sábado, 4 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3269: Memórias literárias da guerra colonial (1): Conferência do A. Graça de Abreu (Luís Graça / Mário Fitas)

"Diário da Guiné - Lama, Sangue e Água Pura"

Conferência do António Graça de Abreu, na Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella, 2 de Outubro de 2008




1. Recuperamos o comentário que o Luís Graça escreveu em "Guiné 63/74 - P3267: Controvérsias (1): Sedengal, ...":


Amigos e camaradas:

Encontrei ontem o Zé Martins na conferência do António Graça de Abreu,, no Museu-Biblioteca Reppública e Resistência, em Benfica...

Não éramos muitos, mas estávamos em maioria, a malta da nossa Tabanca Grande: além do António (que era o artista principal) e do Zé, o Fernando Franco, o Mário Fitas, o Humberto Reis, o Artur Conceição, o Alberto Branquinho... Cito de cor, não tenho aqui à mão a lista...

Havia mais uns paisanos e antigos militares. O António Graça de Abreu trouxe um primo, 1º sargento de máquinas da Orion (1966/68), que se fartou de levar (e dar) porrada no Cacheu... Convidei-o a visitar o blogue... Ele andou com o Lema Santos, se não em engano...
O António trouxe ainda consigo um amigo, hoje coronel de artilharia na reforma, que esteve com ele no CAOP 1, em Cufar. Sobre a conferência, falarei com mais tempo e vagar em próxima ocasião...

Tudo isto foi só para dizer que o Zé Martins, que é uma companheiraço, já me mostrou mais ums dados novos sobre Sedengal e as unidades que por lá passaram... Fico/amos à espera... Bem como das fotos que ele tirou. No meio da sessão fiquei sem pilhas...

Luís Graça


2. Também o Mário Fitas esteve presente e não pôde deixar de se ver novamente nas terras onde viveu a história da Pami Na Dondo (2)


A 2 de Outubro p.p. não podia deixar de estar presente, na Biblioteca – Museu Republica e Resistência / Grandella, para ouvir o António Graça de Abreu, falar sobre o seu livro, Diário da Guiné, Lama, Sangue e Água Pura.


Como o poema de 8 de Dezembro de 1973,


"O clarear incerto da manhã,
a luz pálida, azul e negra,
o golpear do vento na paisagem,
a chuva gotejando como lágrimas nos telhados de capim.


As bolanhas escuras e doentes,
as garras, os bicos dos abutres,
a fome, a agonia dos corpos,
os homens mastigando miséria e sofrimento.

Guiné o lastro de cinco séculos,
Como pedras de um túmulo.”


O livro como a sua poesia, profunda, já me eram bastante familiares. Mas a curiosidade de ouvir um homem culturalmente avançado, falar da sua experiência e observação sobre um local onde eu tinha estado sete anos antes com vivências um pouco diferentes, aguçou-me a curiosidade.


António Graça de Abreu, com a sua fluidez e saber transmitir extraordinário, e após a surpresa extraordinária com a apresentação dos magníficos slides de Cufar, levou-me a reviver aquela querida terra.

Andei por tabancas e matas, fui a Cabolol e atravessei o Monterunga e o Tompar. Passei para a outra margem do Cumbijã, e voltei a recordar a destruição por duas vezes dos acampamentos do PAIGC em Flaque Injã, revivi a emboscada que o “Nino” comandando uma companhia do Exército Popular nos tinha preparado na descida para o cais de Caboxanque, os velhinhos T6 picando sobre a mata e a vedeta e as lanchas, arrimando-se (como se diz na tauromaquia) ao tarrafe, para ajudar e embarcar a malta.

Recordei a ansiedade do pessoal que tinha ficado em Cufar ao saber que o T6 do Alf Pil Av Ribeiro iria aterrar de emergência com dezassete furos e o motor a gripar. Recordei o velho Alfa Nan Cabo, meu irmão, ex-PAIGC com toda a sua sabedoria, a safar os Lassas daquela enrascadela.

A realidade de antanho sem mistificação trazendo Cumbijã abaixo Malam e PamiTudo isto agora de volta, quando a insinuação me é imposta como ferrete, e que rejeito em nome da verdade. O meu velho Alfa ainda sobrevivia em 1974, que lhe teria acontecido?

Tanta História para narrar! Cada homem viveu a sua guerra sempre diferente mas irmanados na “Lama, Sangue e Água Pura”.

Obrigado Graça Abreu, pelo teu saber estar.

Como sempre para toda a Tabanca o velho e fraterno abraço do tamanho do Cumbijã,

Mário Fitas
__________
Notas de vb: artigos relacionados em

(1) 29 de Setembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3250: Bibliografia de uma guerra (34): Diário da Guiné - Lama, Sangue e Água Pura, de António Graça de Abreu (José Martins)
(2) 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2593: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (11) - Parte X: O preço da liberdade (Fim)

Guiné 63/74 - P3268: Tabanca de Matosinhos (2): Mudança de abrigo (José Teixeira)

1. O nosso camarada José Teixeira, porta-voz da Tabanca de Matosinhos, em mensagem com data de hoje, pede para avisar todos os camaradas, especialmente os que podem vir a participar na difícil e perigosa missão que é o almoço das quartas-feiras, que mudaram de armas e bagagens para outro Restaurante. Melhor dizendo, a partir de agora metem os pés debaixo da mesa num outro restaurante mais a sul da mesma Rua, uma vez que o layout da Casa Teresa não chegava para tanta procura.

A TABANCA DE MATOSINHOS MUDOU DE ABRIGO

Por José teixeira

Decorria o ano de 2005, quando três antigos combatentes da Guiné resolveram montar tabanca na Casa Teresa em Matosinhos, todas as quartas-feiras, para conviverem e petiscarem uma sardinhada.

Uma história comum os unia e fortalecia a sua amizade – outrora combatentes da guerra que Portugal travava na Guiné, com parte do seu tempo de campanha passado na tabanca de Empada, pese embora em épocas diferentes, hoje companheiros de viagem terrestre, de novo até àquelas paragens, mas agora voluntários.

Os tempos modernos com as novas tecnologias de informação e comunicação, tem destas coisas. Pouco tempo depois, éramos 5, depois 7... 9... 11... no dia um de Setembro éramos 19 convivas.

Na actualidade, a mesa continua a crescer e há sempre mais um que chega e responde pronto ou seja – estou aqui para comer, conviver, ouvir as estórias dos outros e contar as minhas. Logo é assaltado por perguntas tão estranhas como: Onde estiveste? Qual era a tua especialidade? Conheceste fulano, ou sicrano... lembraste de... adivinhem o resto.

Como consequência, a messe onde cabem todos os antigos combatentes da Guiné e seus amigos, embora a predominância sejam milicianos e lateiros, continua a crescer e já não cabe na Teresa. Corremos sério risco de ficarmos com a lata na mão e a colher no bolso, a aguardar que o cabo cozinheiro, arranje mesas vagas para tanta gente.

Logo o Silvério Lobo, que era mecânico, nas suas andanças por Aldeia Formosa (Quebo) e tanto quanto sei, percorria as tascas todas, deixando as viaturas atascadas na bolanha, se dispôs a farejar um novo abrigo que tivesse condições para acolher os agora guerrilheiros de faca e garfo.


