desarticular o dispositivo inimigo. Se possível, destruir a base ou, pelo menos, causar o maior número possível de baixas e destruir a maior quantidade possível de material.
Foi decidido transportar a força, em meios navais, de Bissau para Bigene. E lançar depois uma operação de curta duração, em terra, por forma a atacar a base inimiga a partir de uma base de ataque já instalada em território senegalês. "Limpar", por fim, a região de acesso a Guidage, recolhendo as nossas forças a essa povoação.
O apoio de fogos ficaria a cargo de seis baterias fixas de 10,5 e de heli-canhões. Verificou-se que não eram possíveis reabastecimentos e evacuações por helicóptero. Os mortos e os feridos teriam de ser transportados para Guidage sem meios auxiliares, e a haver reabastecimento de munições ele teria de ser feito nos paióis inimigos detectados. Nada se sabia quanto à localização exacta do objectivo, a não ser que era na área da povoação senegalesa de Kumbamory.
Na tarde de 19 de Maio o batalhão embarcou para Bigene, onde chegou pouco antes do pôr-do-sol. Foram constituídos três agrupamentos, com uma companhia de comandos cada um. Eram comandados pelos capitães Raúl Folques (que ficaria gravemente ferido) e Matos Gomes e pelo capitão pára-quedista António Ramos. Este comandava o agrupamento a que ficou adstrito o grupo especial comandado pelo alferes Marcelino da Mata, especializado em demolições.
Nele me integrei, o batalhão entrou em território senegalês pelas seis da manhã do dia 20. A artilharia de Bigene concentrava entretanto o seu fogo sobre o objectivo, mais como manobra de diversão do que como forma de destruição, uma vez que não era conhecida com rigor a localização da base inimiga. Hora e meia depois os agrupamentos estavam dispostos na base de ataque, a sul da povoação senegalesa.
Foi necessário cortar a estrada que corria paralela à fronteira e «reter» o comandante de um batalhão de pára-quedistas senegalês que chegara entretanto em missão de reconhecimento. A conversa entre mim e ele foi cordial e amistosa. E franca, claro. O comandante senegalês sabia perfeitamente da existência da base do PAIGC, mas argumentava que ela ficava em território português. Pedia assim que abandonássemos rapidamente o Senegal e garantia que não iria haver nenhum incidente diplomático. E não houve.
Pelas oito horas a Força Aérea iniciou um pesado bombardeamento, a que se seguiu o assalto. Um pouco à sorte, já que não se sabia onde ficava a base. E a sorte foi decisiva.
Quase de imediato os dois agrupamentos que iam à frente detectaram vários depósitos de material de guerra. O terceiro agrupamento, que estava em reserva e logo deixou de estar, envolveu-se em violento combate com um forte grupo inimigo que dispunha de canhões sem recuo e de metralhadoras pesadas: defendia o depósito principal, o de foguetões de 122 mm.
Não é fácil descrever a acção. A tónica principal deve ter sido a confusão, não só a própria da batalha, como a decorrente do facto de se enfrentarem adversários da mesma cor e com armamento semelhante, e de ser impossível delimitar claramente a frente. E foi nesta grande confusão que o posto de comando aéreo teve um papel decisivo: os agrupamentos, correndo embora o risco de serem referenciados, iam indicando a sua posição com sinais pirotécnicos. Pela rádio, o posto de comando aéreo ia-me informando do movimento das tropas. Pelo meio-dia, a missão estava cumprida.
O agrupamento, que era comandado pelo capitão Folques ficou, a dada altura, praticamente sem munições. Foi então dada ordem de retirada, o que equivalia a continuar na direcção de Guidage. Foi um movimento lento, interrompido por vários e violentos combates, até que, pelas quatro da tarde, o inimigo abandonou o terreno.
Pelas seis da tarde as nossas tropas chegaram a Guidage. Depois continuaram a pé, até serem recolhidas, no dia seguinte, pela Marinha de Guerra, no rio Cacheu.
Os resultados conseguidos foram assinaláveis e foi aliviada a pressão sobre Guidage, cuja guarnição militar recuperou a iniciativa depois de rendidos os seus efectivos.
Não é sem uma ponta de orgulho que me vejo forçado a afirmar que nesta operação ficou patente o alto espírito agressivo dos Comandos Africanos, a sua capacidade excepcional de orientação na selva e a sua invulgar resistência física. Ficou também patente que os quatro oficiais europeus que comandaram a acção foram decisivos nos momentos mais difíceis, sobretudo pelo bom senso e capacidade de decisão que revelaram.
O inimigo sofreu 67 mortos. As nossas tropas 14 mortos (dos quais dois alferes), onze desaparecidos, mais tarde confirmados como mortos, e 23 feridos graves (dos quais três oficiais e sete sargentos). Ao inimigo foram destruídos 22 depósitos de material de guerra.
Fonte: Autores vários: Os Últimos Guerreiros do Império. Lisboa: Edições Erasmos. 1995, pp. 72-75. (Excertos, com a devida vénia...)
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(a) O Comandante da operação e autor do texto: João de Almeida Bruno, na altura tenente-coronel, hoje general.
O Américo, que hoje estou ligado à segurança do trabalho numa grande empresa de Viana do Castelo, mandou-me a seguinte mensagem, que agradeço, juntamente com o texto que abaixo se reproduz, com a devida vénia:
"Amigo Luis, espero que estejas viver umas férias reconfortantes! Se a tua opção for fazer uns passeios peripatéticos pela montanha, tem cuidado que nas nossas florestas existe um turra muito poderoso. Que é o FOGO!
"Depois destas palavrinhas preventivas, vou enviar-te um relato de uma intensa batalha. Não interessa quem mais Vidas destruiu. O que interessa é que os Homens novos reforcem a sua sabedoria e conhecimento sobre o anteontem. Para que se transformem e gerem amanhã um NOVO HOMEM!"
Operação Ametista Real,
por João de Almeida Bruno (1995)(a):
A operação mais importante que comandei foi, no entanto, na Guiné. O nome de código foi Ametista Real - eu sempre dei nomes de pedras preciosas às operações que comandei. Penso que, na altura, foi a operação de maior envergadura daquele tipo, fora do território nacional. Comandava então o Batalhão de Comandos Africanos que foi, julgo, uma das unidades que ganharam o Guião de Mérito, um estandarte especial que penso só ter sido também atribuído à unidade do então capitão de Infantaria Maurício Saraiva, meu grande amigo. De qualquer modo esses guiões estão hoje na Amadora.
A 16 de Maio de 1973 fui chamado de urgência ao Comandante-Chefe; o então general António de Spínola, que me traçou um panorama geral da guarnição militar de Guidage, junto à fronteira com o Senegal. Estava isolada por terra por causa dos fortíssimos campos de minas lançados pelo inimigo. As colunas logísticas, enquadradas por forças pára-quedistas, não conseguiram romper. Era difícil o reabastecimento aéreo e a evacuação de feridos, por causa dos mísseis terra¬ar Strella de que dispunha o PAIGC. E era grande o desgaste físico e psicológico da guarnição.
Tudo indicava que o inimigo pretendia lançar um assalto final a Guidage para tirar dividendos internos e externos. E, por isso, era necessário aliviar a pressão: o único caminho possível era pelo Norte, pelo território senegalês.
A missão foi dada de forma clara e simples: atacar a base inimiga de Kumbamory, que ficava uns cinco quilómetros a norte da fronteira. Era preciso, no mínimo, desarticular o dispositivo inimigo. Se possível, destruir a base ou, pelo menos, causar o maior número possível de baixas e destruir a maior quantidade possível de material.
Foi decidido transportar a força, em meios navais, de Bissau para Bigene. E lançar depois uma operação de curta duração, em terra, por forma a atacar a base inimiga a partir de uma base de ataque já instalada em território senegalês. "Limpar", por fim, a região de acesso a Guidage, recolhendo as nossas forças a essa povoação.
O apoio de fogos ficaria a cargo de seis baterias fixas de 10,5 e de heli-canhões. Verificou-se que não eram possíveis reabastecimentos e evacuações por helicóptero. Os mortos e os feridos teriam de ser transportados para Guidage sem meios auxiliares, e a haver reabastecimento de munições ele teria de ser feito nos paióis inimigos detectados. Nada se sabia quanto à localização exacta do objectivo, a não ser que era na área da povoação senegalesa de Kumbamory.
Na tarde de 19 de Maio o batalhão embarcou para Bigene, onde chegou pouco antes do pôr-do-sol. Foram constituídos três agrupamentos, com uma companhia de comandos cada um. Eram comandados pelos capitães Raúl Folques (que ficaria gravemente ferido) e Matos Gomes e pelo capitão pára-quedista António Ramos. Este comandava o agrupamento a que ficou adstrito o grupo especial comandado pelo alferes Marcelino da Mata, especializado em demolições.
Nele me integrei, o batalhão entrou em território senegalês pelas seis da manhã do dia 20. A artilharia de Bigene concentrava entretanto o seu fogo sobre o objectivo, mais como manobra de diversão do que como forma de destruição, uma vez que não era conhecida com rigor a localização da base inimiga. Hora e meia depois os agrupamentos estavam dispostos na base de ataque, a sul da povoação senegalesa.
Foi necessário cortar a estrada que corria paralela à fronteira e «reter» o comandante de um batalhão de pára-quedistas senegalês que chegara entretanto em missão de reconhecimento. A conversa entre mim e ele foi cordial e amistosa. E franca, claro. O comandante senegalês sabia perfeitamente da existência da base do PAIGC, mas argumentava que ela ficava em território português. Pedia assim que abandonássemos rapidamente o Senegal e garantia que não iria haver nenhum incidente diplomático. E não houve.
Pelas oito horas a Força Aérea iniciou um pesado bombardeamento, a que se seguiu o assalto. Um pouco à sorte, já que não se sabia onde ficava a base. E a sorte foi decisiva.
Quase de imediato os dois agrupamentos que iam à frente detectaram vários depósitos de material de guerra. O terceiro agrupamento, que estava em reserva e logo deixou de estar, envolveu-se em violento combate com um forte grupo inimigo que dispunha de canhões sem recuo e de metralhadoras pesadas: defendia o depósito principal, o de foguetões de 122 mm.
Não é fácil descrever a acção. A tónica principal deve ter sido a confusão, não só a própria da batalha, como a decorrente do facto de se enfrentarem adversários da mesma cor e com armamento semelhante, e de ser impossível delimitar claramente a frente. E foi nesta grande confusão que o posto de comando aéreo teve um papel decisivo: os agrupamentos, correndo embora o risco de serem referenciados, iam indicando a sua posição com sinais pirotécnicos. Pela rádio, o posto de comando aéreo ia-me informando do movimento das tropas. Pelo meio-dia, a missão estava cumprida.
O agrupamento, que era comandado pelo capitão Folques ficou, a dada altura, praticamente sem munições. Foi então dada ordem de retirada, o que equivalia a continuar na direcção de Guidage. Foi um movimento lento, interrompido por vários e violentos combates, até que, pelas quatro da tarde, o inimigo abandonou o terreno.
Pelas seis da tarde as nossas tropas chegaram a Guidage. Depois continuaram a pé, até serem recolhidas, no dia seguinte, pela Marinha de Guerra, no rio Cacheu.
Os resultados conseguidos foram assinaláveis e foi aliviada a pressão sobre Guidage, cuja guarnição militar recuperou a iniciativa depois de rendidos os seus efectivos.
Não é sem uma ponta de orgulho que me vejo forçado a afirmar que nesta operação ficou patente o alto espírito agressivo dos Comandos Africanos, a sua capacidade excepcional de orientação na selva e a sua invulgar resistência física. Ficou também patente que os quatro oficiais europeus que comandaram a acção foram decisivos nos momentos mais difíceis, sobretudo pelo bom senso e capacidade de decisão que revelaram.
O inimigo sofreu 67 mortos. As nossas tropas 14 mortos (dos quais dois alferes), onze desaparecidos, mais tarde confirmados como mortos, e 23 feridos graves (dos quais três oficiais e sete sargentos). Ao inimigo foram destruídos 22 depósitos de material de guerra.
Fonte: Autores vários: Os Últimos Guerreiros do Império. Lisboa: Edições Erasmos. 1995, pp. 72-75. (Excertos, com a devida vénia...)
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(a) O Comandante da operação e autor do texto: João de Almeida Bruno, na altura tenente-coronel, hoje general.
Guiné 63/74 - P154: CCAÇ 13 - Os Leões Negros, página de Carlos Fortunato
1. Texto do Carlos Fortunato:
Como ex-combatente da Guiné (ex-furriel miliciano, CCAÇ 13, Bolama, Bissorã, Binar, Encheia, Biambi, 1969/71), venho deixar aqui uma breve nota sobre o site que elaborei sobre a Guiné.
O site CCAÇ 13 -Os Leões Negros: Memórias da Guerra na Guiné (1969/71) é um repositório de alguns dos momentos vividos pela CCAÇ 13, companhia constituída por balantas, enquadrados por oficiais, furriéis, cabos e especialistas vindos da metrópole, que os treinaram e depois conduziram em operações, nomeadamente no seu chão.
Um Grupo de Combate da CCAÇ 13.
Como ex-combatente da Guiné (ex-furriel miliciano, CCAÇ 13, Bolama, Bissorã, Binar, Encheia, Biambi, 1969/71), venho deixar aqui uma breve nota sobre o site que elaborei sobre a Guiné.
O site CCAÇ 13 -Os Leões Negros: Memórias da Guerra na Guiné (1969/71) é um repositório de alguns dos momentos vividos pela CCAÇ 13, companhia constituída por balantas, enquadrados por oficiais, furriéis, cabos e especialistas vindos da metrópole, que os treinaram e depois conduziram em operações, nomeadamente no seu chão.
Um Grupo de Combate da CCAÇ 13.
© Carlos Fortunao (2005).
Em narrativas curtas, contam-se algumas das acções que ocorreram neste período, tentando dar uma imagem do que era a guerra na Guiné, não esquecendo o contributo dos soldados africanos nem o seu abandono.
A CCAÇ 13 era uma companhia de intervenção e, como tal, passou o seu tempo saltitando de um lado para o outro em operações. O site descreve alguns dos eventos, que se passaram quando da sua passagem por Bissau, Bolama, Bissorã, Binar, Biambi, e Encheia, que incluíram uma visita ao pelo mítico Morés, e a deslocação a Bissau para participarem na famosa Operação Mar Verde.
Sempre documentado com fotos e curiosidades, umas vezes com humor, outras com mágoa, é um site que procura dar o seu pequeno contributo, para a constituição da nossa memória colectiva, e para que a verdade seja consolidada. Este site é actualizado anualmente.
Lista dos títulos dos artigos do site:
BissauUm mundo diferente
A boneca de osso
A invasão da Guiné Conackry (Operação Mar Verde)
A 13ª Companhia de Comandos
Bolama
A ilha de Bolama
O desembarque do dia "D"
Os felupes e os balantas
Realizando o impossível
Quem é melhor ? Manjaco, manjaco, manjaco
Inimigo à vista
Bissorã
A vila de Bissorã
A defesa de Bissorã
A equipa maravilha
O morto mata 4
Visita ao QG do PAIGC no Morés
Curiosidades sobre algum material capturado ao PAIGC
O ataques da bicharada
Presentes de guerra
Fotografando o inimigo
Binar
O quartel de Binar
Ataque a Binar
Os construtores de quartéis
Cubano capturado nos arredores de Binar
A morte vem de avião
Os periquitos
EncheiaA localidade de Encheia
O falso abrigo
Biambi
O quartel de Biambi
A "conquista" do Queré
A velhinha e o galo
Ataque ao Biambi
Os comandos do PAIGC
A morte dos 3 majores
Carlos Fortunato
2. Comentário de L.G., enviado à malta da tertúlia:
Amigos & Camaradas de Tertúlia da Guiné:
O Carlos Fortunato, que pertence à nossa tertúlia, acabou de rever e actualizar a sua página, que é uma das poucas que existem na Net só sobre uma unidade de intervenção que tenha operada no teatro de operações da Guiné, durante a guerra colonial (1963/74). A página abre com uma conhecida música dos Beach Boys (lembram-se deles ?)... I get around é uma forma bastante feliz de descrever as andanças ou a errância da CCAÇ 13.
