domingo, 23 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P982: A CART 1746 deu o treino operacional à CART 2339 (Carlos Marques dos Santos)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Brasão da CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/79)

Foto: © Carlos Marques Santos (2005)


Luís:

Já agora, e porque estamos a encadear factos, informo que a CART 1746 foi aquela que nos proporcionou o treino operacional, a nós, Cart 2339, de 8 a 15 de Fevereiro de 1968.

Vou procurar encontrar elementos de participações conjuntas entre a CART 1746 e a CART 2339 em operações(1), se bem que não saiba quando o Madaíl participou (2).

Um abraço,
CMSantos
(ex-furriel miliciano da CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69):
_________

Notas de L.G.:

(1) A CART 2339 e a CART 1746 participaram, ambas, em conjunto, pelo menos na Op Lança Afiada (Março de 1969), já aqui amplamente documentada nos nossos blogues.

Sobre esta operação, vd. os seguintes posts:

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

(...) "Iniciada em 8 de Março de 1969 com a duração de 11 dias, a Op Lança Afiada [entre a margem direita do Rio Corubal e a linha Xime-Xitole] foi uma das grandes operações que se realizaram na época, ainda no início do consulado do brigadeiro António Spínola (1968-73), um mês depois da trágica retirada de Madina do Boé.

(...) "Força executante

"Comandante: Coronel Hélio Felgas.

(...) "Comandantes das sub-unidades:

"Agrupamento táctico norte: Ten. Cor. Manuel M. P. Bastos: Dest A > CART 2338 ; Dest B > CART 1746 (Xime); Dest C > CART 1743 ; Dest D > CCAÇ 2403 (Fá Mandinga);

"Agrupamento tático sul: Ten. Cor. Jaime Tavares Banazol: Dest F > CART 2339 (Mansambo); Dest G > 2405 (Galomaro); Dest H > CART 2413 (Xitole); Dest I > CCAÇ 2406 (Saltinho).(…)

"Cada Dest levava cerca de 12 carregadores por Gr Comb (sendo este variável de companhia para companhia). Para enquadramento e protecção destes carregadores foram utilizados 3 Pelotões de Milícias distribuídos pelos vários Dest.

"Total dos efectivos (1291) empregues: (i) Militares:36 oficiais; 71 sargentos; 699 praças; (ii) Milícias: 106; (iii) Guias e carregadores 379" (…) .

(2) Vd. post de 23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P979: O Gilberto Madail pertenceu à CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69) (Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P981: Tabanca Grande: Martins Julião, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)



Guiné > Zona Leste >Ector L1 >Xitole > 1970 > O Alf Mil J. L. Vacas de Carvalho, de lencinho ao pescoço no Xitole, sentado em cima de uma das suas Daimler... À sua direita, o Fur Mil Humberto Reis, o nosso fotógrafo... À direita, o Fur Mil Roda, ambos da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)... Atrás do Roda, o furriel enfermeiro Godinho da CCS do BART 2917

Foto: © Humberto Reis (2006)


Caro companheiro Luis Graça,

Só há pouco tempo conheci este espaço de encontro. O Paulo Santiago (Pel Caç Nat 53, Saltinho), foi o camarada responsável pela minha apresentação aos camaradas de tertúlia.

Chamo-me Martins Julião, fui Alferes Miliciano de Infantaria da CCAÇ 2701 (Saltinho, Abril de 1970/Abril de 72).

Hoje sou um pequeno empresário e gerente de uma unidade industrial, após mais de 20 anos como professor do Ensino Secundário.

Tocou-me profundamente aquele recordar, in sitio, da emboscada do Quirafo (1). O Alf Armandino, que era o Alferes mais velho da companhia que me rendeu (eu era na CCAÇ 2701 o Alferes mais velho), tornou-se de imediato, até pela sua imensa simpatia e gentileza, o meu protegido e confidente.

Lembro-me da minha ansiedade em lhe passar toda a minha experiência do terreno e de lhe dizer aquilo que eu considerava nunca se poder fazer em termos operacionais. O seu comandante de companhia era um incompetente perigoso.

O Armandino deu-me umas lembranças típicas da Guiné para entregar à mãe, que morava no concelho de Castro Daire. Nunca reuni coragem para lhas entregar.

Em Dezembro próximo vou à Guiné, provalmente com o Paulo Santiago e outros camaradas da CCAÇ 2701. Prometo trazer notícias.

Um abraço para ti e para todos os nossos camaradas.

Obrigado por teres tomado esta iniciativa de nos juntares de novo.


Martins Julião


PS - Se vires por aí o Vacas de Carvalho dá-lhe um abraço apertado meu e que se deixe de fazer avarias naquelas socatas das Daimler.

Comentário de L.G.:

É sempre uma alegria encontrar camaradas da Guiné, ainda por cima do nosso tempo e da nossa região... És, naturalmente, bem vindo, por estas duas razões. Um abraço... L.G.

Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

Guiné > Região de Bafatá > Saltinho > 1972 > Parada do quartel. O Pel Caç Nat 53, comandado pelo Alf Mil Paulo Santiago, estava aqui em reforço da unidade de quadrícula (originalmente a CCAÇ 2406, 1968/70, que pertencia ao BCAÇ 2852, com sede em Bambadinca, depois a CCAÇ 2701 (1970/72) a que pertenceu o Alf Mil Martins Julião e a seguir a companhia do capitão-proveta Lourenço e do Alf Mil Armandino (1972/74).

Foto: © Paulo Santiago (2006)


Texto do Paulo Santiago (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72), actualmente residente em Aguada de Cima, Águeda:


Luís

Vou começar hoje a lembrar os antecedentes que levaram à trágica emboscada no Quirafo, em 17 de Abvril de 1972 (1).

Em 18 de Março de 1972, houve em Bambadinca a cerimónia de encerramento do curso de Milícias, que tivera início nos primeiros dias de Janeiro. Entretanto, no Saltinho, tinha chegado em Fevereiro a CCAÇ substituta da CCAÇ 2701. Tinha também comigo na instrução o Fur Mil Dinis, um açoriano da Terceira, e o 1º cabo Mantudo dos Santos, guineense e beafada. O Dinis ainda não conhecia, além de mim e do Mantudo, ninguém do Pel Caç Nat 53, onde fora colocado em substituição do Fur Mil Duarte, que acabara a comissão em Novembro de 1971. Chegara a Bissau no fim de 1971, e passados dias mandaram-no para Bambadinca comandar um dos pelotões de instrução.

O Pel Caç Nat 53, desde Outubro de 1971 estava dividido. Tinha 15 homens em Galomaro, comandados pelo Fur Mil Martins, que em 4 de Dezembro de 1971, sofreram uma emboscada, que provocou ferimentos ao 1º cabo Sanhá, beafada, e ao sold Iero Seidi, fula. Os restantes militares do 53 encontravam-se em Saltinho/Contabane, comandados pelo Fur Mil Mário Rui.

No dia seguinte à cerimónia de encerramento, a 19 de Março de 1972, um Domingo, fui de manhã ao Xime despedir-me do pessoal da CCAÇ 2701 que, terminada a sobreposição com a companhia substituta, apanhava, naquele dia a LDG de regresso a Bissau em trânsito para o Puto.

As recordações são tão más que não consigo lembrar-me do nº da companhia, mas lembro-me de, no cais do Xime, alguns graduados da CCAÇ 2701, me avisarem para ter cuidado com o Cap Lourenço, um proveta que não seria grande merda e de um Furriel me dizer que o gajo tinha entrado no Saltinho de chapéu à cow-boy e de [pistola] Walther à cintura, com um atilho a apertar o coldre à perna... Enfim, uma verdadeira cena de filme série B!...

Não levei os avisos em grande conta, afinal em, praticamente 18 meses de comissão, apenas tivera dois problemas complicados,ambos para defesa dos meus homens, pelo não seria agora que um proveta que nem sabia o que era roer cola, me iria chatear. Como estava enganado...

Ainda nesse dia, após o almoço, o Polidoro Monteiro fez questão de nos levar a Galomaro, eu, o Dinis e o Mantudo dos Santos. Encontrei-me com os meus homens, que se queixaram estar fartos de andar a proteger as costas aos gajos da CCS e quererem reunir-se ao resto do 53. Conheci o novo comandante do batalhão, o Castro Lemos, não gostei da peça, o que não admirava, já o anterior, Octávio Pimentel, não valia nada.

Este novo comandante tinha no curriculo n anos na GNR e uma presidência do Boavista FC. Excelentes credenciais para uma comissão na Guiné...

Passados três dias lá fomos para o Saltinho, em coluna, via Pulom e com a promessa de juntar brevemente todo o pessoal do Pel Caç Nat 53. Após umas horas de saltos nas costas do banco do Unimog chegámos ao Saltinho.

O Lourenço esperava a coluna, apresentámo-nos com um cumprimento de fugida, dei um abraço ao Mário Rui que entretanto aparecera, apresentei-lhe o Dinis, pedi para irem ao lado de lá do rio chamarem os homens que se encontravam em Contabane para conhecerem o novo Fur Mil,e ala para o bar beber um whisky com Perrier, que se está a fazer tarde.

Encosto-me ao balcão, com o Mário Rui atrás dizendo qualquer coisa que não percebo,e peço dois whiskies. O Dinis tinha ido ver as instalações, e diz-me o barman:
- Meu alferes há dois dias este é o bar dos sargentos, o dos oficiais é ali na porta do lado,onde era uma arrecadação.

Começou aqui a minha guerra com o proveta. Ao fim de 18 meses o cacimbo já era bastante para mandar de seguida o soldado,não tinha culpa, para o caralho e exigir que pusesse ali rapidamente um whisky para mim e outro para o Mário Rui. O Lourenço ouviu tudo ,tendo contudo o bom senso de não intervir. Eu estava parvo, com a CCAÇ 2701, comandada por
capitão do Quadro, a messe e bar era em conjunto para Sargentos e Oficiais, e vinha agora o Miliciano separar as classes. Vejam só uma das importantes medidas tomadas pelo Capitão-proveta Lourenço. Começava a imaginar que iria haver borrasca. Assim se destrói o espirito de corpo...

Paulo Santiago,
ex-Alf Mil do Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/72)

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Nota de L.G.

(1) Vd. posts de

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P975: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (7): ainda as trágicas recordações do dia 17 de Abril de 1972

Guiné 63/74 - P979: O Gilberto Madail pertenceu à CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69) (Paulo Santiago)


Guiné > Região Leste > Sector L1 > Xime > 1972 > O Manuel G. Ferreira, soldado condutor auto, dos Fantasmas do Xime (CART 3494), fotografado no cantinho (sempre muito acarinhado pelas NT) dos brasões das companhias que por ali passaram: CCAÇ 1550 (1966/67), CART 1746 (1967/69), CART 2520 (1969/1970), CART 2715 (1970/71), CART 3494 (1972/1973) e, mais tarde, CCAÇ 12 (1973/74).