Imagem que já faz parte do passado > Matosinhos > Restaurante Casa Teresa > 9 de Abril de 2008 > Reunião habitual, às 4.ªs feiras, da Tabanca de Matosinhos, a que compareceram desta vez os seguintes camaradas da Guiné, da esquerda para a direita: de pé, A. Marques Lopes, João Rocha, Eduardo Reis, José Teixeira, Armindo; na primeira fila, Jorge Félix, Xico Allen e Silvério Lobo... À entrada da Casa Teresa, o António Pimentel.

Farejou! Farejou! E encontrou.

O novo poiso, embora provisório, é o RESTAURANTE MILHO REI na mesma Rua, mas no extremo sul, ou seja: Rua Heróis de França, 721, Telf. 229385685 – Matosinhos.
(Note-se que consta já estar a correr um abaixo assinado (?) a solicitar para que o nome da rua seja mudado para: Rua Heróis Comilões da Guiné)

Agora, estão criadas as condições para todos os camaradas que quiserem ter o gosto de nos dar o prazer de vir ao nosso encontro semanal às quartas-feiras, terá de trazer a carteira com algumas granadas e vontade de comer, pois não aceitamos enjoados.

Há sempre lugar para mais um, ou como diz o ditado, para mais um chega sempre .

A propósito, o camarada Jorge Ribeiro apareceu por lá e gostou. A prova disso é que voltou.

Convido os camaradas a lerem o que ele escreveu no seu blogue pessoal.
http://www.jportojo.blogspot.com/

Zé Teixeira
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Nota de CV

Vd. primeiro poste da série de 16 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3212: Tabanca de Matosinhos (1): Apresentação e Golpe de mão à casa do Delfim Santos (José Teixeira)

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3267: Controvérsias (1): Sedengal, 21 de Dezembro de 1970 (Carlos Matos Gomes / J. M. Félix Dias / Carlos Silva / José Martins)

Guiné > Região de Cacheu > Ingoré > CCAÇ 1590 (1966/68) > Aquartelamento de Ingoré. Ao fundo, a ponte sobre Ingoré e saída para o Senegal" (Luís de Matos). Até à data não temos fotos de Sedengal... apenas a carta.

Foto: Luís de Matos (2007) (Bogue de Luís de Matos >
Memórias da Guerra da Guiné > Fotos da CCAÇ 1590, 1966/68) (Com a devida vénia...)

Uma unidade que
também passou por Sedengal e Ingoré, foi a CCAÇ 1590 (1966/68), segundo imnformaçãop do nosso camarada A. Marques Lopes:

(...) "A CCAÇ 1590 ficou colocada inicialmente em Bissau, como subunidade de intervenção e reserva do Comando-Chefe e foi prioritariamente atribuída em reforço do BCAÇ 1857, tendo-se deslocado para Mansoa a fim de actuar em diversas operações realizadas nas regiões de Date, Bará, Bissorã e Olossato, entre outras, de 23 de Agosto de 1966 a 1 de Setembro de 1966, de 19 de Setembro de 1966 a 10 de Outubro de 1966 e de 21 a 24 de Outubro de 1966.

"Em 3 de Dezembro de 1966, foi integrada no dispositivo do seu batalhão instalando-se em Ingoré, com vista à realização de operações nos corredores de Canja e Sano e mantendo um pelotão destacado, ora em Barro, ora em S.Domingos, ora em Susana.

"Após deslocamento para S. Domingos, desde 4 de Maio de 1967, para realização de acções de contrapenetração naquela área, com destaque para a operação Drambuie I, regressou a Ingoré, a fim de, em 13 de Julho de 1967, em substituição da CCAV 1482, assumir a responsabilidade do respectivo subsector, com um pelotão destacado em Sedengal.

"Em 23 de Abril de 1968, foi rendida no subsector de Ingoré pela CCAÇ 1801 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso" (...).


1. Relembremos a mensagem do Cor na Ref Matos Gomes, com data de 21 de Setembro de 2008:

Assunto - Um pedido de ajuda

Olá, Luís, mais uma vez parabéns pelo excelente local de convívio e memória que tu e os “camaradas” criaram. Aproveito-o para um pedido de ajuda.

Eu e o Aniceto Afonso estamos a ultimar uma colecção de livros sobre a história contemporânea de Portugal que se centra nos “Anos da Guerra”. Algo que contribua para conhecermos melhor este período recente da nossa vida colectiva. Vamos incluir os factos que consideramos mais importantes para a compreensão do que se passou em cada um dos territórios, em Portugal e no mundo e cheguei a uma dúvida: o nosso comum amigo Josep Cervelló, que é, mais uma vez, nosso colaborador, inclui um facto que não consigo confirmar.

Escreve o Josep Cervelló nos factos relevantes de 1970:
- Dia 21 de Dezembro de 1970, ataque do PAIGC ao aquartelamento português de Sedengal, que causou onze mortos.

Alguém, entre os tertulianos, pode confirmar, ou dar alguma informação relativa a este ataque, ou a ataques a Sedengal? Ficaria muito grato por esta ajuda.

Entretanto, quando a obra tiver data de saída informarei a tertúlia.

Recebam os melhores desejos de felicidades, de continuação de êxito e de sã camaradagem que tenho tido a oportunidade de verificar nas minhas frequentes e sempre proveitosas visitas ao site.
Carlos Matos Gomes


2. Face ao pedido do Cor Matos Gomes, além da publicação do poste 3251 (*), foi enviada mensagem à tertúlia no sentido de conseguir algum esclarecimento.

Caros camaradas e amigos tertulianos:

O Cor Matos Gomes precisa de recolher informações sobre um ataque que houve a Sedengal, no dia 21 de Dezembro de 1970, do qual resultaram baixas com mortos.
Se entre os que nos lêem, houver alguém que tenha informações que possam ser úteis ao nosso camarada Matos Gomes, por favor encaminhem-nas para ele ou para nós.

Um abraço e desde já obrigado.
Carlos Vinhal

3. No mesmo dia, o nosso camarada João Manuel Félix Dias, dizia-nos:

Estive no destacamento de Sedengal na CCAV 2540, não me recordo se em 1969 ou 1970, com o Pelotão do ex-Alf Manuel Luís Ramos, de Santiago do Cacém, salvo erro.

Faziam-se rotações em cada 3 meses. Não sei quem estaria no destacamento aquando desse ataque. Eu estava em Sedengal num dia de ataque a Canjandi, tabanca próxima na estrada de/para S. José.

O senhor General Vieira, que o senhor Ayala (1) conhece, era o Comandante de Companhia.

No RC3 existe um arquivo da CCAV 2540 igual ao que está em Santa Apolónia no Arquivo Histórico Militar.

João Manuel Félix Dias
_________

(1) - Carlos Ayala Botto, hoje Cor Cav, na situação de reforma


4. Ainda no dia 30, o nosso camarada Carlos Silva adiantava

Luís

Acabo de ler o pedido do nosso camarada Carlos Gomes sobre o ataque do PAIGC ao Sedengal em 21-12-1970 que causou 11 mortos, não referindo se das NT ou se civis.

De imediato fiz as minhas investigações e presunções:

(i) Não consta tal facto relevante na História da Unidade? Seria falha grave.
E que os nossos camaradas Aniceto Afonso e Carlos Matos consultaram de certeza absoluta, tendo sido aquele Director do AHM.