As estórias do Carlos estão bem contadas, são simples, coloquiais… Até acho que dariam para desenvolver um pouco mais… Faltam talvez links para fazer melhor a articulação entre as diversas partes do texto… Mas isto são pequenos aspectos a rever na próxima actualização. Outra coisa: arranja um mapa da região, para o visitante se localizar melhor…
Também já disse ao Carlos que gostei muito de ler as suas observações sobre os balantas e os felupes… Infelizmente, eu não tive o privilégio de conviver, como ele, com estes dois grupos étnicos. Tínhamos (falo do Sector L1 e da CCAÇ 12) população balanta, mas era-nos hostil… E o único felupe que eu conheci, era pouco recomendável…
Amigos & camaradas, façam o favor de visitar a página do Carlos, de a divulgar e dar o respectivo feedback ao webmaster. É muito importante, como incentivo e reforço da motivação do autor. Ele tinha-nos prometido mandar um resumo para o blogue e aqui está. Também está a elaborar uam página sobre Bissorã, onde a CCAÇ 13 passou mais tempo. Mas, para já, os meus parabéns pelo esforço que ele fez, nesta tarefa comum de reconstruir o puzzle da guerra da Guiné.
O Carlos joga em casa: é especialista em Sistemas de Informação, Sistemas de Gestão da Qualidade e Web Design... Se precisarem dos serviços dele, de certo ele vos dará uma mãozinha... Não se esqueçam que estamos todos a aprender coisas novas, a falar uma nova linguagem, a comunicar de uma maneira que era impensável no tempo que andávamos por Bissorã, Geba, Cantacunda, Barro, Cansissé, Bambadinca, Xitole ou Xime.
3. Vê-se que o Carlos Fortunato continua a ter uma grande admiração tanto pelos balantas como pelos felupes. Diz ele há dias numa das últimas mensagens:
"Os felupes devem ser os mais extraordinários guerreiros da Guiné, o alferes que me deu o curso de minas e armadilhas esteve com eles no mato, e contava que eram uma coisa incrível. O felupe que ia sempre à frente chamava-se Cowboy, e por vezes parava e dizia está ali uma mina, ali outra e ali outra. E estavam mesmo!...
"Fizemos uma pequena competição de luta corpo a corpo entre balantas e felupes, e os balantas não ganharam uma luta ... ".
Em narrativas curtas, contam-se algumas das acções que ocorreram neste período, tentando dar uma imagem do que era a guerra na Guiné, não esquecendo o contributo dos soldados africanos nem o seu abandono.
A CCAÇ 13 era uma companhia de intervenção e, como tal, passou o seu tempo saltitando de um lado para o outro em operações. O site descreve alguns dos eventos, que se passaram quando da sua passagem por Bissau, Bolama, Bissorã, Binar, Biambi, e Encheia, que incluíram uma visita ao pelo mítico Morés, e a deslocação a Bissau para participarem na famosa Operação Mar Verde.
Sempre documentado com fotos e curiosidades, umas vezes com humor, outras com mágoa, é um site que procura dar o seu pequeno contributo, para a constituição da nossa memória colectiva, e para que a verdade seja consolidada. Este site é actualizado anualmente.
Lista dos títulos dos artigos do site:
BissauUm mundo diferente
A boneca de osso
A invasão da Guiné Conackry (Operação Mar Verde)
A 13ª Companhia de Comandos
Bolama
A ilha de Bolama
O desembarque do dia "D"
Os felupes e os balantas
Realizando o impossível
Quem é melhor ? Manjaco, manjaco, manjaco
Inimigo à vista
Bissorã
A vila de Bissorã
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A equipa maravilha
O morto mata 4
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Fotografando o inimigo
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A "conquista" do Queré
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Os comandos do PAIGC
A morte dos 3 majores
Carlos Fortunato
2. Comentário de L.G., enviado à malta da tertúlia:
Amigos & Camaradas de Tertúlia da Guiné:
O Carlos Fortunato, que pertence à nossa tertúlia, acabou de rever e actualizar a sua página, que é uma das poucas que existem na Net só sobre uma unidade de intervenção que tenha operada no teatro de operações da Guiné, durante a guerra colonial (1963/74). A página abre com uma conhecida música dos Beach Boys (lembram-se deles ?)... I get around é uma forma bastante feliz de descrever as andanças ou a errância da CCAÇ 13.
As estórias do Carlos estão bem contadas, são simples, coloquiais… Até acho que dariam para desenvolver um pouco mais… Faltam talvez links para fazer melhor a articulação entre as diversas partes do texto… Mas isto são pequenos aspectos a rever na próxima actualização. Outra coisa: arranja um mapa da região, para o visitante se localizar melhor…
Também já disse ao Carlos que gostei muito de ler as suas observações sobre os balantas e os felupes… Infelizmente, eu não tive o privilégio de conviver, como ele, com estes dois grupos étnicos. Tínhamos (falo do Sector L1 e da CCAÇ 12) população balanta, mas era-nos hostil… E o único felupe que eu conheci, era pouco recomendável…
Amigos & camaradas, façam o favor de visitar a página do Carlos, de a divulgar e dar o respectivo feedback ao webmaster. É muito importante, como incentivo e reforço da motivação do autor. Ele tinha-nos prometido mandar um resumo para o blogue e aqui está. Também está a elaborar uam página sobre Bissorã, onde a CCAÇ 13 passou mais tempo. Mas, para já, os meus parabéns pelo esforço que ele fez, nesta tarefa comum de reconstruir o puzzle da guerra da Guiné.
O Carlos joga em casa: é especialista em Sistemas de Informação, Sistemas de Gestão da Qualidade e Web Design... Se precisarem dos serviços dele, de certo ele vos dará uma mãozinha... Não se esqueçam que estamos todos a aprender coisas novas, a falar uma nova linguagem, a comunicar de uma maneira que era impensável no tempo que andávamos por Bissorã, Geba, Cantacunda, Barro, Cansissé, Bambadinca, Xitole ou Xime.
3. Vê-se que o Carlos Fortunato continua a ter uma grande admiração tanto pelos balantas como pelos felupes. Diz ele há dias numa das últimas mensagens:
"Os felupes devem ser os mais extraordinários guerreiros da Guiné, o alferes que me deu o curso de minas e armadilhas esteve com eles no mato, e contava que eram uma coisa incrível. O felupe que ia sempre à frente chamava-se Cowboy, e por vezes parava e dizia está ali uma mina, ali outra e ali outra. E estavam mesmo!...
"Fizemos uma pequena competição de luta corpo a corpo entre balantas e felupes, e os balantas não ganharam uma luta ... ".
Guiné 63/74 - P153: Bibliografia (2): Informação & Propaganda: os 'grandes' repórteres de guerra (Marques Lopes)
1. Selecção e notas de A. Marques Lopes, membro da tertúlia dos ex-combatentes da Guiné:
A propaganda a favor da guerra colonial foi intensa da parte do regime, que tinha em Amândio César um dos seus corifeus. Em 1965, a Editora Pax, de Braga, publicou o seu livro Guiné 1965: contra-ataque.
O texto seguinte vem nas badanas da capa, juntamente com a fotografia do autor (grande repórter de guerra...), e diz bem do esforço que era feito em meios para a propaganda e defesa da guerra:
«Em Março e Abril de 1935, Amândio César visitou a Guiné a fim de efectuar uma reportagem sobre aquela Província para a Emissora Nacional. O convite fora-lhe dirigido pelo Ministério da Defesa Nacional, através do Serviço de Informação das Forças Armadas.
"Essa reportagem prolongou-se por espaço de tempo suficiente para que ele pudesse ter e pudesse dar uma ideia exacta da luta que naquela parcela de território nacional se processa contra a guerra subversiva. Depois da reportagem de Angola em 1961, era a segunda vez que Amândio César voltava a um seu tema favorito: a luta que o Exército e o Povo de Portugal sustentam contra os elementos da guerra revolucionária.
Amândio César, "grande repórter
de guerra" da Emissora Nacional.
Na Guiné, em 1965. "Durante dias e dias as crónicas foram ouvidas nos microfones da Emissora Nacional. Posteriormente, essas páginas de reportagem foram publicadas, no Diário do Norte. No entanto, quisemos arquivar na «Colecção Metrópole e Ultramar» este depoimento que dá a exacta medida da grandiosidade da luta em que estamos empenhados. Por outro lado, com a objectividade que lhe é peculiar, Amândio César deu-nos uma panorâmica da Guiné de nossos dias que abrande toda a sua vida e a dos povos, que a constituem.
Porém, mais do que as nossas palavras fala o oficio que o Ministro da Defesa enviou ao Presidente da Emissora Nacional e que, aqui, nos permitimos transcrever:
Título: Guiné 1965: contra-ataque
Autor: Amândio César.
Editora e local: Pax, Braga
Ano: 1965
Capa feita sobre uma fotografia do Coronel Pinto Soares.
(1). A equipa da Emissora Nacional constituída pelso Exmos. Srs. Dr. Amândio César, Fernando Garcia e Bento Feliz, realizou na Guiné num prazo de tempo muito reduzido, um trabalho de valor no qual evidenciou elevado espírito de missão.
(2). Assim, em 29 dias, a equipa visitou e realizou reportagens em Bissau (Liceu, Escola Técnica Mocidade Portuguesa, Escola Teixeira Pinto, Escola das Missões, Pigiguiti, Ponte Cais, Museu e Biblioteca, Jardim Escola, Missão da Doença do Sono, Aeródromos Militar e Civil, Pára-quedistas), Safim, Nhacra, Mansoa, Mansabá, Prabis, Asilo de Bor, Leprosaria de Cumura, Bijagós, Bubaque, Nova Lamego, Buruntuma, fronteira, Canquelifá, Bafatá, Bambadinca, Amedalai, Bolama, Nova Ofir, Cachil (Ilha de Como), Cacine, Caneca, fronteira, Tanene, Guileje, Aldeia Formosa, Teixeira Pinto, Susana, Bula, Binar, Olossato, Farim, Binta, Guidage, Pessubé.
(3). Efectuou simultaneamente numerosas entrevistas e, no conjunto, colheu grande quantidade de material com muito interesse para o público.
(4). Colaborou ainda e a título gracioso, com um operador militar, na realização de um filme documentário.
(5). A equipa deixou na Província a melhor das impressões e, no relatório do Gabinete Militar do Comando-Chefe, agora recebido, pode ler-se: «O cumprimento do programa elaborado foi extenuante e a equipa ressentiu-se deste facto — aliado ao clima na sua pior estacão — o que a fez emagrecer e até dormirem nos aviões. Porém, conseguiu-se percorrer praticamente toda a Província».
(6). É muito grato dar a conhecer a V. Ex.ª estes factos que são testemunho fia muita dedicação dos funcionários da Emissora Nacional e às Forças Armadas.
Sua Ex.ª o Ministro encarrega-me ainda de agradecer a V. Ex.ª, Senhor Presidente, em nome das Forças Armadas da Guiné e no seu próprio, o esplêndido trabalho efectuado, bem como o esforço generosamente dispendido pelos componentes da dedicada equipa de reportagem da Emissora Nacional.
3. A. Marques Lopes: Dou-vos a seguir alguns excertos que dizem bem da preocupação em minimizar a guerrilha e o problema por ela levantado bem como da admiração pelos ideais fascistas:
Esta sequência de reportagem permanece no Óio, ou melhor, continua em Mansabá. O estar-se numa terra, muito ou pouco tempo, não é razão para que se saia dela tudo imediatamente. O meu caso é esse: a região do Óio é vasta e lá decorreram alguns motivos fundamentais desta guerra que os nossos soldados sustentam na Guiné. Ora são esses soldados que me arrastam para uma sala onde está um trofeu de guerra: a farda do célebre facínora Inocêncio Ken. Ele era um dos elementos mais notórios do terrorismo. Parecia invulnerável às balas dos combates que sustentou com a nossa tropa. No final acabou por ceder, acabou por cair - coisa que sucede a todos os facínoras que se metem numa guerra ilegal, feita contra a natureza das coisas e dos homens.
Diante de mim, pendurado numa parede branca, alva de pureza, está a nódoa do capacete de Inocêncio Ken, feito de pele de macaco ... A regressão é notória e nem o feiticismo zoológico o salvou de prestar contas aos soldados portugueses: brancos ou pretos, porque todos representam Portugal.
Ao lado deste troféu de guerra encontra-se a camisola do facínora com os mezinhas que o deviam salvaguardar do ajuste de contas que estava à vista. Com efeito, dez quadradinhos, cosidos ao tecido eram outros tantos motivos de tranquilidade para quem fazia uma guerra revolucionária, para quem praticava, impunemente, uma guerra de terrorismo.
Mas o seu dia último chegou. O último dia chega sempre para os facínoras ... Bem sei que os feiticeiros podem dizer que os soldados de Portugal deitam água quente pelo cano e não matam ninguém ... Nessa mentira embarcaram os bacongos de Angola e a resposta viu-se. Com mentira idêntica — desta vez com mezinhas locais — levaram estes povos à indisciplina.
E o resultado está à vista: Amílcar Cabral a esmolar auxílio pelos centros de subversão, a ver se alguém deita uma esmola para uma guerra de que ele há-de ser um dia vítima. Até porque não é, verdadeiramente, guineense e, para mais está casado com uma mulher branca, da região transmontana. Nem sequer é africana a mulher de Amílcar Cabral! E isso é um grave impedimento para se ser alguma coisa de provável nesta confusão demoníaco-marxista ...
Mas voltemos ao facínora que é o camarada de Amílcar Cabra — engenheiro-agrónomo, com o curso tirado em Lisboa, capital de uma Pátria onde lançou as sementes mais sangrentas do terror. Efectivamente, a camisola de Inocêncio Ken, companheiro de Amílcar Cabral e de sua esposa branca, lá estava pendurada, depois de tirada ao corpo do facínora morto. A coisa não meteu agência funerária e os mezinhas não serviram para nada.
Os dez quadradinhos, os dez quadradinhos pretos não salvaram o terrorista do ajuste de contas. Repouse em paz, se é que um assassino pode repousar em paz!
(...) Chegou o momento de a autoridade administrativa não nos deixar partir sem molharmos a palavra, ao bom jeito português. E pronto: caímos em casa do Administrador Pimentel e fizemos gala ao jantar volante que nos serviu, com requintes que não podemos esquecer. Sim: ficaríamos mais tempo se pudéssemos. Mas tínhamos de cobrir a distância de Mansoa a Bissau no mesmo automóvel que nos trouxera, guiado pelo mesmo balanta que nos servira de condutor em toda a nossa estada na Guiné.
Noite alta partimos e, na estrada asfaltada, fomos revendo toda esta jornada ao Óio, centro efervescente de terrorismo, agora em franca pacificação. As imagens não se esbatem na memória. Lá fizemos amigos e conhecemos novas gentes e novos soldados. Lá confirmámos uma ideia que dia a dia se tornaria mais nítida: a sorte da guerra virava-se para o nosso lado. Nós venceríamos esta guerra.
(...) Depois aparece no nosso convívio um recuperado da luta contra nós. Arranjou também um patrono, como cartão de apresentação: nada menos do que Viriato! E, quando o capitão lhe perguntou diante de nós quem era Viriato, com um sorriso a sublinhar a dignidade da resposta, ele definiu desta maneira o pastor dos Hermínios:
—Viriato foi homem grande, português, que deu manga de porrada em pessoal bandido! Assim disse. E acreditava no que dizia. A imaginação dos povos submetidos à disciplina do Islão é maravilhosa. E não direi aqui a resposta de Viriato do Gabu, quando lhe perguntaram quem era o «Chefe da Tabanca Grande de Lisboa». Claro que esse Chefe é o Doutor Oliveira Salazar. Mas, pela resposta, para Viriato de Nova Lamego o Presidente do Conselho é uma espécie de super-boxeur, que bate que se farta no pessoal bandido! ...
