segunda-feira, 26 de setembro de 2005

Guiné 63/74 - P193: Tabanca Grande: O açoriano Mário Armas de Sousa (Pel Caç Nat 54: Missirá, 1969/70)

© Humberto Reis (2005)

Malta da CCAÇ 12 (à direita), pousando junto a uma parede bidões com areia (que serviam de protecção em caso de ataque) juntamente com comaradas do Xime, à esquerda (1970).

1. Bom, camarigos (=camaradas & amigos de tertúlia), ainda não chegámos à Madeira, mas já estamos nos Açores... Graças a esta jigajoga da Internet...

Pois é, lá nas Ilha das Flores, nas Lajes das Flores, há um camarada que andou connosco no Sector L1, Zona Leste, nos idos tempos de 1968/70 e que se reconheceu num das fotos publicadas na página do Xime. Apresento-vos o novo tertuliano, o ex-Furriel Miliciano Mário Armas de Sousa, do Pel Caç Nat 54 (Missirá, 1969/70).

Caro colega:

Sou ex-furriel miliciano e estive na Guiné de 1968 a 1970, em Porto Gole, Enxalé, Xime e Missirá. Também estou na fotografia da vossa página, tirada no quartel do Xime, junto dos bidões.

Tenho alguma informação e fotografias do meu grupo de combate para acrescentar à vossa página se possível; é favor confirmar o seu endereço electrónico.

© Mário Armas de Sousa (2005)

Guiné-Bissau > Região Leste > Bambadinca > Missirá : Pelotão de Caçadores Nativos nº 54, em 1970.

1ª fila da direita para esquerda: do pessoal metropolitano, o primeiro sou eu, furriel miliciano Mário Armas de Sousa; o terceiro é o 1º cabo Capitão.

2ª fila da direita para a esquerda: o primeiro é o soldado Amarante; o segundo é o soldado Bulo; o quinto é o furriel miliciano Inácio; o sexto é o 1º cabo Tomé; o nono é o soldado Samba.

3ª fila da direita para a esquerda: do pessoal metropolitano, o primeiro é o furriel miliciano Sousa Pereira; o quinto é o alferes miliciano Correia (comandante de pelotão); o sétimo é o 1º cabo Monteiro; o oitavo, africano, é o soldado Pucha (era turra e foi capturado e ficou no nosso exército)

Cumprimentos, Mário Armas de Sousa, Açores (O Mário utilizou o e-mail dos Serviços de Ambiente das Flores e Corvo, onde presumivelmente trabalha)


2. Eis a minha resposta (com correcçõe posteriores):

Meu caro Mário:

Fico muito contente (e o resto dos camaradas também) por este feliz reencontro, ao fim de tantos anos. Andámos juntos, no mesmo sector, e na mesma altura (mais tarde conhecido como o Sector L1, Zona Leste, com sede em Bambadinca e que incluía entre outros aquartelamentos e destacamentos, além da sede, o Xime, o Enxalé, Mansambo, o Xitole, Missirá...

No meu tempo, Portogole (b) creio que já pertencia a Mansoa (e não a Bambadinca). Esta povoação ficava na estrada Bafáta-Mansoa-Bissau (interdita no meu tempo).

Podes contactar-me através de qualquer um dos dois e-mails (...). Tens também os endereços de e-mail dos nossos restantes amigos e camaradas de tertúlia, na respectiva página.

Se tiveres fotografias, procura mandá-las digitalizadas, em formato.jpg. Vou dar esta boa notícia aos nossos tertulianos e passar a incluir-te na nossa lista de endereços, se for esse o teu desejo.

Se quiseres, manda também uma foto actual (não é obrigatório). (...) Um grande abraço. Luís Graça (ex- Fur. Mil. Henriques, da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

3. Volta a publicar-se, desta vez neste blogue, a fotografia onde o Mário Armas Sousa se reconheceu. Eu não consigo identificá-lo. Pode ser que outros o consigam, com a preciosa ajuda do Humberto Reis cuja memória (de elefante) já é lendária... Sigo os seus apontamentos:

"Começando da esquerda para a direita e de cima para baixo temos: o de boina já não me lembro quem era, o 2º julgo que era o fur. mil. vagomestre, os 3º, 4º e 5º também não me lembro, o 6º é o Sousa, ex-fur. mil. da CCAÇ 12 e o último sou eu (ainda com algum cabelo e sem barriga). [O 5º julgo ser o Sousa, o Mário Armas de Sousa, do Pel Caça Nat 54; ou não será ? L.G.].

"Na 1ª fila não me lembro quem é o 1º; o 2º, meio careca, era o fur. mil. dos obuses (da BAC de Bissau); os 3º e 4º também não me recordo; o 5º julgo que era o fur. mil. mecânico e o 6º é o Fernandes, ex-fur. mil. da CCAÇ 12 e actual Engenheiro Civil na antiga CUF (já nesse tempo o Fernandes tinha jeito para as obras, pois foi ele que acompanhou todo o Reordenamento dos Nhabijões (a), por isso, quando cá chegou foi acabar o curso, o que muitos fizeram pois tinham-nos deixado a meio e até aldrabado nas habilitações literárias para ver se se baldavam de ir bater com os costados no Ultramar".

Em suma, o Mário Armas Sousa é decerto um deles, mas eu não sei qual... Tenho dúvidas é (i) quanto ao mês e ano em que foi tirada a foto e (ii) quanto à companhia a que pertenciam os camaradas que não eram da CCAÇ 12. Se a foto tiver sido tirada antes de Julho de 1970, o pessoal do Xime deveria pertencer à CART 2520 (1969/1971); em meados de 1970, eles foram rendidos pela CART 2715 (1970/72).

O Mário Armas de Sousa, que além do Xime esteve em Portogole, Enxalé e Missirá, era do PEL CAÇ NAT 54 (c) que, em Novembro d1969, foi render o PEL CAÇ NAT 52 (transferido para Bmabadinca, e que era comandado pelo Alf. Mil Beja Santos).

Com o PEL CAÇ NAT 52 (e julgo que também com o 54) fizémos (a CCAÇ 12 + CCAÇ 2636 + 1 Esq. Morteiros do Pel Mort 2106) talvez a mais dramática, temerária e penosa operação de que eu me lembre: Op Tigre Vadio (Março de 1970), na pensínsula de Madina/Belel, a norte do Rio Geba, no regulado do Cuor, na extremidade sul do famoso corredor do Morès...

Haveremos de falar dessa operação: tenho aqui extractos do relatório e notas do meu diário... A tal operação em que alguns de nós tiveram que beber o próprio mijo para sobreviverem e não morrererem desidratados...

A propósito: alguém tem o contacto do Beja Santos, que era Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 52 ? Já nos encontrámos uma vez, num almoço de confraternização do BCAÇ 2852 (1968/70).

O Alf Mil Cabral, o António Cabral, do Pel Caç Nat 63 (que estava em Fá, a Fá Mandinga onde foi formada e treinada a 1º Companhia de Comandos Africanos e onde Amílcar Cabral trabalhou como engenheiro agrónomo, nos anos 50) é advogado e é também professor no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa. Ando há anos para me encontrar com ele. O Humberto é capaz de ter o contacto dos dois.

Mantenhas. Luís
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Notas de L.G.

(a) Vd post de 21 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCII: O reordenamento de Nhabijões (1969/70)

(b) A grafia correcta será Porto Gole.

(c) Havia vários. Por exemplo, em Maio de 1970, já no final da comissão do BCAÇ 2852 (1968/70), havia três Pel Caç Nat no sector: 52 (Bambadinca), 54 (Missirá) e 63 (Fá). Estas unidades não se confundiam com os Pelotões de Milícias: nesta altura, havia já duas Companhias de Milícias... As mílicias tinham uma função de auto-defesa e eram constituídas apenas por elementos da população guineense (neste caso, predominante ou exclusivamente fulas).

domingo, 25 de setembro de 2005

Guiné 63/74 - P192: Antologia (21): Choro manjaco, lá no Canchungo (Luís Graça)

Selecção de Luís Graça:

1. Etnopoema sobre um choro em Canchungo

CHORO

por Jan Muá

"A mim vai na tchoro"
Lá no Canchungo
Eh Batassa
Eh parente
Tam-tam
Eh bombolom...

Eh barro branco da bolanha
Eh máscara cinza

Eh Batassa
Eh irmão
A bó muita mantenha
Eh tripa de vaca
Eh dança
Eh inselência
Eh morto
Eh silêncio
Eh Barsi
Eh irã da morte
Eh vida
Eh vós verdadeiros
Que estais ainda chorando
A parentela
Eh Batassa
Tam-tam...
Am...am...

Jan Muá
Canchungo 1964
______

Glossário (elaborado pelo autor do poema):

Choro - Conjunto de rituais celebrados por ocasião do falecimento de uma pessoa na etnia dos povos animistas na Guiné-Bissau.

Batassa - Uma das famílias principais entre os manjacos, do grupo brame.

Bombolom - Intrumento musical, espécie de tamborim tirado do côncavo do tronco de uma árvore. (É também um instrumento tradicional de comunicação entre aldeias no chão manjaco e no chão balanta. É também o nome da mais célebre - e incómoda, para o poder político - rádio de Bissau, a Rádio Bombolom. L.G.)

Inselência - Era uma parte dos rituais do choro em que se lembravam os nomes dos falecidos da família, quase uma ladainha.

Barsi - Deus entre os Brames.

Bolanha - Várzea para arroz, arrozal.

Irã - Demiurgo ou intermediário entre a divindade superior e os humanos entre os povos animistas da Guiné.

Mantenha - Saudação, em crioulo.

Canchungo - Cidade da região dos manjacos, conhecida entre os portugueses pelo nome de Teixeira Pinto.

Fonte: Usina das Letras


2. Sobre o autor:

Jan Muá é um pseudónimo de João Ferreira, poeta, escritor, ensaísta, crítico literário e jornalista, nascido em Portugal e naturalizado brasileiro em 1977.

João Ferreira é ainda professor universitário e investihgador literário. Co-autor e coordenador da tradução do Dicionário de Política de Norberto Bobbio.

Publicou os seguintes livros: (i) Uaná. São Paulo: Global Editora, 1987; (ii) A Questão do Pré-Modernismo na Literatura Portuguesa. Brasília: Núcleo de Estudos Portugueses da Universidade de Brasília, 1996;

Com o pseudónoimo de Jan Juá editou A Alma das Coisas (s/l: Editora Papel Virtual, 2004).

Fonte: João Ferreira - Jan Muá

Guiné 63/74 - P191: Coisas sobre Canchungo (antiga Teixeira Pinto)

Texto de Afonso M.F. Sousa:

1. Coisas sobre Teixeira Pinto...atrás do objectivo de descobrir algo que nos possa levar à data em que foi atribuido aquele nome à antiga vila do Canchungo, nome que foi reposto com a independência da Guiné-Bissau.

Para já parece estar difícil. Talvez seja melhor interrogar directamente o municipio !...