(ii) No livro [Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África 1961-1974, 8 Vol - Mortos em Campanha Tomo II – Guiné Livro I, do Estado Maior do Exército, Comissão para o Estudo das Campanhas de África], na página 567, relativamente ao dia 21-12-1970, são referidos um soldado e o meu grande amigo Alferes Ambrósio que morreu em Lamel nesse dia (e a propósito do qual, eu disse de forma revoltada, para o meu Capitão, que nunca mais sairia para o mato).

Logo seria outra falha grave.

(iii) Acabo de falar com o nosso camarada e meu amigo Arquitecto Francisco Machado de Lima, ex-Alferes, que em Março passado [, 2008,] também me acompanhou na visita ao Sector de Farim e ao dele a Ingoré.

O Lima pertenceu à CCS do BCAV 2876 sediado, ao tempo em Ingoré, onde estava a CCAV 2540, a qual tinha destacado nessa altura um Pelotão no Sedengal e Antotinha, e, sobre o assunto ele disse-me ser essa história pura ficção.

(iv) Também me parece. Pois não constar da História da Unidade um facto desses????

Tens aqui uma resposta para o Matos Gomes (...)

Eu não tenho mail dele e não consta da vossa lista, caso contrário, também lhe enviava a resposta ao pedido

Recebe um abraço
Carlos Silva


5. Destas informações foi dado o devido conhecimento ao Cor Matos Gomes, que hoje mesmo nos enviou esta mensagem

Meu caro Carlos Vinhal e restantes companheiros:

Obrigado pela vossa disponibilidade e pronta resposta.

Eu sabia da força do blogue e das gentes que o habitam, mas nunca imaginei que fosse tanta. Só posso sentir-me feliz por saber e verificar que, passados tantos anos, se forjaram nos tempos difíceis amizades e cumplicidades tais que permitem desenvolver relações tão fortes e tão francas.

Só posso congratular-me por, em termos geracionais, pertencer a uma geração que soube ultrapassar as dificuldades com galhardia e coragem, que soube ser generosa, solidária e bem disposta.

Por fim, mas não no fim, gostaria de salientar a correcção e a educação (ou o que assim era designado) de todos os participantes neste fórum que, respeitando as divergências e as diferenças, sabem e querem manter o diálogo cortês e sereno. (Com o que se lê por aí não é pequena coisa sermos educados).

Quanto ao assunto sobre o qual pedi a vossa a ajuda fiquei esclarecido sobre a não existência do ataque ao Sedengal em Dezembro de 1970.

A obra terá, certamente, erros e falhas, mas não terá este.

Logo que eu e o Aniceto Afonso tenhamos conhecimento da data de apresentação da obra (são 15 volumes) terei o maior gosto em o comunicar a todos por este meio.

Recebam, meus caros amigos, a expressão da minha amizade e disponibilidade, além dos votos de continuação do êxito do blogue.

Do Carlos Matos Gomes

6. O nosso camarada José Martins não podia deixar de dar o seu contributo e escreveu hoje:

Bom dia Camaradas

Sobre o poste referido e correspondendo, com muito prazer, ao pedido do camarada e amigo Matos Gomes, procurei obter alguns dados e constatei o seguinte:

(i) Sedengal foi guarnecido por um Pelotão do Exército desde 28Jul63 até 30 de Agosto de 1974.

(ii) Na data indicada, 21 de Dezembro de 1970, era ocupada por uma força da CCAV 2540

(iii) Na data indicada não existe registo de mortos nesta Unidade nem, eventualmente, de milícias que pudessem estar em reforço daquele destacamento.

Por hoje é tudo e, se for o caso até amanhã.

Um abraço
José Martins
_________________

Nota de CV

Vd. poste de 30 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3251: Em Busca de ... (41): Notícia sobre o ataque a Sedengal, em 21/12/1970 (Cor Carlos Matos Gomes)

Guiné 63/74 - P3266: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (46): Chegou o meu periquito


Texto de Mário Beja Santos
ex-Alf Mil,
Comandante do Pel Caç Nat 52,
Missirá e Bambadinca,
1968/70

Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.



Operação Macaréu à Vista - II Parte

Episódio XLVI > CHEGOU O MEU PERIQUITO!

por Beja Santos

A última visita a Mansambo e ao Xitole

Pela primeira vez ao longo destes dois últimos anos, fomos destacados para fazer a segurança de um aquartelamento, neste caso o de Mansambo, a nova Companhia vai partir para uma operação, ficamos aqui de atalaia. Serão dois dias suaves, não se ouvirá nenhum ruído da guerra, quem foi e quem regressará não terá contacto nem verá vestígios do inimigo. Como se sabe, Mansambo é um quartel feito de raiz, não tem quaisquer ligações com tabancas locais, para nós é curioso, todas as semanas vamos até Samba Juli ou Sinchã Mamajã ou até Sare Adè, no regulado de Badora, por razões de recenseamento de armas, transporte de doentes ou armas ou comida. Ir para Mansambo a partir de Samba Juli ainda é um estirão acima de 15 quilómetros, um Grupo de Combate montou segurança do lado do Corubal e nós, a partir de Samba Juli, picámos até ao pontão do rio Quêuol. Mal sabíamos, quando regressámos naquela tarde a Bambadinca que na manhã seguinte iríamos numa coluna ao Xitole, desta vez não houve poeira só terrenos alagadiços, viaturas empanadas, chuvas inclementes. Ainda não sei, foram as últimas viagens à região do Corubal.

De resto, estamos entregues à rotina, a tarefa predominante é a segurança na estrada Xime-Bambadinca, mas não estão excluídas as emboscadas nocturnas no Bambadincazinho, noites na ponte de Udunduma e os patrulhamentos nos Nhabijões. Dividimos as nossas tarefas com os grupos de combate da CCaç 12, o relacionamento com a gentes do BArt 2917 é amistoso, mas a vadiagem que levamos impede as aproximações. Desse tempo encontro um estranho registo no meu caderninho viajante que não resisto a transcrever, com leves adaptações: “O novo batalhão tem capelão, chama-se Arsénio Puim. Pedi-lhe para me confessar, pôs-me a mão no ombro e disse-me com voz branda que Deus me perdoava todos os meus pecados, a mourejar como nós mourejávamos, Deus Pai fazia o seu chamamento directo e automático a partir do inferno em que nos encontrávamos. Ou ele é um santo ou encontra em mim um halo de santidade o que é que mudou na misericórdia de Deus?”.

Algumas notas sobre uma Guiné desconhecida ou exótica

D. Violete impõem-me um ritmo avassalador para desencontradas leituras, tudo a pretexto que os livros emprestados têm que ser rapidamente devolvidos, quem os empresta exige-os prontamente de volta, são papéis raros ou até únicos. Felizmente, estão ultrapassadas as advertências de não os manchar com dedadas de gordura ou saliva. Um dos seus alunos procurou-me enquanto preparávamos a coluna para o Xitole dizendo: “A professora está a ver o que lhe estou a dizer. Leia o que tem a ler que ela lhe emprestou e encontre-se com ela rapidamente”. Dito isto, virou-me as costas e fugiu. Procedimentos como estes nada têm de extraordinário. 