Foto: © Manuel Ferreira (2005)


Mensagem do Paulo Santiago, ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72), enviada em 21 de Julho de 2006, às 18h34

Luís:

O mundo é pequeno. Tenho um amigo, aqui em Aguada, ex-soldado do pelotão comandado pelo Gilberto Madaíl. Telefonei-lhe há minutos, para me informar dos dados que procuravas.

O Madaíl pertencia à CART 1746, transferida de Bissorã para o Xime (1). O grupo de combate, comandado pelo Madaíl, e do qual fazia parte o meu amigo Manuel Moreira, esteve destacado na Ponta do Inglês durante algum tempo, regressando ao Xime, visto ser muito difícil aguentar aquela posição (2). Conheço uma canção muito interessante, feita pelo meu amigo, durante a estadia naquele destacamento. Vou ver algo mais que possa ser publicado na Tertúlia, e que ele tenha em casa.

Li o post do Mexia Alves sobre a morte do Alf Armandino (3). Tenho que relatar a história da emboscada, é urgente e é de justiça. Começarei, brevemente, pelos antecedentes que originaram a tragédia.

Um abraço
Paulo Santiago

SPM 3948

Comentário de L.G.: Afinal de contas não acertei no nº da companhia do Alf Mil Madaíl. Estava mais inclinado para a CCAç 1419, embora a hipótese da CART 1746 não estivesse excluída... O Madaíl conheceu o inferno do Xime e, em particular, a temível região da Ponta do Inglês, na margem direita do Rio Corubal... E possivelmente estava no Xime, no dia 2 de Junho de 1969, quando este periquito por lá passou, seguramente com um ar infeliz, a caminho de Contuboel, com os restantes quadros metropolitanos da minha companhia, a CCAÇ 2590, mais tarde CCAÇ 12...
_______

Nota de L.G.:

(1) Como muito bem lembra o Humberto Reis, da CCAÇ 2590 (mais tarde CCAÇ 12), eram eles, os velhinhos da CART 1746 que lá estavam, no cais do Xime, na manhã do 2 de Junho de 1969, com um grande lençol branco onde estava escrito "o que custa mais são os primeiros 21 meses"... quando nós - CCAÇ 2590/CCAÇ 12 e outros periquitos desembarcámos da LDG... Na mesma LDG, vinha a CART 2520 que veio substituir a CART 1746...

(2) O estratégico aquartelamento da Ponta do Inglês foi, de facto, abandonado pelas NT em Novembro de 1968, sendo na altura guarnecido por forças da CART 1746, que era a unidade de quadrícula do Xime: vd post de 19 de Março de 2006 >

Guiné 63/74 - DCXLI: Ponta do Inglês, Janeiro de 1970 (CCAÇ 12 e CART 2520): capturados 15 elementos da população e um guerrilheiro armado

(3)Vd. post de 21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P976: A morte do Alf Armandino e a estupidez do capitão-proveta (Joaquim Mexia Alves)

sexta-feira, 21 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P978: Futebol em Bissorã no tempo do Rogério Freire (CART 1525) e do Gilberto Madail


Guiné > Região do Oio > Bissorã > Pessoal da Companhia de Artilharia nº 1525 (1966/67) e de outra unidade > Na messe de oficiais: O Rogério Freire, alf mil da CART 1525, é o de "de óculos ao lado do Madaíl" (Gilberto Madaíl, em primeiro plano, no lado esquerdo). "Ao fundo está o (na altura) Capitão Mourão da CART 1525 e, ao seu lado, à direita da foto de óculos, o Capitão Vaz"... Este último comandava a companhia a que pertencia o alf mil Madaíl (RF)...

Em Bissorã, sempre houve uma tradição ligada à actividade desportiva e, nomeadamente, ao futebol... Não sabemos se o jovem Madaíl tinha jeito para a bola ou, na altura, já tinha revelado a sua vocação para dirigente desportivo... Diz o Rogério Freire (RF) sobre o Gilberto Madaíl, que é hoje uma figura pública (1): "A imagem que retenho do Madaíl daquele tempo é o de uma pessoa muito alegre e bem disposta e de muito fácil conversa e diálogo".

Foto: CART 1525 - Os Falcões (Bissorã,Guiné-Bissau, 1966-67)


Guiné > Bissorã > 1969: Campo de futebol de Bissorã, e a equipa maravilha da CCAÇ 13 - Os Leões Negros, constituída pelos seus oficiais, sargento e furriéis. O Carlos era o guarda-redes (camisola preta e calções brancos), na ponta esquerda da 2ª fila. A CCAÇ 13 foi a herdeira de uma rica tradição de futeboilistas e de equipoas de fuitebol, a começar pela CART 1525, ao que parece a melhor de todos os tempos que passou pelas terras do Oio... Esta unidade tinha nada mais nada menos do que dois futebolisats profissionais, o Candeias e o Testas...

Foto: © Carlos Fortunato (2005)



1. Há dias (10 de Julho de 2006) mandei a seguinte mensagem ao nosso camarada Rogério Freire, ex-alf mil da CART 1525 (Os Falcões), que esteve em Bissorã (1966/67):

Antes de mais, os meus parabéns pela tua excelente página para a qual criei um link no nosso blogue, quando tu apareceste e passaste a fazer parte da nossa tertúlia (2)… Não tens dados notícias mas espero que estejas a receber regularmente a nossa correspondência interna…

Escrevo-te a perguntar duas ou três coisas:

(i) se me permites que utilize duas ou três fotos do teu site, quando um dia destes dedicar um post à tua companhia e às terras por onde vocês andaram (o mítico Oio);

(ii) se o Gilberto Madail era da tua companhia;

(iii) se vocês se têm encontrado;

(iv) se era possível publicar a foto em que ele aparece na messe de oficiais…

O pretexto poderia ser o Campeonato do Mundo de Futebol, o nosso honroso 4º lugar, a carreira dele como dirigente federativo e da UEFA (1)… Para todos os efeitos, “é um dos nossos” e, em altura de festa, não será mal lembrá-lo…De qualquer modo, é uma figura pública… Eu vi-o uma vez, foi-me apresentado na Costa Nova por um amigo comum, de Ílhavo, o Arquitecto José António Paradela… O que é que tu achas ? Ele tem aparecido nos vossos convívios ou “já não vos conhece” ?

Se quiseres ser tua a escrever uma legenda para a foto, também pode ser… Eu depois acrescento-lhe duas linhas, a justificar a nossa lembrança

2. O Rogério Freire respondeu-me logo a seguir nestes termos:


Caro Luís:

Sou sem dúvida um atento receptor e leitor da correspondência tertuliana.

Respondendo às tuas perguntas:

1) Claro que ficaremos (eu e toda a rapaziada da CART 1525) muito satisfeitos pelo post a publicar sobre nós. Tenho muitas fotografias para ir publicando no site, algumas delas muito interessantes e curiosas e, claro, que as podes publicar quando quiseres. As que já lá estão e as que por lá venham a aparecer.

2) O Gilberto Madaíl não pertence à CART 1525. Ele era Alferes Miliciano de uma companhia que esteve aquartelada connosco em Bissorã durante um par largo de meses e que era comandada por um Capitão Miliciano que, na vida civil era Despachante Oficial da Alfandega e que por brincadeira se intitulava Despachante Oficial Miliciano. Era o Capitão Vaz, excelente fotógrafo e especialista em macrofotografia. Adorava congelar borboletas e fotografá-las depois quando as pobrezinhas começavam a sentir o calor das lâmpadas de iluminação.

3) O número da companhia do Madail foge-me neste momento mas já pus a polícia em campo e talvez amanhã já tenha a resposta.

4) Eu sou o de óculos ao lado do Madaíl. Ao fundo está o (na altura) Capitão Mourão da CART 1525 e, ao seu lado, à direita da foto de óculos, o Capitão Vaz.

5) Nunca mais me encontrei com o Gilberto Madaíl. Eu sou da região de Lisboa e o Madaíl do Porto e, como em tantos casos, seguimos as nossas vidas.

6) Não sei se o Madaíl tem uma cópia desta foto que, se não me engano, foi tirada pelo Alferes Jorge Freire, da Companhia do Madaíl. Este Jorge Freire (também ele Freire, como eu) foi o único contacto que tive com os membros desta Companhia nos anos posteriores e mesmo assim por mero acaso.

7) A imagem que retenho do Madaíl daquele tempo é o de uma pessoa muito alegre e bem disposta e de muito fácil conversa e diálogo.

8) Deixo à tua veia de escritor/comunicador o texto e/ou legenda que queiras colocar.

9) Fico ao dispor, saúdo-te e agradeço-te pelo trabalho e interesse na manutenção da Tertúlia.

Bem hajas

Rogério

3. Comentário de L.G.

Ainda não descobri o número da companhia a que pertencia o Gilberto Madaíl, a mesma do Capitão Vaz e do Alf Jorge Freire, companhia essa que esteve em Bissorã, alguns meses, com a CART 1525. Pode ter sido a CCAÇ 1419, que deixou Bissorã em Novembro de 1966, segundo pesquisei na própria página dos Falcões. Essa unidade pertencia ao BCAÇ 1857 , tal como a CCAÇ 1420, que a CART 1525 foi substituir em Fevereiro de 1966.

É provável que o Madaíl pertencesse a este batalhão. No entanto houve mais duas companhias que se seguiram e que estiveram em Bissorã, ainda no tempo da comissão dos Falcões: a CART 1612, a partir de Dezembro de 1969; e a CART 1746, já em Julho de 1967, já perto do tão ansiado final da comissão dos Falcões (Outubro de 1967)...

Quando estiveram em Bissorã, a CCAÇ 1419, a CART 1612 e a CART 1746 dispuram, cada uma no seu tempo, renhidas partidas de futebol com a CART 1525 - Os Falcões... Não sei se o Madail se interessou pelo futebol nessa altura... De qualquer modo é um apontamento interessante de que fica aqui o registo, retirado (com a devida vénia) da página que traz o historial da CART 1525:


"6 - ACTIVIDADE DESPORTIVA

"Neste campo desenvolveu a Companhia [a CART 1525] uma actividade intensa, tanto mais de salientar em virtude de, paralelamente, continuar sem quebra de ritmo a ser solicitada operacionalmente pelos Comandos dos Batalhões a que pertenceu, ao longo da sua comissão.

"Bissorã foi e é um lugar privilegiado, nesse aspecto, visto que dispõe de recintos para a prática do futebol, voleibol, basquetebol, andebol de sete e ténis, além de, na sede do seu clube representativo, existir ainda uma mesa de ping-pong. Assim, não podiam os componentes da Companhia permanecer indiferentes a tal convite para a prática do desporto, até por que, desde logo, com o Atlético Clube de Bissorã e as Companhias que por aqui passaram, conjuntamente se estabeleceu uma grande, mas salutar e benéfica, rivalidade.