2. Leio no sítio do Departamento de Estado Norte-Americano > Departamento de Assuntos Africanos > Guiné-Bissau (Agotso de 2005, em inglês):

Antes da 1ª Guerra Mundial, as forças portuguesas sob o comando do major Teixeira Pinto, com algum auxílio da população muçulmana, dominou tribos animistas e estabeleceram eventualmente as fronteiras do território. O interior do Guiné Portuguesa ficou sob controlo após mais de 30 anos de luta; a subjugação final das ilhas de Bijagós não ocorreu senão até 1936. A capital administrativa foi transferida de Bolama para Bissau em 1941, e em 1952, pela emenda constitucional, a colónia da Guiné Portuguesa transformou-se numa província ultramarina de Portugal.

3. De acordo com a Enciclopédia Britância, fico a sabe que Canchungo é actualmente o maior centro guineense de produção de óleo de palma e grande produtor de arroz e de óleo de coconote. Canchungo : "formerly Teixeira Pinto, town, Cacheu region, northwestern Guinea-Bissau, West Africa. The town lies between the Rio Cacheu and the Rio Mansôa in an area of coastal lowlands and is a major producer of oil-palm vegetable oil for export. It is also a market centre for rice and coconuts grown nearby. The town is connected by road to Bissau, the national capital. Pop. (1979) mun., 36,766.)".

4. Leio, no sítio Bolanha - Associação Guineense de Quadros e Estudantes,a notícia de que a Fábrica Sicaju é "um exemplo sucesso de investimento português no país", indo abrir em breve, nos primeiros meses do próximo ano, "uma nova unidade na região de Canchungo, interior norte da Guiné-Bissau". Passo a transcrever, a seguir, a notícia na íntegra (que é da Lusa, 15 de Julho de 2005).
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Bissau, 15 Jul (Lusa) - A Sicaju, fábrica de transformação da castanha de caju do grupo português MCI Caju, é uma das poucas unidades fabris da Guiné-Bissau, emprega 200 jovens guineenses e é considerada um exemplo de sucesso de investimento português no país.

Hoje de manhã, e já em plena actividade laboral, a Sicaju recebeu a visita do presidente guineense, Henrique Rosa, que após uma visita guiada às instalações da fábrica, construídas de raiz, disse à agência Lusa que estava "encantado" com aquilo que viu.

"Se nós conseguíssemos ter, pelo menos, mais uma dezena de iniciativas como esta poderíamos resolver muitos dos graves problemas sociais que afectam a Guiné-Bissau e, consequentemente, melhorar o preço do caju ao produtor", frisou Henrique Rosa.

O caju, exportado em bruto, essencialmente para a Índia, é, a par da pesca, um dos principais produtos que fazem entrar divisas no Tesouro Público guineense, chegando a gerar receitas na ordem dos 55 milhões de dólares (45,8 milhões de euros).

Laborando a partir de Julho de 2004, a Sicaju tem capacidade para transformar cerca de 16 toneladas de castanha bruta em amêndoa de "primeira qualidade", tendo o mercado holandês como destino principal.

António Mota, gerente e representante da MCI Caju, que detém 60 por cento da fábrica, explicou à agência Lusa que ainda não tem pronta a "encomenda", mas assegurou já ter garantido "comprador" para toda a produção até Maio de 2006.

Levantando um pouco a ponta do véu, António Mota adiantou à Lusa que a sua empresa está "satisfeita" pelo retorno do investimento que fez, uma vez que, com "pouco dinheiro", 1,2 milhões de dólares (cerca de um milhão de euros), tem garantida "uma boa margem de lucro".

Daí o apelo aos empresários portugueses que queiram iniciar ou estejam com dúvidas sobre desenvolver um negocio na Guiné-Bissau.

"Invistam no sector do caju. Há muitas potencialidades nesse sector. O investimento até nem é grande e permite um retorno rápido do capital. Permite ainda uma actividade sustentável e durante todo o ano e enquadrada no próprio país", explicou o gerente da Sicaju.

António Mota adiantou ainda que o sector do caju é a "primeira actividade de negócio" na Guiné-Bissau, pelo que a sua empresa conta alargar horizontes.

Brevemente, o grupo conta receber novos equipamentos de Portugal, o que vai permitir, explicou, que a empresa aumente para 300 o número de funcionários, tendo também garantido a castanha bruta para a produção até Fevereiro de 2006.

Se tudo correr como previsto, a Sicaju vai abrir uma nova unidade na região de Canchungo, interior norte da Guiné-Bissau, nos primeiros meses do próximo ano, afirmou António Mota.

Explicou ainda que a amêndoa produzida pela Sicaju não chega ao mercado português por "manifesta falta de capacidade de resposta" às encomendas que recebe, mas também porque, seguindo as leis da globalização, o mercado holandês "oferece melhores condições de preço".

Ainda a justificar as "vantagens" de um negócio no sector de transformação do caju na Guiné-Bissau, António Mota destacou a "facilidade" na obtenção da matéria-prima e a "disponibilidade" da mão- de-obra local.

"Aqui, nesta unidade de Bissau, temos, neste momento, 200 trabalhadores, todos guineenses. Sou o único estrangeiro aqui. Isso diz tudo das potencialidades deste sector", frisou.

António Mota contou ainda que o salário mínimo praticado na fábrica ronda os 45 mil francos CFA (68,70 euros), sem contar com o almoço e o transporte que a empresa oferece gratuitamente aos trabalhadores.

Questionado pela Lusa, em plena actividade de corte da castanha bruta, o jovem Uié Gomes disse que o trabalho na Sicaju é a "melhor coisa" que já lhe aconteceu.

A razão é, afinal, bem simples: "Tenho um salário mensal e deixei para trás o tédio de ficar em casa sem fazer nada".

O mesmo sucede com a maioria dos 200 trabalhadores, quase todos jovens como Uié Gomes.


5. Filhos ilustres de Canchungo / Teixeira Pinto:

Já referi aqui, noutro post, o nome de Carlos Lopes, um prestigiado sociólogo guineense e quadro superior da ONU, nascido no Canchungo em 1960.

Mas também é do Canchungo o poeta António Baticã Ferreira (Nascido em 1939,
é licenciado em Medicina pela Universidade de Lausana, Suíça. Colaborou em diversas publicações como poeta).

Um dos mais conhecidos e prestigiados jornalistas da Guiné-Bissau, Carlos Batic Ferreira, também era do Canchungo, onde de resto morreu, em 2002, aos 45 anos. jornalismo da Guiné-Bissau.

Aristides Gomes, 1º vice-presidente do PAIGC, também é do Canchungo. Professor primário, ingressou nas fileiras do PAIGC em 18 de Dezembro de 1973, em Cobiana, na Região de Cacheu.

Os nossos amigos e cmaradas de tertúlia ficam ainda a saber que a Câmara Municipal do Porto tem um protocolod e cooperação com o Canchungo, podendo originar uma futura geminação.

É tudo, por agora. Falamos das terras guineenses do passado mas também será giro constatar o que são no presente.

sábado, 24 de setembro de 2005

Guiné 63/74 - P190: Oficial do Estado Maior do 'Caco'... por duas horas (João Tunes)

António Spínola (Estremoz, 1910- Lisboa, 1996), presidente da República (de 15 de Maio de a 30 de Setembro de 1974).

Retrato a óleo pelo pintor Jacinto Luís. Presidência da Repúblcsa Portuguesa.

Texto do João Tunes:

Por onde andei, o Spínola só era tratado por "caco" (por causa do vidrinho que ele segurava no olho e que estávamos sempre à espera quando é que se escaqueirava no meio do chão mas o sacana tinha artes de ginástica facial e nunca nos deu esse gozo). (...) Embora mesnos usado, também ouvi chamar-lhe o "gajo do pingalim" mas isso foi em Bissau que era malta mais finaça e quando estive no Estado Maior General (EMG).

Um, reparo agora que na minha apresentação curricular não vos disse que fui Oficial do Estado Maior General do Comando Territorial Militar da Guiné. Fui, sim senhor. Por duas horas, mas fui.

Esta conta-se depressa. Quando levei a porrada no Pelundo (1) mandaram-me seguir para Bissau à espera de destino de colocação. Por lá estive uns dias a coçar o cú e os tomates pela Messe e Caserna de Oficiais em Santa Luzia mais tomar banho na bruta piscina para a oficialada.

Um dia de manhã, recebo ordem para me apresentar no EMG, na Repartição de Operações, onde tinha sido colocado. Apresentei-me a pensar para comigo "estes gajos tiveram pena, viram que meteram a pata na poça com a porrada que me deram e agora querem compensar a coisa dando-me vida de elite aqui ao pé do General, ora, ainda bem, isto afinal está-se a compôr e há males que vêm por bem" e outras filosofices de basófia (até já me estava a ver com mordomias e coisas que tais).

Apresentei-me e disseram-me para ler umas coisas para me identificar com o serviço, aquilo eram só mapas, mais mensagens e informações confidenciais e secretas sobre o IN, dicas dos pides, combinações em voz baixa, coisa e tal, mais uma data de majores e capitães cagões (por serem da elite do Spínola) e não me esqueço que encontrei lá pessoal que depois foi célebre como o Eanes, o Otelo, o Monge, o Lemos Pires e outros mais, e eu ali na nata das NT.

Ainda não tinha a manhã acabado aparece um dos majores, todo esbaforido (julgo que foi o Lemos Pires que esteve em Timor na descolonização), a dizer que tinha havido engano e que aquele lugar era para outro alferes (pelo nome, filho de boas famílias) e que eu tinha era que arrumar o saco e seguir de Dornier no outro dia pela fresquinha para Catió (2) que ali é que era o sítio certo para oficiais corrécios e punidos.

E desandei dali para fora com as minhas duas horas de serviço de Oficial de Estado Maior com Catió, Cacine, Guileje e Gadamael à minha espera. Lixaram-me o resto da comissão mas não me limpam o currículo. Pois foi aí que eles falavam do "pingalim" quando se referiam ao General (deviam achar que "caco" não era próprio do lugar).
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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 15 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CXC: João Tunes, o novo tertuliano.

Vd. também post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)

(2) Vd. post de 12 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXXVI: No "reino do Nino": Catió, Cacine, Gadamael, Guileje (1970)

Guiné 63/74 - P189: Luís Moreira, de alferes sapador a professor de matemática

Luís Moreira, Alf. Mili. Sapador, no Batalhão de Engenharia, em Bissau, já recuperado do acidente com a mina A/C, em Nhabijões (Bambadinca), a 13 de Janeiro de 1971

© Luís Moreira (2005)

Texto do Luís Moreira:

Depois de ler a prosa do João Tunes, dei-me conta de que, também eu, me não apresentei convenientemente aos camarigas que não me conheceram.

Nasci numa vila para os lados de Viseu, mais proprimente em Torredeita, que até vem em alguns mapas e tem uma Escola Superior de Agricultura (Politécnica), muito falada nos telejornais do Verão por o pessoal acampar à sua volta para garantir uma das poucas vagas que são postas à disposição.

Em 1969, com 25 anos e o curso de engenharia interrompido, entrei em Mafra para o curso de oficiais para canhão, onde terminei a especialidade em minas e armadilhas (éramos 16 no pelotão), curso que não terminámos sem que 15 de nós fossemos contemplados com 19 dias de detenção e 45 de dispensas cortadas por, segundo reza a ordem de serviço [texto incompleto] (Como percebem tive de ocultar os nomes dos restantes 15 ex-camaradas por motivos óbvios).

E a punição não foi mais severa porque com 20 dias iríamos todos parar ao contingente geral e não teriam oficiais sapadores para enviarem para os teatros de guerra. Se o pudessem fazer estavam-se a borrifar para a oportunidade de reorientarmos o nosso comportamento.