Mamadu Soncó, menino a caminho da adolescência, dorme no nosso quarto, tem umas mantas ao pé da minha cama e todos os dias me pergunta quando é que vai estudar para Portugal, se vamos de avião ou de barco, desisti de explicações. Quando estou a ler ou a escrever senta-se ao meu lado e procura repetir o que eu faço ou então faz perguntas: “Porque é que lês livros tão velhos?”. Ele tem razão, estou a ler o panfleto “Acudam à Guiné” datado de 1908 e dirigido a Sua Majestade El-Rei, aos Deputados da Nação, ao Povo Português. O governador Muzanty está debaixo de fogo, de vez em quando paro em frente à sua estátua, em Bafatá, foi esculpido como homem enérgico e olhar impoluto, mas o panfleto desanca-o: “Que o governador Muzanty iniciou a sua administração entregando, sem concurso público, todos os fornecimentos do Estado ao cunhado do célebre Corte-Real Pires, secretário-comerciante, que inventou um estado de sítio em Badora com o único fito de expulsar os negociantes de Bambadinca, testemunhas incómodas das suas ambições (...) que em Bambadinca, com a crueldade de Nero, mandou matar e mesmo trucidar gente pacífica, chegando a crueldade a ponto de separar um homem em duas metades, que colocava homens amarrados às arvores e lhes faziam apontaria a um e um no meio de gargalhadas, isto a dois passos de Bambadinca no lugar de matança denominado Xime Pequeno em combinação com o bandido Adulai (...), que autorizou o administrador a cobrar para si emolumentos sobre a cobrança de dívidas para exercer as maiores prepotências sobre os que hesitavam em pagar”. Resta saber qual o nível de verdade e mentira sobre o comportamento deste Muzanty que derrotou e humilhou Infali Soncó.






Estes jagudis a devorar o resto de uma gazela... como nos recordamos, o jagudi é abominável, vem ao sangue, quando tínhamos ataques em Missirá sabíamos dos mortos e feridos do lado PAIGC quando os víamos a pairar nas redondezas. O desenho foi publicado em «O Mundo Português», 1936. Era uma revista de cultura e propaganda, de arte e literatura coloniais, editada pela Agência Geral das Colónias e pelo Secretariado de Propaganda Nacional.


Outra leitura foi “Babel Negra, etnografia, arte e cultura dos indígenas na Guiné”, de Álvaro Landerset Simões, obra de 1935, uma narrativa só possível no tempo em que o africano era exibido como bicho exótico O general Norton de Matos escreve no prefácio: “O autor deste livro é um colonial. Classifico-o de colonial porque revela no seu trabalho as qualidades essenciais: a vocação que o levou a África, a maneira como se deixou envolver pelo meio estranho em que quis penetrar, sem se deixar dominar por ele, sem perder as qualidades de colono portador e iniciador de uma civilização superior àquela que foi encontrar”. 

É um livro bonito, escrito em toada quase jornalística, pinceladas sem rigor, mas abonitando com exotismo as diferentes descrições sobre os povos da Guiné. Oiçamo-lo a falar dos fulas: “Variadíssimos cruzamentos que sofreu originaram certa diversidade de tipo, desde o de cor preta, nariz achato e carapinha, ao de cor clara, nariz aquilino e cabelo corredio... A mulher de feições correctas e formas perfeitas pode ter-se pela mais bela de quantas possui a Guiné. Adorna-se graciosamente com interessantes peças de ourivesaria mandinga. Rapa o cabelo por cima da testa; e da nuca fá-lo convergir, em finíssimas tranças, ao alto da cabeça onde amarra amuletos, depois de enfeitado com moedas de prata, contas doiradas e fitas de pano azul”. É na verdade muito kitch mas é muito melódico e, para sermos francos, até corresponde à verdade, fui devolver estas obras à D. Violete, ela promete mais, depois de regressar de Sonaco.







Veio na última encomenda que recebi de Ruy Cinatti, em Julho de 1970. A capa é dele, trata-se do pórtico da sala de Xerxes, representação vertical de uma audiência. Cinatti publicara aqui a sua reportagem sobre Persópolis, uma viagem que o deslumbrara ao antigo Império Persa.. Pode ler-se: «De Chiraz a Persépolis, atravessando a porta de Isfahan, dura uma hora por estrada alcatroada que rodeia colinas nuas, segue uma linha recta por extensas planuras e ladeia escarpas que anunciam montanhas ao tempo coroadas de neve (...) De Persépolis a Chiraz percorrem-se cerca de 60 km. A paisagem é a mesma, talvez menos nítida porque o diálogo visual se calou...»


Entregam-me o correio, abro uma encomenda do Ruy Cinatti. Vem lá a revista Geographica, é um número de Outubro de 1965, na capa aparece o pórtico da sala de Xerxes em Persépolis, fotografia de Cinatti, no interior vem o relato da sua viagem às ruínas desta sumptuosa cidade do poderoso império persa. Tudo bem ilustrado por ele, delicio-me com a prosa “De Chiraz a Persépolis, atrevessada a porta de Isfahan, dura uma hora por estrada alcatroada que rodeia colinas nuas, segue em linha recta por extensas planuras e ladeia escarpas que anunciam montanhas ao tempo coroadas de neve... De Persépolis a Chiraz percorrem-se cerca de 60 quilómetros. A paisagem é a mesma, talvez menos nítida porque o diálogo visual se calou. Só, de vez em quando, o vento levanta de rajadas turbilhões que passam e se perdem nos plainos desérticos. Mas tanto basta para que o espírito acorde, quando os olhos se fecham, e a poeira se levante, não por golpe do vento inesperado, mas pelos cascos de cavalaria de Alexandre, o conquistador de Persépolis”. É quase poesia, apetecia-me reler tudo mas estou desvairado com fome, a seguir parto para o Xime, a chuva não pára.






O Ruy Cinatti fotografava metodicamrnte tudo, de acordo com a sua curiosidade. Da última carta que me enviou para Bambadinca refere que estava a preparar um trabalho sobre escultura, seguia imagem para que eu me convencesse que todos os povos têm grande arte escultórica, não é só a Guiné, tal a minha presunção... Depreendi que era de Timor, a sua paixão. A fotografia é uma preciosidade, é tempo da entregar no Museu de Etnologia. Cinatti usava uma Hasslblad fantástica, as coisas, os objectos, ganhavam uma outra vida, uma outra dimensão.






Chegou finalmente o meu substituto!

Regressamos tarde, empapados em lama, cientes que esta chuva que não abranda será nossa companheira nos próximos patrulhamentos, amanhã, depois de amanhã e a seguir. Ainda por cima, vamos dormir ao Bambadincazinho, uma surpresa comunicada pouco antes de partirmos para o Xime. Estranho o ar esfuziante de quem me aponta para o meu quarto e me pisca o olho. Abro a porta e está deitado a ler, na cama vaga, um alferes irrepreensivelmente fardado, só lhe falta a bóina na cabeça. Cumprimento-o e ele apresenta-se: “Sou o novo alferes do 52, por favor vê lá se me evitas as praxes brutas, ouvi dizer que me vais obrigar a atravessar o Geba a nado. Sou de Cabo Verde mas tenho medo destas águas com crocodilos”. 

Não sei que responder, primeiro é o sentimento de que a guerra está a acabar, depois sereno, caio em mim e questiono se houve algum cuidado em escolher um cabo-verdiano para comandar fulas e mandingas. Nelson Wahnon Reis é o meu periquito. Jovem de modos cuidados, atento e correcto. Estou encharcado e sujo, vou tomar um duche mas tenho à porta um soldado, Fali, que me anuncia que o pelotão pretende falar-me com urgência. Sim, dentro de um quarto de hora, respondo. Fali é incisivo: “É um assunto grave, não queremos falar consigo aqui ao pé, estamos em formatura por detrás da igreja dos cristãos”. 