Legenda original: "Monumento que o Duce, Benito Mussolini, amdou erguer na antiga capital da Guiné aos "caduti di Bolama". Dele escreveu Dons Rachelle Mussolini ao Autor desta reportagem: 'Ammiro veramente i portighesi che non l' hanno distrutto comme ésuscesso cuá in Itália' [Admiro verdadeiramente os portugueses que o não destruiram como aconteceu cá em Itália"
(...) Finalmente: Bolama que tem em si um dos raros monumentos ao esforço fascista de paz, quando Mussolini e Ítalo Balbo tentaram o cruzeiro aéreo para unir Roma ao Brasil. Com efeito, dois dos aparelhos despenharam-se em Bolama e a missão esteve em riscos de se malograr. Tal não aconteceu porque a tenacidade de Ítalo Balbo a isso se opoz. Resta desse desastre o belo monumento aos «Caduti di Bolama» no qual se reproduz um aspecto dos destroços dos aviões — duas asas, uma das quais ainda erguida aos céus e a outra quebrada e caída em terra.
O monumento foi feito por italianos e com pedra italiana, vinda de Itália, para esse fim. Mandou-o erguer Mussolini e na sua base lá se encontra a coroa de bronze por ele oferecida, com estes dizeres — Mussolini ai cadutti di Bolama. Ao lado, a águia da fábrica de hidro-aviões Savoia, uma coroa com fáscios da Isotta-Fraschini e a coroa de louros da Fiat. É curioso notar que este será um dos raros monumentos do fascismo, no mundo, que no fim de 1945 não foi apeado. Virado para diante e no alto, o distintivo dos fáscios olha ainda com alienaria o futuro, no seu feixe de varas e no seu machado, a lembrar a grandeza da Roma do passado.
(...) Falámos com alguns dos que regressaram e eles ficavam contentes de contactarem connosco: um disse-me, com orgulho, que tinha fugido e que a população portuguesa tinha batido os bandidos. É curioso que, com orgulho, pôde também dizer-me que o terrorista português era o melhor e o mais valente; o outro, da Guiné ou do Senegal não valia nada, mesmo nada. Sorri para dentro: a nossa presença é tão profunda que até tínhamos a primazia no campo terrorista: eram eles os melhores e os mais valentes! E devo acrescentar que eles usam o português como língua e não o crioulo ou a língua da sua raça. É um motivo de orgulho e de superioridade. As próprias instruções e os próprios livros de aprendisato são impressos em português. Que espantoso acto de contrição tudo isto significa para o sociólogo que quiser ver e nos quiser julgar!
Fonte: Extractos de: César, A. (1965): Guiné 1965: Contra-Ataque. Braga: Pax.
A propaganda a favor da guerra colonial foi intensa da parte do regime, que tinha em Amândio César um dos seus corifeus. Em 1965, a Editora Pax, de Braga, publicou o seu livro Guiné 1965: contra-ataque.
O texto seguinte vem nas badanas da capa, juntamente com a fotografia do autor (grande repórter de guerra...), e diz bem do esforço que era feito em meios para a propaganda e defesa da guerra:
«Em Março e Abril de 1935, Amândio César visitou a Guiné a fim de efectuar uma reportagem sobre aquela Província para a Emissora Nacional. O convite fora-lhe dirigido pelo Ministério da Defesa Nacional, através do Serviço de Informação das Forças Armadas.
"Essa reportagem prolongou-se por espaço de tempo suficiente para que ele pudesse ter e pudesse dar uma ideia exacta da luta que naquela parcela de território nacional se processa contra a guerra subversiva. Depois da reportagem de Angola em 1961, era a segunda vez que Amândio César voltava a um seu tema favorito: a luta que o Exército e o Povo de Portugal sustentam contra os elementos da guerra revolucionária.
Amândio César, "grande repórter
de guerra" da Emissora Nacional.
Na Guiné, em 1965. "Durante dias e dias as crónicas foram ouvidas nos microfones da Emissora Nacional. Posteriormente, essas páginas de reportagem foram publicadas, no Diário do Norte. No entanto, quisemos arquivar na «Colecção Metrópole e Ultramar» este depoimento que dá a exacta medida da grandiosidade da luta em que estamos empenhados. Por outro lado, com a objectividade que lhe é peculiar, Amândio César deu-nos uma panorâmica da Guiné de nossos dias que abrande toda a sua vida e a dos povos, que a constituem.
Porém, mais do que as nossas palavras fala o oficio que o Ministro da Defesa enviou ao Presidente da Emissora Nacional e que, aqui, nos permitimos transcrever:
Título: Guiné 1965: contra-ataque
Autor: Amândio César.
Editora e local: Pax, Braga
Ano: 1965
Capa feita sobre uma fotografia do Coronel Pinto Soares.
(1). A equipa da Emissora Nacional constituída pelso Exmos. Srs. Dr. Amândio César, Fernando Garcia e Bento Feliz, realizou na Guiné num prazo de tempo muito reduzido, um trabalho de valor no qual evidenciou elevado espírito de missão.
(2). Assim, em 29 dias, a equipa visitou e realizou reportagens em Bissau (Liceu, Escola Técnica Mocidade Portuguesa, Escola Teixeira Pinto, Escola das Missões, Pigiguiti, Ponte Cais, Museu e Biblioteca, Jardim Escola, Missão da Doença do Sono, Aeródromos Militar e Civil, Pára-quedistas), Safim, Nhacra, Mansoa, Mansabá, Prabis, Asilo de Bor, Leprosaria de Cumura, Bijagós, Bubaque, Nova Lamego, Buruntuma, fronteira, Canquelifá, Bafatá, Bambadinca, Amedalai, Bolama, Nova Ofir, Cachil (Ilha de Como), Cacine, Caneca, fronteira, Tanene, Guileje, Aldeia Formosa, Teixeira Pinto, Susana, Bula, Binar, Olossato, Farim, Binta, Guidage, Pessubé.
(3). Efectuou simultaneamente numerosas entrevistas e, no conjunto, colheu grande quantidade de material com muito interesse para o público.
(4). Colaborou ainda e a título gracioso, com um operador militar, na realização de um filme documentário.
(5). A equipa deixou na Província a melhor das impressões e, no relatório do Gabinete Militar do Comando-Chefe, agora recebido, pode ler-se: «O cumprimento do programa elaborado foi extenuante e a equipa ressentiu-se deste facto — aliado ao clima na sua pior estacão — o que a fez emagrecer e até dormirem nos aviões. Porém, conseguiu-se percorrer praticamente toda a Província».
(6). É muito grato dar a conhecer a V. Ex.ª estes factos que são testemunho fia muita dedicação dos funcionários da Emissora Nacional e às Forças Armadas.
Sua Ex.ª o Ministro encarrega-me ainda de agradecer a V. Ex.ª, Senhor Presidente, em nome das Forças Armadas da Guiné e no seu próprio, o esplêndido trabalho efectuado, bem como o esforço generosamente dispendido pelos componentes da dedicada equipa de reportagem da Emissora Nacional.
3. A. Marques Lopes: Dou-vos a seguir alguns excertos que dizem bem da preocupação em minimizar a guerrilha e o problema por ela levantado bem como da admiração pelos ideais fascistas:
Esta sequência de reportagem permanece no Óio, ou melhor, continua em Mansabá. O estar-se numa terra, muito ou pouco tempo, não é razão para que se saia dela tudo imediatamente. O meu caso é esse: a região do Óio é vasta e lá decorreram alguns motivos fundamentais desta guerra que os nossos soldados sustentam na Guiné. Ora são esses soldados que me arrastam para uma sala onde está um trofeu de guerra: a farda do célebre facínora Inocêncio Ken. Ele era um dos elementos mais notórios do terrorismo. Parecia invulnerável às balas dos combates que sustentou com a nossa tropa. No final acabou por ceder, acabou por cair - coisa que sucede a todos os facínoras que se metem numa guerra ilegal, feita contra a natureza das coisas e dos homens.
Diante de mim, pendurado numa parede branca, alva de pureza, está a nódoa do capacete de Inocêncio Ken, feito de pele de macaco ... A regressão é notória e nem o feiticismo zoológico o salvou de prestar contas aos soldados portugueses: brancos ou pretos, porque todos representam Portugal.
Ao lado deste troféu de guerra encontra-se a camisola do facínora com os mezinhas que o deviam salvaguardar do ajuste de contas que estava à vista. Com efeito, dez quadradinhos, cosidos ao tecido eram outros tantos motivos de tranquilidade para quem fazia uma guerra revolucionária, para quem praticava, impunemente, uma guerra de terrorismo.
Mas o seu dia último chegou. O último dia chega sempre para os facínoras ... Bem sei que os feiticeiros podem dizer que os soldados de Portugal deitam água quente pelo cano e não matam ninguém ... Nessa mentira embarcaram os bacongos de Angola e a resposta viu-se. Com mentira idêntica — desta vez com mezinhas locais — levaram estes povos à indisciplina.
E o resultado está à vista: Amílcar Cabral a esmolar auxílio pelos centros de subversão, a ver se alguém deita uma esmola para uma guerra de que ele há-de ser um dia vítima. Até porque não é, verdadeiramente, guineense e, para mais está casado com uma mulher branca, da região transmontana. Nem sequer é africana a mulher de Amílcar Cabral! E isso é um grave impedimento para se ser alguma coisa de provável nesta confusão demoníaco-marxista ...
Mas voltemos ao facínora que é o camarada de Amílcar Cabra — engenheiro-agrónomo, com o curso tirado em Lisboa, capital de uma Pátria onde lançou as sementes mais sangrentas do terror. Efectivamente, a camisola de Inocêncio Ken, companheiro de Amílcar Cabral e de sua esposa branca, lá estava pendurada, depois de tirada ao corpo do facínora morto. A coisa não meteu agência funerária e os mezinhas não serviram para nada.
Os dez quadradinhos, os dez quadradinhos pretos não salvaram o terrorista do ajuste de contas. Repouse em paz, se é que um assassino pode repousar em paz!
(...) Chegou o momento de a autoridade administrativa não nos deixar partir sem molharmos a palavra, ao bom jeito português. E pronto: caímos em casa do Administrador Pimentel e fizemos gala ao jantar volante que nos serviu, com requintes que não podemos esquecer. Sim: ficaríamos mais tempo se pudéssemos. Mas tínhamos de cobrir a distância de Mansoa a Bissau no mesmo automóvel que nos trouxera, guiado pelo mesmo balanta que nos servira de condutor em toda a nossa estada na Guiné.
Noite alta partimos e, na estrada asfaltada, fomos revendo toda esta jornada ao Óio, centro efervescente de terrorismo, agora em franca pacificação. As imagens não se esbatem na memória. Lá fizemos amigos e conhecemos novas gentes e novos soldados. Lá confirmámos uma ideia que dia a dia se tornaria mais nítida: a sorte da guerra virava-se para o nosso lado. Nós venceríamos esta guerra.
(...) Depois aparece no nosso convívio um recuperado da luta contra nós. Arranjou também um patrono, como cartão de apresentação: nada menos do que Viriato! E, quando o capitão lhe perguntou diante de nós quem era Viriato, com um sorriso a sublinhar a dignidade da resposta, ele definiu desta maneira o pastor dos Hermínios:
—Viriato foi homem grande, português, que deu manga de porrada em pessoal bandido! Assim disse. E acreditava no que dizia. A imaginação dos povos submetidos à disciplina do Islão é maravilhosa. E não direi aqui a resposta de Viriato do Gabu, quando lhe perguntaram quem era o «Chefe da Tabanca Grande de Lisboa». Claro que esse Chefe é o Doutor Oliveira Salazar. Mas, pela resposta, para Viriato de Nova Lamego o Presidente do Conselho é uma espécie de super-boxeur, que bate que se farta no pessoal bandido! ...
Legenda original: "Monumento que o Duce, Benito Mussolini, amdou erguer na antiga capital da Guiné aos "caduti di Bolama". Dele escreveu Dons Rachelle Mussolini ao Autor desta reportagem: 'Ammiro veramente i portighesi che non l' hanno distrutto comme ésuscesso cuá in Itália' [Admiro verdadeiramente os portugueses que o não destruiram como aconteceu cá em Itália"
(...) Finalmente: Bolama que tem em si um dos raros monumentos ao esforço fascista de paz, quando Mussolini e Ítalo Balbo tentaram o cruzeiro aéreo para unir Roma ao Brasil. Com efeito, dois dos aparelhos despenharam-se em Bolama e a missão esteve em riscos de se malograr. Tal não aconteceu porque a tenacidade de Ítalo Balbo a isso se opoz. Resta desse desastre o belo monumento aos «Caduti di Bolama» no qual se reproduz um aspecto dos destroços dos aviões — duas asas, uma das quais ainda erguida aos céus e a outra quebrada e caída em terra.
O monumento foi feito por italianos e com pedra italiana, vinda de Itália, para esse fim. Mandou-o erguer Mussolini e na sua base lá se encontra a coroa de bronze por ele oferecida, com estes dizeres — Mussolini ai cadutti di Bolama. Ao lado, a águia da fábrica de hidro-aviões Savoia, uma coroa com fáscios da Isotta-Fraschini e a coroa de louros da Fiat. É curioso notar que este será um dos raros monumentos do fascismo, no mundo, que no fim de 1945 não foi apeado. Virado para diante e no alto, o distintivo dos fáscios olha ainda com alienaria o futuro, no seu feixe de varas e no seu machado, a lembrar a grandeza da Roma do passado.
(...) Falámos com alguns dos que regressaram e eles ficavam contentes de contactarem connosco: um disse-me, com orgulho, que tinha fugido e que a população portuguesa tinha batido os bandidos. É curioso que, com orgulho, pôde também dizer-me que o terrorista português era o melhor e o mais valente; o outro, da Guiné ou do Senegal não valia nada, mesmo nada. Sorri para dentro: a nossa presença é tão profunda que até tínhamos a primazia no campo terrorista: eram eles os melhores e os mais valentes! E devo acrescentar que eles usam o português como língua e não o crioulo ou a língua da sua raça. É um motivo de orgulho e de superioridade. As próprias instruções e os próprios livros de aprendisato são impressos em português. Que espantoso acto de contrição tudo isto significa para o sociólogo que quiser ver e nos quiser julgar!
Fonte: Extractos de: César, A. (1965): Guiné 1965: Contra-Ataque. Braga: Pax.
Guné 63/74 - P152: Bibliografia (1): Informação & Propaganda: a Miss Guiné-72 (Marques Lopes)
Texto do A. Marques Lopes, membro da tertúlia de ex-combatentes da Guiné:
Caros amigos:
Um senhor, de seu nome José Manuel Pintasilgo (filho da Maria de Lourdes não era certamente), escreveu um livro intitulado Manga de Ronco no Chão, referindo-se a umas viagens feitas na companhia do Spínola pelo chão manjaco.
O livro saíu em 1972 sem indicação da editora, normal em muitas obras encomendadas directamente pelo regime (1). Dou-vos esta peça maravilhosa sobre a eleição da miss Guiné. Vocês conheceram estas bajudas?... Eu não!
Abraços
Marques Lopes
2. Extractos de : Pintasilgo, J. M. (1972) - Manga de Ronco no Chão.
«Do aeroporto de Biassalanca a Bissau é preciso agora escolta militar... Aquilo está mal!...". Chegaram a este extremo de mentira os boatos postos a correr pelo inimigo na retaguarda nacional, que é o território metropolitano.
De Biassalanca a Bissau anda-se tão livre e descansadamente como da Portela ao Areeiro, na entrada de Lisboa!
No entanto, e apesar de ser domingo o dia da nossa chegada, deparou-se-nos uma «guerra» em Bissau, nesta pacata, provinciana e por isso mesmo muito nossa, muito portuguesa Bissau, onde agora é hábito (o eterno bom humor português...) chamar «guerra» a qualquer acontecimento... Todos têm (e sempre) uma «guerra» a resolver!
Em pleno domingo, foi, na verdade, o rescaldo de uma «guerra» ainda recente.
Tão importante o acontecimento se nos apresentava que nos obrigou a vestir o casaco e a pôr gravata, utensílios que tínhamos abandonado logo que o «Boeing» da TAP aterrou em solo guineense.
Legenda original: "A juventude guineense: presença e confiança no futuro, aliadas a uma indómita vontade de vencer". (in: Pintasilgo, J. M. - Manga de Ronco no Chão. Lisboa: s/ed. 1972. 113).