Já como aspirante miliciano fui para Bragança instruir soldados que iriam para a as ex-colónias. Terminada a instrução fiz uma passagem por Tancos onde, pretensamente, deveria aprender mais alguma coisa sobre minas e armadilhas mas fiquei convencido de que, com o que aprendemos em Mafra, sabíamos mais que os oficiais e sargentos nossos instrutores em Tancos.

Finalmente fui para Viana do Castelo onde me encontrei com todos os ex-camaradas de infortúnio e formámos o BART 2917.

Em princípios de Maio de 1970 embarcámos naquela que foi a última viagem do velho Carvalho Araújo e desembarcámos em Bissau a 17 do mesmo mês. Ainda me recordo da expressão do Capitão que foi o meu comandante de Companhia e de que não me recordo do nome (ajude-me quem souber - seria o Passos Marques ou esse foi o do Batalhão de Engemharia ?) quando viu um pequeno furo à proa do navio, cerca de um metro acima da linha de àgua, por onde saía um fio de óleo e que o deixou preocupado desconfiando que não chegaria ao destino. Mas chegou e nós também naquela que até foi uma viagem calma.

O resto foi igual ao que já todos sabem. Desembarque, alojamento no Quartel de Adidos em Brá, saída uns dias depois e embarque na LDG que nos levou ao Xime e daí para os outros destinos em coluna.

Em 13 de janeiro do ano seguinte, 1971, foi o acidente com a mina anticarro de que já se falou e se voltará a falar, precedida, na altura do Natal, por uma visita do "homem do caco" ao reordenamento dos Nhabijões, onde esperou 20 minutos pelo alferes sapador, eu, que tinha ido à lenha com umas bajudas, mas que foi encoberto pelo David Guimarães e restantes ex-camaradas que lhe disseram que tinha ido buscar bidões de água para oas obras que estávamos a fazer. A peta pegou pois quando fui almoçar a Bambadinca ninguém me perguntou por onde andei.

Luís Moreira, aos 59 anos, professor de matemática (hoje tem 61 e está à beira da reforma).

© Luís Moreira (2005)

Após o acidente e consequente evacuação para o Hospital de Bissau, fui logo no dia seguinte visitado pelo dito Senhor Comandante que me desejou as rápidas melhoras. Devia estar a fazer falta no reordenamento que, diziam, era a menina dos olhos dele. Mas os médicos trocaram-lhe as voltas pois passaram-me aos serviços auxiliares e depois de uma breve passagem por Bambadinca vim fazer mais 15 ou 16 meses de serviço até 7 de Junho de 1972, mas no Batalhão de Engenharia, com direito a ar condicionado e tudo na messe e no bar de oficiais.

Regressei, terminei a minha licenciatura em Matemática (resolvi mudar de curso) e passei a ser mais um dos tão criticados professores do ensino secundário que todos acusam de nada fazer a não ser martirizar as ciancinhas. Gostava de ver esses críticos a dar aulas a algumas das turmas que me passaram pelas mãos. Iam parar mais depressa à psiquiatria do que os Bravos que sofreram morteiradas todos os dias na Guiné. Mas esta é outra história. Felizmente vou pedir a reforma para o mês que vem embora, por decisão desta ministra, tenha de aguentar a dar aulas todo o ano lectivo.

Como já vi as fotos de alguns camarigas no antes e no depois, junto também as minhas, uma aos 26 anos já no ar condicionado do BENG 447, e outra mais recente, teria os meus 59 anos (hoje estou com 61).

Mantenhas.
Luís Moreira

sexta-feira, 23 de setembro de 2005

Guiné 63/74 - P188: Antologia (20): A língua portuguesa e a sua dimensão africana

Por sugestão do tertuliano Afonso M.F. Sousa (que andou a fazer pesquisas sobre a Teixeira Pinto / Canchungo):

Texto de Carlos Lopes (1) > A dimensão africana

A relação entre um grafema e fonema é algo que me suscita as maiores curiosidades. Como qualquer intelectual globalizado, o meu cosmopolitismo manifesta-se pelo conhecimento de várias línguas. Já não é fácil saber qual é a mais apropriada para cada sujeito em discussão. Dependendo da vivência associada ao tópico pode ser o francês, espanhol, mas também o inglês ou rudimentarmente o italiano, o alemão e até o grego. Por ter sido exposto de uma maneira ou outra a este leque de criações europeias, sou obrigado a caracterizar-me como um europeizado.

Paradoxalmente é o português que me aproxima da minha dimensão africana, porque ele serve de alimento a uma outra língua -o kriol- que é a raiz da contemporaneidade guineense.

Do português interessam-me muitas coisas, a começar pela relação específica que existe em qualquer língua entre grafema e fonema. Em nenhuma outra língua, nem mesmo em kriol (devido à sua jovem normalização), me sinto tão à vontade. Aqui posso emprestar as palavras mais densas, os verbos mais aristocráticos, as sílabas mais estridentes, as expressões mais amargas, sem qualquer hesitação fonética. É um atributo que me aproxima da língua de tal forma que ela se torna minha, propriedade pessoal, privada, individualizada... capaz de projectar os sentimentos mais egoístas e introvertidos.

E, no entanto, eu sei... eu tenho plena consciência que ela também é propriedade de milhões de pessoas de Braga a Canchungo, de Londrina a Bakau, de Newark a Lobito, de S. Vicente à Beira, de Penang à Ilha do Príncipe, muito para além das capitais de quem se atribui a lusofonia. É essa riqueza, que atravessa firmemente todas estas civilizações da língua portuguesa, que me emociona e me permite reconhecer, aqui e ali, nos mais diferentes espaços e contextos, o sentimento de que não estou só... no mundo.

18/04/1997

Fonte: © 1998 Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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(1) Sociólogo e escritor guineense, nascido em Teixeira Pinto/Canchungo, em 1960 . É um intectual africano de prestígio internacional. É actualmente um quadro superior das Nações Unidas.

Guiné 63/74 - P187: Da tertúlia virtual ao encontro de carne e osso (Luís Graça)

Humberto (e demais tertulianos):

Fazes-me lembrar o nosso velho capitão (não se manda um cota para a guerra, já quase quarentão!), lá para os lados do Corubal, numa das muitas operações em que demos e levámos porrada de criar bicho... Ele, coitado, atrás de uma árvore e a dar ordens: "Companhia, avançar!... Companhia, recuar!"... Era (é) um homem afável e bom!

Tens razão: cá na nossa tertúlia, é assim, "para a frente é que é o caminho"...Felizmente, que já não temos de fugir dos tiros das costureinhas, das kalash, das roquetadas, canhoadas e morteiradas, nem muito menos das abelhas assassinas...

A ideia do João Tunes, secundada por ti, faz sentido. A nossa tertúlia é virtual: a maior parte de nós não se conhece, a não ser de fotografia (e só alguns)... Eu sei que no futuro cada vez mais gente vai ter colegas de trabalho ou clientes virtuais, ligados`em rede...

Mas nós queremos dar um abraço ao Lepoldo e sentir os seus ossos que sobreviveram às andanças por Catió e Bolama e sobretudo a essa coisa medomnha que é uam guerra (para mais quando se é criança)... Queremos dar-lhe aquele abraço que ele merece, quando ele, brilantemente, discutir a sua tese... A propósito ainda não sei onde é que ele está a fazer o seu mestrado (presumo, ou será doutoramento ?): é possível que seja no ISCSP (no polo universitário do Alto de Monsanto ou na Junqueira ?) ou então na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, ao Campo Grande... A menos que esteja numa universidade privada, não sei...

De qualquer modo, vai ser aqui em Lisboa, terra conquistada aos mouros... Ora como tu dizes e bem uma boa parte dos nossos tertulianos são... morcões (que é o termo carimnhos que uso quando falo com os meus cunhados, sobrinhso e amigos do Portucale, o Portugal primitivo e original, que ia do Minho ao Douro...

Eu tenho estruturas logísticas no Norte (Quinta de Candoz, no Marco de Caneveses, já no limite do Marco com o de Baião, perto da barragem do Carrapatelo, no Douro), e água de Lisboa (... boa e com fartura), que neste caso é branca e verde...

O sítio é fácil de encontar: de Lisboa, é seguir a A1 e depois a A3 (Vila Real), cortar para o Marco e seguir a estrada da Régua... A malta do Porto e arredores está em casa... Os do Alto Minho (Viana do cstelo...) também, ficam perto... Mais longe estamos nós aqui: mas não chega,m a 400 quilómetros, o meu sítio. Já convidei o Guimarães e o Marques Lopes, que são so que estão mais perto de lá (cerca de 60 km)... Eu hoje devia estar lá nas vindimas...

Havemos de arranjar qualquer coisa. Para um primeiro encontro, mais formal e académico, não será difícil de arranjar uma sala, com todos os meios de audiovisuais necessários (incluindo o data-show) na minha Escola, que fica na Av Cruz, a seguir ao estádio do Sporting e pegada ao Instituto Ricardo Jorge.

O objectivo é ouvir a charla do Leopoldo, admitindo que ele está disposto a fazer uma sessão só para VIP como nós... A almoçarada tem que ser a seguir (há aqui bons restaurantes na zona, no Lumiar e em Carnide). Outro encontro, mais alargado, terá que ser no Norte... De qualquer modo, o pretexto é sempre celebrar a vida, a amizade, a camaradagem...

Vejam as blogarias de ontem e a minha/nossa despedida ao Paulo que vai para Bissau um ano, com meia companhia, armas e bagagem. Parte no dia 30 deste mês.

Mantenhas para o pessoal todo, os camarigos (feliz invenção do João, que assim enriquece a nossa querida língua portuguesa, e sobretudo deixa de fazer a distinção, subtilmente discriminatória, entre amigos e camaradas, como fazem os militantes do PC...)

Luís


PS - Humberto, és um sortudo que vai de férias, de 4 a 9 de Outubro, a Cabo Verde (e eu ainda não fui lá, revisitar os sítios por onde andou o meu velhote na II Guerra Mundial...). Até lá a gente ainda se fala. Mas espero que faças umas "chapas" aqui para o blogue: vais à Ilha de São Vicente ? Se sim, vou-te fazer uma encomenda de fotos, para matar saudades (a mim e ao meu velhote)...

Guiné 63/74 - P186: Guerra colonial 'versus' guerra de libertação nacional: um estudo de caso

Guiné-Bissau > Zona Leste > Bambadinca > 1997:

O antigo edifício dos correios... A sigla (CTT) está lá inscrita na parede com as mesmas letras de há 35 anos... O Leopoldo Amado não passou por aqui, quando djubi, mas esteve em Catió e Bolama... O pai era chefe dos correios.


"Daqui telefonei para Lisboa umas 3 ou 4 vezes. In ilo tempore, em que se pedia a chamada com dois dias de antecedência e com hora marcada!" (Humberto Reis)...

© Humberto Reis (2005) (com a colaboração do Braima Samá, professor primário em Bambadina e improvisado fotógrafo em 1997)


1. Post de JoãoTunes:

Amigo Leopoldo (para o caso, camarada está a mais...)

Folgo que a tese vá com toda a tusa. O resultado só poderá ser brilhante, não tenho dúvidas.