Não tenho ilusões do que me espera, já deve constar que chegou um alferes cabo-verdiano para me render, posso imaginar as coisas que vou ouvir. Compareço à reunião, há cólera ou aturdimento em todos os olhares. Não estão presentes nem furriéis nem cabos, mas estão ali Jobo Baldé, Jalique Baldé, Fodé Sani, Tunca Baldé, Sila Sabali, Serifo Candé, entre tantos outros. É Mamadu Djau, a gaguejar de irritação quem apresenta o protesto magoado de todos: “Merecíamos melhor sorte. Fomos sempre leais contigo, vais-te embora, ficamos entregues a este cabo-verdiano. Pensa bem no que vais fazer. Eu vou arrumar a farda”. 

Mamadu Camará falou a seguir, senti um surdo motim por detrás do que me disse: “Para ti é fácil, vais-te embora, deixas-nos na vergonha. Queremos que transmitas ao comandante o que pensamos. Nós somos soldados de valor. Se o comandante nos obriga a ficar com este homem, na primeira operação vai haver um acidente, um tiro há-de acabar com ele”. Procurei acalmá-los, prometi ir falar com o comandante, mas naquele momento exigia de todos contenção, qualquer sinal de maus modos seria recebido como uma bofetada em mim, o alferes Reis não devia ser insultado, ele não era responsável pelo que se estava a passar. E parti dalí para o gabinete do major Anjos de Carvalho a quem expus a situação, pedindo-lhe que comunicasse a Bissau que se devia rever uma nomeação marcadamente hostil, incómoda, à revelia de um ódio que nos ultrapassava.

Regressei ao meu quarto e convidei o Nelson a ir passear até à hora do jantar. Ele era delicado, foi sempre muito delicado comigo, mas verifiquei que não era ingénuo. Descíamos a rampa de Bambadinca, queria mostrar-lhe o cais quando ele me disse: “Ouve, sei que vou comandar tropa africana e pressinto que não é a melhor coisa. O que não tem remédio remediado está, mas aceito as tuas sugestões”. 

Fiquei aliviado com a sua abertura, garanti-lhe que no dia seguinte ele iria conhecer alguns dos melhores soldados do mundo e que podia contar com a sua obediência. Bebemos um uísque no balcão do estanco do Rendeiro e desejei-lhe as melhores felicidades. Correspondemo-nos durante meses, escreveu-me de Fá e depois de Missirá, seguiu-se o silêncio mútuo, eu não queria voltar às recordações da guerra, ele provavelmente não me queria confessar como toda aquela guerra e aquela relação com África o incomodava profundamente. Enquanto brindava com aquele uísque eu via na minha frente um jovem bom atirado para Bambadinca pelas boladas do destino. Este jovem nada tinha a ver com o engenheiro exterminador com quem almoçara há pouco tempo e via praticamente todos os dias.

Telefonei ao Queta para saber da relação do Nelson com o pelotão e vice-versa: “Nosso alfero, saí do pelotão em Fá, em Março de 1971. O alferes Reis era bem educado, muito silencioso e cumpridor. Quando queria saber coisas da guerra, nós só falávamos de si e do Zagalo. Ele ouvia tudo mas percebia-se que pouco tinha a ver connosco. Afinal, não foi tão duro como pensámos ver chegar um alferes cabo-verdiano”.

Erich Maria Remarque e Mickey Spillane ao mais alto nível

Li “A Oeste nada de novo”, de Erich Maria Remarque, é certamente depois de “Kaputt”, de Curzio Malaparte, o melhor livro inspirado no flagelo da guerra. É o depoimento de um jovem alemão Paul Baümer junto da frente ocidental, nas trincheiras cheias de corpos esventrados, piolhos, ratos, cemitérios com as ossadas espalhadas, meninos de vinte anos que deixaram de sonhar com o futuro. É um relato com cabos abrutados, fala-se muito da comida, há hospitais com gente a agonizar, soldados que suspiram por ficar com as botas dos mortos, há ataques e contra-ataques, mata-se à baioneta, entra-se nas trincheiras do inimigo e traz-se comes e bebes, fica-se à espera de uma nova ofensiva. Há um momento em que ele nos confessa: “Sou novo, tenho 20 anos, mas só conheço da vida o desespero, a angústia, a morte e a prisão é um abismo de sofrimento da mais superficial e da mais insensata existência. 

Vejo que os povos são atirados uns contra os outros e se matam sem nada dizer, sem nada saberem, loucamente, docilmente, inocentemente. Vejo que os cérebros mais inteligentes do universo inventam palavras e armas para que isto se passe de uma maneira ainda mais requintada e dure ainda mais tempo. E todos os homens da minha idade, aqui e no outro lado, no mundo inteiro, vêem como eu; é essa a vida da minha geração, como é a minha. Que farão os nossos pais se um dia nos levantarmos e nos apresentarmos diante deles pedindo-lhes contas?” É um relato pungente, tão mais pungente quanto Remarque tudo escreve com serenidade, como se a resignação fosse a norma. E esta obra-prima absoluta termina assim: “Caiu em Outubro de 1918, num dia em que a frente estava tão tranquila que o comunicado se limitou a assinalar nada a ver de novo a oeste. Caiu com a cabeça para diante, estendido por terra, como se dormisse. A cara estava calma e exprimia uma espécie de contentamento por tudo ter assim acabado.







Depois de «Kaputt», de Curzio Malaparte, foi a minha 2.ª grande leitura sobre guerra, na Guiné. Impressionou-me a singeleza dos relatos, metendo corpos esventrados, gaseamentos, brutalidades de cabos sádicos, ataque na frente, o viver misturado com ratos e piolhos. Tradução de Mário C. Pires, capa de Figueiredo Sobral, Publicações Europa-América, Lda., 1964. Livro odiado por todos os belicistas, com os nazis à cabeça. Tem a forma de um diário,e termina assim: «Caiu em Outubro de 1918, num dia em que a frente estava tão tranquila que o comunicado se limitou a assinalar nada haver de novo a oeste.» Obra-prima absoluta.


Dos dois Mickey Spillane que comprei em Bafatá já li a longa espera. Jonny McBride volta a Lyncastle cinco anos depois de aqui ter fugido, sob a suspeita de um homicídio de um magistrado incorrupto. Vem sedento de vingança, pronto a abater facínoras e uma namorada que o traiu. Um gang inquieto procura cercá-lo e abatê-lo. A força da justiça impõe-se, pistoleiros e cérebros do crime vão sendo abatidos e o reencontro com a namorada é uma verdadeira revelação para este justiceiro solitário saído da hábil pena de um dos mais talentosos romancistas da literatura policial.





N.º 134 da Colecção Vampiro, tradução de Almeida Campos, belíssima capa de Lima de Freitas. Johnny McBride volta a Lynscastle, 5 anos depois do assassinato do Procurador Distrital Robert Minnow, que perseguia traficantes e canalhas de várias influências. McBride, para a polícia, é o principal suspeito. McBride parece amnésico, não identifica as situações do passado, vem vingar-se de quem lhe preparou uma ratoeira, a começar pela sua namorada, que ele pensa que o traíu. É uma volta ao passado, McBride é alvejado, torturado, aqui e acolá, uma poderosa quadrilha será desmantelada e um criminoso sem escrúpulos abatido, McBride é mais um anjo vingador iventado por Spillane. No final, McBride reencontra a namorada, fora uma longa espera, ambos se vingaram e viram o castigo dos vilões. Um Spillane magistral, a provar que a literatura policial houve e há autores que podem rivalizar com os escritores de maior gabarito.