"Tecidas estas considerações recorde-se, então, mais detidamente, o que foi e conseguiu, nas diversas modalidades.

"FUTEBOL - Considerado o desporto-rei , foi ele que atraiu as atenções e no qual os resultados foram, para nós, mais brilhante. Integrados na Companhia [CART 1515] dois futebolistas profissionais, Testas e Candeias, foram estes os grandes impulsionadores na formação da equipa e na sua orientação. Os restantes, rapazes habilidosos, conseguiram desde os primeiros jogos, um espírito de equipa, alicerçado principalmente na grande camaradagem reinante, que muitas e brilhantes vitórias nos haveriam de dar.

"Quando da chegada a Bissorã, o Atlético local dispunha de uma equipa experimentada e valorosa, cujos componentes de há muito jogavam juntos e a CCAÇ 1419, do mesmo modo, contava com uma equipa razoável e, acima de tudo, já suficientemente jogada.

"Nos vários domingos que sucessivamente se foram passando, efectuaram-se diversos jogos que, apesar de não contarem para qualquer torneio, tinham em vista dirimir uma superioridade que qualquer das equipas, no seu brio muito pessoal, desejava com ardor. Os resultados até Novembro 66, data em que a CCAç 1419 deixou Bissorã, não podiam ser mais favoráveis. Assim, seis dos jogos efectuados com aquela Companhia contam-se cinco vitórias, sendo a mais expressiva por 4 -0 e apenas um empate a 2 bolas.

"Com o Atlético local, em outros seis encontros, conquistaram-se quatro vitórias e sofreram-se duas derrotas. Balanço, pois, positivo, neste período.

"Substituindo a CCAÇ 1419, a CART 1612 dispunha igualmente de uma equipa organizada e que, conhecedora do valor do seu adversário, procurou abalar a supremacia que, neste desporto, o mesmo vinha exercendo em Bissorã. Efectuados cinco jogos a CART 1525 averbou mais três vitórias, sendo uma por 6 -0 e cedeu dois empates, sendo um deles muito forçado, por uma arbitragem muito infeliz.

"Há a assinalar que, durante este período, a nossa equipa foi convidada para efectuar um jogo em Bissau, contra o BatInt. Após vencidas algumas dificuldades organizou-se uma coluna especial e tornou-se realidade tal desejo. O valor da equipa do BatInt, ao que nos foi informado, era bastante, pelo que em vez da equipa da Companhia constituiu-se um misto, actuando quatro elementos da CART 1612. Afinal estes, todos de reconhecido valor, falharam totalmente, sendo um deles o guarda-redes, que consentiu três golos absolutamente defensáveis. Resultado final: 1-4.

"Mas o verdadeiro valor da nossa equipa havia de ficar bem vincado em dois momentos capitais. Num encontro ansiosamente esperado, defrontou uma selecção formada por elementos do Atlético de Bissorã e da CART 1612. Difícil missão lhe estava reservada mas, ao fim e ao cabo, numa demonstração plena de querer, conseguiu um digno empate a três golos, após um jogo que em nível técnico ultrapassou, em muito, a mediania.

"Até que chegou já, no 18º mês de comissão, o 19º aniversário do Atlético Clube de Bissorã. Quis esta agremiação comemorar condignamente a data e, dentro dos vários números do seu programa de festas, contava a disputa da valiosa taça Aguinaldo Salomão , num torneio de futebol, com a participação do Clube em festa, da CART 1525 e da CART 1612.

"Designado o Atlético para a final, uma eliminatória entre as duas Companhias deveria apurar o outro finalista para a disputa da taça. Para a CART 1525 o jogo foi um pouco difícil, em virtude de não contar com alguns elementos indispensáveis, na altura na Metrópole, em gozo de merecida licença. Contudo nunca esteve em dúvida a sua superioridade, traduzida, a poucos minutos do fim por 2-1. Passava já bastante do tempo regulamentar e, num golo validado incrivelmente pelo árbitro, o adversário conseguiu o empate, mas de nada lhe serviu, visto que, em cantos, factor decisivo para a qualificação neste caso, mantinha nove contra e somente quatro a favor. Presente, pois, na final, com todo o mérito e perseguida pela adversidade a CART 1525.

"Contra o Atlético os mesmos problemas do jogo anterior assaltaram a sua equipa, principalmente a falta dos jogadores referidos e tidos como insubstituíveis. Mas, mesmo assim, falaram outra vez a indómita força de vontade de que estava possuída e a fé inabalável na vitória. Nada pôde o Atlético fazer para contrariar a nossa superioridade que se cifrou por 2-0 concludentes, falhando ainda o Testas um penalty. Delírio no final, com todos os componentes da Companhia, incluindo o seu Comandante, festejando tão apetecida vitória. Estava conquistada a taça e não havia reticências a pôr.

"Substituída a CART 1612 pela CART 1746, nova rivalidade se viria a constituir com a equipa desta Companhia. Se bem que já um pouco desgastada fisicamente, enquanto que a adversária acabava de chegar da Metrópole, não deixou a nossa equipa os seus créditos por mãos alheias. Em três jogos efectuados, outra tantas vitórias, sendo duas bastante expressivas: 9-0 e 6-0.

"Cabe aqui referir que, ainda em Bissorã, se defrontou, por duas vezes, uma selecção constituída por elementos da CART 1746 e do Atlético local. Outras tantas vitórias se conseguiram, sendo a última por 5-4, num jogo emocionante e verdadeiramente bem jogado, de parte a parte.

"Já em Bissau não parou, todavia, esta intensa actividade, defrontando-se, por duas vezes, a equipa de Engenharia, conseguindo-se duas vitórias, se bem que tangenciais. O último jogo contra a equipa do Hospital é que não correu muito favoravelmente, pois averbou-se uma derrota por 4-3. Foi pena, realmente, tanto mais que uma vitória, seria o fecho de tão intensa quão brilhante actividade" (...).

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Nota de L.G.

(1) O sítio da UEFA, fornece os seguintes dados biográficos sobre o Gilberto Madaíl:

(i) Nasceu a 14 de Dezembro de 1944, em Aveiro;

(ii) formou-se em economia pela Universidade do Porto;

(iii) foi presidente do Beira-Mar e da assembleia geral da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), antes de chegar ao lugar de topo da FPF, como presidente;

(iv) é membro cooptado do Comité Executivo da UEFA desde Maio de 2004, para o quadriénio 2004/07;

(v) da sua carreira po0lítica, destaca-se o facto de ter sido membro do Partido Social Democrata, e de ter exercido o cargo de Governador Civil de Aveiro durante oito anos, bem como de deputado no Parlamento em dois períodos (1987-90 e 1995-97);

(vi) Presidente da Sociedade Euro 2004 SA, na sequência da fase final do UEFA EURO 2004, em Portugal, Madaíl foi o elemento-chave da organização do torneio, para além de ter sido membro do Comité do Campeonato da Europa (1998-2000);

(vii) Colabora no Comité Executivo da UEFA no Grupo de Trabalho para as questões da União Europeia;

(viii) Na FIFA, integra o Comité de Organização do Campeonato do Mundo e o Comité das Federações Nacionais.


(2) Vd. post de 14 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXXIX: CART 1525, Os Falcões (Bissorã, 1966/67)

(...) Dei com o seu site por acaso e nunca me tinha passado pela cabeça que pudesse haver tanta informação disponível sobre a nossa Guiné e sobre Bissorã.

Já anteriormente tinha encontrado o site dos Leões Negros [CCAÇ 13, Bissorã e outros sítios da Região do Cacheu, 1969/71] que muito apreciei.

É com muito prazer que o informo de mais um site de ex-camaradas ligados à Guiné e a Bissorã: Os Falcões - a Companhia de Artilharia 1525 que esteve em Bissorã em 1966 e 1967, um par de anos antes de si...

Pois é, passou muita água sob a ponte para a Outra Banda e os peixes que o Carlos Fortunato lá pescou eram, pelo menos, os tetranetos dos que eu lá pesquei.

Convido-o a visitar a nossa página: Os Falcões - Companhia de Artilharia 1525, Bissorã (1966/67)... Informo-o de que foi com muito prazer que incluimos o seu link no nosso site (...).

Fonte: Extractos de Histórial da CART 1525 > Cap III - Actividade interna >

Guiné 63/74 - P977: Antologia (52): A guerra que Portugal quis esquecer (Luís Carvalhido, ao Jornal de Barcelos)

1. Em 2003, nosso camarada Luís Carvalhido, ex-soldado de transmissões da CCS do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74), natural e residente em Barcelos, vice-presidente da Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra, deu uma entrevista ao Jornal de Barcelos. Essa entervista foi conduzida pelos jornalistas Zita Foinseca e José de Coelho.

2. Por achar que as declarações do Luís Carvalhido (1) deveriam merecer uma mais ampla divulgação - e no mínimo chegar ao conhecimento de todos nós, camaradas e amigos da Guiné - pedi autorização para reproduzir esse trabalho jornalístico no nosso blogue. Aqui vai um excerto da mensagem que enviei ao Jornal de Barcelos:

Sra. Directora do Jornal de Barcelos:

Antes de mais, queira aceitar os meus cumprimentos e as minhas felicitações pelo sítio na Net que é o Jornal de Barcelos ‘on line’… É um grande contributo para a defesa dos legítimos interesses da população e da identidade cultural da região, e de Barcelos em particular.

Venho-lhe pedir autorização para reproduzir, no todo ou em parte, a entrevista de Luís Carvalhido a esse jornal, reproduzida na edição de 9 de Julho de 2003. Na altura, o Luís Carvalhido era vice-presidente da Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra.

Sou o webmaster do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, o maior blogue, em língua portuguesa, sobre a experiência da guerra colonial na Guiné-Bissau. Formamos uma tertúlia virtual com mais de cem membros, de que também faz parte o Luís Carvalhido, ex-soldado de transmissões da CCS do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74), natural e residente em Barcelos (...).

3. A resposta do jornal veio, ontem, neste termos:

Boa tarde!

Obrigada, primeiramente, pelas palavras que teve a amabilidade de nos endereçar.

Ainda sobre o
Jornal de Barcelos – On Line, que não tem sido actualizado nas últimas semanas por razões de ordem técnica, em breve já irá poderá aceder através de uma versão renovada.


Quanto à reprodução da entrevista em causa, poderá utilizá-la nos moldes que entender desde que mencione a fonte e o autor. Neste caso,
Zita Fonseca e José de Coelho / Jornal de Barcelos.


Com os melhores cumprimentos
Zita Fonseca


4. Aqui vai, então, transcrita com a devida vénia, do repectivo sítio (Jornal de Barcelos), a entrevista do Luís Carvalhido, vice-presidente da Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra e membro da nossa tertúlia.