Uma sugestão: porque não uma sessão já a seguir para os tertulianos, estilo treino, em que o meu caro amigo apresentava as linhas de força da sua tese e se submetia a fogo cerrado de artilharia, helicanhão, emboscadas e golpes de mãos dos combatentes velhinhos?

Não seria um bom ensaio de defesa de tese? Estou certo que os tertulianos ex-combatentes apreciariam esse duelo com a memória e a sua arrumação. Por mim falando, teria o maior prazer e acicate. Dito melhor, manga de ronco.

Se a ideia tivesse pés para andar, julgo que o Luís não teria dificuldade em arranjar uma sala de cenário adequado a que se seguiria zarpar para uma petiscada numa messe qualquer - a "Trindade" por exemplo, junto ao Largo Camões - onde se pudesse confraternizar... O que interessava seria, sobretudo, conhecermo-nos - ou revermo-nos para os que andaram juntos - passando ou regressando da amizade virtual para a real.

Escuto.
Mantenha pa nhos tudu.
João Tunes

2. Resposta, de imediato, do Leopoldo Amado:

Caro amigo Tunes,

Teria todo prazer em coligir uma notas e partilhar as linhas de força da minha tese: "Guerra Colonial versus guerra de libertação nacional (1963-1974): o caso da Guiné-Bissau". Seria igualmente importante para mim (e para todos, creio) o feedback que certamente tal ocasionaria.

Porém, não sei se a cervejaria Trindade serve para o propósito: muita gente, muita cerveja e, provavelmente algum barulho. Pelo menos era assim há uns 15 anos. Há muito que lá não vou. Como quer que seja, é-me indiferente o local, conquanto possamos (re)encontrar-nos, uma vez que estivemos juntos no mesmo Teatro de Operações, embora cada um na sua latitude.

Mas não espero encontrar combatentes velhinhos. Espero, isso sim, encontrar jovens bem dispostos, com uma média de idades a rondar os 60 anos, isto é, homens que se rejuvenesceram física espiritualmente. Afinal, fostes "soldados uma vez, sempre soldados”, parafraseando o titulo da obra do pára-quedista Nuno Mira Vaz.

Aquela guerra foi igualmente minha. O meu pai era chefe dos Correios, pelo que calcorreámos a Guiné toda. Calhava-nos, por cúmulo de azar, os sítios mais quentes. Tenho muitas lembranças desta vossa/minha guerra, porque vivi-a na infância e na adolescência, mas vivi-a de algum modo: os 122 mm e afins do PAIGC também passaram muita vez por cima da minha casa, quer em Catió, quer em Bolama...

Escuto. Leopoldo Amado


3. Intervenção do Humberto Reis:

Leopoldo Amado, meu amigo tertuliano:

Tiro o meu chapéu à sua disponibilidade para uma primeira conversa, de muitas esperemos, com estes rapazes novos da casa das +/- 60 Primaveras.

Estou disponível para quando quiserem, excepto de 4 a 9 de Outubro próximo, em que vou estar em Cabo Verde. Não é em serviço mas sim uns dias de vacances. Acontece que o Paulo Salgado vai à Guiné no dia 30 mas não disse quando voltava. Esperemos que seja rápida a resposta dele, para se poder organizar este encontro.

Pelo que o João Tunes escreve, a ideia do encontro é numa sala que consigamos arranjar (ele sugere que talvez o Luís tenha mais facilidade em conseguir lá na universidade) e no pós-sabatina, então sim, irmos beber uma bejeca à Trindade, ou outro lado qualquer.

Não quero deixar de chamar a atenção da rapaziada, de que isto através destas modernices dos computadores é fácil e prático, mas as presenças físicas já começam a dar que pensar. Temos tertulianos de todo o país e, se isto fosse pensado para o norte do país, por exemplo, eu gostaria de me deslocar lá.

Como o Leopoldo está em Lisboa, julgo que seria de aguardar pelas reacções dos restantes compagnons de route que residem mais afastados cá do burgo. Não quero dizer com isto que este(s) encontro(s) tenha(m) de ter a comparência de todos os tertulianos, nada disso (era utópico pensar em tal). Apenas sugiro que auscultemos as opiniões dos outros.

"Avancemos para a frente" pois não temos tempo de "recuar para trás".

Um abraço a todos
Humberto Reis

Guiné 63/74 - P185: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970: Da esquerda para a direita, os ex-furriéis milicianos Marques e Henriques da CCAÇ 12.

Os dois foram vítimas, juntamente com as suas secções (4º Grupo de Combate), da explosão de uma mina anti-carro na GMC em que seguiam (Estrada de Nhabijões-Bambadinca, 13 de Janeiro de 1971, a um m~es de acabarem a sua comissão de serviço).

O Marques foi gravemente ferido, tendo sido evacuado para a Metrópole. A sua reabilitação foi morosa e pensoa. É hoje mais um DFA (deficiente das forças armadasa).

© Luís Graça (2005)

História da CCAÇ 12 (1969/71)

(19) Janeiro de 1971: 1 morto de 6 feridos graves aos 20 meses

O dia 13 seria uma data fatídica para as NT, e em especial para a CCAÇ 12 cujos quadros metropolitanos estavam prestes a terminar a sua comissão de serviço em terras da Guiné. Eis o filme dos acontecimentos:

(i) Às 5.45h o 1º Gr Comb detectou, durante a batida à região de Ponta Coli, vestígios dum grupo IN de 20 elementos vindos em acção de reconhecimento aos trabalhos da TECNIL na estrada Bambadinca-Xime e locais de instalação das NT.

(ii) Às 11.25h, na estrada de Nhabijões-Bambadinca, uma viatura tipo Unimog 411, conduzida pelo Sold Soares (CCAÇ 12) que ia buscar [a Bambadinca] a 2ª refeição para o pessoal daquele destacamento, accionou uma mina A/C.

0 condutor teve morte instantânea. Ficaram gravemente feridos 1 Oficial (CCS / BART 2917)[Alf. Mil. Moreira] (a), 1 Sargento (Fur Mil Fernandes/CCAÇ 12) e 1 Praça (CCS / BART 2917).

(iii) Imediatamente alertadas as NT em Bambadinca, o Gr Comb de intervenção (4º, CCAÇ 12) recebeu a missão de seguir para o local a fim de fazer o reconhecimento da zona, enquanto outras forças acorriam a socorrer os sinistrados.

Ao chegar junto da viatura minada, o Cmdt do 4° Gr Comb [Alf. Mil. Rodrigues] (b) deixou duas praças a fazer a pesquisa, na estrada e imediações, de outros possíveis engenhos explosivos, no que foram apoiados por alguns elementos do destacamento, seguindo depois uma pista de peugadas recentes, detectadas nas proximidades, e que se dirigiam para a orla da mata.

Aqui, a 50 metros da estrada, atrás duma árvore incrustada num baga-baga, encontraram-se vestígios muito recentes. Seguindo os rastos através da mata, foi dar-se à antiga tabanca de Imbumbe [um dos cinco núcleos populacionais de Nhabijões (c), agora transferidos para o reordenamento], mas nas proximidades do reordenamento (Bolubate) aqueles passaram a confundir-se com os do pessoal que trabalha na bolanha.

(iv) Regressado ao local das viaturas, o Gr Comb pelas 13.30h recebeu ordens para recolher, tendo o pessoal tomado lugar no Unimog e na GMC em que tinha vindo. Esta última [onde vinham as secções, comandadas pelos Fur. Mil. Marques e Henriques] (d) , entretanto, ao fazer inversão de marcha, e tendo saído fora da estrada com o rodado trazeiro, accionaria uma outra mina A/C colocada na berma, a 10 metros da anterior, e que não havia sido detectada pelos picadores.

Em resultado de terem sido projectados, ficaram gravemente feridos o Fur Mil Marques e os Sold Quecuta, Sherifo, Tenen e Ussumane. Sofreram escoriações e traumatismos de menor grau o Alf. Mil. Rodrigues, o Sold TRMS Pereira e os Sold Cherno e Samba.

(v) No dia seguinte, às 5.45h, as forças de segurança à TECNIL (2º e 4º Gr Comb da CCAÇ 12) detectaram novos vestígios do mesmo grupo IN que seguiu na direcção de Lantar, vindo de Samba Silate, fazendo de passagem o reconhecimento das máquinas à entrada da bolanha do Xime. Uma inspecção cuidadosa não revelou estarem armadilhadas.

(vi) Às 18.30Oh, o IN flagelaria o Xime com mort 82 da direcção de Ponta Varela, à distância e sem consequências.

Durante o mês, a CCAÇ 12 continuou empenhada na segurança à TECNIL, tendo ainda levado a efeito duas colunas de reabastecimentos até ao Saltinho.
_____

Notas de L.G.

(a) O nosso tertulianoLuís Moreira

(b) Já falecido, depois do regresso a Portugal. O José António G. Rodrigues, ex-Al. Mil. Cav., era funcionário da Segurança Social, em Lisboa.

(c) O Fur. Mil. Henriques é o autor destas linhas.

(d) vd. post de 21 Setembro 2005 > Guiné 63/74 . CCII: O reordenamento de Nhabijões (1969/70) .___________

Fonte: História da CCAÇ. 12: Guiné 1969/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores 12. 1971. Capítulo II. 44-45.

quinta-feira, 22 de setembro de 2005

Guiné 63/74 - P184: Lamparam, o blogue do Leopoldo Amado

© Leopoldo Amado(2005)

Post de Leopoldo Amado, nosso amigo de tertúlia, historiador, natural da Guiné-Bissau.

Caros amigos,

Não tenho tido tempo para partilhar convosco o que quer que seja, na medida em que estou mesmo na recta final da minha dissertação de tese. Porém, estou quase a acabar, na fase derradeira. Penso estar disponível para a semana, a fim de iniciar convosco uma intensa partilha.

Desde já, congratulo-me com o nível dos trabalhos e dos debates. Há textos fabulosos. O que se fará com tanta coisa boa assim? Tertúlia vai ter a sua própria Editora? Penso que se justifica plenamente. Fiquei igualmente alegre em saber que o meu amigo João Tunes é agora dos nossos, pois tem cabeça no lugar e uma escrita escorreita, que dá gozo ler.

Entretanto, convido os meus amigos a visitarem o meu blog [Lamparam] , apesar de estar completamente desactualizado, tal a intensidade de trabalho que agora tenho com a fase final da tese.É uma forma de nos conhecemos mutuamente. Penso.
Um abraço a todos.

Até pr’a semana.
Leopoldo Amado

2. Comentário de L.G. :

Congratulo-me pelo fim (ou quase) dos trabalhos académicos do Leopoldo. Falta-lhe depois defender a sua tese de dissertação, justamente sobre os aspectos militares da guerra da Guiné (1963/74). E nós queremos lá estar nesse dia, para o ouvir, apoiar e dar um abraço (aqueles de nós que quisermos e pudermos). A sua tese deve ser fascinante e vai seguramnente querer ser conhecida e lida por estes tertulianos que, modéstia à parte, também foram actores naquele filme da guerra colonial versus guerra de libertação (actores, secundaríssimos, é certo, mas mais do que simples figurantes)...

O blogue do Lepoldo pretende ser um "espaço guineense de análises, divulgação de textos e comentários sobre a Guiné-Bissau e o mundo africano".