Durante a semana que vem, de Julho para Agosto, vou quebrando o gelo dos soldados, o meu substituto vai percorrendo as diferentes áreas da nossa intervenção. Um dia destes, virão uns deputados da Assembleia Nacional a Bambadinca, vou conversar com José Pedro Pinto Leite, que morrerá dois dias depois, no rio Mansoa. A rotina prossegue. Saem na ordem de serviço do batalhão louvores a Benjamim Lopes da Costa, Domingos da Silva, Queta Baldé, Manuel da Costa Victória, Quebá Sissé, Cibo Indjai, António da Silva Queirós, alguns deles virão ser dados por oficiais generais. Uma noite, serei surpreendido com um pequeno cerimonial após o jantar, será lido um louvor e não consigo reter as lágrimas. Nos dias seguintes, percorro os regulados de Cossé e Badora, confirmo as nossas cargas de material com o Nelson e o Pires, na manhã seguinte o Pel Caç Nat 52 irrepreensivelmente fardado e com a bandeira portuguesa hasteada por Mamadu Camará deixam-me no Xime com algumas caixas e duas malas. Antes de embarcar eu olho para aqueles homens sem fala, emocionalmente despedaçado. Para mim, a guerra tinha acabado. Começara uma saudade inextinguível.
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Comentário de CV

(1) - Vd. último poste da série de 26 de Setembro de 2008 Guiné 63/74 - P3242: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (45): Um almoço tardio com um engenheiro exterminador

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3265: O meu baptismo de fogo (2): Primeiro ataque ao quartel de Có (Raúl Albino)



Raúl Albino,
ex-Alf Mil
CCAÇ 2402/BCAÇ 2851
, Mansabá, Olossato,
1968/70



1. Vamos reeditar um texto do nosso camarada Raúl Albino, por sua sugestão, cujo texto se insere perfeitamente na série O meu baptismo de fogo.



Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Có > Vista aérea

Primeiro ataque ao quartel de Có
por Raul Albino

Chegámos à localidade de Có a 1 de Agosto de 1968. Não me esqueço desta data porque assim que saltámos das viaturas de transporte para o chão, cansados da viagem e completamente atarantados, pensávamos que íamos tomar um banho, conhecer as instalações e arrumar os nossos haveres. Qual história qual quê, assim que pisámos o chão, grita logo o Capitão Vargas:

- O terceiro Pelotão vai já fazer um patrulhamento pela periferia da povoação, orientado por alguns milícias, e só depois é que faz a sua instalação!

Eu, pessoalmente, já tinha vindo para a Guiné antes da Companhia. Agora calhava-me a primeira patrulha de reconhecimento. A comissão de serviço estava a começar bem...
Este patrulhamento foi feito pelo interior da povoação, num trajecto escolhido pelos milícias nativos, de risco reduzido, para adaptação das tropas. Só que tínhamos acabado de chegar, desconhecíamos essa realidade e todo o percurso, cheiros e contacto com o ambiente local e população nativa, nos impressionou e seguramente ficou gravado na memória de todos aqueles que me acompanharam nessa primeira missão.


Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > 26 de Setembro de 1968 > Operação Adenóide > O 3º Pelotão, em bicha de pirilau, a caminho da mata de Catora (a meio, a sul da estrada Pelundo-Có).

Fotos: ©
Raul Albino (2006)

Menosprezar a inexperiência saiu caro ao inimigo

Em 29 de Agosto de 1968, menos de um mês após a nossa chegada, sofremos o primeiro ataque inimigo ao aquartelamento de Có. Foi um teste do inimigo à real capacidade desta nova unidade, chegada recentemente ao local, em termos militares. Por termos militares entenda-se, poder de fogo, coragem e capacidade de reacção.

Às 6.25 horas da manhã, um grupo estimado entre 20 a 30 elementos atacou o quartel pelo lado da pista durante cerca de 15 minutos, utilizando tiro de morteiro 60, metralhadoras pesadas, armas automáticas ligeiras e lança-granadas foguete.

Logo após os primeiros tiros, o Capitão Vargas dá-me ordem para sair com o meu grupo (3º Pelotão) em perseguição do inimigo. Como eu dormia com parte do meu grupo num abrigo mesmo ao lado da porta de armas, a saída pôde processar-se com grande rapidez e, acompanhados por alguns milícias nativos, entre eles o seu chefe Dayan, iniciámos a perseguição ao inimigo atacante.

Este homem de nome Dayan, chefe de Cipaios, era uma figura curiosa. Não era novo, magro e seco, leal, bom combatente, respeitado e líder incontestado dos milícias nativos. Custava-me a acreditar que uma pessoa com a idade dele pudesse ainda ter energia para chefiar a sua gente no terreno, mas ele não era uma pessoa qualquer, era um homem extraordinário por quem eu tinha uma consideração e admiração enormes.

A sua presença inspirava confiança e dava segurança e disciplina ao seu grupo de milícias em combate. A importância deste tipo de líderes era grande porque, nos primeiros tempos, houve muita dificuldade em perceber a maneira de pensar dos combatentes negros, amigos ou inimigos, e eles eram a nossa correia de transmissão entre duas culturas diferentes. Digamos que se fez, durante algum tempo, uma aprendizagem mútua.

Mas, voltando à perseguição, como o ataque foi curto, quando chegámos ao local de onde o inimigo tinha iniciado os disparos, já se tinha feito silêncio no tiroteio e não estava qualquer inimigo à vista. Só no terreno as pegadas denunciavam a sua presença na zona alguns minutos atrás. Em princípio e deduzindo que eles já tinham ido embora, o normal seria também nós regressarmos ao quartel, porque quando o inimigo se retira, perfeito conhecedor do terreno, dispersa-se e só volta a unir-se num ponto de encontro previamente estabelecido por eles.

O normal seria acontecer o que atrás descrevi, mas este dia não ia ter muito de normal. Em primeiro lugar o plano de ataque do inimigo foi pensado para ser efectuado em duas fases. Primeiro um ataque rápido, seguido de retirada, e quando as nossas tropas estivessem a tratar dos feridos e a avaliar estragos, fazer um segundo ataque, eventualmente mais violento que o primeiro. Daí a que o inimigo tenha feito uma volta de despiste e após alguns minutos já se encontrava de novo em posição de nos atacar o quartel.

Estratégia muito engenhosa, mas eles não contaram com uma circunstância inesperada. Eu e o meu grupo éramos inexperientes neste tipo de luta, pois só nos encontrávamos na Guiné há menos de um mês. Ligada à inexperiência eu tive na altura uma curiosidade enorme de saber para onde aquelas pegadas se dirigiam, nunca pensando que eles tinham voltado a dirigir-se ao quartel para repetir o ataque. De tal modo que quando o inimigo iniciou a segunda flagelação às nossas instalações, nós estávamos atrás deles sem eles saberem.

A nossa reacção foi imediata e o inimigo, para sua surpresa, viu-se entre dois fogos, o nosso e o do quartel. Sofreram dois mortos e dois feridos confirmados, tendo sido um dos corpos sepultados na área do aquartelamento. Retiraram desordenadamente, sofrendo um pesado revés, especialmente na sua estratégia que saiu completamente gorada.