A divulgação desta entrevista (que no essencial não perdeu actualidade e oportunidade) não implica qualquer juízo de valor, a favor ou contra, sobre o conteúdo das perguntas que foram postas ao nosso camarada Luís Carvalhido bem como das suas respostas, nem muito menos sobre a APVG de que ele é dirigente.





"O país quis esquecer a guerra colonial"
Os ex-combatentes da guerra colonial são dezenas de milhar e querem que, finalmente, o país reconheça o serviço que lhe prestaram. Nesta entrevista, Luís Carvalhido (na foto), vice-presidente da Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra fala da guerra, do esquecimento e das sequelas que ela deixou numa geração inteira.

Entrevista a Luís Carvalhido
por Zita Fonseca e José de Coelho
Jornal de Barcelos. 9 de Julho de 2003 (com a devida autorização)


Passados quase trinta anos sobre a descolonização, o país começa, finalmente, a encarar os efeitos da guerra colonial sobre uma geração de jovens. Muitos ficaram marcados para sempre porque não há guerras limpas. Não há guerras sem atrocidades. Não se faz a guerra sem matar. E muitos desses jovens de vinte anos- os “meninos das suas mães” que não foram preparados para o mal - vivem ainda amarrados aos seus pesadelos. Ainda hoje, o stress de guerra corrói vidas.

Luís Carvalhido, vice-presidente da APVG onde estão associados mais de 40 mil ex-combatentes, diz que todos quiseram esquecer o Vietname português. Agora, exigem reconhecimento pelos serviços prestados ao país e apoio para quem deles precisa.


Jornal de Barcelos - Para que serve a Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra?
Luís Carvalhido - Serve para defender os interesses dos ex-combatentes. Ao longo do tempo, sobretudo no fim da guerra colonial, houve uma tentativa por parte do poder político, do poder civil, de esquecer ou tentar esquecer o que tinha sido a guerra colonial. Presumo que houve uma tentativa de confundir colonialismo com dever pátrio. Houve uma necessidade de esquecer esta intervenção querendo-se misturar tudo no mesmo saco, querendo desvirtuar o papel dos jovens portugueses chamados à força para defender uma parcela de terreno que nos tinham ensinado ao longo da vida que era nossa. Durante alguns anos conseguiu-se confundir a opinião pública.
Houve também uma tentativa enorme de esquecer por parte das famílias porque aquilo as fazia relembrar coisas más. Isto, associado à força da nossa idade, fazia com que não sentíssemos os efeitos dessa guerra. As pessoas andaram mais ou menos esquecidas durante algum tempo.
Entretanto, o tempo foi correndo e algumas doenças só começaram a aparecer após alguns anos. Sobretudo os fenómenos de stress pós-traumático que se começaram a manifestar mais intensamente a partir dos 40 anos. Isso pôs em evidência as necessidades de algumas pessoas que se começaram a agrupar no sentido de tentar lembrar essas necessidades e, sobretudo, aquilo que nos era de direito e que era relembrar aquilo que tínhamos sido.
Ao contrário do que muita gente tentou demonstrar, nós não fomos o produto duma geração colonialista. Nós fomos uma geração excelente porque cumprimos exactamente o que nos tinha sido dito. E cumprimo-lo de tal maneira que presumo que nenhum povo dos países mais desenvolvidos seria capaz de o fazer naquelas condições. Nós resistimos ao terror, à falta de comida e perante um inimigo que estava no seu próprio território e melhor equipado e resistimos à falta de ensinamentos.

Por isso, esta Associação tem por objectivo fazer relembrar todo o passado que foi esquecido. E para quê? Exactamente para fazer prevalecer os nossos direitos que passam, fundamentalmente, pela criação do estatuto de veteranos de guerra. Esse estatuto deverá definir o que é um veterano de guerra e aquilo a que tem direito na sociedade enquanto elemento que deu um alto contributo para a nação. Os ex-combatentes têm entre 50 e 65 anos. Queremos estabelecer parcerias com a Segurança Social para criar lares de terceira idade, centros de dia e serviços de apoio domiciliário.

JB - O que é que pretendem que o Estado vos reconheça?

LC - Queremos um estatuto próprio que, depois, nos conferirá um conjunto de pormenores a estudar em relação àquilo que são as nossas necessidades. Este estatuto conduzirá, seguramente, à contagem do tempo do serviço militar em África acrescido de cem por cento. Ou seja: que para efeitos de reforma esse tempo conte a dobrar. Isto já é uma garantia (está a ser trabalhado no Arquivo Geral do Exército). Tivemos o compromisso do senhor ministro da Defesa de que em Janeiro isto ficaria pronto a ser regulamentado e a entrar em acção. Esta tem sido uma das nossas lutas que, finalmente, se está a concretizar.
Estamos, ainda, a lutar pela concretização efectiva da rede nacional de apoio para que todos os ex-combatentes possam ser encaminhados através dos médicos de família e dos serviços psiquiátricos dos hospitais, para os hospitais militares. É outra promessa que foi feita, já existem os modelos para serem preenchidos e alguns já estão colocados nas administrações regionais de saúde. Entretanto, por falta de articulação com os serviços, alguns médicos ainda estão um bocado renitentes até porque lhes dá algum trabalho. Por isso ainda não está funcionar muito bem, mas temos a promessa do senhor secretário de Estado de que isto vai ser posto em prática.
Tão ou mais importante, é a pretensão de conseguirmos a reforma aos 55 anos para os indivíduos que estiveram no teatro das operações. Defendemos isto porque alguns estudos apontam que um indivíduo que tenha estado numa zona de guerra sofre um decréscimo de vida saudável de cerca de cinco a 15 anos. Sabemos que pelo momento económico que o país atravessa, isso é difícil, mas vamos continuar a pôr esta questão em cima da mesa porque, afinal de contas, somos mandatários duma vontade de milhares e milhares de pessoas. Estivemos há dias com o senhor secretário de Estado dos Combatentes que nos pareceu razoavelmente sensibilizado para o fenómeno.

Finalmente, começa a ser reconhecido que nós existimos, que fomos especiais, que nós servimos.

JB - O país foi ingrato para convosco?
LC - O país foi ingrato! O país não teve a capacidade de reconhecer isso e fez uma coisa ao contrário que foi tentar ocultar. Quando um povo não é capaz de reconhecer o seu próprio mérito, mesmo na adversidade, fraco é este povo ou fraco é quem o lidera. Actualmente, as coisas estão a vir ao de cima, o movimento está a crescer. A prova disso é esta Associação que é a maior com 40 mil membros, mas há outras com alguns milhares. Isso quer dizer que este movimento não vai parar. Isto assumiu proporções de bola de neve.

JB - As consequências mais visíveis da guerra colonial eram, para além dos mortos, os soldados que voltavam estropiados. Nos outros, as consequências não se viam, a não ser às vezes, quando a família de algum comentava que veio de África...
LC - Que veio marado, cacimbado, ninguém o pode aturar.

JB - Isto eram coisas que as famílias viviam dentro das quatro paredes e passavam despercebidas. Agora, a ideia que se começa a implantar é que as consequências psicológicas da guerra têm uma dimensão muito grande.
LC - Enorme. Há dois tipos de feridos e de feridas. Há os chamados deficientes das forças armadas, que estão à vista, e há os deficientes encobertos. E a própria família, sendo vítima do sistema - e o sistema era de encobrimento - tinha de acobertar os seus doentes suportando tudo à luz do modelo duma pretensa família católica. Ou seja, se o marido era um stressado, um indivíduo cacimbado como se diz na gíria, batia na mulher ela, porque era uma boa católica, tinha de aguentar. Se o marido batia nos filhos pedia-lhes que tivessem paciência. Durante muito anos foi assim. Finalmente, há cerca de meia dúzia de anos, fruto das lutas de pessoas mais atentas, está reconhecido o stress pós-traumático de guerra. Isto veio ajudar a quebrar os tabus. Começou a encarar-se com naturalidade a possibilidade de cada um transmitir ao seu psiquiatra ou psicólogo um fenómeno que estava associado a efeitos recorrentes.

À luz dos anos volvidos, penso que comecei a ter stress de guerra quando tinha 14 anos e vi a minha mãe chorar por um vizinho que tinha morrido em Angola e passado um ano morreu outro. Isto ia-nos preparando e amputando a mente, de tal maneira que já estávamos a entrar em sintonia com o tal stress. Depois, sabendo que alguns colegas nossos que tinham mais dinheiro podiam escapar a esta carga emocional fugindo para o estrangeiro, fomos colocados na recruta.
Na altura éramos todos meninos de nossa mãe. Não tínhamos sido ensinados a fazer mal, não tínhamos, sequer, sido ensinados a resistir ao mal. Na recruta fomos muitas vezes despersonalizados até ao mais pequeno pormenor. Os oficiais tentavam preparar homens para uma guerra - não sei se da melhor ou da pior maneira - e o que é certo é que o faziam duma forma que agredia sistematicamente o indivíduo. Isto aumentava o tal stress, mas havia outros.
Fazíamos a recruta, a especialidade e ficávamos já com outro stress que era ficar à espera dos dez dias fatídicos. Sempre que nos ofereciam dez dias de férias sabíamos que era o caminho para a guerra. E depois perguntávamos: eu vou para a Spinolândia? A Spinolândia era a Guiné, porque estava lá o Spínola, e a Guiné era um Vietname. Era o terror de quem tinha 20 anos.
Depois era a preparação espiritual para dizer à nossa mãe - porque nós éramos os meninos das nossas mães - que íamos embora, que íamos morrer. Saíamos daqui e passado pouco tempo éramos postos no território dito inimigo. A diferença da cor tinha efeitos. Nós sabíamos que o inimigo era negro mas, por falta de experiência, não sabíamos onde estava esse inimigo. Numa aldeia não sabíamos se um indivíduo era um simples aldeão ou se por trás estava - e isso acontecia vulgarmente - um homem do PAIGC. Todos estes fenómenos iam aumentando a dose de stress e depois chegava o que era considerado o final e que era ver um companheiro, com quem tínhamos passado tanto tempo e vivido tantas coisas, chegar numa maca sem uma perna, sem um braço ou sem vida.

Quando regressámos à Metrópole, o que se presumia ser natural era não sermos despejados em Lisboa a pontapé e "vão-se embora para onde quiserem, arranjem-se!". Presumo que isto é uma dívida enorme do país para com os seus filhos, para com aqueles que o serviram. Não nos deram o apoio psicológico necessário para a integração porque estivemos ausentes 25, 27 ou 28 meses num meio completamente distinto, debaixo duma pressão contínua, debaixo dum ambiente hostil, passando fome, sede, contraindo doenças, sem dormir, sempre à espera do nosso dia. Devíamos ter tido uma recepção condigna que, no mínimo, passaria por algum apoio médico à chegada...