A «guerra» fora, dias antes, a eleição da Miss Guiné-72. O rescaldo era uma cerimónia a que assistiam a eleita e as suas damas de honor: a entrega de prémios aos concorrentes do I Rali Automóvel do Grupo Desportivo dos Funcionários do Banco Nacional Ultramarino da Guiné. Cerimónia solene no salão de festas da U. D. l. B. (União Desportiva Internacional de Bissau), a que presidiu o secretário-geral da província, coronel Pedro Gomes Cardoso.
A eleição da Miss Guiné provocou, na capital da província, acalorado interesse, que atingiu o auge quando veio a notícia de que ao lado da Rosarinho Borges podia desfilar a Zaida Nogueira, sua primeira dama de honor.
A Guiné veria, assim, duas suas representantes a desfilar no Casino Estoril.
Legenda original: "As cinco jovens da Guiné que encontaram a Metrópole" (in: Pintasilgo, J. M. - Manga de Ronco no Chão.Lisboa: s/e. 1972. 113).
Mas esta província — exemplo mais pujante do ecumenismo racial do Mundo Português — levou a Lisboa, além das duas concorrentes ao galardão nacional da juventude e da beleza, a segunda dama de honor, Gilda Maria, e duas «chefes de claque», Elisa Pereira e Maria de Fátima Brito e Silva.
O programa entusiasmou, logo de início, as jovens, que se viram cumuladas, por toda a parte, de provas de simpatia e amizade.
No outro sábado, na U. D. l. B., seria o baile da coroação, no qual colaborariam dois conjuntos musicais de grande agrado junto da juventude de Bissau. Foram convidadas as mais altas autoridades da província.
A 6 de Março, no avião da TAP, chegaria a Lisboa a representação da Guiné, que ofereceria no dia 8, na Varanda do Chanceler, uma recepção às outras delegações ultramarinas, às concorrentes metropolitanas e aos representantes dos órgãos de Informação. Amizade verdadeira uniu, em todas as fases desta competição, as três jovens da Guiné: três raparigas estudantes que ansiavam por chegar a Lisboa na qualidade de embaixatrizes da sua província.
_______
Nota de L.G.
(1) Trata-se de edição de autor. O livro foi efectivamente publicado em 1972. Pintasilgo foi director de A Época e também autor, juntamente com Handel de Oliveira e Acácio de Figueiredo, do livro Nós Não Seremos a Geração da Traição, obra onde se expõe as conclusões do polémico I Congresso dos Combatentes do Ultramar (Porto, Junho de 1973).
Caros amigos:
Um senhor, de seu nome José Manuel Pintasilgo (filho da Maria de Lourdes não era certamente), escreveu um livro intitulado Manga de Ronco no Chão, referindo-se a umas viagens feitas na companhia do Spínola pelo chão manjaco.
O livro saíu em 1972 sem indicação da editora, normal em muitas obras encomendadas directamente pelo regime (1). Dou-vos esta peça maravilhosa sobre a eleição da miss Guiné. Vocês conheceram estas bajudas?... Eu não!
Abraços
Marques Lopes
2. Extractos de : Pintasilgo, J. M. (1972) - Manga de Ronco no Chão.
«Do aeroporto de Biassalanca a Bissau é preciso agora escolta militar... Aquilo está mal!...". Chegaram a este extremo de mentira os boatos postos a correr pelo inimigo na retaguarda nacional, que é o território metropolitano.
De Biassalanca a Bissau anda-se tão livre e descansadamente como da Portela ao Areeiro, na entrada de Lisboa!
No entanto, e apesar de ser domingo o dia da nossa chegada, deparou-se-nos uma «guerra» em Bissau, nesta pacata, provinciana e por isso mesmo muito nossa, muito portuguesa Bissau, onde agora é hábito (o eterno bom humor português...) chamar «guerra» a qualquer acontecimento... Todos têm (e sempre) uma «guerra» a resolver!
Em pleno domingo, foi, na verdade, o rescaldo de uma «guerra» ainda recente.
Tão importante o acontecimento se nos apresentava que nos obrigou a vestir o casaco e a pôr gravata, utensílios que tínhamos abandonado logo que o «Boeing» da TAP aterrou em solo guineense.
Legenda original: "A juventude guineense: presença e confiança no futuro, aliadas a uma indómita vontade de vencer". (in: Pintasilgo, J. M. - Manga de Ronco no Chão. Lisboa: s/ed. 1972. 113).
A «guerra» fora, dias antes, a eleição da Miss Guiné-72. O rescaldo era uma cerimónia a que assistiam a eleita e as suas damas de honor: a entrega de prémios aos concorrentes do I Rali Automóvel do Grupo Desportivo dos Funcionários do Banco Nacional Ultramarino da Guiné. Cerimónia solene no salão de festas da U. D. l. B. (União Desportiva Internacional de Bissau), a que presidiu o secretário-geral da província, coronel Pedro Gomes Cardoso.
A eleição da Miss Guiné provocou, na capital da província, acalorado interesse, que atingiu o auge quando veio a notícia de que ao lado da Rosarinho Borges podia desfilar a Zaida Nogueira, sua primeira dama de honor.
A Guiné veria, assim, duas suas representantes a desfilar no Casino Estoril.
Legenda original: "As cinco jovens da Guiné que encontaram a Metrópole" (in: Pintasilgo, J. M. - Manga de Ronco no Chão.Lisboa: s/e. 1972. 113).
Mas esta província — exemplo mais pujante do ecumenismo racial do Mundo Português — levou a Lisboa, além das duas concorrentes ao galardão nacional da juventude e da beleza, a segunda dama de honor, Gilda Maria, e duas «chefes de claque», Elisa Pereira e Maria de Fátima Brito e Silva.
O programa entusiasmou, logo de início, as jovens, que se viram cumuladas, por toda a parte, de provas de simpatia e amizade.
No outro sábado, na U. D. l. B., seria o baile da coroação, no qual colaborariam dois conjuntos musicais de grande agrado junto da juventude de Bissau. Foram convidadas as mais altas autoridades da província.
A 6 de Março, no avião da TAP, chegaria a Lisboa a representação da Guiné, que ofereceria no dia 8, na Varanda do Chanceler, uma recepção às outras delegações ultramarinas, às concorrentes metropolitanas e aos representantes dos órgãos de Informação. Amizade verdadeira uniu, em todas as fases desta competição, as três jovens da Guiné: três raparigas estudantes que ansiavam por chegar a Lisboa na qualidade de embaixatrizes da sua província.
_______
Nota de L.G.
(1) Trata-se de edição de autor. O livro foi efectivamente publicado em 1972. Pintasilgo foi director de A Época e também autor, juntamente com Handel de Oliveira e Acácio de Figueiredo, do livro Nós Não Seremos a Geração da Traição, obra onde se expõe as conclusões do polémico I Congresso dos Combatentes do Ultramar (Porto, Junho de 1973).
segunda-feira, 15 de agosto de 2005
Guiné 63/74 - P151: Saltinho, 1971/74... Joaquim Guimarães - United States of America, 2005
1. Mensagem acabada de receber na caixa de correio de L.G. (15 de Agosto de 2005, 23.24 h)
Estimado Luis Graça:
O meu nome é Joaquim Guimarães, sou residente nos Estados Unidos e ex-combatente da Guiné. Estive no Saltinho nos anos de 1971 a 74.
A informação do seu endereco foi-me dada pelo meu amigo de adolescência e também ex-militar na Guiné, o Luís Carvalhido [vd. Tertúlia dos ex-combatentes da Guiné].
Quando recebi o correio do Luis há uns tempos atrás fiquei "vazio" , não sabemdo bem como reagir ao aceder á página da Tertúlia de ex-combatentes da Guiné (1963/74).
O meu primeiro impulso foi enviar a notícia para os meus primos na França e Alemanha para saber como é que eles reagiriam a este extraordinário agrupamento de memórias. Até me recordei de coisas que estavam esquecidas há mais de trinta anos!
Um muito obrigado e parabéns pela maneira como tudo isto está organizado. Desde já pedia-lhe o favor de acrescentar mais um nome à sua lista e de me manter actualizado.
As fotos tiradas recentemente no Saltinho são as mesmas imagens tiradas em 71.
Tenho fotos e histórias que quero contar. Até lá os meus maiores desejos de saúde e felicidades.
Guimarães (...mas sou natural de Viana do Castelo)
2. Resposta de L.G.:
Meu caro Joaquim Guimarães:
Só podes ser bem vindo a esta tertúlia. Passas a fazer parte deste grupo de camaradas (e amigos), com todo o mérito. Além disso, sentimo-nos honrados com a tua mensagem. És um português da diáspora, que não esquece a sua terra, as suas raízes. O facto de teres andado pelos mesmos sítios por onde nós andámos, nas difíceis condições da guerra da Guiné, vem reforçar o nosso sentimento de grupo.
Logo que eu possa, farei a inclusão do teu nome na nossa tertúlia. Mas a partir deste momento podes comunicar, por e-mail, com todos amigos e camaradas da tertúlia, alguns dos quais já conheces como é o caso do Luís Carvalhido. Ele já me tinha falado em ti.
Fica ao teu critério mandares-me duas fotos para pôr na nossa fotogaleria: uma do tempo da Guiné e outra mais recente. E já agora diz-me, se assim o entenderes, qual era o teu posto e especialidade, a tua companhia (e eventualmente o teu batalhão), qual foi a tua unidade mobilizadora, onde vives e trabalhas nos EUA...
Ficamos à espera também das tuas fotos e das tuas estórias do Saltinho. Como vês, ainda não temos uma página só dedicada ao Saltinho. Neste momento, temos uma página conjunta sobre o Xitole e o Saltinho. Mas pode justificar-se, se houver suficiente material documental, a criação de uma página só dedicada ao Saltinho.
A propósito, conheces a página, não oficial, dos Rangers, elaborada pelo Ranger Eusébio (do Centro de Instrução de Operações Especiais, Lamego) ? Ele esteve seguramente contigo no Saltinho na mesma altura. Possivelmente vocês eram da mesma unidade. Ele tem imagens da Guiné que seguramente tu vais gostar de ver.
PS - Como vês, na nossa tertúlia, entre ex-camaradas da Guiné, tratamo-nos por tu. Aqui entre nós, não deve haver barreiras nem fronteiras, nem as de ontem nem as de hoje. Vai dando notícias. E divulga a nossa tertúlia. Boa sorte, amigo e camarada.
3. Cópia do e-mail, enviado posteriormente pelo Sousa de Castro ao nosso novo tertuliano:
Caro amigo. Olhando para a data em que estiveste na Guiné e na referida zona, leva-me a crer que pertenceste ao BCAÇ 3872, certo? Eu chamo-me António Castro, sou de Vila Fria, Viana do Castelo e pertenci ao BART 3873, na mesma época. Fala-nos algo sobre a tua companhia e também de recordações cpm que nos queiras presentear.
Sous de Castro
4. Resposta do Joaquim Guimarães:
Caro António:
(...) Obrigado pelo teu e-mail. Sim, estás certo, fiz parte do BCAÇ 3872, pertenci à CCAÇ 3490, localizada no Saltinho e também num destacamento bem perto de Galomaro onde era a CCS.
A maior parte do meu tempo de Guiné foi passado na escola, pois eu fui o professor do posto escolar do Saltinho. Só de vez em quando, por óptimo comportamento, fazia umas emboscadas aqui ou ali. Mas sofri do mesmo [que os outros camaradas], as mesmas angústias, o mesmo pânico, o mesmo medo, as mesmas lágrimas e as mesmas alegrias.
Tenho histórias para contar e fotos para mandar. Fui apanhado desprevenido e ainda não me recompuz da alegria que tenho de poder gritar liberdade e poder expor o que sinto, o que senti. Em breve terás notícias do Saltinho e de mim.
És de Vila Fria, bem pertinho de Viana, até por graça somos capazes de nos conhecer. Como toda a malta daqueles tempos, trabalhei nos estaleiros [navais de Viana do Castelo], era mecânico. A oficina era por de trás da Igreja de N. Sra. da Agonia. Frequentei a Escola Industrial à noite até ao 5º ano antes de ir para soldado. Outra coisa: namorei todas as moças de Viana (pergunta ao Carvalhido)
E de momento é tudo. Obrigado por teres entrado em contacto comigo. Para o ano, se Deus quiser, ainda nos vamos encontrar.
Estimado Luis Graça:
O meu nome é Joaquim Guimarães, sou residente nos Estados Unidos e ex-combatente da Guiné. Estive no Saltinho nos anos de 1971 a 74.
A informação do seu endereco foi-me dada pelo meu amigo de adolescência e também ex-militar na Guiné, o Luís Carvalhido [vd. Tertúlia dos ex-combatentes da Guiné].
Quando recebi o correio do Luis há uns tempos atrás fiquei "vazio" , não sabemdo bem como reagir ao aceder á página da Tertúlia de ex-combatentes da Guiné (1963/74).
O meu primeiro impulso foi enviar a notícia para os meus primos na França e Alemanha para saber como é que eles reagiriam a este extraordinário agrupamento de memórias. Até me recordei de coisas que estavam esquecidas há mais de trinta anos!
Um muito obrigado e parabéns pela maneira como tudo isto está organizado. Desde já pedia-lhe o favor de acrescentar mais um nome à sua lista e de me manter actualizado.
As fotos tiradas recentemente no Saltinho são as mesmas imagens tiradas em 71.
Tenho fotos e histórias que quero contar. Até lá os meus maiores desejos de saúde e felicidades.
Guimarães (...mas sou natural de Viana do Castelo)
2. Resposta de L.G.:
Meu caro Joaquim Guimarães:
Só podes ser bem vindo a esta tertúlia. Passas a fazer parte deste grupo de camaradas (e amigos), com todo o mérito. Além disso, sentimo-nos honrados com a tua mensagem. És um português da diáspora, que não esquece a sua terra, as suas raízes. O facto de teres andado pelos mesmos sítios por onde nós andámos, nas difíceis condições da guerra da Guiné, vem reforçar o nosso sentimento de grupo.
Logo que eu possa, farei a inclusão do teu nome na nossa tertúlia. Mas a partir deste momento podes comunicar, por e-mail, com todos amigos e camaradas da tertúlia, alguns dos quais já conheces como é o caso do Luís Carvalhido. Ele já me tinha falado em ti.
Fica ao teu critério mandares-me duas fotos para pôr na nossa fotogaleria: uma do tempo da Guiné e outra mais recente. E já agora diz-me, se assim o entenderes, qual era o teu posto e especialidade, a tua companhia (e eventualmente o teu batalhão), qual foi a tua unidade mobilizadora, onde vives e trabalhas nos EUA...
Ficamos à espera também das tuas fotos e das tuas estórias do Saltinho. Como vês, ainda não temos uma página só dedicada ao Saltinho. Neste momento, temos uma página conjunta sobre o Xitole e o Saltinho. Mas pode justificar-se, se houver suficiente material documental, a criação de uma página só dedicada ao Saltinho.
A propósito, conheces a página, não oficial, dos Rangers, elaborada pelo Ranger Eusébio (do Centro de Instrução de Operações Especiais, Lamego) ? Ele esteve seguramente contigo no Saltinho na mesma altura. Possivelmente vocês eram da mesma unidade. Ele tem imagens da Guiné que seguramente tu vais gostar de ver.
PS - Como vês, na nossa tertúlia, entre ex-camaradas da Guiné, tratamo-nos por tu. Aqui entre nós, não deve haver barreiras nem fronteiras, nem as de ontem nem as de hoje. Vai dando notícias. E divulga a nossa tertúlia. Boa sorte, amigo e camarada.
3. Cópia do e-mail, enviado posteriormente pelo Sousa de Castro ao nosso novo tertuliano:
Caro amigo. Olhando para a data em que estiveste na Guiné e na referida zona, leva-me a crer que pertenceste ao BCAÇ 3872, certo? Eu chamo-me António Castro, sou de Vila Fria, Viana do Castelo e pertenci ao BART 3873, na mesma época. Fala-nos algo sobre a tua companhia e também de recordações cpm que nos queiras presentear.
Sous de Castro
4. Resposta do Joaquim Guimarães:
Caro António:
(...) Obrigado pelo teu e-mail. Sim, estás certo, fiz parte do BCAÇ 3872, pertenci à CCAÇ 3490, localizada no Saltinho e também num destacamento bem perto de Galomaro onde era a CCS.