O termo lamparam designa, no crioulo da Guiné-Bissau, "um engenho tradicional de propulsão normalmente utilizado nas plantações e nas bolanhas da Guiné-Bissau para afugentar a acção predatória das aves sobre as culturas".

A escolha do título é muito apropriada e feliz. O Leopoldo convida todos os guineenses e amigos de África e da Guiné-Bissau para pegarem no seu lamparam e desta forma, "realizarmos livre e civilizadamente a propulsão do nosso ethos, individual ou colectivamente, independentemente das diferenças de opinião ou de pontos de vista, conquanto possamos afugentar a intolerância e forjarmos, pela via do diálogo e da confrontação de ideais, a tão almejada quanto necessária união na diversidade".

Bons augúrios, Leopoldo! Com o teu lamparam, vamos afujentar essas aves agoirentas que pairam sobre os céus da tua querida terra! Não me refiro aos feios e pobres djagudis a quem Deus deu a missão de limpar a terra, mas essas outras figuras sinistras que têm impedido o teu país de tirar o máximo de oportunidades da sua independência, a começar pela violência das armas, a descrença, o cinismo e a corrupção.

Guiné 63/74 - P183: Leva-me contigo, Salgado!

Crianças internadas no Hospital Maria Pia / Josina Machel. Luanda, Maianga. 29 de Setembro de 2004.

© Luís Graça (2004)

1. Post do Paulo Salgado (que está em vias de voltar á Guiné, por um ano como cooperante):

Fico perfeitamente siderado pela capacidade de alguns camaradas, pelo entusiasmo que colocam nas cartas, no envio e na organização das fotos, e, sobretudo, pelo empenhamento em recordar o passado, mas sempre pensando que o futuro ainda está connosco, que podem contar connosco para "contar" e "narrar" estórias que farão história, feita de pedaços de cada um: noites indormidas; fome de comida e de amor; sede de água e de carinho; também das obusadas, dos canhões...

Meus caros camaradas, o que passámos ajuda-nos a explicar alguns factos que se vivem hoje e a compreender o futuro, o futuro do nossos filhos e netos. As guerras não conduzem a nada...
Tal como havia os marinheiros que bordejavam a costa no tempo das conquistas e descobertas, sofrendo muito, também nós apanhámos as doenças, a miséria - e vimos como o arame farpado cortava seres como nós...

Também quero deixar uma palavra amiga e respeitadora ao Leopoldo [Amado], ao Mussá [Biai], (nosso amigos, tertulianos], ao [Fernando] Casimiro [mais conhecido por Didinho] e outros guineenses que querem o bem da sua terra, da "nossa" terra.

Mas quero deixar uma palavra especial - perdoai-me se olvido algum de vós com merecimento que será tão grande - ao Luís Graça, um intelectual de mão cheia, que nos ajuda, a todos, a reunir os pedaços que temos dentro de nós. (Bolas, isto é quase um louvor, carago - eu vivo aqui, em Gaia, carago!). Obrigado pelo companheirismo aqui vertido graças à tecnologia, que só tinha igual nos aerogramas: carago, chegavam em três tempos...

Nota: O tempo foge-me. Queria digitalizar as centenas de fotos que tenho... Algumas vinham para cá e a minha namorada, hoje minha mulher e companheira de novas "lutas" em África, mandava revelar a cores e que reenviava... ai, o amor vertido nas cartas e nos aerogramas... aquele amor que nos alimentava, que nos fazia sobreviver

Queria enviar panfletos que o PAIGC deixava na estrada, queria contar-vos episódios verdadeiros...mas o tempo escasseia-me. Ainda vou tentar, antes de ir na TAP até Bissau, no próximo dia 30 do corrente.

Mantenhas para todos.

2. Comentário do Luís Graça (Alguns excertos da nossa mais recente correspondência, privada, minha e do Paulo):

Paulo: Não temos mais "ordem de serviço" desde que perdemos a guerra, desfizemos o Império, desmontámos a tenda, fizémos o espólio, entregámos a G3 e o camuflado, rumámos a casa e passámos à peluda... Pelo que já não há mais lugar a louvores, como o teu (à minha singela pessoa) nem muito menos piçadas ou, pior ainda, porradas, como aquela que o João Tunes apanhou no Pelundo por desobedecer á ordem do filho da mãe do tenente coronel que lhe mandou dar uma chapada a um dos seus cabos de transmissões... Desculpa a desbunda, mas vim da Guiné desbocado... E eu garanto-te que antes de ir para lá era um djubi bem comportado: na minha morança e no meu chão, era proibido dizer palavrões...

Louvores, apanhei um na tropa, nem sei como, ou sei: dava jeito ao meu capitão, em vésperas de ser promovido a major e de regressar a casa, mostrar-se grato e reconhecido aos seus rapazes, incluindo este "gajo porreiro", que era eu, que se dava bem com os "guinéus", e que era o seu "pião de nicas" (substituindo todos os camaradas furriéis, com baixa, lerpados, cacimbados, em férias em Lisboa, desenfiados em Bissau), embora alcunhado de Soviético...

Bem, o louvor não me envergonha por aí além... Pelo menos, hoje me dia. Não o escondi também não o emoldurei. Nunca me serviu para nada. Mas um dia destes fui à velha caderneta militar, copiei-o e escarrapachei-o no meu currículo... Quanto ao teu elogio, agradeço-o mas não o mereço...porque grandes somos todos nós, tertulianos...

Escreveu-me o Paulo o seguinte (e eu quero partilhar isto com o resto da tertúlia, porque a gente também tem que saber o que se passa hoje naquela terra, desde à saúde à economia):

"Irei estar em Bissau durante um ano - é muito! Para quem já conta 59 anos, não é brincadeira.
"Comigo irão o Eng.º João Faria (reformado), o Administrador Hospitalar Vítor Seabra (que já andou pela Guiné como cooperante e está também reformado) e a minha mulher, Conceição Salgado, economista, e que foi apanhada pela água do Pidjiguiti" [Adoerei esta expressão, Paulo!... Que ternura!].

(...) "Na verdade, parto no fim do mês e esperam-nos, à equipa que vai, de quatro elementos, um sistema de saúde paupérrimo em todos os aspectos, espartilhado por vícios antigos e adquiridos, vilipendiado pela falta de planificação e de coordenação (eu já vi isto em qualquer lado!), um hospital civil onde imperam a miséria, o conformismo, o amadorismo, uma população analfabeta, carente, ainda que saiba da corrupção que grassa (onde é que eu já vi isto?). Também a chuva, o calor, a viscosidade de alguns... É certo que há o povo sempre na busca e na esperança, as paisagens e os passeios"...

"Preciso, também, de sentir que posso contar com amigos daqui e que fazem uma leitura realista da saúde. Lá como cá, a saúde é mal tratada - e quem sofre é o povo.

"O meu mail de lá, a partir de 30 de Setembro será (...)".

(...) "Não me vou esquecer da outra componente: a catártica, embora eu já tenha feito a catarse no Olossato, e por várias vezes...lá onde os putos agora homens me pedem: leva-me contigo, Salgado!"...

E eu (e julgo que todos nós), só lhe posso desejar "boa saúde e bom trabalho":

"Quanto a ti, meu caro, louvo-te a coragem e a generosidade: um ano de Guiné, nas actuais circunstâncias (um país do quarto mundo, o dos “buracos negros do capitalismo informacional”, para usar uma expressão do sociólogo Manuel Castells), é de herói… Só posso desejar-te o melhor possível, para ti, para a tua mulher e para o resto da equipa. Se eu te puder ser útil, a ti e aos nossos guinéus, em alguma coisa das minhas áreas de competência, põe e dispõe. Aquele abraço. Luís".

Se puderes, vai dando notícias para o outro endereço.

quarta-feira, 21 de setembro de 2005

Guiné 63/74 - P182: O reordenamento de Nhabijões (1969/70) (Luís Graça)

© Luís Moreira (2005).

Uma pausa nos trabalhos do reordenamento de Nhabijões (1970).

Foto gentilmente cedida por Luís Moreira, ex-Alf Mil. Sapador da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).


Em homenagem (póstuma) ao Soares (morto), da CCAÇ 12; em homenagem ao Moreira (da CCS/BART 2917), ao Fernandes, ao Marques, ao Ussumane Baldé, ao Tenen baldé, ao Sherifo Baldé, ao Sajuma Baldé (todos da CCAÇ 12) e ainda a um soldado da CCS do BART 2917 (cujo nome não sei), todos eles gravemente feridos em duas minas anticarro que explodiram no dia 13 de Janeiro de 1970, à saída de Nhabijões (a).

Eu também nunca mais esquecerei aquela data e aquele nome. Nunca mais esquecerei a correria louca que fiz com um Unimog 411, carregado de feridos, pela estrada fora, de Nhabijões até, Bambadinca, até ao nosso aeródromo aonde nos esperava o helicóptero para uma série de evacuações ipsilon. 

 Ainda hoje não sei explicar por que fui eu, além do condutor, o único do meu Gr Comb (e de duas das secções) que fiquei praticamente incólume mas inoperacional: umas contusões na cabeça (por projecção contra a parte inferior do tejadilho da GMC); a G-3 danificada; tonto e cego de tanta poeira; etc.

(a) Há fotos de Nhabijões, sujeitas à lei do copyright, num sítio italiano que merece uma visita: Contrasto - Reportage (texto em inglês). Reportagem de Alessandro Tosatto. Obrigado ao nosso tertuliano Afonso M.F. Sousa, pela descoberta e pela sugestão. (O link está descontinuado: 3/11/2023. LG)
_____

(5) Novembro de 1969: Início do reordenamento de Nhabijões

A partir deste mês, 1 Gr Comb da CCAÇ 12 passaria a patrulhar quase diariamente as tabancas de Nhabijões cujo projecto de reordenamento estava então em estudo, a cargo da CCS/BCAÇ 2852.

Nhabijões era considerado um centro de reabastecimento do IN ou pelo menos da população sob seu controle. As afinidades de etnia e parentesco, além da dispersão das tabancas, situadas junto à bolanha que confina com a margem sul do Rio Geba, tornava-se impraticável o controle populacional. Impunha-se, pois, reagrupar e reordenar os 5 núcleos populacionais, dos quais 4 balantas (Cau, Bulobate, Dedinca e Imbumbe) e 1 mandinga, e ao mesmo tempo criar "polos de atracção" com vista a quebrar a muralha de hostilidade passiva para com as NT, por parte da população que colabora com o IN.

A CCAÇ 12 participaria directamente neste projecto de recuperação psicológica e promoção social da população dos Nhabijões, fornecendo uma equipa de reordenamentos e autodefesa (constituída pelo Alf Mil Carlão, Fur Mil Fernandes, 1º Cabo At Encarnação e Sold Arv Alfa Baldé que foram tirar o respectivo estágio a Bissau, de 6 a 12 de Outubro de 1969) e ainda 2 carpinteiros (1º Cabo At Sousa e 1º Cabo Enf Rente). E indirectamente criando as condições de segurança aos trabalhos.

Numa primeira fase estava previsto levar a efeito a desmatação do terreno, a fabricação de blocos e a construção de 300 casas de habitação e 1 escola. Durante este período a CCAÇ 12 realizaria várias acções, montando nomeadamente linhas descontínuas de emboscadas entre os núcleos populacionais de Nhabijões, além de constantes patrulhas de reconhecimento e/ou contacto pop.