JB - Davam uns comprimidos a quem queria...
LC - Os comprimidos que nos davam eram os chamados LM para a dor de cabeça e anti-paludismo, mais nada. Eram os comprimidos que tomávamos lá todos os dias contra as várias febres. Mas o que era essencial era saber o que cada um precisava. E cada um de nós precisava de coisas, só que não havia condições para exigências e havia uma tentativa enorme de fugir ao que tínhamos deixado para trás. Todos nós estávamos a tentar fugir. E de tal maneira que ainda hoje muitos não querem falar desses fenómenos. Presumo que, mais tarde ou mais cedo, quando se conseguir implementar uma boa rede de apoio a esta gente... As pessoas têm ainda muitos males guardados, não querem falar. Os psiquiatras dizem que cada vez aparecem pessoas com problemas recorrentes. Há estes e há dez mil ou doze mil mortos.


JB - Algum dia se saberá, de facto, quantos morreram?

LC - O Estado português ao longo do tempo tentou, penso que intencionalmente, dizer que tínhamos nove mil a dez mil mortos. O número que e parece mais correcto aponta para treze mil. A questão é que temos milhares de paraplégicos, amputados e temos esses mortos. Isso é representativo do que somos. E quanto mais não seja, acredito que pelos mortos e pelos outros, pelos que não dormem, por aqueles que batem na mulher, pelos que batem nos filhos.
E aqui ponho um parêntesis que é importante: há algum tempo alguém se lembrou de dizer que quando morrer o último ex-combatente acabam as associações. Não estou de acordo. Sabem porquê? Porque neste momento já temos uma geração de stressados que são os filhos dos stressados de guerra. Esses também têm de ser acompanhados e apoiados pelas entidades deste país. Isto existo porque somos um produto dos nossos pais - embora em toda a gente que foi combatente seja um stressado - e já há, filhos de ex-combatentes marcados pela violência familiar. Isto é duma dimensão enorme.


Zita Fonseca e José de Coelho. 9 de Julho de 2003


__________

Nota de L.G.:

(1) O Luís Carvalhido entrou na nossa tertúlia em Abrild e 2005, foi logo dos primneiros, por mão do seu amigo, camarada de guerra e de trabalho, o Sousa de Castro. Aqui fica um execrtro da mensagem que ele me enviou em 21 de Abril de 2005, já transcrita na página respeitante à tertúlia:

Companheiro: Permite-me que te chame companheiro e amigo. Não me conheces, mas tal como muitos milhares de Portugueses falamos uma linguagem mais comum que a própria linguagem de Camões. Vivemos Africa e sentimos o frio das noites de medos disfarçados no fumo do tabaco e no paladar acre da cola. (...) Pisei os mesmos caminhos que tu, num triângulo que ia do portinho do Xime, até ao interior do Xitole. Decerto que não estarás admirado se te disser que te chamo companheiro porque também tu deves conhecer de cor e salteado a localização das tabancas de Bambadinca, onde eu passei cerca de vinte e sete meses.

Deixa-me voltar um pouco atrás, para te dizer como é que cheguei até ti. Para além de estar socialmente ligado à Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra (isto é outra história, que dava outro livro, ou outros livros) , sou amigo do António Castro, meu amigo e companheiro de armas na Guiné. Com ele mantenho contactos diários e através dele tomei conhecimento da tua existência e das muitas coisas que temos em comum (...).

E digo-te isto sobretudo porque nessa altura eu tinha um olhar de menino rebelde. Olhar de quem vê e não acredita. Olhar de quem sabe que tem que ser, mas que não fica calado. Olhar de menino ingénuo, mas muito selvagem. Olhar de quem brinca com coisas sérias, não se detendo com os medos comuns. Medo de morrer sim, medo de afrontar nunca. Perdoa-me, porque quando começo nunca mais acabo. África é imensa, África é linda, África é inesquecível, a guerra colonial é uma nódoa que tem quer ser exorcizada.

Guiné 63/74 - P976: A morte do Alf Armandino e a estupidez do capitão-proveta (Joaquim Mexia Alves)

Caro Luis Graça

Acabei de ler o último post (1) colocado em que conta a memória de uma emboscada no Saltinho.

Eu estava no Xitole e dias antes o Alf Armandino, que morreu nessa emboscada, tinha estado a almoçar comigo em casa do Jamil Nasser (2), se não me engano, um almoço que o Jamil ofereceu também para festejar os meus anos em Abril.

Tenho uma fotografia desse almoço onde está o Alf Armandino, que foi aliás meu camarada de Curso nos Ranger's.

Realmente a incompetência, para não dizer pior, do capitão-proveta e seu comandante de Batalhão, nessa acção, ultrapassou a estupidez de tudo o que era possível, visto que o que os nossos camaradas iam fazer não tinha qualquer sentido nem servia para nada.

Abraço do
Joaquim Mexia Alves
___________

Notas de L.G.

(1)Vd. posts de

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P975: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (7): ainda as trágicas recordações do dia 17 de Abril de 1972

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972

(2) Vd. post de 11 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P952: Evocando o libanês Jamil Nasser, do Xitole (Joaquim Mexia Alves, 1971/73)

quinta-feira, 20 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P975: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (7): ainda as trágicas recordações do dia 17 de Abril de 1972

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Contabane > Quirafo > Feverereiro de 2005 > A fatídica GMC que serviu de caixão a muita gente no trágico dia 17 de Abril de 1972, na picada de Quirafo (entre o Saltinho, Contabane e Dulombi).

Foto: © João Santiago (2006)


Boa noite, Sr. Luis Graça:

Hoje quem lhe escreve sou eu, o João [Santiago, filho do Paulo Santiago]. O meu pai teve de sair e pediu-me para eu lhe enviar uma das fotos que eu na altura tirei, à tal GMC na picada para o Quirafo...

Engraçado, ele nem sabia que eu as tinha. Ele depois escreve-lhe a dar mais detalhes sobre a foto.

Quero também dar-lhe os parabéns pelo óptimo trabalho que tem tido a gerir o seu blogue, seu e dos seus camaradas. Muito bom mesmo.

Uma excelente continuação e uma abraço

João Santiago


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Nota de L.G.

(1) Vd. post de 12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972

(...) Seguimos em direcção ao Quirafo, que no meu tempo era uma tabanca abandonada. A CCAÇ 2406 tivera lá um grupo de combate destacado, mas a porrada era muita, a populaçãofoi saindo, e o grupo de combate recuou, sendo dividido por Madina e Cansamange.

Voltando a 7 de Fevereiro de 2005, a picada está em bom estado, não há minas e o Pedro carrega no acelerador. Encontramos, não acontecia nos anos 70, alguns meus irmãos negros de bicicleta. Damos com restos de um despojo de guerra da CCAÇ 2406 [a unidade de quadrícula do Saltinho, 1968/70], a cabina de uma GMC, rebentada por uma mina, e onde pereceram alguns dos militares, cujos nomes figuram no memorial que se encontra no Saltinho (2). Esta lembrança do perigo, ainda que mais completa, já existia no meu tempo de militar, passei-lhe bastantes vezes ao lado em deslocações para patrulhamentos e operações.

Uns 3/4 Km à frente aparece-me a razão da minha ida aquela zona, neste dia: uma GMC, ainda muito bem conservada, atendendo aos anos passados, destaca-se numa clareira ao lado da picada. O Pedro pára o jipe, saimos todos, o João filma a viatura de varios ângulos, são buracos de balas nos taipais, na cabine, há um grande buraco no chão da viatura feito por uma canhoada.

Afasto-me para um lado, faço uns minutos de silêncio e, como católico, rezo uma oração. Naquele local, em 17 de Abril de 1972, morreram 11 militares, 5 milícias e um número ainda indeterminado de civis, devido à incompetência, à ignorância, à megalomania do capitão-proveta do Saltinho e do seu comandante em Galomaro. O meu objectivo daquele dia estava cumprido: um pensamento por uns homens que ainda mal conhecia e que tão estupidamente morreram.Vou tentar extrair do filme uma foto da GMC. (...)

Guiné 63/74 - P974: Estórias cabralianas (12): A lavadeira, o sobretudo e uma carta de amor

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Fá Mandinga > 1970 > Jorge Cabral no paraíso, entre as bajudas mandingas...

Foto: © Jorge Cabral (2006)



Outra deliciosa e terna estória do nosso camarada e amigo Jorge Cabral:

A Lavadeira. O Sobretudo. E uma Carta de Amor…

No dia seguinte a ter ocupado Fá Mandinga, apresentaram-se no quartel as lavadeiras, cinco ou seis bajudas, todas alegres e simpáticas.

Uma, Modji Daaba, chamou-me logo a atenção pelo seu porte e beleza. Bonita de cara e perfeita de corpo, possuía um ar nobre e altivo que me cativou. Imediatamente a contratei como minha lavadeira exclusiva, tendo acordado uma remuneração superior na esperança de algumas tarefas suplementares… (Periquito, ainda não sabia, que com as bajudas mandingas era praticamente impossível ir além de algumas carícias peitorais…).

Porque o meu fardamento habitual consistia numa toalha atada à cintura, o trabalho de Modji escasseava, mas ainda assim, não a dispensei de comparecer duas vezes por semana a fim de receber o salário, trazer e levar a roupa.

Iniciámos então um jogo de “faz de conta”, pagando-lhe eu um serviço imaginário. Até elaborava um Rol, onde inscrevia peças de vestuário que ela desconhecia:
- Um sobretudo, três camisolas de gola alta, dois pares de ceroulas….

Quando ela chegava muito se divertia ao simular entregar-me as peças inventadas, e comentando:
- É cusa bonito sobretudo.

Entretanto tentava ultrapassar as brincadeiras e consumar o desejo, que era aliás mútuo. Nada feito! Ia casar. Depois sim, prometia. Havíamos de fazer sobretudo, senha por nós adoptada para designar o acto.

Finalmente casou. Com um velho mal encarado, já com duas mulheres e não sei quantos filhos. Então cumprimos o destino! Sobretudo, sobretudo, sobretudo… quase todos os dias.

Infelizmente pouco tempo depois fui transferido para Missirá, e foi aí que recebi uma carta de Modji Daaba. De memória reproduzo o documento.:

Kerido Namorado Alfero Odjú Groso. Nmiste bai pa Missirá pa ba ter cu bó nha grande amor. Pá bu bim prendi nha marido, pa bu fala nha marido i turra. Tisim sition, calcinha e mandidja de prata. Nha marido ta sutam. Se bu ca bim na fusi pa Xime e nunca mas a mi bu lavadeira de sobretudo.

Não fui buscar Modji Daaba. Não prendi o marido. Sei que fugiu para o Xime, e nunca mais foi a minha lavadeira de sobretudo…


© Jorge Cabral (2006)

Guiné 63/74 - P973: Estar ou fazer-se 'apanhado' para não enlouquecer (Jorge Cabral)

Mensagem do Jorge Cabral, antigo alferes miliciano de artilharia e comandante do Pel Caç Nat 63, afecto ao Sector L1 (Bambadinca) da Zona Leste, tendo estado em Fá Mandinga e em Missirá (1969/71).