A maior parte do meu tempo de Guiné foi passado na escola, pois eu fui o professor do posto escolar do Saltinho. Só de vez em quando, por óptimo comportamento, fazia umas emboscadas aqui ou ali. Mas sofri do mesmo [que os outros camaradas], as mesmas angústias, o mesmo pânico, o mesmo medo, as mesmas lágrimas e as mesmas alegrias.
Tenho histórias para contar e fotos para mandar. Fui apanhado desprevenido e ainda não me recompuz da alegria que tenho de poder gritar liberdade e poder expor o que sinto, o que senti. Em breve terás notícias do Saltinho e de mim.
És de Vila Fria, bem pertinho de Viana, até por graça somos capazes de nos conhecer. Como toda a malta daqueles tempos, trabalhei nos estaleiros [navais de Viana do Castelo], era mecânico. A oficina era por de trás da Igreja de N. Sra. da Agonia. Frequentei a Escola Industrial à noite até ao 5º ano antes de ir para soldado. Outra coisa: namorei todas as moças de Viana (pergunta ao Carvalhido)
E de momento é tudo. Obrigado por teres entrado em contacto comigo. Para o ano, se Deus quiser, ainda nos vamos encontrar.
quinta-feira, 11 de agosto de 2005
Guiné 63/74 - P150: As heróicas GMC e os malucos dos seus condutores (CCAÇ 12, Septembro de 1969) (Luís Graça)
© Luís Graça (2005)
Estrada de Bambadinca-Mansambo. Eu e o Dalot, o Diniz G. Dalot, seguramente o melhor condutor de GMC que eu alguma vez conheci (!). Berliet e GMC nas mãos dele, carregadas de sacos de arroz (bianda), não ficavam atoladas na famosa estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole, a menos que rebentassem debaixo de uma mina. Eu dizia que era preciso ser maluco para conduzir uma GMC. Ele ofendia-se: era o mais profissional dos nossos condutores auto. (vd. também post de 20 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho).
1. Há dias de sorte: na vida, na guerra, no jogo, no amor… Recordo-me bem desta operação logística, abaixo descrita, em que perdemos uma heróica GMC do tempo da guerra da Coreia (daquelas que gastavam 100 aos 100, lembram-se ?).
O Dalot adorava conduzi-las. Ninguém melhor do que ele para livrar uma GMC de cair na cratera de uma mina coberta de água da chuva ou de atolar-se na berma da estrada… Ninguém melhor do que ele para conduzir este mamute de ferro, carregado com três toneladas de sacos de arroz… Ninguém melhor do que ele, enfim, para desatascar outras viaturas, civis ou militares… Só não tinha faro para as minas, que isso era tarefa dos picadores. Aliás, na galeria dos heróis desta guerra (há sempre heróis em todas as guerras), eu poria também as GMC, os condutores das GMC e os picadores…
O que aconteceu exactamente nesse já longíquo dia 18 de Setembro de 1969 ? Tínhamos saído, na véspera, de Bambadinca, de manhã muito cedo, como de costume, para fugir ao inferno do calor e da humidade do dia. Estava-se em plena época das chuvas. Era um enorme coluna de viaturas militares carregadas de material para três companhias, unidades de quadrícula, em Mansambo (CART 2339), Xitole (CART 2413) e Saltinho (CAÇ 2406).
Ao todo viviam nestas unidades e seus destacamentos cerca de meio milhar de homens, fora a população local que dependia inteiramente dos abastecimentos feitos pela tropa. Nós levávamos-lhes praticamente tudo, até o correio: o gasóleo (para as viaturas e o gerador eléctrico), o petróleo (para os frigoríficos), o arroz, a massa, o feijão, a carne, o bacalhau, as batatas, as bebidas em garrafa e em lata, e os demais mantimentos para um mês ou um mês e meio. Além dos cunhetes de munições, as granadas de morteiro, bazuca e obus, etc.
Um dia seria interessante publicar a lista completa dos artigos e as respectivas quantidades que faziam parte dos nossos comboios de reabastecimento. Na galeria dos heróis desta guerra também estão os que alimentavam o nosso ventre insaciável , os homens da manutenção militar e os que faziam chegar os mantimentos, desde Bissau em LDG até ao Xime (no caso da Zona Leste) e depois daí em colunas até às sedes de sector ou comando operacional (Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego…). Era um comboio com várias dezenas de viaturas. As Berliet e as GMC (e, mais tarde, as camionetas civis) transportavam a carga, mas o condutor levava sempre escolta, uma secção ou menos.
Para se chegar a qualquer uma das unidades acima referidas não havia mais nenhuma alternativa (terrestre). A estrada de Galomaro-Saltinho estava interdita, pelo que as NT ali colocadas dependiam do abastecimento feito a partir de Bambadinca. No entanto, a própria estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole estivera interdita entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969. O Op Belo Dia, a 4 de Agosto, já aqui sumariamente descrita (vd. post de 30 de Julho de 1969 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas ) destinou-se justamente a reabrir esse troço fundamental para as ligações do comando do sector L1 com as suas unidades a sul. Um mês e tal depois fez-se uma segunda operação para novo reabastecimento, patrulhamento ofensivo e reconhecimento .
2. São as peripécias dessa operação (Op Belo Dia II) que se relatam aqui. Mas ainda a propósito de meios de transporte, convirá referir que só Bambadinca possuía uma pista, com cerca de 150 metros, permitindo a aterragem de aeronaves como a Dornier. No meu tempo o sargento piloto Honório, caboverdiano, era uma figura muito popular entre as NT, por que nos trazia o correio e alguns víveres. A sua fama era lendária, pela sua coragem e destreza. Era capaz de aterrar numa nesga de terra. Em Mansambo só havia heliporto. No Xitole, também havia pista para avionetas.
De qualquer modo, o helicóptero só era usado para fins estritamente militares: apoio de helicanhão, transporte de tropas especiais e heli-assaltos, evacuações Y para o hospital militar de Bissau. Argumentava-se que o helicóptero era um luxo, custando 15 contos por hora (o ordenado mensal de dois alferes)…
Em contrapartida, as colunas de abastecimento da guerrilha e das suas populações eran feitas por carregadores, a pé, descalços, em bicha de pirilau, incluindo mulheres e até crianças e muitas vezes sem escolta militar, correndo o risco de serem interceptados pelas NT, como acontecia com alguma frequência na região de Missirá, a norte do Rio Geba (vd. relato do que se passou em Chicri, a 12 de Setembro de 1969: muitas vezes as NT não faziam a distinção entre combatentes, armados, e elementos civis da população controlada pelo PAIGC que servia de carregadores; neste caso, levavam artigos comprados nas nossas barbas, em Bambadinca, onde só havia duas lojas, nas mãos de tugas, a loja do Rendeiro e a loja do Zé Maria)…
Porquê falar em sorte ? É que eu ia justamente à frente da viatura que accionou a mina, justamente do lado do pendura, com uma perna de fora… À turista, como quem vai num alegre e matinal safari algures num parque no Quénia… A pouco e pouco, o periquito ia ganhando confiança… Com três meses e meio de Guiné, e baptismo de fogo ainda muito recente (na Op Pato Real, a 7 de Setembro, na região do Xime, Ponta do Inglês: vd a propósito o post de 8 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVI: Setembro/69 (Parte I) considerava-me já quase um veterano…
Recordo-me da viatura: um Unimog 404… Apesar da relativa tranquilidade que nos davam a experiente equipa de 12 picadores que iam à nossa frente com dois grupos de combate apeados, eu tinha recomendado ao condutor do Unimog que seguisse milimetricamente o rodado da viatura da frente… Um desvio de um milímetro podia ser fatal para o artista… O Dalot, que ia a atrás de mim, levava um bicho que tinha dez rodas, dois rodados duplos atrás, várias toneladas de ferro, mais três de arroz… Daquela vez vez foi ele e a sua GMC que voaram… Eu fiquei para a próxima, já lá mais para o fim da comissão..
A estrada (se é que se podia chamar estrada aquilo!), invadida pela floresta, as bolanhas e os afluentes de diversos risos, era mais estreita que as viaturas em certos pontos… Uma delícia para os sapadores do PAIGC, um quebra-cabeça para os nossos picadores, um stresse desgraçado para aqueles de nós que faziam guarda de flancos… Em suma, gastávamos uma boa parte da nossa energia mensal a abastecer-nos uns aos outros em vez de fazer a guerra ao IN…
(3) Setembro/69 (II Parte): Uma GMC destruída por uma mina anticarro
Fonte: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: CCAÇ 12. Cap. II. 13-16.
Na segunda quinzena de Setembro realizar-se-ia outra operação a nível de batalhão afim de escoltar uma coluna logística do BCAÇ 2852 para as companhias de Xitole e Saltinho (Op Belo Dia II).
Dois Gr Comb [Grupos de Combate] da CCAÇ 12 (2º e 3º), um da CART 2339 [Mansambo] e o Pel Caç Nat 53 (que seguiria depois com o Dest B para o Saltinho) formavam o Dest [Destacamento] A cuja missão, além da picagem do itinerário, era escoltar a coluna até ao limite da ZA Zona de Acção da CART 2339 [Mansambo] onde se efectuaria o transbordo da carga para outra coluna da CART 2413 [Xitole].
Desenrolar da acção:
A coluna que chegou a Mansambo às 17.30 do dia 17 [de Setembro], proveniente de Bambadinca, prosseguiria no dia seguinte, tendo-se processado sem incidentes de maior até à ponte do Rio Jago, a cerca de 3 km do aquartelamento de Mansambo, altura em que se fez um alto para recompor a carga da viatura que seguia em 3º lugar.
Ao retomar-se a marcha, o rodado intermédio direito da GMC (MG-17-21) que vinha imediatamente a seguir àquela, e que pertencia à CCAÇ 12, accionou uma mina A/C (anticarro) reforçada, tendo-se voltado espectacularmente. A viatura ficou muito danificada, tendo-se inutilizado parte da sua carga de 3.000 kg de arroz. Em virtude de ter sido projectado, ficou gravemente ferido um cabo do Pel Caça Nat 53 (1). O condutor (soldado Dalot) saiu ileso.
A mina não fora detectada pela equipa de 12 picadores, seguida de 2 Gr Comb que progrediam na frente.
Alguns quilómetros à frente, junto à ponte do Rio Bissari foram detectadas e levantadas mais 3 minas (A/P) que deveriam fazer parte do campo de minas implantado pelo IN posteriormente à Op Belo Dia I, e das quais 7 já sido levantadas até então.
Pelas 13h [do dia 18 de Setembro] deu-se finalmente o encontro dos 2 Dest, tendo-se procedido ao transbordo da carga.
No regresso a coluna foi sobrevoada várias vezes por uma parelha de FIAT (2) cujo apoio estava previsto na ordem de operações. Mansambo foi atingido pelas 17 h, depois de se ter armadilhado a viatura cuja remoção se verificou ser impossível com os meios disponíveis na ocasião (3).
O IN também se manifestaria no [regulado do ] Cuor, flagelando duas vezes Missirá e atacando Finete, um destacamento de milícia situado a 3 km a NW de Bambadinca, do outro lado do Rio Geba. O ataque, efectuado ao anoitecer do dia 20 por um bigrupo, durou cerca de uma hora, obrigando o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 a intervir em socorro do destacamento.
Tendo combado o rio em canoas, a força de intervenção foi progredindo ao longo da estrada da bolanha, nalguns pontos com água quase pela cintura, e quando chegou a escassos 500 metros da tabanca, começou a bater com morteiro 60 e bazuca as posições do IN que estava instalado do lado de Maladin, e que ripostou, aliviando a pressão sobre o destacamento. Apoiados pelo morteiro 81 que fazia fogo do quartel de Bambadinca (4), os grupos de intervenção acabaram por silenciar as posições do IN, obrigando-o a retirar. As NT tiveram apenas um ferido (milícia).
Entretanto, uma semana antes, a 12 de Setembro, durante um patrulhamento levado a efeito com o Pel Caç Nat 52 na região de Missirá-Biassa-Nascente do Rio Biassa – Chicri – Gambana – Maná, o 4º Gr Comb [ da CCAÇ 12] surpreendeu no trilho de Chicri um grupo de carregadores que vinha da direcção de Nhabijões.
A secção do Pelotão de Milícia de Finete (5), que reforçava as NT, abriu fogo precipitadamente e sem ordem expressa, tendo feito feridos confirmados. Na fuga, o IN que muito provavelmente não trazia escolta armada, abandonou todo o carregamento, constituído por esteiras, tabaco em folha, mosquiteiros e aguardente de cana, além de uma certa quantidade em dinheiro (6).
Por outro lado, as constantes patrulhas de reconhecimento aos núcleos populacionais de Nhabijões, sob duplo controlo (6), não obstaram a que a tabanca de Bedinca (balantas mansoanques) fosse assaltada em 23, à 1 hora da noite, por um grupo IN que teria espancado alguns nativos e roubado arroz e gado, segundo a versão do chefe de tabanca. Feito o reconhecimento no dia seguinte, verificou-se apenas que o grupo IN (bastante numeroso) retirara para norte, tendo cambado o Rio Geba em canoa na direcção de S. Belchior.
A 10 [de Setembro], o 3º Gr Comb e o Pel Rec Info, reforçados por 1 secção do Pel Caç Nat 53, tinham realizado um cerco e rusga à tabanca de Nhabijão Bulobate, sem resultados nem vestígios do IN, tendo capturado no entanto 3 homens balantas que se verificou apenas serem “ladrões de gado” (7) no Enxalé (Op Grampo).
Durante o mês, a CCAÇ 12 (a 2 Gr Comb) efectuaria ainda um patrulhamento ofensivo, com as forças da CART 2339 [Mansambo] a fim de detectar vestígios IN na região de Boló (Op Glutão).
Notas de L.G.
(1) O Pelotão de Caçadores Nativos nº 53, normalmente sedeado em Bambadinca, estava, na altura, em reforço temporário ao Saltinho. Havia mais outros Pel Caç Nat no Secor L1: 52 (Missirá), 63 (Fá)...
(2) Avião a jacto, subsónico, que equipava a nossa força aérea (Fiat G-91). Era fabricado pela FIAT.
(3) A Guiné-Bissau deve ser, ainda, um cemitério de sucata, como viaturas (militares e civis) abandonadas pelas NT, destruídas por minas e roquetadas... Não tenho a certeza se esta viatura, a GMC MG-17-21, foi posteriormente desarmadilhada e rebocada para Bambadinca... Os custos de uma tal operação eram sempre elevados.
(4) Na altura, Bambadinca ainda não tinha artilharia (obus 140 mm).
(5) Pelotão de Milícias nº 102. Havia diversos no Sector L1: 103 (Quirafo), 104 (Taibatá), 105 (Drembataco), 145 (Amedalai), 146 (Madina Bonco)...
(6) A aguardente de cana era particularmente apreciada pelos balantas de Nhabijões. Estes eram um conjunto de tabancas (aldeias) ribeirinhas, de maioria balanta, dispostas ao longo do Geba Estreito. Colaboravam abertamente com o IN, fornecendo-lhe homens e abastecimentos. As ligações de parentesco com os homens do mato (os guerrilheiros do PAIGC) reforçavam essa colaboração. Havia cinco núcleos populacionais dos quais 4 balantas (Cau, Bulobate, Bedinca e Imbumbe) e um mandinga. Esses núcleos populacionais irão depois transformar-se em aldeias estratégicas, através do seu reordenamento forçado (em que esteve envolvida uma equipa da CCAÇ 12, a partir de Novembro de 1969). Haveremos de falar deste assunto, na devida altura.
(7) O roubo de gado aos vizinhos (e nomeadamente aos fulas) é uma prova (difícil, arriscada e por vezes mortal) a que se tem de submeter qualquer mancebo balanta, para poder chegar à idade adulta, fazendo por isso parte dos ritos de passagem e da cultura deste grupo étnico, o maior da Guiné e que era dominante no núcleo populacional de Nhabijões.
Estrada de Bambadinca-Mansambo. Eu e o Dalot, o Diniz G. Dalot, seguramente o melhor condutor de GMC que eu alguma vez conheci (!). Berliet e GMC nas mãos dele, carregadas de sacos de arroz (bianda), não ficavam atoladas na famosa estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole, a menos que rebentassem debaixo de uma mina. Eu dizia que era preciso ser maluco para conduzir uma GMC. Ele ofendia-se: era o mais profissional dos nossos condutores auto. (vd. também post de 20 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho).