Erros de principiante ou maçarico

As peripécias não ficaram por aqui. Quando eu e o meu grupo saímos do quartel, viemos acompanhados por um radiotelegrafista com um enorme rádio às costas. Na altura, ainda em início de comissão, estes rapazes podiam trazer consigo uma arma de defesa pessoal, neste caso uma pistola Walter 9 mm. Não tenho a certeza, mas creio que se tratava do Catarino, recolhido atrás duma árvore ou qualquer outro abrigo, decidiu participar no combate e volta não volta, disparava um ou dois tiros (o carregador duma pistola tem poucas munições).

Eu, que me encontrava abrigado no chão junto a uma vala de cultivo de amendoim, ouvia os disparos do inimigo cada vez mais distantes, à excepção destes disparos que se assemelhavam ao som produzido pelas armas automáticas do inimigo quando disparadas tiro a tiro. As nossas G3 tinham um som característico inconfundível, completamente diferente do som produzido pelas armas deles. Durante algum tempo pensei que estes disparos eram dum turra, que, devido à posição em que eu estava ou à posição de qualquer outro militar, não conseguia fugir com os seus companheiros. Fiquei parado uns minutos preciosos, na esperança de poder capturar este turra descuidado.

Só quando o tiroteio terminou pude constatar o que realmente tinha acontecido e os problemas causados pela acção desnecessária do homem do rádio. Creio que a partir daqui poucos radiotelegrafistas voltaram a usar estas armas para defesa pessoal, passaram a acreditar que nenhum dos seus colegas o abandonaria no campo da luta.

Dentro do azar, a sorte esteve comigo

Já no regresso ao quartel ainda houve um pequeno incidente passado comigo próprio. Foi pequeno, mas poderia ter sido muito grande, pelo menos para a minha integridade psicológica. Vinha acompanhado pelo Dayan, lado a lado, e cada passo que dávamos era mais um pequeno salto entre as partes cimeiras das valas de amendoim (os nativos chamavam-lhe mancarra).

Trazia a G3 na mão, ainda pronta a disparar na posição de tiro-a-tiro, com a bandoleira (correia para suspensão da arma no ombro) pendida. Então não é que, num daqueles pequenos saltos, a fivela da bandoleira engancha no gatilho da arma e provoca um disparo que acertou a cerca de um palmo do pé do meu companheiro Dayan. Fiquei aparvalhado a olhar para ele e para a arma. Ele foi compreensivo a acalmou-me do meu nervoso. A minha admiração por ele aumentou ainda mais neste dia.

Acabou por ser o meu dia de sorte, dentro do azar, porque se lhe tivesse acertado, mesmo que fosse só no pé, não iria viver bem com a minha consciência a partir daí. Só de imaginar o que seria se a arma estivesse na posição de rajada, me deixava enlouquecido.

De qualquer modo, em termos militares, este dia ficou-nos na memória, porque o inimigo acabou por sofrer um forte revés nas suas intenções de intimidar a Companhia maçarica instalada em Có.
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Nota de CV

Vd. primeiro poste da série de 25 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3241: O meu baptismo de fogo (1): E depois, nunca mais houve paz em Cuntima... (Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P3264: A Companhia Terminal , Bissau, 1973/74 (Manuel Oliveira Pereira)

1. Mensagem de Manuel Oliveira Pereira

Luís:
Tinha-me obrigado (como em tempos te referi), a voltar à Tertúlia apenas quando terminasse o curso (estou na ponta final). Mas, e como também disse, estaria sempre atento ao "nosso" blogue. Nesse sentido e dando sinais de vida, lá respondi à malta de Galomaro/Dulombi que pretende fazer um encontro de todos os que passaram por aquelas bandas - parece que fomos (eu e o meu grupo de combate) os derradeiros militares metropolitanos a ocupar o Dulombi.

Agora, aparece o Daniel Vieira e mais uma vez sinto a necessidade de acrescentar algo ao pedido que ele faz através do nosso "ponto de encontro".

Aqui vai:


Conjuntamente com mais uns tantos camaradas fui fundador da "Companhia Terminal" que resultou da junção de todos os "Delegados de Batalhão" (lembras-te?) a que se juntaram uns tantos "piras" - milicianos e malta dos pupilos do exército - vindos directamente de Lisboa (administração militar).

As nossas instalações - Quinta do Fim do Mundo, assim chamada por estar nas traseiras do cemitério da cidade - eram as da antiga fábrica de cana da Casa Gouveia. Ficavam bem por trás da Intendência e ao lado do armazém de medicamentos/produtos farmacêuticos do Batalhão Saúde.

Como sabes, os "Delegados" tinham total autonomia. A Delegação era formada normalmente pelos seguintes meios humanos e materiais: um Sargento ou Furriel, um Cabo, dois Soldados motoristas, um Unimog 404 e um Jipe. Esta era a minha formação (BCaç 3884 - Bafatá), talvez a mais numerosa, contudo as diferenças, se existiam, eram poucas.

Com o avolumar da guerra, tornou-se necessária uma coordenação efectiva dos parcos meios humanos e logísticos - barcos, barcaças, viaturas e aviões. Todo era necessário!

As Delegações requisitavam e, devido à sua autonomia, qualquer um dos meios de transporte referidos quando bem entendesse, por exemplo: em alturas diferentes ou quase em simultâneo seguia para Bambadinca carregamento para o sector Bafatá, no dia seguinte para Nova Lamego e porque não para Piche?

Falei dos sectores Leste l e Leste ll como poderia falar da zona Sul ou de Farim/Cacheu.

Surge assim a Companhia Terminal com o objectivo de coordenar e planificar toda acção das diversas Delegações.

A Companhia Terminal não era uma verdadeira Companhia, pelo menos na sua organização e estrutura. É certo que tinha um Capitão SG – Herman Schultz, não como Cmdt, mas como Coordenador, coadjuvado por dois oficiais; uns quantos argentos/furriéis piras e por todas as Delegações de Batalhão/Companhia. A esta grande equipa, foi ainda acrescentado todo o nosso parque auto.

A partir da sua formação, talvez Outubro/Novembro de 1972 (não tenho de momento a certeza - os documentos estão na minha casa de Ponte de Lima), todos os "abastecimentos" passaram a ser feitos em conjunto - na gíria actual "Serviços Partilhados", ou seja, abastecimento/carregamento de barcos ou aviões feito em simultâneo (ex. Bambadinca/Galomaro ou Bafatá/Nova Lamego ou Nova Lamego/Piche).

Qualquer combinação é possível. Já não servíamos o "nosso" Batalhão, mas qualquer um que necessitasse do nosso apoio. Se na minha anterior missão de Delegado, apenas requisitava, organizava, transportava, acompanhava as "coisas" para o meu Batalhão por barco até ao Xime ou Bambadinca e de avião para Bafatá, passei com a Companhia Terminal a ir, para além das referidas, a Aldeia Formosa, Nova Lamego, etc.

Para o Daniel Vieira, aqui vão alguns dos nomes que de momento me vem à memória: Cap Schultz, Alf Neves, Furriéis Catana, Mealha, Grenho, Botelho, Mestre, Ferreira, Aarão, Pinheiro, Soldados Soares, Melo e Pereira.

Mantenho, com alguns deles fortes laços de amizade nomeadamente com: o Catana, o Mealha, o Grenho, o Aarão, o Soares e o Melo.