Amigo Luís,

Cá estou eu revolvendo os trilhos da memória, evitando pisar as minas da tristeza.

Interessa-me, como sabes, realçar o burlesco de situações vividas num quotidiano, onde a lucidez se embaciava propositadamente, porque só dessa forma era possível aguentar. Estar ou fazer-se apanhado constituía afinal a solução para não enlouquecer…

Nós, os brancos dos Pelotões Nativos, caíamos desamparados e ignorantes, num meio totalmente desconhecido. Numa semana passeávamos no Rossio, e na seguinte estávamos em Missirá… Obviamente que nos espantávamos com tudo:
- Que raio de terra é esta, onde as mulheres mijam de pé e os homens de cócoras? - interrogou-me, um dia depois de ter chegado, a Cabo Gulherme.

Claro que o tempo dissipava a nossa inicial estupefacção, e alguns de nós acabavam por adoptar os costumes e práticas da população onde estavam integrados. Uns mais que outros, é verdade, mas isso também dependia do comportamento do Comandante do Destacamento… Se o Alferes mastigava cola (1) e lavava os dentes com terra, talvez fosse um exemplo a seguir… Apanhado o Comandante não existia vacina que evitasse o contágio!

Boas férias Amigo! Mando estória (2) e, como sempre, um Grande, Grande Abraço!

Jorge


P.S. – Alguns acrescentos e pequenas correcções:

a) quando comandei Missirá, continuavam a existir 2 Pelotões de Milícias (um Missirá e outro em Finete).

b) Também as famílias dos meus soldados os acompanhavam sempre, o que levantava problemas nas transferências. De Fá para Missirá, contámos com a ajuda da Marinha, por solicitação do vosso Major Brito. Mulheres, crianças, cabras, galinhas, camas, panelas, alguidares…foram de Lancha.

c) A Sulimato da minha última estória (2) era afinal Salimato, como me informou, o António Duarte [antigo furriel miliciano da CCAÇ 12, 1972/74], que a conheceu demasiado bem (pelos vistos a dama continuou em comissão…).

d) O Alferes Machado pertenceu à CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

e) Recebi uma amigável e elogiosa mensagem do vosso Alferes Abel (3), que quase me emocionou. Então não é que ele escreveu “Alguém disse um dia que eras o único oficial do exército porreiro”.

____________

Notas de L.G.

(1) Noz de cola

(2) Vd. post de 4 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P936: Estórias cabralianas (11): a atribulada iniciação sexual do Soldado Casto

(3) Alf Mil Inf 01006868 Abel Maria Rodrigues, Comandante do 3º Gr Comb da CCAÇ 12 (Bambadinca 1969/71)...

quarta-feira, 19 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P972: Cacimbados ou apanhados do clima? (Zé Teixeira)


Guiné > Guidaje > CCAÇ 4150 (1973/74) > Trata-se de um Unimog 411 (e não Hanimog, como vem escrito por lapso da legenda da foto). Esta viatura transportava uma secção (8 homens com o condutor). Era conhecida por burrinho ou salta-pocinhas...

Foto: © Albano M. Costa (2005)


Texto do Zé Teixeira, ex- 1º cabo enfermeiro, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70.

Cacimbados ou apanhados pelo clima ?

Eu gosto mais do segundo termo, pois reflecte a realidade do que se afirmava no meu tempo de Guiné, quando algum de nós cometia actos que expressavam um estado de espírito ou força anímica anormal, estados esses a que nos fomos habituando desde o primeiro dia:
- Este já está apanhado pelo clima!

Desde o Frank que se punha a gritar, nos primeiros dias de Guiné, a altas horas da noite, “Apetece-me voar", ao Lemos que gritava “Apaguem a luz que não vejo para dormir” até ao Chamusca que, quando éramos atacados no quartel, subia para a alta árvore e punha-se a berrar, dizendo as palavras próprias com que baptizávamos os adversários, que de tão bonitas que eram, não cabem neste blogue de gente educada.... Neste último caso, foi preciso o alferes Barbosa fazer-lhe uma espera e prometer-lhe quatro borrachos se ele voltasse a repetir a cena.

Estava em Mampatá (2), um oásis no meio da guerra, quando o restante pessoal da Companhia foi fazer segurança à coluna de transporte de mantimentos a Gandembel. A ida foi, como de costume, agitada e quando tomamos conhecimento, via rádio, que a coluna tinha recomeçado o caminho de regresso a Aldeia Formosa (2), o alferes e um furriel decidiram pegar no salta-pocinhas (*) e arrancar ao seu encontro.

Como era um acto demasiado arriscado, naquela zona, decidiram partir, mas sem G3 ou qualquer outra arma de defesa pessoal, e lá se foram a grande velocidade, pois a estrada tinha sido picada de manhã no início da coluna.

Atravessaram Chamarra (2), onde estava outro Grupo de Combate aquartelado e, ao localizarem a coluna, inverteram a marcha e, seguindo na sua frente, regressaram a casa, felizes e contentes pelo desfecho positivo da aventura.

Num dia, após um ataque a Aldeia Formosa (2), que começou cerca das 17.30 e acabou altas horas da madrugada, o Caco Baldé (1) apareceu por lá para apreciar os estragos, que felizmente para os militares tinham sido nulos e ao comentar com o comandante da guarnição o local de onde o IN tinha atacado, este sugeriu que possivelmente tinha havido apoio logístico de uma tabanca colocada para lá da fronteira. O Homem do monóculo, só fez uma pergunta:
– Nunca te lembraste de apontar para lá os obuses ?

Claro que nessa noite foi um corridinho de granadas de 18 Kg naquela direcção. Eu guardei a frase, quando em Mampatá se comia arroz com arroz, enquanto as vacas do Chefe da Tabanca se deliciavam a pastar entre os arames farpados de protecção da tabanca. Ao fazer a ronda nocturna notei o tilitar de garrafas e perguntei ao sentinela o que se passava:
- É uma vaca que anda aí - respondeu-me ele - não há perigo.

Havendo perigo ou não, resolvi imitar o Caco e dizer-lhe:
- Já pensaste em mandar para lá um tirito, ninguém sabe se está lá uma vaca ou um IN ?!

No dia seguinte, sem eu ter dado qualquer ordem, apareceu uma vaca coxa, e houve bife e do bom ao almoço, pois o Aliu Baldé, para não perder tudo vendeu-nos a vaca pelo preço da chuva.

Só que o IN também queria que repartíssemos com ele e à hora lá estava junto à cerca, sabendo que a fome e o apetite por um bom bife eram factores que nos iriam criar possíveis desatenções. Tal aconteceu de facto. Os postos de sentinela, foram desguarnecidos e o IN chegou a tentar entrar. Creio bem que a população estava avisada e refugiou-se nos abrigos, e só tal facto impediu que houvesse mortos e feridos, tal a proximidade dos guerrilheiros (chegaram a entrar dentro do perímetro da tabanca) e a quantidade de fogo ligeiro, que provocou o incêndio e a destruição em 11 moranças.

A reacção dos meus colegas foi automática: atirando o bife com batatas fritas pelo ar, desataram a correr para os postos e seguraram pelas pontas o ataque. Por outro aldo, a reacção do pelotão de milícias foi excelente. Apraz-me registar ver o Chefe de tabanca e comandante da milícia, Alferes Aliú Baldé a coordenar, de peito aberto, a defesa (tanto quanto soube, veio a falecer em combate cerca de dois anos depois, também na defesa de Mampatá, quando a zona aqueceu, com a reabertura de frente de Colibuia e Cumbijã)(**) .

Estranha foi a minha reacção. Assustado com o fogachal e as labaredas que surgiam de todos os lados das moranças a arder, em lugar de me proteger e aguardar pelo fim da contenda, como era e continuou a ser meu hábito, desatei a correr pela tabanca a perguntar, aos gritos, se havia feridos.

Recordo-me bem da razão do meu estado de espírito: Tinha comigo apenas dois frascos de soro, algumas agulhas e linha de sutura, meia dúzia de Zimema K e pouco mais. Entrei em pânico. A estrada para Aldeia Formosa, estava cortada pelo IN e eu senti-me sem nada para poder valer aos colegas e à população.

Foram vinte minutos terríveis, que se saldaram num grande susto e . . . moranças queimadas, pois nem um ferido para amostra.
- Já estou apanhado! - Foi o meu pensamento íntimo, logo depois e que me obrigou a rever a forma de estar nos teatros de guerra que se seguiriam.

A nossa reacção obrigou o IN a refugiar-se rapidamente na mata e continuar a flagelação, mas um tanto descontrolada.

Como resultado extremamente positivo para a minha pessoa, foi a forma como a partir daquela altura a população em geral me acolheu e o carinho com que me trataram. Se já era bom ficou excelente.

Zé Teixeira
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(*) Unimog 411 (pequena viatura de transporte para uma Secção).

(**) Tive o grato prazer de reavivar a sua memória, quando em 2005 reencontrei a sua filha Naná, mudjer do actual régulo da tabanca de Sinchã Sambel (ele mesmo também milícia em Mampatá no meu tempo), que resultou do reordenamento de Contabane, após a destruição desta tabanca na noite de S. João em 1968 (3).

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá (Jorge Cabral)

(...) Notas de L.G.

(...) "Caco (ou Caco Baldé) era a a alcunha por que era mais conhecido o General Spínola entre os seus soldados. O termo queria referir-se ao vidrinho ou monóculo que ele usava... Baldé era um dos apelidos mais vulgares entre os fulas, aliados de Spínola...

Vd posts de:

29 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXIV: Recordações do 'Caco Baldé' no Xitole (David Guimarães)

24 de SDetembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCX: Oficial do Estado Maior do 'Caco'... por duas horas (João Tunes)
(2) Vs. na carta do Xitole, o triângulo Mampatá- Chamarra - Aldeia Formosa (Ou Quebo)

(3) Vd. post de 6 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXI: A viúva do régulo Sambel de Contabane: um símbolo (Zé Teixeira)

Guiné 63/74 - P971: Amílcar Cabral e a Cuba de Fidel Castro ou os mortos também se instrumentalizam (João Tunes)

Guiné > Anos 60 > Uma das mais emblemáticas fotos de Amílcar Cabral (1924-1973), fundador e dirigente do PAIGC. Foto: Fonte desconhecida


Texto do nosso camarada João Tunes, de quem a nossa tertúlia já tinha saudades... Eu, pelo menos, já tinha saudades da sua escrita vigorosa, da frontalidade das suas posições, da sua paixão pela discussão de ideias...