A partir de Janeiro/70 seria destacado um pelotão da CCS/BCAÇ 2852 a fim organizar a autodefesa de Nhabijões. Admitia-se a possibilidade do IN tentar sabotar o projecto de reordenamento, lançando acções de represália e intimidação contra a população devido à colaboração prestada às NT.

A partir de Abril de 1970, o reordenamento em curso passaria a ser guarnecido por 1 Gr Comb da CCAÇ 12. Na construção de novo destacamento estiveram empenhados o Pel Caç Nat 52 e a CCAÇ 12, a 3 Gr Comb, durante vários dias.

A segunda fase do reordenamento (colocação de portas e janelas e cobertura de zinco em todas as casas, abertura de furos para obtenção de água, etc.) começaria quando o BART 2917 passou a assumir a responsabilidade do Sector L1 (em 8 de Junho de 1970).

A partir de Julho, a CCAÇ 12 deixaria de guarnecer o destacamento de Nhabijões, tendo-se constituído um pelotão permanente da CCS/BART 2917 enquadrado por graduados da CCAÇ 12.
___________

Fonte: História da CCAÇ. 12: Guiné 1969/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores 12. 1971. Capítulo II. 17.

terça-feira, 20 de setembro de 2005

Guiné 63/74 - P181: CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72) (Paulo Salgado)

© Paulo Salgado (2005)
O cais do Pidjiguiti, em Bissau.

1. O Paulo Salgado confirma que a sua companhia não era de caçadores (como chegou a ser indicado, inicialmente neste blogue) mas de cavalaria.

A CCAV 2721 (Olosato e Nhacra, 1970/72) era então comandada pelo capitão de cavalaria Mário Tomé. E tinha um jornal de caserna chamado Tabanca (SPM 1318, 1970). Essa informação já figura nas nossas páginas: Subsídios para a História da Guerra Colonial > Guiné (9). Seria interessante se o Paulo nos conseguisse arranjar fotocópia (ou versão digitalizada) de algum ou alguns exemplares do Tabanca.


2. Aqui vai um excerto da mensagem do Paulo:

(...) De resto, de cavalaria ou de caçadores, o que contava eram os homens e a forma como, dando tiros, os davam; [ou] como andando no mato, em emboscadas e golpes de mão, o faziam.

Além disso, há tantas estórias para contar (a verdade - o que é a verdade?...Quem detinha a verdade?!). Mas, como diz o Luís Graça, mais ou menos: é preciso olhar o passado para compreender o futuro...

Esse jornal de caserna - TABANCA - era lindo um pouco por toda a Guiné. Há quem tenha exeplares...

Aliás, o Mário Tomé era um tipo (é um tipo) extrarodinário - digo-o com muita segurança e conhecimento de causa. E dizem-no os camaradas que não gostam que ele falte aos encontros da companhia.

Havemos de voltar a falar do Olossato, de então, e do Olossato de agora. (Olossato é um nome giro, com sonoridade...aquele rio ao fundo...).

3. O Paulo Salgado já tinha, enternato, mandado uma anterior mensagem à tertúlia com algumas fotos da Guiné-Bissau de hoje. Aqui fica:

Ao Luís
Ao João Tunes
Ao Manuel Ferreira
A tantos!

A estes, e outros bloguistas, nos quais revejo os meus camaradas do Olossato, quero dizer, muito claramente, que naquela Guiné tão bela, tão cheia de encantos, as crianças brincam nos regatos com barquinhos de papelão, enquanto os senhores da guerra brincam com as Kalachnikovs…

Por causa das crianças, das mulheres e dos velhos – afinal não os temos aqui connosco sofrendo? – temos que gritar bem alto, em nome da solidariedade: BASTA!

Aqueles camaradas (da foto) que punham a G3 de lado para ajudarem os aldeões [em Nhabijões, Bambadinca], estavam ou não a ajudar as populações, com a sua energia, a sua coragem – com a guerra ali ao lado, e quantas vezes, ao outro dia ou na outra noite caíam crivados de balas… Que exemplo de homens bons, que exemplo de grandeza! Quanta coragem, camaradas e quanta solidariedade!

Vou fazer força junto do Graça e de todos quantos queiram, para começarmos a conseguir uma pequenina ajuda para uma tabanca qualquer: Olossato, Bigene, Fulacunda, tanto faz…

O tempo passou, meus caros. O que hoje ocorre e decorre na Guiné-Bissau toca-nos, tem que nos tocar, forçosamente. A indiferença é a pior inimiga da solidariedade.

Nós, ao escrevermos, ao relatarmos as coisas que sofremos, estamos a ser solidários, estamos a ser homens. Mesmo com os nossos pecados, com as nossas malandrices…

© Paulo Salgado (2005) Criança em tratamento mo no Hospital Simão Mendes, Bissau.

Quero deixar-vos quatro fotos actuais:

(i) avenida que vai da Chapa 3 até ao palácio (agora desfeito);

(ii) criança em recuperação no Hospital Simão Mendes (o Hospital Militar desapareceu);

(iii) vista do cais do Pidjiguiti;

(iv) cortejo de carnaval em Bissau.

Peço-vos desculpa se estou a maçar-vos. Obrigado, Camaradas. Salgado

Guiné 63/74 - P180: Imagens de Bissorã e da CCAÇ 13 - Os Leões Negros (1969/71)

© Carlos Fortunato (2005).

Militar da CCAÇ 13 (Os Leões Negros) a desmontar uma mina, na estrada Bissorã-Olossato.

Uma primeira versão da prometida página sobre Bissorã já está disponível. Podem consultá-la directamente, a partir da minha página pessoal ou através de um link neste blogue (Memórias dos lugares > Bissorã ).

Já temos, até à data, páginas sobres as seguintes localidades, povoações, vilas ou cidades, que eram importantes no nosso tempo sob o ponto de vista administrativo e militar. Foram sítios em que vivemos e/ou onde combatemos, ou por onde passámos, constituindopor isso parte das nossas memórias da Guiné, no período que coresponde à guerra colonial (1963/74). Nalguns casos, voltámos - já depois da independência e do fim da guerra - ao novo país irmão que se chama hoje Guiné-Bissau. Há também imagens de algusn lugares que foram revisitados nos anos dez anos.

Esses lugares são, por ordem alfabética: Bafatá, Bambadinca, Banjara, Barro, Bissau, Bissorã, Cansissé (Nova Lamego ou Gabu), Cantacunda, Contuboel, Geba, Mansambo, Saltinho, Xime, Xitole... Mas aguardamos imagens de outros sítios, onde estiveram alguns de nós, como por exemplo o Paulo Salgado (Olossato e Nhacra), o João Tunes (Pelundo e Catió)ou o Afonso Sousa (Bigene, Binta, Guidage). Eles não prometeram nada, com excepção do Paulo Salgado. Mas entretanto há novas caras que, como o Luís Moreira, irão aparecer, remexer no baú da tropa e trazer mais novidades... Que isto de remexer no baú da tropa é como abrir a caixa de Pandora: nunca se sabe quais são os fantasmas, irãs e demónios que lá estão, a dormir há mais de trinta anos...

No nosso blogue também há já links para os blogues ou as páginas pessoais dos nossos amigos e camaradas:

João Tunes > Agua Lisa (3)
Jorge Santos > Guerra Colonial Portuguesa
Fernando Chapouto > Guiné > CCAÇ 1421 (1965/67)
Carlos Fortunato > CCAÇ 13 (Os Leões Negros)
Luís Graça & Camaradas > Subsídios para a História da Guerra Colonial > Guiné (1963/74)

Agradeço, mais uma vez, a amabilidade do Carlos Fortunato que pôs à nossa disposição o seu “álbum de fotos”. Faltam inserior duas ou três imagens. Ficam para uma próxima actualização. Peço ao carlos para dar uma vista de olhos e mandar sugetsões e correcções.

O Carlos pode acrescentar mais notas nas legendas de modo a criar o apetite a quem quiser saber mais sobre a CCAÇ 13 - Os Leões Negros, cujos soldados eram do recrutamento local (balantas e felupes: uma mistura explosiva!). Este têm um belíssimo hsitorial, pelo que se sugere uma visita mais demorada à respectiva página, de que o nosso tertuliano Carlos Fortunato é o guardião ( ou o webmaster).

Como já tive oportunidade de dizer, considero esta página da Net uma das mais bem documentadas relativamente a unidades de intervenção ou companhias (de caçadores, de cavalaria,de artilharia, etc.) que operaram no TO da Guiné, entre 1963 e 1974.

PS - Como repararam, atingimos hoje o post 200 (CC, em numeração romana). Não me dá jeito dizer postagem, à brasileira...

Guiné 63/74 - P179: Gato escaldado de água lisa não tem medo...

© Luís Moreira (2005).

O artista, o bravo alferes sapador, escalando o depósito de água de Bambadinca, um dos pontos mais altos da Guiné, a seguir às colinas do Boé (Bambadinca + o depósito de água, entenda-se)...

E neste ponto pode-se perguntar-se ao blogador: "Onde acaba, camarada, o simples desfrutar da paisagem de reminiscências bíblicas e começa o puro voyeurismo?"...

Enfim, este podia ser um ponto de partida para a discussão sobre eventuais condutas menos éticas dos tugas (armados de G3, de máquina fotográfica, de teclado de computador), ontem ou hoje...

Foto de 1970, gentilmente cedida pelo Luís Moreira, ex-Alf. Mil. Sapador da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

1. O João Tunes quer tirar uma "licença sabática" relativamente a esta blogaria, de modo a poder dedicar-se mais ao seu blogue de estimação, a Agua Lisa (3) (um título que que só podia ser criado por um poeta ou por um engenheiro químico, como ele). Água Lisa, leia-se: aguardente de cana, cachaça (e, por extensão, água de Lisboa, como diriam os nossos queridos nharros a quem o Profeta proibiu de tocar na dita água-lisa).

Ele acha, de resto, que teve demasiado exposto às luzes da ribalta deste blogue, mesmo que por uns escassos dias. Mais: quer dar espaço, protagonismo, aos demais tertulianos... Respeito a sua decisão de voltar para a plateia. Ele não quer ser prima dona (nem a gente tem guita para lhe pagar o cachet).

É bonito da parte dele, fica-lhe bem. Em contrapartida, eu tenho pena de perder - espero que só por uns tempos - um plumitivo de grande talento. Espero ainda que ele não tenho ficado magoado connosco, que às vezes somos uns gajos desbocados e grosseiros (cá para mim, ele, comparado connosco, até chega a parecer um bem comportado menino de coro, isto depois de ler o post que ele escreveu a contar a música celestial que tocou para as senhoras, assexuadas, discípulas da Cilinha Supico Pinto, no dia do embarque para Guiné...).

Quanto ao pedido da sabática, está automaticamente deferido, já que ninguém manda nesta merda e há muito que passámos todos à peluda...

Bajuda balanta nos banhos públicos de Nhabijões... O conceito de intimidade e o conflito público/privado têm de ser vistos de uma perspectiva antropológica mas também ética...