1. Há dias de sorte: na vida, na guerra, no jogo, no amor… Recordo-me bem desta operação logística, abaixo descrita, em que perdemos uma heróica GMC do tempo da guerra da Coreia (daquelas que gastavam 100 aos 100, lembram-se ?).
O Dalot adorava conduzi-las. Ninguém melhor do que ele para livrar uma GMC de cair na cratera de uma mina coberta de água da chuva ou de atolar-se na berma da estrada… Ninguém melhor do que ele para conduzir este mamute de ferro, carregado com três toneladas de sacos de arroz… Ninguém melhor do que ele, enfim, para desatascar outras viaturas, civis ou militares… Só não tinha faro para as minas, que isso era tarefa dos picadores. Aliás, na galeria dos heróis desta guerra (há sempre heróis em todas as guerras), eu poria também as GMC, os condutores das GMC e os picadores…
O que aconteceu exactamente nesse já longíquo dia 18 de Setembro de 1969 ? Tínhamos saído, na véspera, de Bambadinca, de manhã muito cedo, como de costume, para fugir ao inferno do calor e da humidade do dia. Estava-se em plena época das chuvas. Era um enorme coluna de viaturas militares carregadas de material para três companhias, unidades de quadrícula, em Mansambo (CART 2339), Xitole (CART 2413) e Saltinho (CAÇ 2406).
Ao todo viviam nestas unidades e seus destacamentos cerca de meio milhar de homens, fora a população local que dependia inteiramente dos abastecimentos feitos pela tropa. Nós levávamos-lhes praticamente tudo, até o correio: o gasóleo (para as viaturas e o gerador eléctrico), o petróleo (para os frigoríficos), o arroz, a massa, o feijão, a carne, o bacalhau, as batatas, as bebidas em garrafa e em lata, e os demais mantimentos para um mês ou um mês e meio. Além dos cunhetes de munições, as granadas de morteiro, bazuca e obus, etc.
Um dia seria interessante publicar a lista completa dos artigos e as respectivas quantidades que faziam parte dos nossos comboios de reabastecimento. Na galeria dos heróis desta guerra também estão os que alimentavam o nosso ventre insaciável , os homens da manutenção militar e os que faziam chegar os mantimentos, desde Bissau em LDG até ao Xime (no caso da Zona Leste) e depois daí em colunas até às sedes de sector ou comando operacional (Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego…). Era um comboio com várias dezenas de viaturas. As Berliet e as GMC (e, mais tarde, as camionetas civis) transportavam a carga, mas o condutor levava sempre escolta, uma secção ou menos.
Para se chegar a qualquer uma das unidades acima referidas não havia mais nenhuma alternativa (terrestre). A estrada de Galomaro-Saltinho estava interdita, pelo que as NT ali colocadas dependiam do abastecimento feito a partir de Bambadinca. No entanto, a própria estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole estivera interdita entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969. O Op Belo Dia, a 4 de Agosto, já aqui sumariamente descrita (vd. post de 30 de Julho de 1969 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas ) destinou-se justamente a reabrir esse troço fundamental para as ligações do comando do sector L1 com as suas unidades a sul. Um mês e tal depois fez-se uma segunda operação para novo reabastecimento, patrulhamento ofensivo e reconhecimento .
2. São as peripécias dessa operação (Op Belo Dia II) que se relatam aqui. Mas ainda a propósito de meios de transporte, convirá referir que só Bambadinca possuía uma pista, com cerca de 150 metros, permitindo a aterragem de aeronaves como a Dornier. No meu tempo o sargento piloto Honório, caboverdiano, era uma figura muito popular entre as NT, por que nos trazia o correio e alguns víveres. A sua fama era lendária, pela sua coragem e destreza. Era capaz de aterrar numa nesga de terra. Em Mansambo só havia heliporto. No Xitole, também havia pista para avionetas.
De qualquer modo, o helicóptero só era usado para fins estritamente militares: apoio de helicanhão, transporte de tropas especiais e heli-assaltos, evacuações Y para o hospital militar de Bissau. Argumentava-se que o helicóptero era um luxo, custando 15 contos por hora (o ordenado mensal de dois alferes)…
Em contrapartida, as colunas de abastecimento da guerrilha e das suas populações eran feitas por carregadores, a pé, descalços, em bicha de pirilau, incluindo mulheres e até crianças e muitas vezes sem escolta militar, correndo o risco de serem interceptados pelas NT, como acontecia com alguma frequência na região de Missirá, a norte do Rio Geba (vd. relato do que se passou em Chicri, a 12 de Setembro de 1969: muitas vezes as NT não faziam a distinção entre combatentes, armados, e elementos civis da população controlada pelo PAIGC que servia de carregadores; neste caso, levavam artigos comprados nas nossas barbas, em Bambadinca, onde só havia duas lojas, nas mãos de tugas, a loja do Rendeiro e a loja do Zé Maria)…
Porquê falar em sorte ? É que eu ia justamente à frente da viatura que accionou a mina, justamente do lado do pendura, com uma perna de fora… À turista, como quem vai num alegre e matinal safari algures num parque no Quénia… A pouco e pouco, o periquito ia ganhando confiança… Com três meses e meio de Guiné, e baptismo de fogo ainda muito recente (na Op Pato Real, a 7 de Setembro, na região do Xime, Ponta do Inglês: vd a propósito o post de 8 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVI: Setembro/69 (Parte I) considerava-me já quase um veterano…
Recordo-me da viatura: um Unimog 404… Apesar da relativa tranquilidade que nos davam a experiente equipa de 12 picadores que iam à nossa frente com dois grupos de combate apeados, eu tinha recomendado ao condutor do Unimog que seguisse milimetricamente o rodado da viatura da frente… Um desvio de um milímetro podia ser fatal para o artista… O Dalot, que ia a atrás de mim, levava um bicho que tinha dez rodas, dois rodados duplos atrás, várias toneladas de ferro, mais três de arroz… Daquela vez vez foi ele e a sua GMC que voaram… Eu fiquei para a próxima, já lá mais para o fim da comissão..
A estrada (se é que se podia chamar estrada aquilo!), invadida pela floresta, as bolanhas e os afluentes de diversos risos, era mais estreita que as viaturas em certos pontos… Uma delícia para os sapadores do PAIGC, um quebra-cabeça para os nossos picadores, um stresse desgraçado para aqueles de nós que faziam guarda de flancos… Em suma, gastávamos uma boa parte da nossa energia mensal a abastecer-nos uns aos outros em vez de fazer a guerra ao IN…
(3) Setembro/69 (II Parte): Uma GMC destruída por uma mina anticarro
Fonte: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: CCAÇ 12. Cap. II. 13-16.
Na segunda quinzena de Setembro realizar-se-ia outra operação a nível de batalhão afim de escoltar uma coluna logística do BCAÇ 2852 para as companhias de Xitole e Saltinho (Op Belo Dia II).
Dois Gr Comb [Grupos de Combate] da CCAÇ 12 (2º e 3º), um da CART 2339 [Mansambo] e o Pel Caç Nat 53 (que seguiria depois com o Dest B para o Saltinho) formavam o Dest [Destacamento] A cuja missão, além da picagem do itinerário, era escoltar a coluna até ao limite da ZA Zona de Acção da CART 2339 [Mansambo] onde se efectuaria o transbordo da carga para outra coluna da CART 2413 [Xitole].
Desenrolar da acção:
A coluna que chegou a Mansambo às 17.30 do dia 17 [de Setembro], proveniente de Bambadinca, prosseguiria no dia seguinte, tendo-se processado sem incidentes de maior até à ponte do Rio Jago, a cerca de 3 km do aquartelamento de Mansambo, altura em que se fez um alto para recompor a carga da viatura que seguia em 3º lugar.
Ao retomar-se a marcha, o rodado intermédio direito da GMC (MG-17-21) que vinha imediatamente a seguir àquela, e que pertencia à CCAÇ 12, accionou uma mina A/C (anticarro) reforçada, tendo-se voltado espectacularmente. A viatura ficou muito danificada, tendo-se inutilizado parte da sua carga de 3.000 kg de arroz. Em virtude de ter sido projectado, ficou gravemente ferido um cabo do Pel Caça Nat 53 (1). O condutor (soldado Dalot) saiu ileso.
A mina não fora detectada pela equipa de 12 picadores, seguida de 2 Gr Comb que progrediam na frente.
Alguns quilómetros à frente, junto à ponte do Rio Bissari foram detectadas e levantadas mais 3 minas (A/P) que deveriam fazer parte do campo de minas implantado pelo IN posteriormente à Op Belo Dia I, e das quais 7 já sido levantadas até então.
Pelas 13h [do dia 18 de Setembro] deu-se finalmente o encontro dos 2 Dest, tendo-se procedido ao transbordo da carga.
No regresso a coluna foi sobrevoada várias vezes por uma parelha de FIAT (2) cujo apoio estava previsto na ordem de operações. Mansambo foi atingido pelas 17 h, depois de se ter armadilhado a viatura cuja remoção se verificou ser impossível com os meios disponíveis na ocasião (3).
O IN também se manifestaria no [regulado do ] Cuor, flagelando duas vezes Missirá e atacando Finete, um destacamento de milícia situado a 3 km a NW de Bambadinca, do outro lado do Rio Geba. O ataque, efectuado ao anoitecer do dia 20 por um bigrupo, durou cerca de uma hora, obrigando o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 a intervir em socorro do destacamento.
Tendo combado o rio em canoas, a força de intervenção foi progredindo ao longo da estrada da bolanha, nalguns pontos com água quase pela cintura, e quando chegou a escassos 500 metros da tabanca, começou a bater com morteiro 60 e bazuca as posições do IN que estava instalado do lado de Maladin, e que ripostou, aliviando a pressão sobre o destacamento. Apoiados pelo morteiro 81 que fazia fogo do quartel de Bambadinca (4), os grupos de intervenção acabaram por silenciar as posições do IN, obrigando-o a retirar. As NT tiveram apenas um ferido (milícia).
Entretanto, uma semana antes, a 12 de Setembro, durante um patrulhamento levado a efeito com o Pel Caç Nat 52 na região de Missirá-Biassa-Nascente do Rio Biassa – Chicri – Gambana – Maná, o 4º Gr Comb [ da CCAÇ 12] surpreendeu no trilho de Chicri um grupo de carregadores que vinha da direcção de Nhabijões.
A secção do Pelotão de Milícia de Finete (5), que reforçava as NT, abriu fogo precipitadamente e sem ordem expressa, tendo feito feridos confirmados. Na fuga, o IN que muito provavelmente não trazia escolta armada, abandonou todo o carregamento, constituído por esteiras, tabaco em folha, mosquiteiros e aguardente de cana, além de uma certa quantidade em dinheiro (6).
Por outro lado, as constantes patrulhas de reconhecimento aos núcleos populacionais de Nhabijões, sob duplo controlo (6), não obstaram a que a tabanca de Bedinca (balantas mansoanques) fosse assaltada em 23, à 1 hora da noite, por um grupo IN que teria espancado alguns nativos e roubado arroz e gado, segundo a versão do chefe de tabanca. Feito o reconhecimento no dia seguinte, verificou-se apenas que o grupo IN (bastante numeroso) retirara para norte, tendo cambado o Rio Geba em canoa na direcção de S. Belchior.
A 10 [de Setembro], o 3º Gr Comb e o Pel Rec Info, reforçados por 1 secção do Pel Caç Nat 53, tinham realizado um cerco e rusga à tabanca de Nhabijão Bulobate, sem resultados nem vestígios do IN, tendo capturado no entanto 3 homens balantas que se verificou apenas serem “ladrões de gado” (7) no Enxalé (Op Grampo).
Durante o mês, a CCAÇ 12 (a 2 Gr Comb) efectuaria ainda um patrulhamento ofensivo, com as forças da CART 2339 [Mansambo] a fim de detectar vestígios IN na região de Boló (Op Glutão).
Notas de L.G.
(1) O Pelotão de Caçadores Nativos nº 53, normalmente sedeado em Bambadinca, estava, na altura, em reforço temporário ao Saltinho. Havia mais outros Pel Caç Nat no Secor L1: 52 (Missirá), 63 (Fá)...
(2) Avião a jacto, subsónico, que equipava a nossa força aérea (Fiat G-91). Era fabricado pela FIAT.
(3) A Guiné-Bissau deve ser, ainda, um cemitério de sucata, como viaturas (militares e civis) abandonadas pelas NT, destruídas por minas e roquetadas... Não tenho a certeza se esta viatura, a GMC MG-17-21, foi posteriormente desarmadilhada e rebocada para Bambadinca... Os custos de uma tal operação eram sempre elevados.
(4) Na altura, Bambadinca ainda não tinha artilharia (obus 140 mm).
(5) Pelotão de Milícias nº 102. Havia diversos no Sector L1: 103 (Quirafo), 104 (Taibatá), 105 (Drembataco), 145 (Amedalai), 146 (Madina Bonco)...
(6) A aguardente de cana era particularmente apreciada pelos balantas de Nhabijões. Estes eram um conjunto de tabancas (aldeias) ribeirinhas, de maioria balanta, dispostas ao longo do Geba Estreito. Colaboravam abertamente com o IN, fornecendo-lhe homens e abastecimentos. As ligações de parentesco com os homens do mato (os guerrilheiros do PAIGC) reforçavam essa colaboração. Havia cinco núcleos populacionais dos quais 4 balantas (Cau, Bulobate, Bedinca e Imbumbe) e um mandinga. Esses núcleos populacionais irão depois transformar-se em aldeias estratégicas, através do seu reordenamento forçado (em que esteve envolvida uma equipa da CCAÇ 12, a partir de Novembro de 1969). Haveremos de falar deste assunto, na devida altura.
(7) O roubo de gado aos vizinhos (e nomeadamente aos fulas) é uma prova (difícil, arriscada e por vezes mortal) a que se tem de submeter qualquer mancebo balanta, para poder chegar à idade adulta, fazendo por isso parte dos ritos de passagem e da cultura deste grupo étnico, o maior da Guiné e que era dominante no núcleo populacional de Nhabijões.
Guiné 63/74 - P149: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo) (João Tunes)
Texto de João Tunes (2004) (ex-alferes milicano no Pelundo e, depois, em Catió). Reproduzido com a devida vénia. Do seu Blogue > Bota Acima
1 de Abril de 2004 > Memória de Teixeira Pinto / Canchungo (Guiné-Bissau – 1970)
Meto-me no jipe e faço-me à estrada que liga Pelundo a Teixeira Pinto (hoje Canchungo). O tempo está quente e muito húmido. A camisa está quase colada ao corpo e os braços e a cara estão peganhentos por causa do suor que não se evapora. Não estranho, já estou habituado.Vou sozinho no jipe. A estrada sempre foi segura. A zona está mais que controlada. Seria um mero passeio se não tivesse uma missão a cumprir.
Levo comigo a inseparável G3 (a noiva negra dos tempos de guerra) e uma espingarda de pressão de ar de fabrico polaco que comprei na última ida a Bissau e que convem ter à mão para apanhar rolas que possam servir de base para um petisco de convívio no dia seguinte. A missão é de rotina. Tinha de trocar os códigos de cifras desactualizadas por outros novos. Tenho tempo de chegar e de voltar. Dá para encher os olhos com o verde vivo do arvoredo cerrado e as milhentas espécies de aves de muitas cores.
Conduzo devagar, apenas com uma mão a segurar o volante. A outra mão assenta no joelho mas bem perto da coronha da G3. Não é por nada. A zona é segura mas aqueles sítios são magníficos para uma emboscada. Olá se são. Levo as cifras comigo, e embora estejam desactualizadas, nunca fiando porque elas, mesmo assim, dariam jeito ao PAIGC. Sem problemas. Tirando o calor e a humidade.
Entro no comando militar da zona, trato do que tenho a tratar. Os oficiais convidam-me para almoçar, o que já contava. Aceito com gosto. Malta porreira e com pessoas que é um encanto conversar. Para mais, em Teixeira Pinto, a comida era óptima para os padrões da colónia. Spínola tinha levado, para Teixeira Pinto, a sua elite de oficiais, na aposta de transformar o "chão manjaco" num caso de sucesso de adesão das populações à sua política e de contenção da guerrilha.