João: Boa continuação de férias, em Cabo Verde, camarada! Ou bom regresso a casa, se for caso disso... Como vês, mal ainda abrimos o dossiê cubano e tu já começas a deitar fogo à savana!... Bom, depois de vários textos, da mesma fonte, sobre o papel dos cubanos - foi há 40 anos que chegaram seceretamente à Guiné os primeiros médicos e instrutores cubanos, que vieram dar apoio à guerrilha do PAIGC - , era já chegada a altura de termos também, no nosso pluralíssimo blogue, um ponto de vista crítico sobre o(s) discurso(s) de propaganda dos seus autores: mas essa função de vigilância crítica compete menos ao sobrecarregado editor do blogue do que aos folgados e fogosos camaradas que estão de serviço ao pelotão de piquete.

João: Tu não precisas, naturalmente, de invocar o direito de réplica (pública): está a utilizar, e muito bem, o teu direito de pensar pela tua cabeça e de exprimir, de imediato, os teus sentimentos de indignação contra a tentativa de reles instrumentalização e apropriação (sempre abusiva) de uma figura que a história agigantou e que tu e eu e outros de nós, nesta tertúlia, ainda admiramos e respeitamos, desde a nossa juventude... Falo do Amílcar Cabral, que sempre soube distinguir o povo português e o regime colonialista que ele combateu, de armas na mão... Infelizmente, guineenses, caboverdianos e portugueses ainda o conhecem mal, a ele, ao seu pensamento e à sua acção... Obrigado pelo teu contributo. LG


OS MORTOS TAMBÉM SE INSTRUMENTALIZAM

Caro Luís,

Uma nova dívida, a juntar a tantas acumuladas e por pagar, fica registada para com o teu ciberlabor - dares a conhecer o despacho da Lusa sobre o fantástico discurso de uma celebridade inspirada, Pedro Donia, embaixador de Cuba na Guiné Bissau. Estando então de férias em Cabo Verde, não conhecia a notícia e, sem o blogue, ficaria a leste de tão inspirada e espantosa sacanice política.

A um morto, ilustre ou não ilustre, nem tudo se deve fazer. Direi mesmo que um morto, qualquer morto, exige sempre respeito. Dar pontapés num morto ou fingir endireitá-lo para que funcione como boneco de eco ventríloco de uma qualquer cartilha política, são das piores canalhices entre as que conheço na face negra do comportamento humano, política e intelectualmente falando. E se instrumentalizar a memória de um morto, projectando-lhe comportamentos fora do contexto em que viveu, não é o cú da propaganda, então é aceitar que a política e a diplomacia, segundo certos propagandistas safados, comem mas não defecam.

Amílcar Cabral, assassinado em 1973, hoje, só tem contas a ajustar com a história pelo que fez em vida e por aquilo que lutou na forma como lutou. Especialmente perante a memória dos povos da Guiné e de Cabo Verde cujos destinos invocou como causa da sua vida e marcou indelevelmente. Pela sua inegável envergadura, mais a força do impacto do seu martírio, a figura de Amílcar ainda sofre do efeito da névoa do mito. Um mito construído, a meias, entre os que o diabolizam e o santificam. E um mito é sempre uma redução.

Pela parte que me toca, até porque marcou alguns dos meus anos de juventude como meu camarada de ideais e simultaneamente meu inimigo na guerra, há muito ainda a descobrir nele, a aclarar, a projectar no seu tempo histórico, respeitado o contexto da época em que viveu e lutou. E há, à volta da figura de Amílcar, mistérios, luzes e sombras. Que só o tempo, na sua distância, mais o acesso a fontes documentais podem permitir aos historiadores a missão ciclópica de nos permitirem conhecer melhor Amílcar.

Neste aspecto, muito tenho aprendido com o nosso amigo Leopoldo Amado, cujos talentos de historiador contribuíram para que, cada vez mais, aumente a minha curiosidade em saber de Amílcar o máximo da substância além do mito. Esse mito desesperante que envolve, inevitavelmente, toda a figura de líder que, no caso - tragicamente, não lhe foi permitido fazer a prova suprema do exercício do poder em vitória total, confirmando-se, desmentindo-se ou negando-se (e como a história é fértil em qualquer destas modalidades!). Está para conhecer, em toda a dimensão, os variados talentos de Cabral na sua panóplia de intervenções - como chefe militar, como político, como diplomata, como pensador político e ideológico, como intelectual sofisticado, como planificador, como homem de Estado antes de ter um Estado mas projectando-o como herança política.

Também desconhecidos são os seus inevitáveis pontos negros no exercício do poder guerrilheiro nas condições em que travou a guerra (e, decerto, os terá). Para dissecar está igualmente a génese da utopia de Cabral na unidade Guiné-Cabo Verde, a qual, vista à distância, tende a surpreender pelo seu aparente absurdo como a praxis depois demonstrou.

Particularmente, um dos pontos mais misteriosos e fascinantes na figura de Cabral, tem a ver com a forma real como ele desenhou a sua luta no quadro geoestratégico e se movimentou no xadrez de apoios e alianças numa época da guerra fria mais quente. E - mera suposição minha - desconfio que, neste domínio, muitas surpresas estão reservadas aos historiadores face a alguns clichés adquiridos, nomeadamente o de que foi um peão dos soviéticos ou dos cubanos. E quando os arquivos soviéticos e cubanos forem abertos aos historiadores, quiçá apareçam surpresas sobre a forma, e as variações no tempo, como soviéticos e cubanos apoiaram Amílcar e o PAIGC e se esse apoio foi sempre leal, incondicional e desinteressado. Ou se, pelo contrário, houve dedos de aliados enfiados, objectiva ou subjectivamente, nos gatilhos das armas que o abateram.

O discurso do embaixador Pedro Donia, instrumentalizando a memória de Amílcar ao garantir que, se vivo, estaria hoje ao lado do ditador Fidel Castro (1), o homem que transformou Cuba numa Ilha-Prisão, é uma peça rasca e indigna de propaganda. E por ter a cumplicidade interessada de Carlos Gomes Júnior, mais os projectos comuns guineenses-cubanos, não aquece nem arrefece, porque de perfídia não passa. Muito menos a memória respeitável dos combatentes cubanos que caíram no combate pelo PAIGC, altera um pau de fósforo na questão.

Não conheço qualquer prova que garanta que Amílcar seria inevitavelmente um ditador e amigo e aliado de ditadores e de ditaduras. Pedro Donia não as apresentou, diminuindo Cabral por via da instrumentalização política, fazendo silogismos de pacotilha. Da mesma forma, no meu caso, não tenho garantias de que Cabral, se vivo, estaria hoje a insurgir-se contra a resistência à democracia cubana, contra as prisões arbitrárias em Cuba, nomeadamente das dezenas de jornalistas condenados a mais de vinte anos de prisão política por teimarem em escrever diferente das versões e dos delírios paranóicos de Fidel Castro. Uma ou outra projecção são delírios, tanto mais se tivermos em conta como o mundo mudou desde 1973 até aos nossos dias.

Mas como Pedro Donia existe, Carlos Gomes Júnior também, é bom que saibamos das suas músicas. Razão principal do meu sincero agradecimento por nos teres dado a conhecer esta peça. Usando, se o permitires, o direito a pública réplica.

Abraços para ti e restantes tertulianos.

João Tunes

_________

Nota de L.G.

(1) Vd. post de 12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P956: Antologia (48): Félix Laporta, o primeiro cubano a morrer, num ataque a Beli, em Julho de 1967

(...)

Se Cabral fosse vivo estaria ao lado de Fidel, diz embaixador de Cuba em Bissau
RTP -Informação

O embaixador de Cuba em Bissau afirmou que, se o fundador das nacionalidades cabo-verdiana e guineense, Amílcar Cabral, fosse vivo, estaria "com toda a certeza, a lutar contra o imperialismo" ao lado do presidente cubano, Fidel Castro.Pedro Donia discursava numa cerimónia organizada pelo Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) destinada a celebrar o 40º aniversário da chegada à então província portuguesa da Guiné dos primeiros seis "internacionalistas" de Cuba, que ajudaram o "movimento libertador" na luta pela independência nacional (1963/74)."Os ideais de independência e autodeterminação e de luta contra o imperialismo de Amílcar Cabral, tal como se apresentou perante Fidel Castro em meados dos anos 60, manter-se-iam hoje bem vivos se fosse vivo. E, se fosse vivo, estaria, com toda a certeza, ao lado do líder cubano", afirmou o diplomata (...)

Guiné 63/74 - P970: Os efeitos do 'cacimbo' (Joaquim Mexia Alves)


1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves, ex-alf mil da CART 3492, (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15, (Mansoa) (1971/73):

Caro Luis Graça

Com efeito cacimbo é um termo oriundo de Angola que significa, salvo o erro, a estação mais fria , a estação de maior humidade e chuva.

Penso mesmo que o termo cacimbo significará isso mesmo, uma espécie de humidade tão intensa que parece chuva e que portanto fará mal à cabeça.

Depois de sair da Guiné fui trabalhar para Angola, motivo pelo qual também tenho uma ligação a esta terra extraordinária.

A época do cacimbo começava, salvo o erro, em meados de Maio e iria até meados de Setembro.

Entre aqueles que residiam em Luanda havia um termo que se utilizava que era: "Os inspectores do cacimbo". Este termo era utilizado para designar uns indivíduos que durante essa época do ano vinham de Portugal a Angola, tentando enganar os incautos com dinheiro, propondo negócios fabulosos que na maior parte dos casos não existiam ou não tinham qualquer interesse. Como se dizia então, "vinham vender fábricas de água a ferver".

A alguns as coisas às vezes corriam mal e não se pense que eram só vulgares vigaristas, pois também havia gente da alta.

Aqui fica uma achega, que nada tem a ver com os cacimbados, mas tem a ver com o termo e com África. Prometo escrever mais sobre os efeitos do cacimbo nas nossas tropas na Guiné, especialmente neste teu camarada.

Abraço
Joaquim Mexia Alves
Termas de Monte Real

Guiné 63/74 - P969: Mexia Alves e a malta do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (Sousa de Castro)

Vila Nova de Gaia > Carvalhos > Quinta da Paradela > 10 de Junho de 1989 > 1º convívio do BART 3873. O Mexia Alves, alto, de barbas, é o 2º da 2ª fila, que está de pé, a contar da direita para a esquerda. O 4º, da mesma fila, é o Tenente Coronel António Tiago Martins, comandante do batalhão.


Vila Nova de Gaia > Carvalhos > Quinta da Paradela > 10 de Junho de 1989 > 1º Convívio do BART 3873 > Lá está o grandalhão do Mexia Alves, de barbas, o 1º da 2ª fila, de pé, da dierita para a esquerda, com malta da CART 3494 e da CCS do BART 3873 (1).


Texto e fotos: © Sousa de Castro (2006) (ex-1º cabo de transmissões da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)

Eu sabia que tu, Mexia Alves, não me eras estranho, conheci-te no 1º convívio realizado pelo BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) na Quinta da Paradela, Carvalhos, Vila Nova de Gaia, em 10 de Junho 1989.