© Luís Moreira(2005). Foto de 1970, tirada em Nabijões, e gentilmente cedida pelo Luís Moreira, ex-Alf. Mil. Sapador da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

A nossa tertúlia de ex-combatentes da Guiné (combatentes só de um lado, estamos à espera da rapaziada do outro...) já o aceitou, de braços abertos e coração ao alto, sem quaisquer praxes, rituais de iniciação ou pedido de patacão para a gasosa (como se diz em Angola ao pagamento, em géneros ou espécie, de pequenos favores aos pequeníssimos homens e mulheres da grande burocracia totalitária). O João Tunes é e sempre foi cá dos nossos... A prova talvez mais bonita, singela, sincera, comovente é a do nosso minhoto Sousa de Castro (o tertuliano mais antigo, logo nº 1) que diz:

"É, pá, não há dúvida que o Tunes é de facto um escritor nato, com estes textos bem elaborados e que toda a gente mais ou menos percebe. Bem, eu com a minha 4ª classe e comunhão solene gostaria de ser capaz de pôr no papel (ou nos e-mails) muitas coisas daquilo que me vai na alma, relacionadas com a tropa na Guiné. Por mim não vejo inconveniente em [ele] gozar as ditas férias sabáticas e desfrutar da nossa leitura e das nossas imagens. Cumprimentos, Sousa de Castro".

Também o Afonso Sousa me dizia há dias (por sinal, no dia 11 de Setembro de 2005): " O João Tunes é uma aquisição imperdível ! Isto só prova que o blogue já está a despertar a atenção de alguns vultos".

Depois disto, o que é que eu, blogador, posso dizer mais? Que ele, João Tunes, nosso ex-tenente, tem todo o direito de, à laia dos nossos vizinhos bérberes do Norte de África (que emprenharam boa parte das tetravós das nossas tetravós), fazer as incursões que quiser pelo território deste blogue (que começou por ser meu e hoje é nosso, de mouros e de morcões) e obrigar-nos a desembainhar a espada e a defender a honra da nossa dama... Entenda-se: falo em linguagem metafórica, não quero abrir aqui uma guerra norte/sul... nem muito menos levar outra piçada.

A verdade é que ninguém de nós tem a pedalada dele (nem talvez a disponibilidade, a motivação e o talento para blogar), mas este encontro feliz (e, afinal, breve), promete muito mais... Por isso, até amanhã, camarada! L.G.


2. Texto de "despedida breve" do João Tunes, que vai de sabática....

Só posso ficar comovidamente agradecido pelo carinho camarada com que fui recebido e apaparicado na tertúlia que era vossa e agora é nossa. Dir-se-á que, assim, até apetece ser periquito...

Já ganhei, em pouco tempo, riquezas várias que vos agradeço - papos com gente inteligente, de maneiras e com boa memória e melhor sentido ético, ter recuperado - adquirindo-a - a comunicação com um camarada (o Levezinho de quem eu disse só ter conhecido de nome mas, vendo as fotos de arquivo, rapidamente o seu rosto actualizou os registos da minha memória visual) que, sem termos trocado fala, co-habitámos não só o "cruzeiro do Niassa" como 30 anos profissionais nas águas da mesma empresa (e esse foi um outro navio e que navio!), ler os vossos escritos e actualizar os olhos com as vossas excelentes imagens.

Como sou rápido a disparar no teclado, o que será virtude e defeito, tenho emailado em fartura e depois constato que as minhas escrevinhadelas ao correr do teclado têm tido visibilidade de notoriedade no nobre e sempre leal vosso (nosso) blogue.

Nada tenho contra o procedimento pois desde sempre habito bem a responsabilidade de uso da liberdade, assumindo em público (e responder por elas) qualquer posição que tomo em círculo restrito ou mesmo privado (tirando os aspectos íntimos da minha vida privada). Talvez por ter começado cedo demais a apanhar no coco por opções (muitas vezes bem pueris) como o facto de ter ido parar à prisão de Caxias em 1965 por defender essa coisa tão extraordinariamente "subversiva" que era o direito dos estudantes a terem Associações de Estudantes.

O que é certo é que perdi cedo o sentido da bravata "contada aqui só para nós" e só admito que os gritos de revolta (ou de rebeldia), até os estados de alma, sejam para se ouvirem ou para se engolirem para dentro. Poderei não ser um valente (e não o sou, pelos menos a full-time nunca fui, não sou e estou demasiado velho para o vir a ser) mas os actos de semi-valentia (semi-cobardia) são-me menos considerados que os de cobardia ou de renúncia. Portanto, não tenho réstea de crítica ao facto de as conversas em e-mail terem passado para o domínio público. Assim, o que se segue não é um reparo.

A questão é outra e por duas razões:

a) Um texto faz-se diferentemente quando nos dirigimos a uma sector mais restrito (onde contamos com uma cumplicidade benevolente e o uso partilhado de um certo código léxico que é uma forma de linguagem tribal e o léxico castrense impunha-a fortemente) ou escrevermos para o domínio público (como é um blogue). Não porque se digam coisas diferentes mas porque se dizem de maneira diferente. Por exemplo, usei e abusei de alguma tentativa de humor estilo basófia que os militares entendem entre si porque usam e abusam dele, sabem dar-lhe o desconto, descodificando-o no sentido que ela, a basófia, tem uma vontade maior de aproximação comunicacional que de desejo de enaltecimento ou de levantar galões ou estatuto (o que, assim entendido, entraria no reino do ridículo).

Asssim, é natural que um e-mail para amigos e/ou camaradas não tenha o mesmo conteúdo expressivo que um post para um blogue. E constato, com desgosto meu, que os meus e-mails, recheados de uma basófia que se pretendeu apenas como técnica de envolvimento, despiste e aproximação (ao estilo de um clássico golpe de mão), quando publicados no blogue adquirem o tom insuportável da vaidade exibicionista se não de uma arrogância do armar aos cucos na vitimização (como se cada um dos outros não tivesse passado tanto ou pior que eu).

b) A quantidade de textos meus no vosso/nosso blogue, ultimamente publicados, confere-me um protagonismo que eu sinceramente não desejo nem aceito. Tenho o meu próprio blogue, em que terei o maior prazer nas vossas visitas, críticas, sugestões e comentários. Esse é e continuará a ser (enquanto dele não me fartar) o meu espelho narcísico de escrita e de descarga de humores e memórias. Está assinado, tem o meu nome, é "só meu", ali planto as minhas vaidades, heresias e sentenças, ali espeto as minhas lançadas contra os moínhos de vento que descortino no horizonte, sejam eles reais ou imaginários.

O vosso/nosso blogue deve voltar a ser o que era - um espaço de conviviabilidade na memória e na estima, um lugar de catarse colectiva, um ponto de encontro, um espaço plural, sem outra prevalência que a do seu coordenador por força do seu mister de gerir a casa e dar-lhe rumo (e que sorte temos contado com o Luis Graça com disponibilidade para tal função). Assim, o vosso/blogue não deve transformar-se num Água Lisa (4) e deve voltar a ser o que foi e deve continuar a ser - um espaço de muitos em igualdade de estatuto de intervenção, contributo e relevo. Ou seja, um espaço de estima colectiva e não um palco de vaidade para um, dois ou três.

Assim, peço-vos que me permitam umas férias sabáticas, recuperem a vossa dinâmica inicial para eu recuperar o à vontade de partilhar convosco a fruição deste bonito projecto colectivo. Mas, por favor, concedam-me uns tempos de plateia, devolvendo-me o prazer de vos ler e desfrutar das vossas imagens.

Abraços para todos.
João Tunes

PS - Valendo-me da sabedoria dos gatos relativamente à água, informo que este mail já foi pensado para lhe ser dado qualquer uso. Façam dele, portanto, a utilização e difusão que bem entenderem.

Guiné 63/74 - P178: Recordar é viver ou...a memória de elefante do Humberto Reis

1. Texto do Humberto Reis:

Demorou a abrir mas já consegui ver as fotos [do Luís Moreira]. Não me parece estar o Fernandes [ex-Fur. Mil. da CCAÇ 12, que também fora destacado, para trabalhar no reordenamento de Nhabijões com o Moreira] em nenhuma delas, apesar dos anos já passados.

© Luís Moreira(2005).

Uma autogrua, da engenharia militar, de marca Galion, a (des)embarcar vacas no cais de Bambadinca, rio Geba Estreito (L.G.).

Foto de 1970, gentilmente cedida pelo Luís Moreira, ex-Alf. Mil. Sapador da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).


A Galion a carregar vacas no cais fez-me lembrar o episódio dela no percurso do Xime para Bambadinca. A Galion veio numa LDG [ Lancha de Desembarque Grande] desde Bissau até ao Xime. E daí para Bambadinca ia pelos seus próprios meios (1). Passou bem pelo destacamento da Ponte do Rio Undunduma, mas quando chegou a meio da bolanha a estrada não aguentou o peso e cedeu. Resultado, a Galion desequilibrou-se e ficou meio enterrada na bolanha.

Julgo que isto se passou em Novembro de 69 (dia 24 ou 25 - aniversário do Tony) Tenho este episódio documentado mas, como era hábito naquele tempo, está em diapositivo (em português slide, como dizia o saudoso Fernando Peça) e não em fotografia.

© Luís Moreira(2005). A Galion a operar no cais (um pontão de madeira!) de Bambadinca... O Rio Geba era navegável até Bafatá, mas do Xime para cima o curso do rio, sinuoso e mais estreito, só permitia a navegação de pequenas embarcações militares (LDM, LDP, lanchas) ou civis (por exemplo, da Casa Gouveia) (L.G.)

Lembro-me que foi dos primeiros episódios a que assistiu o nosso amigo, na altura capitão periquito da CCS [do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70], o Figueiras, (co-organizador do habitual almoço anual que este ano que teve lugar na ria Formosa) que alguns conheciam como tenente da carreira de tiro de Tavira.

[Enfim,] mais um recuerdo para o blogue e um abraço para a rapaziada.

2. Comentário meu (L.G.):

Humberto: O Tony diz que tu tens memória de elefante e eu rendo-me à evidência… Tu lembras-te de coisas do arco da velho que se passaram no cu de Judas… E se havia um sítio, no mundo, que podia ser o cu de Judas, a Guiné era seguramente esse sítio, esse buraco… Lá tudo se enterrava: na lama, no tarrafe, no rio, nas bolanhas e lalas, nas picadas, nos buracos das minas… E quase a sempre a cabeça... no chão! Até a mastodonte da Galion se enterrou no seu passeio do Xime a Bambadinca! … Essa estória merece ser contada no blogue. Se tiveres mais pormenores, acrescenta…

Mas já agora: lembras-te dos filhos da puta dos turras (ou eram tugas ?) que um dia te viraram o quarto do avesso, na tua ausência ? Só que nunca cheguei a saber porquê, e logo a ti… Este foi, seguramente, um casos mais graves de quebra de segurança de que tive conhecimento na Guiné: esses turras, mascarados de tugas, entraram pelo aquartelamento adentro, presumivelmente armados, dirigiram-se ao teu quarto (nas calmas, nas barbas das sentinelas!) e viraram tudo do avesso, deixaram tudo num pandemónio !... Só não atearam fogo à cama e aos lençóis!...

Será que terias a cabeça a prémio como o outro, o nosso camarada do outro lado do rio ? Mas quem é que não gostava de ti, em Bambadinca e arredores ?... Enfim, uma história que ficou mal contada ou está para contar ao fim destes decénios todos…

Mantenhas (Já não me lembrava do termo em crioulo para a nossa palavra saudações… Obrigado, Paulo).