O comando era ocupado pelo Coronel Paraquedista Alcino, um bonacheirão e homem que muito sabia de guerra. Abaixo dele, havia o Major Passos Ramos, responsável pelas operações, o Major Pereira da Silva, responsável pelas informações militares e o Major Osório, condecorado com Torre e Espada e várias Cruzes de Guerra, que era o homem dos combates.
Na parte guerreira, vários oficiais fuzas, todos eles recheados de condecorações por bravura em combate. A seguir ao almoço, havia sempre um convívio relax no bar de oficiais, onde dava para se descontraírem as conversas, pondo-se a escrita em dia enquanto se bebiam uns (infindáveis) digestivos.
Não me diziam grande coisa os oficiais de combate. Com eles, as histórias andavam por repetição de feitos em golpes de mão ocorridos algures. Ainda por cima, agora tinham pouco para contar, porque a zona estava tranquila e as operações especiais eram só de quando em vez para os casos de haver informações de movimentos entre bases da guerrilha ou de infiltração desta nalguma aldeia. Até se mostravam um pouco nervosos com a inércia a que estavam amarrados.
Um dos dois tenentes fuzileiros (ia na terceira comissão na Guiné, sempre como voluntário) dizia até que, se aquilo continuasse assim, não queria mais Guiné e ia mas era oferecer-se como voluntário para o Vietname. Ele gostava e queria guerra. Ambos os tenentes fuzileiros (Brito e Benjamim) haveriam de fazer, mais tarde, outras guerras em serviço spinolista como a célebre sublevação de 11 de Março de 1975 e, depois, entrariam nas operações do MDLP sob a direcção de Alpoim Galvão.
Quanto ao Major Osório, sempre de t-shirt branca, pouco falava mas era muito respeitado. Aquilo era gente de acção e quando a não tinham, cediam à espera tensa e ansiosa de mais acção. Em resumo, eram guerreiros em descanso forçado. Além da bravura na guerra, só lhes sobrava bravura para descarregarem o sexo numa ou noutra adolescente a quem deitavam mão e que se limitavam a abrir as pernas e os olhos, num misto de espanto, de medo e de ausência de prazer.
O Major Pereira da Silva, de enormes bigodes revirados, não parecia um militar. Mal enfiado dentro da farda, o homem era um intelectual. Falava todos os dialectos usados na zona, conhecia de fio a pavio todos os usos e costumes das tribos da Guiné, andava sempre pelas aldeia a completar os seus conhecimentos e a farejar informações úteis. Em colaboração com a Pide, dirigia a rede de informadores e era o negociador com os cisionistas do PAIGC, dispostos a entregarem-se. Era um comunicador excelente e um homem completíssimo em cultura(s) africana(s). Dava gosto ouvi-lo e aprender com ele, tanto mais que tinha, para com os africanos, uma autêntica reverência cultural, particularmente quando se tratava dos manjacos.
O Major Passos Ramos era o crâneo do comando militar. O pensador de toda a estratégia e o homem que fazia as sínteses do cumprimento da missão para toda a zona. Excelente conversador e homem culto, o Major Passos Ramos irradiava encanto e inteligência. Era um oposicionista manifesto e assumido ao regime e tinha, inclusive, participado na Revolta da Sé. Quando encontrava um miliciano chegado de fresco ou vindo de férias, ele imediatamente rumava a conversa para as actividades oposicionistas e pedia previsões sobre quando o regime iria cair.Spínola estava encantado com o andamento das coisas no “chão manjaco”.
Tudo ia bem ou parecia andar. E os oficias de Teixeira Pinto eram mesmo a sua nata. Eram militares profissionais de primeira água que faziam a guerra o melhor que sabiam e podiam. A meio da tarde, regressei a Pelundo. Sem problemas. Apenas com mais suor que aquele que tinha levado na ida. Mas sem rolas, porque faltara pachorra para caçadas. Passado pouco tempo, desterraram-me para o Sul da Guiné, onde a guerra era bem mais quente. Efeito subsidiário da pena de prisão de três dias que apanhara por me ter recusado a cumprir a ordem de um Tenente-Coronel para bater num Cabo.
Fiz, então, a última viagem de jipe do Pelundo até Teixeira Pinto para apanhar o avião que me levaria, em trânsito, até Bissau. Mas, antes de embarcar no avião, não faltaram os três majores na pista para darem abraços de despedida (e de solidariedade).
O adeus do major Passos Ramos foi o mais emotivo porque tinha ganho uma especial empatia comigo, alimentada de cumplicidade política e de estima pessoal. Ainda hoje me parece sentir nas costas o toque afectivo das palmas das suas mãos. Foi a última vez que vi Pelundo e Teixeira Pinto. E os três majores.
Já colocado em Catió, tive notícias dos três majores e meus amigos. Notícias que correram mundo.Toda a guerrilha do PAIGC, no "chão manjaco" e noutras zonas do norte,” tinha decidido” render-se e passar para o lado do exército colonial. Era a cereja no cimo do bolo. Estava tudo tratado até ao pormenor. Havia fardas portuguesas já prontas para os guerrilheiros vestirem logo que chegassem a Teixeira Pinto e estava tudo tratado sobre patentes e instalações das famílias. Cada antigo guerrilheiro teria casa e comida e o soldo correspondente à sua nova patente e em igualdade com os militares europeus. Aquela seria a grande vitória política e militar do General Spínola. Precisamente na altura em que quase toda a gente considerava a guerra na Guiné como já perdida.
Os guerrilheiros colocaram uma única condição. Fariam a sua rendição em plena mata, junto a Pelundo, mas os oficiais portugueses que fossem receber os guerrilheiros teriam de comparecer desarmados. Como prova de confiança. Várias fontes confirmam que Spínola quis ir em pessoa presidir à rendição e só foi disso dissuadido no último minuto. A delegação para aceitar a rendição das forças do PAIGC foi constituída pelos Majores e meus amigos Osório, Pereira da Silva e Passos Ramos. Foram ao encontro dos guerrilheiros, ultraconfiantes, sem armas, num jipe vulgar e sem qualquer escolta. Felizes pelo sucesso iminente.
Chegados ao local de encontro, os três majores foram retalhados a tiro de kalashnikov e acabados de matar à catanada. Sem dignidade e com requintes de barbárie. Spínola, o seu estado-maior e os majores tinham-se enganado sobre o PAIGC. A manha e a paciência dos guerrilheiros tinha sido maior que as tecidas pelas melhores inteligências do exército colonial e da Pide. Spínola perdeu os seus três melhores oficiais na Guiné de uma única vez. Eu perdi três amigos. Sem honra nem glória.
O “chão manjaco” voltou ao ferro e ao fogo adormecidos. Os tenentes fuzileiros de Teixeira Pinto interromperam a ociosidade mal-amada. Não faltavam, agora, oportunidades de fazerem o gosto ao gatilho, à granada e à faca de mato. Era a hora de matar pretos, as fodas nas pretas que esperassem. Tudo tem o seu tempo.
Recebi a notícia com o mesmo espanto que toda a gente. Como tinha sido possível? Ali estava uma pergunta sem resposta e que me ecoa até aos dias de hoje. Não podia ter resposta mas isso não evitou um frémito de emoção profunda. Verdade que guerra é guerra, e quem lá vai, dá e leva. Mas ainda hoje sinto uma enorme tristeza de saudade das conversas que nunca se irão repetir com os Majores Pereira da Silva e Passos Ramos.
No 25 de Abril de 1974, senti uma enorme frustação por não os abraçar nas ruas de Lisboa e, em vez disso, ter de ver o focinho patibular de Spínola na Televisão a presidir à Junta de Salvação. Resta-me a memória de Teixeira Pinto. Perdão, de Canchungo.
João Tunes (1).
Notas de L.G.
(1) Há mais posts deste autor sobre a Guiné e a guerra colonial. Por exemplo:
João Tunes > Bota Acima > 29 de Abrld e 2004 > Pelundo I e Pelundo II (inclui fotos do aquartelamento)
João Tunes > Bota Acima > 7 de Abril de 2004 > Jogo de Cartas (Texto delicioso onde relata as noites, chatas p'ra burro, em que era obrigado a jogar king com os eu comandante, o tenente-coronel Romeira;as bravatas sexuais dos tugas; e a porrada que apanhou por recusar bater num cabo de transmissões sob o seu comando, porrada essa que o levou do Pelundo até ao Catió).
(2) O blogue Bota Acima deu origem a outros: por exemplo, Água Lisa (que vai na 3ª edição)
1 de Abril de 2004 > Memória de Teixeira Pinto / Canchungo (Guiné-Bissau – 1970)
Meto-me no jipe e faço-me à estrada que liga Pelundo a Teixeira Pinto (hoje Canchungo). O tempo está quente e muito húmido. A camisa está quase colada ao corpo e os braços e a cara estão peganhentos por causa do suor que não se evapora. Não estranho, já estou habituado.Vou sozinho no jipe. A estrada sempre foi segura. A zona está mais que controlada. Seria um mero passeio se não tivesse uma missão a cumprir.
Levo comigo a inseparável G3 (a noiva negra dos tempos de guerra) e uma espingarda de pressão de ar de fabrico polaco que comprei na última ida a Bissau e que convem ter à mão para apanhar rolas que possam servir de base para um petisco de convívio no dia seguinte. A missão é de rotina. Tinha de trocar os códigos de cifras desactualizadas por outros novos. Tenho tempo de chegar e de voltar. Dá para encher os olhos com o verde vivo do arvoredo cerrado e as milhentas espécies de aves de muitas cores.
Conduzo devagar, apenas com uma mão a segurar o volante. A outra mão assenta no joelho mas bem perto da coronha da G3. Não é por nada. A zona é segura mas aqueles sítios são magníficos para uma emboscada. Olá se são. Levo as cifras comigo, e embora estejam desactualizadas, nunca fiando porque elas, mesmo assim, dariam jeito ao PAIGC. Sem problemas. Tirando o calor e a humidade.
Entro no comando militar da zona, trato do que tenho a tratar. Os oficiais convidam-me para almoçar, o que já contava. Aceito com gosto. Malta porreira e com pessoas que é um encanto conversar. Para mais, em Teixeira Pinto, a comida era óptima para os padrões da colónia. Spínola tinha levado, para Teixeira Pinto, a sua elite de oficiais, na aposta de transformar o "chão manjaco" num caso de sucesso de adesão das populações à sua política e de contenção da guerrilha.
O comando era ocupado pelo Coronel Paraquedista Alcino, um bonacheirão e homem que muito sabia de guerra. Abaixo dele, havia o Major Passos Ramos, responsável pelas operações, o Major Pereira da Silva, responsável pelas informações militares e o Major Osório, condecorado com Torre e Espada e várias Cruzes de Guerra, que era o homem dos combates.
Na parte guerreira, vários oficiais fuzas, todos eles recheados de condecorações por bravura em combate. A seguir ao almoço, havia sempre um convívio relax no bar de oficiais, onde dava para se descontraírem as conversas, pondo-se a escrita em dia enquanto se bebiam uns (infindáveis) digestivos.
Não me diziam grande coisa os oficiais de combate. Com eles, as histórias andavam por repetição de feitos em golpes de mão ocorridos algures. Ainda por cima, agora tinham pouco para contar, porque a zona estava tranquila e as operações especiais eram só de quando em vez para os casos de haver informações de movimentos entre bases da guerrilha ou de infiltração desta nalguma aldeia. Até se mostravam um pouco nervosos com a inércia a que estavam amarrados.
Um dos dois tenentes fuzileiros (ia na terceira comissão na Guiné, sempre como voluntário) dizia até que, se aquilo continuasse assim, não queria mais Guiné e ia mas era oferecer-se como voluntário para o Vietname. Ele gostava e queria guerra. Ambos os tenentes fuzileiros (Brito e Benjamim) haveriam de fazer, mais tarde, outras guerras em serviço spinolista como a célebre sublevação de 11 de Março de 1975 e, depois, entrariam nas operações do MDLP sob a direcção de Alpoim Galvão.
Quanto ao Major Osório, sempre de t-shirt branca, pouco falava mas era muito respeitado. Aquilo era gente de acção e quando a não tinham, cediam à espera tensa e ansiosa de mais acção. Em resumo, eram guerreiros em descanso forçado. Além da bravura na guerra, só lhes sobrava bravura para descarregarem o sexo numa ou noutra adolescente a quem deitavam mão e que se limitavam a abrir as pernas e os olhos, num misto de espanto, de medo e de ausência de prazer.
O Major Pereira da Silva, de enormes bigodes revirados, não parecia um militar. Mal enfiado dentro da farda, o homem era um intelectual. Falava todos os dialectos usados na zona, conhecia de fio a pavio todos os usos e costumes das tribos da Guiné, andava sempre pelas aldeia a completar os seus conhecimentos e a farejar informações úteis. Em colaboração com a Pide, dirigia a rede de informadores e era o negociador com os cisionistas do PAIGC, dispostos a entregarem-se. Era um comunicador excelente e um homem completíssimo em cultura(s) africana(s). Dava gosto ouvi-lo e aprender com ele, tanto mais que tinha, para com os africanos, uma autêntica reverência cultural, particularmente quando se tratava dos manjacos.
O Major Passos Ramos era o crâneo do comando militar. O pensador de toda a estratégia e o homem que fazia as sínteses do cumprimento da missão para toda a zona. Excelente conversador e homem culto, o Major Passos Ramos irradiava encanto e inteligência. Era um oposicionista manifesto e assumido ao regime e tinha, inclusive, participado na Revolta da Sé. Quando encontrava um miliciano chegado de fresco ou vindo de férias, ele imediatamente rumava a conversa para as actividades oposicionistas e pedia previsões sobre quando o regime iria cair.Spínola estava encantado com o andamento das coisas no “chão manjaco”.
Tudo ia bem ou parecia andar. E os oficias de Teixeira Pinto eram mesmo a sua nata. Eram militares profissionais de primeira água que faziam a guerra o melhor que sabiam e podiam. A meio da tarde, regressei a Pelundo. Sem problemas. Apenas com mais suor que aquele que tinha levado na ida. Mas sem rolas, porque faltara pachorra para caçadas. Passado pouco tempo, desterraram-me para o Sul da Guiné, onde a guerra era bem mais quente. Efeito subsidiário da pena de prisão de três dias que apanhara por me ter recusado a cumprir a ordem de um Tenente-Coronel para bater num Cabo.
Fiz, então, a última viagem de jipe do Pelundo até Teixeira Pinto para apanhar o avião que me levaria, em trânsito, até Bissau. Mas, antes de embarcar no avião, não faltaram os três majores na pista para darem abraços de despedida (e de solidariedade).
O adeus do major Passos Ramos foi o mais emotivo porque tinha ganho uma especial empatia comigo, alimentada de cumplicidade política e de estima pessoal. Ainda hoje me parece sentir nas costas o toque afectivo das palmas das suas mãos. Foi a última vez que vi Pelundo e Teixeira Pinto. E os três majores.
Já colocado em Catió, tive notícias dos três majores e meus amigos. Notícias que correram mundo.Toda a guerrilha do PAIGC, no "chão manjaco" e noutras zonas do norte,” tinha decidido” render-se e passar para o lado do exército colonial. Era a cereja no cimo do bolo. Estava tudo tratado até ao pormenor. Havia fardas portuguesas já prontas para os guerrilheiros vestirem logo que chegassem a Teixeira Pinto e estava tudo tratado sobre patentes e instalações das famílias. Cada antigo guerrilheiro teria casa e comida e o soldo correspondente à sua nova patente e em igualdade com os militares europeus. Aquela seria a grande vitória política e militar do General Spínola. Precisamente na altura em que quase toda a gente considerava a guerra na Guiné como já perdida.
Os guerrilheiros colocaram uma única condição. Fariam a sua rendição em plena mata, junto a Pelundo, mas os oficiais portugueses que fossem receber os guerrilheiros teriam de comparecer desarmados. Como prova de confiança. Várias fontes confirmam que Spínola quis ir em pessoa presidir à rendição e só foi disso dissuadido no último minuto. A delegação para aceitar a rendição das forças do PAIGC foi constituída pelos Majores e meus amigos Osório, Pereira da Silva e Passos Ramos. Foram ao encontro dos guerrilheiros, ultraconfiantes, sem armas, num jipe vulgar e sem qualquer escolta. Felizes pelo sucesso iminente.