Também estive no convívio que realizaste em Monte Real, no dia 5 de Outubro de 1991.

Confirmo o que diz o António Duarte (2): nesse tempo ainda estavas um pouco apanhado do
clima
, declamaste um poema muito bonito e interessante nesse 1º convívio. Tens jeito para a declamação de poesia.

Alfa Bravo.
ZNB SC = Sousa de Castro
(ex. 1º cabo Trams,
CART 3494,
Xime e Mansambo,
1972/74)
__________

Notas de L.G. :

(1) O BART 3873, sedeado com a respectiva CCS em Bambadinca (1972/74) tinha três unidades de quadrícula no Sector L1: CART 3493 (Mansambo, 1972/1973); CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974); CART 3492 (Xitole, 1972/74). O Alf Mil Op Espec Mexia Alves pertenceu originalmente à CART 3492, antes de ingressar no Pel Caç Nat 52 (Bambadinca) e na CCAÇ 15 (Mansoa).

(2) Vd. post de 17 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P966: O Mexia Alves que eu conheci em Bambadinca (António Duarte, CCAÇ 12, 1973)

terça-feira, 18 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P968: Memórias de Mansabá (4): A morte do Alf Couto da CART 2732, dia 6 Outubro de 1970 (Carlos Vinhal)

Guiné > Zona Leste > Xitole > 1970 > A temida mina antipessoal PDM-6 (vd caixa aberta), reforçada com uma carga de trotil de 9 kg (as barras do lado direito). Detectada e levantada na estrada Bambadinca-Xitole pelo furriel de minas e armadilhas Guimarães da CART 2716. "Bem, ia uma GMC ao ar, isso sim!...".

Foto: © David J. Guimarães (2005)
Texto do Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA CART2732, Mansabá (1970/72)


Os fatídicos dias 5 e 6 de Outubro de 1970

O Aquartelamento [de Mansabá] tinha sido atacado na noite de 5 de Outubro. Deste ataque resultou a morte imediata de um soldado milícia e ferimentos ligeiros em alguns militares da nossa CART (1).

Na manhã seguinte havia que fazer o reconhecimento da zona envolvente, pois o IN esteve muito próximo e normalmente deixava pistas que, de alguma forma, serviam para recolher ensinamentos para futuros ataques. Além de tudo, por vezes, antes de retirar, o IN deixava armadilhas nos itinerários utilizados por nós e pela população. A acção de reconhecimento competia ao Pelotão de Piquete.

No dia 6 estava de Piquete o 4.º pelotão, cujo Comandante era o alferes Couto que tinha, como eu, o curso de Minas e Armadilhas. Do mesmo pelotão fazia ainda parte o Furriel Sousa, também com o curso de minas.

Por motivos óbvios toda a malta se tinha deitado muito tarde e descansado pouco, mas manhã cedo lá saiu o 4º pelotão para o mato, reforçado pelo meu, o 3.º, para proceder ao dito reconhecimento.

Decorrido algum tempo após a saída dos pelotões, ouviu-se no aquartelamento um estrondo e quase de seguida, pelo rádio, ouviram-se pedidos de socorro para evacuar um morto e um ferido, vítimas do rebentamento de uma mina antipessoal num carreiro no designado Alto de Bissorã. Saíram imediatamente algumas viaturas para trazerem os sinistrados.

Quando regressaram, traziam o cadáver do Alferes Couto. O ferido era o Alferes Bento, comandante do meu pelotão, que também tinha sido atingido ao tentar socorrer o seu camarada e amigo.

O Alferes Couto era um homem com cerca de trinta anos que tinha sido incorporado com aquela idade, quando era tripulante dum navio da Marinha Mercante. Não sabemos a razão de tão tardia ida para a tropa, nem vem ao caso. Sabíamos sim que ele era casado e pai de dois filhotes. Muito comunicativo, pouco adaptado aos cerimoniais militares, apreciava mais o convívio dos soldados do seu pelotão em detrimento dos seus colegas oficiais. Lembro-me de, durante o Curso de Minas na EPE, Casal do Pote, ele passar horas a jogar matraquilhos connosco no Bar dos Praças daquela Unidade. Era um homem simples e superior ao seu estatuto de oficial.

Como operacional na Guiné, julgo que o Alf Couto já tinha neutralizado e/ou levantado algumas minas antipessoais até que chegou o fatídico dia 6 de Outubro de 1970.

As minas PMD6 utilizadas na Guiné eram traiçoeiras e por vezes difíceis de manusear. Algumas com a humidade do solo, e porque eram de madeira, inchavam de tal modo que retirar a espoleta era uma autêntica lotaria. Não se sabe exactamente o que ele pretendia fazer, só se sabe que a determinada altura chamou o Alf Bento para lhe dar ajuda naquela mina. Quando este se dirigia para ele, deu-se a explosão que ainda o atingiu.


Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 (1970/72) > Vista aérea do aquartelamento.

Foto: © Carlos Vinhal (2006)

Eu, que na altura não era operacional, estava na secretaria onde colaborava, no momento em que tudo aconteceu. Pude assim acompanhar junto do rádio o desenrolar dos acontecimentos.

Depois de removido o cadáver do Alf Couto e de o Alf Bento ter recolhido à enfermaria para posteriormnete ser transferido para o HM 241 [Hospital Militar de Bissau], havia que voltar ao local do incidente para continuar a neutralizar as outras minas detectadas.

Recebi então ordem do Comandante da Companhia para avançar e dar continuidade ao trabalho que ficou por acabar. Chegado ao local fatídico, estavam assinaladas duas minas antipessoais guardadas por alguns militares completamente consternados. Ao verem-me, desejaram-me as maiores felicidades.

Como se sabe, ao tempo as minas detectadas davam prémio pecuniário a quem as detectasse e a quem as levantasse, mas como o dinheiro não valia o risco de vida, eu tinha prometido a mim mesmo, durante o Curso, que jamais tentaria levantar alguma mina antipessoal, a menos que fosse impossível rebentá-la no local. Depois da morte do meu camarada Couto mais convencido fiquei de que tinha a razão pelo meu lado.

Assim, comecei por juntar às minas detectadas uns pedaços de TNT, que iriam ser accionados por detonadores pirotécnicos alimentados por cordão lento. Na altura ainda não dispunha de disparador eléctrico. Claro que isto exigiu que eu andasse por ali às voltas. Examinei tanto quanto pude o terreno por onde iria correr enquanto o cordão ardesse e um local para me proteger quando aquilo tudo explodisse. Pus o pessoal em bom recato, peguei fogo ao rastilho, corri e abriguei-me, esperando pelas explosões. Quando estas aconteceram, fui ao local ver o resultado e reparei que, em vez de duas crateras correspondentes às duas minas detectadas, tinha três. Na realidade não havia duas, mas sim três minas, sendo que a terceira não tinha sido detectada e eu não a pisei por mero acaso e sorte. Esta rebentou com as outras por simpatia.

Missão cumprida e retorno ao quartel onde o constrangimento era geral. Ainda estava fresco o cadáver dum camarada, que não veria crescer os dois flhos deixados em casa aos cuidados da mãe, há seis meses apenas. Tinha acontecido a nossa primeira baixa.

A partir deste dia passei a ser operacional quase a 100%, sem no entanto deixar de continuar a colaborar na Secretaria e mantendo a gerência dos bares como anteriormente.

Além disto fiquei com a responsabilidade das actividades relacionadas com as Minas na Companhia, porque o alferes substituto do camarada Couto não tinha o Curso de Minas e Armadilhas. Fiz muitas patrulhas em que o meu Pelotão não tomava parte, porque desde que o 1º ou o 2º Pelotões fossem passar em zonas minadas ou armadilhadas por nós, era exigida a minha presença.

O 4º Pelotão não precisava que eu os acompanhasse pois tinha o meu camarada Sousa numa das suas Secções. Embora houvesse relatórios de implantação das zonas armadilhadas, exigiam sempre a presença de um de nós para assegurar que ninguém da Companhia accionava as nossas armadilhas. Diga-se em abono da verdade que quando o meu pelotão saía e a minha presença era dispensável, eu era poupado. Chamada lei das compensações.

PS - Com especial dedicatória ao nosso camarada bloguista David Guimarães, meu contemporâneo no CTIG e companheiro mineiro.

Guiné-Bissau > Bissau > 2001 > O David Guimarães, na viagem de regresso à Guiné e ao seu Xitole onde foi furriel miliciano atirador, da CART 2716 (1970/1972), com a especialidade de minas e armadilhas (2)

Foto: © David J. Guimarães (2005)
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Nota de L.G.

(1) Vd. post de 18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

(...) "É minha obrigação lembrar a memória daqueles que partiram do Funchal e que, por morrerem, não regressaram connosco. São eles:
- Alf. Mil.º Art.ª MA Couto que em 6 de Outubro de 1970 foi vítima do rebentamento de 1 mina A/P;
- Soldado Malcata que em 16 de Maio de 1971 faleceu por motivo de doença;
- Soldado Silvestre que em 17 de Maio de 1971 faleceu por motivo de acidente;
- Soldado Vieira que em 6 de Dezembro de 1971 foi morto numa emboscada;
- e, por fim, Soldado Barbosa que foi ferido na mesma emboscada, acabando por morrer no HM 241 em 17 de Dezembro de 1971" (...)

(2) Vd. posts de
23 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXV: Minas e armadilhas (David Guimarães)

3 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLI: A região do Xitole, por onde andou o Nino... (David Guimarães)

(...) Tocou-me a mim num belo dia. Eu é que ia a comandar o grupo (o Alferes estava de férias). E lá já bem perto de Jacarajá:

- Mina, mina, porra!... E agora!?

Tocou-me a mim: afinal eu é que era o artista. Em Tancos tinham-me ensinado a trabalhar com aquilo: "manga de cu piquinino", protecção feita, suores frios ao sol quente... Bem, lá consegui operar... Tínhamos que comer... Lá ficou o buraco feito e do chão extraí isso que envio em fotografia... Um Mina PMD-6, espoleta MUV, duas barras de trotil de 4 kg, mais aqueles dois calcinhos do mesmo material a 200 gr cada cada um, sendo que dentro da mina lá estavam os 400 gr habituais da carga base onde actuaria o detonador depois de accionada a espoleta...

- Ufa, que merda!... Já está! - e daqui a pouco lá vinha a coluna, o barulho daqueles motores e, à frente, a Daimler do [Alferes] Vacas de Carvalho....

Pronto, e lá ficamos o dia inteiro até que lá a coluna volta a passar, mas de regresso a Bambadinca. Nós, por nossa vez, lá regressamos ao quartel no Xitole.

Mais tarde lá me deram os 300 escudos (prémio por levantamento de material explosivo):

- Pronto, mais um dinheirinho para beber umas bazucas [cervejas] ...

Foi um dia de rotina, um pouco diferente - uma mina sempre é uma mina.....
(...)