3. Texto do Tony (António Levezinho), também da CCAÇ 12:

Que ninguém duvide! Na verdade o Humberto tem mesmo memória de elefante.

Foi todo o dia 24 de Novembro [de 1969]na tentativa desesperada de desatascar a Galion antes que a noite caísse. Os esforços revelaram-se infrutíferos e assim não tivemos outra alternativa que não a de convidar a mosquitada da bolanha a juntar-se a nós para comemorarmos todos (em silêncio, como a situação de emboscada impunha) o meu 22º aniversário.

À falta de Champanhe serviram-se rodadas de Repelente que, a julgar pela sua ineficácia, funcionou como uma iguaria de entrada para os mosquitos, antes que estes chegassem à nossa pele, já depois de perfurarem até aquela capa de borracha que, creio, chamávamos ponche.

Peço-vos que não me comparem com o Humberto em termos de capacidade de memória para estas coisas da guerra.

Recordo este episódio apenas porque se tratou da celebração mais picante que eu alguma vez tinha experimentado ao longo de toda a minha carreira.

Assim, o seu a seu dono. Quem tem mesmo memória de elefante é o Humberto (Reis).

Um abraço, Malta !

P.S. - Já relativamente ao que aconteceu ao seu quarto (que por acaso tambem era meu) não faço a menor ideia. Devolvo assim a pergunta ao Luís (Graça)...

© Luís Graça (2005)

Da esquerda para a direita: os ex-furriéis milicianos Levezinho, Reis e Henriques, da CCAÇ 12, no Bar de Sargentos, em Bambadinca. Uma velha amizade que, no meu caso, começou no Campo Militar de Santa Margarida... Fico feliz, por trinta e tal anos depois, estarmos aqui os três a blogar...

Aproveito para acrescentar que os aniversários do Tony (Levezinho), no TO da Guiné, foram sempre celebrados em condições, no mínimo, insólitas. Um dia destes, com tempo e vagar, prometo reconstituir os dias loucos (e trágicos) que se seguiram às copiosas celebrações do seu 23º aniversário (24 de Novembro de 1970, dois dias depois da invasão de Conacri e na véspera da Op Abencerragem Candente) (2) (L.G.).
_____________

Nota de L.G.

(1) Tratava-se de autogrua da engenharia militar que, julgo, veio para reforçar os parcos meios portuários existentes no cais de Bambadinca, por ocasião do ambicioso projecto de reordenamento de Nhabijões.

(2) Vd. post de 25 de Abril de 2005 >
Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970)

segunda-feira, 19 de setembro de 2005

Guiné 63/74 - P177: Bambadinca e o Geba Estreito: fotos do Luís Moreira

© Luís Moreira (2005).

O Geba Estreito, junto a Bambadinca.

Foto de 1970, gentilmente cedida pelo Luís Moreira, ex-Alf. Mil. Sapador da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

Há dias o Luís Moreira mandou-nos "um album digital com algumas fotos que consegui recuperar do meu baú".
E acrescentava:

"Sei que são de 1970 e de Bambadinca ou arredores mas, tirando a minha pessoa, não consigo identificar os outros fotografados. Fraca memória (...). A maioria das outras que tenho estão em slide. Pode ser que algum fotógrafo as possa imprimir em papel".

Noutra mensagem posterior disse-me:

"Luís, podes fazer o que entenderes com as fotos. Quanto às notas também pensei nisso, mas nem dos nomes do pessoal me lembrava e quanto aos locais também não me lembro dos nomes.

© Luís Moreira (2005).

Arredores de Bamdabinca, tabanca do lado sul, na estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole.

Era aqui que se situava a famosa "missão do sono" (um antigo serviço de saúde, na área do combate e prevenção do doença do sono) (1) e onde todos os os grupos de combate da CCAÇ 12 montavam segurança próxima, de noite, para que os senhores de Bambadinca pudessem dormir descansados... (L.G.)

"Penso que numa das fotos está a tabanca que ficava à saída de Bambadinca quando se ia para o Xitole; noutra penso que é um braço do Geba um pouco acima do cais (onde estão as canoas); e a junto à GMC devem estar as pessoas que referes [pessoal militar da CCS do BART 2917 afecto ao reordenamento de Nhabijões, bem como da CCAÇ 12], mas já não referencio nenhum deles.

"Noutra [foto] estou eu a subir ao depósito de água e ainda aparecem as do cais com o processo muito próprio de carregamento do gado. A que está a cores deve referir-se a algum acontecimento local de que não me recordo. Naquela em que estou ao pilão, reconheço o alferes de transmissões do meu batalhão, mas por mais voltas que dê à cabeça não me lembro do nome dele. Como vês a minha memória está péssima".

© Luís Moreira (2005). População local à frente ao posto administrativo de Bambadinca, que ficava dentro do perímetro do aquartelamento, sede do BART 2917 (1970/72).

Presumo que esta foto seja de finais de 1970 e que a população aqui representada, com ar festivo, seja do reordenamento de Nhabijões e, portanto, balanta. Pelo traje, não era população islamizada (mandinga ou fula). Repare-se que não há homens : o único que se vê deveria ser algum funcionário do posto. O chefe de posto de Bambadinca era cabo-verdiano. Nunca o vi (L.G.).

Quanto à história da mina (de que o Luís Moreira foi vítima, no dia 13 de Janeiro de 1970, à saída do reordenamento de Nhabijões), "depois conto um episódio que se passou na messe de oficiais de Bissau já depois de eu ter passado aos serviços auxiliares, cujo interveniente principal foi o major Barros e Bastos e que se refere exactamente ao rebentamento da tua mina" (outra mina a/c que rebentou duas horas depois, no mesmo local, e em que a vítima, desta vez, fui e o meu grupo de combate)...
__________

Nota de L.G.

(1) Em 1932, foi enviada à Guiné uma Missão para o estudo e combate à doença do sono, conforme se pode ler na resenha histórica da Escola de Medicina Tropical (criada em 1902), hoje Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa. Não sei se a antiga "missão do sono" em Bambadinca estava relacionada com este projecto de 1932 ou com as estruturas que as autoridades sanitárias coloniais criaram posteriormente no âmbito da luta contra a doença do sono. Possivelmente era um simples posto médico desactivado, ligado a este programa de saúde. O edifício estava completamente vazio e degradado, agora transformado em caserna. A saúde pública colonial deve ter entrado em colapso com o início da guerra, em 1963. O único pessoal de saúde que dava (algum) apoio ás populações locais eram os nossos enfermeiros e médicos militares. E a propósito, o que será feito do nosso muito querido amigo e camarada, o ex-furriel Mil. Enf. João Carreiro Martins, mais conhecido, a nível de caserna, como o "bolha de água" ? Vimn a encontrá-lo na década de 1990: era enfermeiro-chefe no Hospital Curry Cabral, chegou a ser meu aluno (num curso de pós-graduação em administração de serviços de enfermagem) e há tempos disseram-me que já estava reformado.

Guiné 63/74 - P176: "Forsa di pis sta na iagu" (ditado crioulo) (Paulo Salgado)

Trocando a espada pelo arado, ou melhor, a G3 pela pá e pela enxada...
Pessoal da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) nos trabalhos do reordenamento de Nhabijões, um conjunto de aldeias sob duplo controlo, junto ao Geba Estreito, pertencente ao posto administrativo de Bambadinca, sede do Sector L1, Zona Leste.
© Luís Moreira (2005). Foto de finais de 1970 gentilmente cedida pelo Luís Moreira, ex-alf. mil. sapador da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).
__________

O texto de opinião que se publica a seguir (Importância e papel da cooperação) é da autoria do Paulo Salgado, o mais recente membro da nossa tertúlia.

Recorde-se que, para além de antigo Alf. Mil. da CCAV 2721 (nos idos tempos de 1970/72, lá para os lados do Olossato, a sudoeste de Farim, e depois em Nhacra, a nordeste de Bissau), o Paulo é também, hoje em dia, um cooperante activo, solidário e empenhado, na Guiné-Bissau no domínio da administração de serviços de saúde.

O Paulo Salgado é, seguramente, uma voz autorizada para nos falar desta tragédia imensa em que vive a África de hoje, com muitos países à beira do desastre humanitário... Talvez ele nos possa ajudar a pensar melhor estes problemas. E sobretudo talvez ele nos possa ajudar a aprender a ajudar os nossos amigos da Guiné. Se não os pudermos ajudar hoje, então nada valeu a pena: a nossa luta e a luta deles, a lusofonia, a nossa história em comum, a CPLP, os protestos de amizade e cooperação dos nossos representantes políticos...

Porque a esperança deles é também a nossa esperança: não há mais mundo, não há futuro para a humanidade, para os do Norte e os do Sul, os do Oeste e os do Leste, se a grande maioria dos africanos (incluindo os guinéus da nossa antiga Guiné) continuar a viver com menos de 1 dólar por dia...

E quando falamos de guinéus (com afectividade, sem paternalismo de ex-colonialistas...), falamos também dos antigos militares da Guiné que combateram sob a nossa bandeira e que foram nossos camaradas, em Contuboel, em Barro, em Bissorã, em Bambadinca, em Piche, no Pelundo, em Catió, por todo o lado... L.G.


1. Camaradas (*)

Temos muitas histórias para contar.

Não devemos esquecer - nunca (alguns estão bem avisados, pelo que se lê) - que desgraçadamente na Guiné, em Moçambique, no Burundi, na Etiópia, na ÁFRICA, se morre. E esta fome pode alastrar-se...

Salgado

(*) Termo muito rico, para designar companheirismo, solidariedade, aproveitado pela tropa...

2. Importância e Papel da Cooperação

“Forsa di pis sta na iagu” – ditado crioulo. A força do peixe está na água; ou seja: as nossas capacidades e forças residem no trabalho e na perseverança

É razoável reconhecer a importância crescente da cooperação internacional – que mais não fosse pela forte razão de que as bolsas de subdesenvolvimento também entram na aldeia global que é a globalização; e, portanto, os países ricos sentem-se obrigados a enfrentar e analisar este fenómeno, e procurar soluções para os problemas que o subdesenvolvimento gera.

Destaco, em particular, os problemas que se vivem na África:

(i) o empobrecimento, a miséria, o abandono das terras, a fuga de uns países para outros;

(ii) a desaceleração do investimento – a ajuda aos países africanos está actualmente nos 8 cêntimos por cada 100 dólares!;

(iii) a mutilação da cidadania, expressão que explica a redução drástica dos direitos mais elementares dos cidadãos de muitas zonas do Mundo, em especial da África.

Estamos confrontados com a explosão das desigualdades e com o aumento da exclusão social: mais de 2 biliões de pessoas têm um rendimento inferior a 2 dólares por dia! Bastará compulsar o Relatório do Milénio das Nações Unidas para pasmarmos face à realidade traduzida pelos indicadores de desenvolvimento…

Qualquer recusa na ajuda mais básica a África é colocar em perigo, cada vez maior, os países pobres e – imagine-se! – a própria segurança dos países ricos.

Caros camaradas, vivemos uma guerra; não queremos que a fome e a miséria matem, por incúria e desprezo dos poderosos, milhões de crianças – aquelas crianças que nos habituámos a ver sorrir…

Paulo Salgado