Chegados ao local de encontro, os três majores foram retalhados a tiro de kalashnikov e acabados de matar à catanada. Sem dignidade e com requintes de barbárie. Spínola, o seu estado-maior e os majores tinham-se enganado sobre o PAIGC. A manha e a paciência dos guerrilheiros tinha sido maior que as tecidas pelas melhores inteligências do exército colonial e da Pide. Spínola perdeu os seus três melhores oficiais na Guiné de uma única vez. Eu perdi três amigos. Sem honra nem glória.
O “chão manjaco” voltou ao ferro e ao fogo adormecidos. Os tenentes fuzileiros de Teixeira Pinto interromperam a ociosidade mal-amada. Não faltavam, agora, oportunidades de fazerem o gosto ao gatilho, à granada e à faca de mato. Era a hora de matar pretos, as fodas nas pretas que esperassem. Tudo tem o seu tempo.
Recebi a notícia com o mesmo espanto que toda a gente. Como tinha sido possível? Ali estava uma pergunta sem resposta e que me ecoa até aos dias de hoje. Não podia ter resposta mas isso não evitou um frémito de emoção profunda. Verdade que guerra é guerra, e quem lá vai, dá e leva. Mas ainda hoje sinto uma enorme tristeza de saudade das conversas que nunca se irão repetir com os Majores Pereira da Silva e Passos Ramos.
No 25 de Abril de 1974, senti uma enorme frustação por não os abraçar nas ruas de Lisboa e, em vez disso, ter de ver o focinho patibular de Spínola na Televisão a presidir à Junta de Salvação. Resta-me a memória de Teixeira Pinto. Perdão, de Canchungo.
João Tunes (1).
Notas de L.G.
(1) Há mais posts deste autor sobre a Guiné e a guerra colonial. Por exemplo:
João Tunes > Bota Acima > 29 de Abrld e 2004 > Pelundo I e Pelundo II (inclui fotos do aquartelamento)
João Tunes > Bota Acima > 7 de Abril de 2004 > Jogo de Cartas (Texto delicioso onde relata as noites, chatas p'ra burro, em que era obrigado a jogar king com os eu comandante, o tenente-coronel Romeira;as bravatas sexuais dos tugas; e a porrada que apanhou por recusar bater num cabo de transmissões sob o seu comando, porrada essa que o levou do Pelundo até ao Catió).
(2) O blogue Bota Acima deu origem a outros: por exemplo, Água Lisa (que vai na 3ª edição)
quarta-feira, 10 de agosto de 2005
Guiné 63/74 - P148: Humor de caserna: 'A minha vida, contada, dava um filme' (Vítor Junqueira)
© Vitor Junqueira (2005)
1. Texto de Vitor Junqueira , que é membro do nossa tertúlia de ex-combatentes da Guiné (ex-alferes miliciano, CCAÇ 2753, Mansabá, 1970/72):
Entre os meus papéis encontrei esta lista com os títulos dos filmes que passavam nos principais cinemas do país nos finais da década de 60. Alguém estabeleceu um elo de ligação, irónico, entre esses títulos e certos momentos importantes da vida de um combatente. Quero partilhar o "achado" convosco.
Vitor Junqueira.
2. Comentário de L.G.
Eu já tive ocasião de dizer ao Vitor que este documento era uma maravilha!... De facto, quem disse que nós, os tugas, não tínhamos sentido de humor ? Eu acho que o humor é, além de um sinal de inteligência, uma forma muito nossa de ser e de estar que nos ajuda a enfrentar e aguentar as situações difíceis…
Para um mancebo a tropa sempre constituiu, entre nós, um verdadeiro ritual de passagem. Para os mancebos da nossa geração, a passagem implicava também em 90 e tal por cento dos casos (tirando os filhos de algo, mais os cegos, os surdos e os mudos) um bilhete de ida (e nem sempre de volta) até ao Ultramar, a uma das três frentes da guerra colonial: Angola, Guiné, Moçambique...
O documento que o Vitor nos mandou é constituído por duas imgens, em formato.jpg, de uma lista, dactilografada, que tem por título "A Vida de um Militar na Guiné Atravez (sic) do Cinema". A qualidade da digitalziação não é boa, pelo que transcrevo as duas partes, corrigidindo alguns erros de ortografia e/ou dactilografia. A segunda parte da lista (continuação) é aqui inserida sob a forma de imagem, a título meramente exemplificativo.
Esta lista, bem humorada, faz sobretudo a equivalência entre as situações do dia-a-dia de uma aquartelamento no mato e os títulos dos filmes que passavam na época nos nossos cinemas... Ainda me lembro de alguns!
Desconhece-se o autor. Possívelmente era alguém de transmissões, que tinha tempo e vagar para estas coisas... Talvez um cabo operador cripto, um especialista que não esconde a sua crítica à hierarquia e aos pequenos privilégios que davam as divisas e os galões: Clube de Sargentos = Casino Royal (possível referência à tendendência para a jogatana e a batota por parte de furriéis e sargentos); Clube de Oficiais = Hotel Internacional (as instalações dos oficiais eram, sempre, apesar de tudo, melhores do que as barracas e os abrigos onde dormia o Zé Soldado); Oficiais = Os insaciáveis; Especialistas = Milionários sem vintém... Também transparece aqui que a ideia de que ser sargento de messe (= golpe de mestre à napolitana) era uma forma rápida... e socialmente aceite ou tolerada de aumentar o pé de meia durante a comissão!
O autor é também possivelmente alguém que esteve numa zona quente, junto à fronteira norte ou sul, já que o turra é indentificado com o "perigo que vem da fronteira"... Curiosamente não há tanta referência à vida concreta dos operacionais no mato: a emboscada, a mina, o rocket, a costureirinha, o capim, os feridos, os mortes, o golpe de mão, etc.
Não deixa também de ser interessante a representação da enfermeira (paraquedista): "o amor desceu em paraquedas"... Durante a comissão toda (= noites sem fim), a enfermeira-paraquedista era a única mulher branca que o Zé Soldado podia ver, ao vivo, embora de camuflado e de relance, em caso de evacuação de um ferido grave, quer no mato, quer no aquartelamento... Era, para muitos, uma visão quase celestial e sobretudo altamente erótica...
Ainda me lembro a perturbação e a excitação que causava, entre os "básicos" de Bambadinca, a chegada de um helicóptero com uma enfermeira-paraquedista... Em contrapartida, o furriel enfermeiro da unidade era associado a carniceiro e assassino... No caso da CCAÇ 12, o pessoal era mais gentil, embora brincalhão e travesso, pelo que o nosso furriel enfermeiro Martins era simplesmente o Pastilhas (um profissional competentíssimo... mas o que ele sofreu connosco!).
Outra das obsessões do militar na Guiné era a contagem dos dias que faltavam para a chegada dos periquitos e para o fim da comissão...E, por fim, inevitamente, a referência à ida às tabancas (= sarilho de fraldas), o convívio com as bajudas (= amor sem barreiras), o taquinho e o copos (= amores clandestinos), o tempo de lazer e de prazer do Zé Soldado...
A vida de um militar na Guiné através do cinema (1):
Partida de Lisboa = Passaporte para o desconhecido
Chegada à Guiné = As duas faces do perigo
Transmissões = O perigo é a minha profissão
Comissão = Noites sem fim
Apresentações = Eu, eu... e os outros
Alojamento = Este é o meu mundo
Messe = Por favor não comam os malmequeres
Clube de Especialistas = A grande vitória
Clube de Sargentos = Casino Royal
Clube de Oficiais = Hoel Internacional
Enfermaria = As loucuras do dr. Jerry
Secretaria dos TAP = Por favor não incomode
Secção de Fardamento = Pijama para dois
Comunicações = Este difícil amor
Metereologia = E tudo o vento levou
Linha da Frente = Com jeito vai
Grupo Operacional Aéreo = Os gloriosos malucos das máquinas [voadoras]
Companhia de Transportes = A ultrapassagem
Oficiais = Os insaciáveis
Sargentos = Os profissionais
Praças = A família Trapp
Especialistas = Milionários sem vintém
Oficial de Dia = Sua Excelência, o Mordomo
Enfermeiras = O amor desceu em paraquedas
Enfermeiros = O assassino
Médico = O homem da mala preta
A vida de um militar na Guiné através do cinema (continuação):
Sargento de messes = Golpe de mestre à napolitana
Formaturas = Eram duzentos irmãos
Saída à porta de armas = Duelo ao pôr do sol
Ordem de serviço = Os Dez Mandamentos
Justiça e disciplina = Arquivo K
Condecorações = A Cruz de Ferro
Castigos = Adeus ilusões
Prisão = Longe da multidão
Dispensas = Uma réstea de azul
Recolher = Servidão humana
Não ir de férias = Restos de um pecado
Ir de férias = O prémio
Avião semanal = A esperança nunca morre
TAP = O último recurso
Bissau = Vida sem rumo
Tabancas = Sarilho de fraldas
Bajudas = Amor sem barreiras
Vinho, tabaco, etc. = Amores clandestinos
Ida ao mato = Um campista em puros
Turras = O perigo vem da fronteira
Ataque ao quartel = A visita
Fim da comissão = Com a felicidade na alma
Louvor = Não sou digno de ti
Substituto = O espião que veio do frio
Último dia da Guiné = O dia mais longo
Partida para Lisboa = África adeus
Chegada a Lisboa = Europa de noite
Primeira noite em Lisboa = Um homem e uma mulher
Passagem à disponibilidade = O adeus às armas
1. Texto de Vitor Junqueira , que é membro do nossa tertúlia de ex-combatentes da Guiné (ex-alferes miliciano, CCAÇ 2753, Mansabá, 1970/72):
Entre os meus papéis encontrei esta lista com os títulos dos filmes que passavam nos principais cinemas do país nos finais da década de 60. Alguém estabeleceu um elo de ligação, irónico, entre esses títulos e certos momentos importantes da vida de um combatente. Quero partilhar o "achado" convosco.
Vitor Junqueira.
2. Comentário de L.G.
Eu já tive ocasião de dizer ao Vitor que este documento era uma maravilha!... De facto, quem disse que nós, os tugas, não tínhamos sentido de humor ? Eu acho que o humor é, além de um sinal de inteligência, uma forma muito nossa de ser e de estar que nos ajuda a enfrentar e aguentar as situações difíceis…
Para um mancebo a tropa sempre constituiu, entre nós, um verdadeiro ritual de passagem. Para os mancebos da nossa geração, a passagem implicava também em 90 e tal por cento dos casos (tirando os filhos de algo, mais os cegos, os surdos e os mudos) um bilhete de ida (e nem sempre de volta) até ao Ultramar, a uma das três frentes da guerra colonial: Angola, Guiné, Moçambique...
O documento que o Vitor nos mandou é constituído por duas imgens, em formato.jpg, de uma lista, dactilografada, que tem por título "A Vida de um Militar na Guiné Atravez (sic) do Cinema". A qualidade da digitalziação não é boa, pelo que transcrevo as duas partes, corrigidindo alguns erros de ortografia e/ou dactilografia. A segunda parte da lista (continuação) é aqui inserida sob a forma de imagem, a título meramente exemplificativo.
Esta lista, bem humorada, faz sobretudo a equivalência entre as situações do dia-a-dia de uma aquartelamento no mato e os títulos dos filmes que passavam na época nos nossos cinemas... Ainda me lembro de alguns!
Desconhece-se o autor. Possívelmente era alguém de transmissões, que tinha tempo e vagar para estas coisas... Talvez um cabo operador cripto, um especialista que não esconde a sua crítica à hierarquia e aos pequenos privilégios que davam as divisas e os galões: Clube de Sargentos = Casino Royal (possível referência à tendendência para a jogatana e a batota por parte de furriéis e sargentos); Clube de Oficiais = Hotel Internacional (as instalações dos oficiais eram, sempre, apesar de tudo, melhores do que as barracas e os abrigos onde dormia o Zé Soldado); Oficiais = Os insaciáveis; Especialistas = Milionários sem vintém... Também transparece aqui que a ideia de que ser sargento de messe (= golpe de mestre à napolitana) era uma forma rápida... e socialmente aceite ou tolerada de aumentar o pé de meia durante a comissão!
O autor é também possivelmente alguém que esteve numa zona quente, junto à fronteira norte ou sul, já que o turra é indentificado com o "perigo que vem da fronteira"... Curiosamente não há tanta referência à vida concreta dos operacionais no mato: a emboscada, a mina, o rocket, a costureirinha, o capim, os feridos, os mortes, o golpe de mão, etc.
Não deixa também de ser interessante a representação da enfermeira (paraquedista): "o amor desceu em paraquedas"... Durante a comissão toda (= noites sem fim), a enfermeira-paraquedista era a única mulher branca que o Zé Soldado podia ver, ao vivo, embora de camuflado e de relance, em caso de evacuação de um ferido grave, quer no mato, quer no aquartelamento... Era, para muitos, uma visão quase celestial e sobretudo altamente erótica...
Ainda me lembro a perturbação e a excitação que causava, entre os "básicos" de Bambadinca, a chegada de um helicóptero com uma enfermeira-paraquedista... Em contrapartida, o furriel enfermeiro da unidade era associado a carniceiro e assassino... No caso da CCAÇ 12, o pessoal era mais gentil, embora brincalhão e travesso, pelo que o nosso furriel enfermeiro Martins era simplesmente o Pastilhas (um profissional competentíssimo... mas o que ele sofreu connosco!).
Outra das obsessões do militar na Guiné era a contagem dos dias que faltavam para a chegada dos periquitos e para o fim da comissão...E, por fim, inevitamente, a referência à ida às tabancas (= sarilho de fraldas), o convívio com as bajudas (= amor sem barreiras), o taquinho e o copos (= amores clandestinos), o tempo de lazer e de prazer do Zé Soldado...
A vida de um militar na Guiné através do cinema (1):
Partida de Lisboa = Passaporte para o desconhecido
Chegada à Guiné = As duas faces do perigo
Transmissões = O perigo é a minha profissão
Comissão = Noites sem fim
Apresentações = Eu, eu... e os outros
Alojamento = Este é o meu mundo
Messe = Por favor não comam os malmequeres
Clube de Especialistas = A grande vitória
Clube de Sargentos = Casino Royal
Clube de Oficiais = Hoel Internacional
Enfermaria = As loucuras do dr. Jerry
Secretaria dos TAP = Por favor não incomode
Secção de Fardamento = Pijama para dois
Comunicações = Este difícil amor
Metereologia = E tudo o vento levou
Linha da Frente = Com jeito vai
Grupo Operacional Aéreo = Os gloriosos malucos das máquinas [voadoras]
Companhia de Transportes = A ultrapassagem
Oficiais = Os insaciáveis
Sargentos = Os profissionais
Praças = A família Trapp
Especialistas = Milionários sem vintém
Oficial de Dia = Sua Excelência, o Mordomo
Enfermeiras = O amor desceu em paraquedas
Enfermeiros = O assassino
Médico = O homem da mala preta
A vida de um militar na Guiné através do cinema (continuação):
Sargento de messes = Golpe de mestre à napolitana
Formaturas = Eram duzentos irmãos
Saída à porta de armas = Duelo ao pôr do sol
Ordem de serviço = Os Dez Mandamentos
Justiça e disciplina = Arquivo K
Condecorações = A Cruz de Ferro
Castigos = Adeus ilusões
Prisão = Longe da multidão
Dispensas = Uma réstea de azul
Recolher = Servidão humana
Não ir de férias = Restos de um pecado
Ir de férias = O prémio
Avião semanal = A esperança nunca morre
TAP = O último recurso
Bissau = Vida sem rumo
Tabancas = Sarilho de fraldas
Bajudas = Amor sem barreiras
Vinho, tabaco, etc. = Amores clandestinos
Ida ao mato = Um campista em puros
Turras = O perigo vem da fronteira
Ataque ao quartel = A visita
Fim da comissão = Com a felicidade na alma
Louvor = Não sou digno de ti
Substituto = O espião que veio do frio
Último dia da Guiné = O dia mais longo
Partida para Lisboa = África adeus
Chegada a Lisboa = Europa de noite
Primeira noite em Lisboa = Um homem e uma mulher
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