Manuel Oliveira Pereira

PS - Deixo aqui algumas extractos da realidade "Terminal" com reprodução de uma das páginas da minha caderneta e algumas fotos – só as lúdicas.




Na entrega dos abastecimentos no porto de Bambadinca.



O Manuel Oliveira Pereira na parada do quartel de Bambadinca.



Geba acima a caminho de Xime/Bambadinca.



O Oliveira Pereira no "espaço" Compª. Terminal em Bissau.



O Oliveira Pereira com o Mealha.



E com o Melo, no "espaço" Compª. Terminal em Bissau.




Da Caderneta do Oliveira Pereira, referência Companhia Terminal.

Guiné 63/74 - P3263: Álbum fotográfico do Renato Monteiro (3): Xime, o sítio do meu degredo

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CART 2520 (1969/70) > 1969 > Álbum Fotográfico do Renato Monteiro (*) > Foto 1> "Bar de Sargentos do Xime. Em cima do balcão um barril com uma função meramente decorativa. Mas a telefonia estava operacional bem como um pequeno gira-discos. O Je t’aime, moi nos plus [, Serge Gainsbourg & Jane Birkin, 1968, ] fazia furor e a cantinela do Não chores que o teu filho há-de voltar [lembram-se do autor ou do cantor ?] estava no tope. Ambas puxavam por mais um copo. O camarada, de caça ao piolho, de quem guardo uma boa recordação, era um tipo duro e fixe".

[O Renato, sentado, ao canto inferior esquerdo, com um livro nas mãos, e um ar de menino e moço, pensativo, melancólico, é ele mesmo, o homem da piroga que eu conhecera, uns meses antes, em Contuboel, em Junho de 1969... Renato, que maldade!... Vêm-me à memória muitas cenas passadas no inferno verde do Xime: este era o último bar, onde afogávamos a angústia do guerreiro antes da saída para a Ponta do Inglês, o Poindon, a Ponta Varela, o Buruntoni...

Foi aqui que bebi o último copo, às três ou quatro da manhã, com o Fur Mil Cunha, da CART 2715 - amigo do David Guimarães, da CART 2716, que estava no Xitole, enquanto a CART 2714 era a unidade de quadrícula de Mansambo, e todas pertencentes do BART 2917, Bambadinca, 1970/72 - , antes de ele e a sua secção serem massacrados, na terrível madrugada de 26 de Novembro de 1970 (**): saímos às 5h45, e às 8h50, ele estava morto, perto da Ponta do Inglês, com um tiro na testa... enquanto o resto da secção, mais o guia Seco Camará, foi dizimada à roquetada...]


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CART 2520 (1969/70) > 1970 > Foto 3 > "O meu pelotão ( ou parte dele) acabado de chegar de Bambadinca ou de Bafatá onde íamos frequentemente abastecer-nos e trazer o correio".

[ O troço, alcatroado, Bambadinca-Bafatá era seguro, embora propício a excesso de velocidades: uma verdadeira pista de corridas para os aceleras; já o resto, Bambadinca-Xime, piava mais fino; em finais de 1969 ou princípios de 1970, se não me engano, começou a ser aberta uma nova estrada, a cargo da Tecnil; quando voltei a casa, em Março de 1971, ainda não estava alcatroada...].


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CART 2520 (1969/70) > 1970 >
> Foto 7 > "Posso ser o branco de costas ou o autor da fotografia. Sabe-se lá. A única certeza, é que o registo teve lugar na tabanca do Xime, por ocasião de um ritual que não recordo".

[Uma ténue fiada de arame farpado separava o aquartelamento da tabanca, maioritariamente mandinga, e da qual não se poderia dizer que era 'mui nobre e leal', segundo a opinião dos chefões de Bambadinca, na altura o comando do BCAÇ 2852, 1968/70... No entanto, vários militares e milícias, além de picadores e guias, serviram as NT, com dedicação, valentia e até o sacrifício da própria vida, como aconteceu ao velho Seco Camará, morto em 26 de Novembro de 1970, em operação conjunta da CCAÇ 12, da CART 2715 e da CART 2714, num total de 8 Gr Comb, a Op Abencerragem Candente (**). Os irmãos do nosso mamigo J. C. Mussá Biai, o 'menino do Xime, estiveram do lado das NT, nem todos os mandingas 'estavam com o PAIGC'... ].


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CART 2520 (1969/70) > 1970 >
> Foto 21 > "Duvido que esta foto tenha sido tirada por mim… Na minha opinião, e apesar de tão maltratada, é a melhor do conjunto. Do lado esquerdo do poste, o Capitão, por quem eu nutria uma grande simpatia e cujo paradeiro ignoro. Não faço ideia nenhuma onde teve lugar a cena ilustrada"

[ Noutro sítio, o Renato escreveu o seguinte sobre o comandante desta unidade, para onde ele foi recambiado, por castigo: "Salvo os graduados, a maior parte [da CART 2520] era constituída por malta recrutada no Alentejo, tendo como comandante um homem com quem apenas troquei duas ou três brevíssimas conversas, uma das quais em torno de livros que líamos e autores que apreciávamos....

"Igualmente miliciano, de formação católica, de quando em quando, procedia a uma breve cerimónia no centro da parada, junto a um padrão ou coisa do género, onde lia umas passagens da Bíblia a muito poucos (meia dúzia ?) de soldados que, voluntariamente, o acompanhavam...

"Ao que julgo, era professor de Química e, apesar de não recordar o seu nome (imagina, como trabalhei para a evaporação destas memórias) conservo dele amelhor das lembranças... Aceitava pacificamente a minha tendência para o desalinho (se é que dava por isso) e eu respeitava-o" (...).]

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CCAÇ 2520 (1969/70) > 1970 >
> Foto 22 >"Na tabanca mais feiosa que me foi dado conhecer: Xime!"


[Compreende-se esta opinião negativa, sabendo-se que o Renato tinha estado, comigo, no oásis de Contuboel, e que depois de Piche é desterrado para o Xime e, a seguir, para o Enxalé... Desterrado, degredado, é o termo. O que maiss lhe doeu foi ter sido afastado dos seus soldados africanos, a quem ele ministrara a recruta a e a especialidade, em Contuboel...Todos os sítios de guerra, na Guiné, eram feios e deprimentos: Contuboel, pelo contrário, era um oásis de paz; foi pelo menos essa a lembrança que me ficou das suas lindas tabancas, das suas viçosas hortas, das suas belíssimas bajudas, do seu tranquilo Rio Geba Estreito, das suas gentes, afáveis e amáveis... Soube há tempos que o meu amigo/nosso Pepito foi, em tempos, deputado da Assembleia Nacional pelo círculo de Contuboel, e que mantém com esta gente uma relação de afecto e de apreço ]

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CCAÇ2520 (1969/70) >Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CCAÇ 2520 (1969/70) > 1970 > Foto 19 > "No dia de um ataque ao Xime, uns poucos decidiram prolongar as detonações dos disparos, abatendo duas ou três vacas que, entretanto, andavam um pouco estonteadas, a monte…Esta acção deveu-se ao facto de o proprietário dos bovinos não querer vender nenhuma cabeça à tropa. A partir daí, não teve outro remédio"…

[Difícil coexistência pacífica, a tropa por um lado, ocupante, ruidosa, numerosa, esfomeada... e os proprietários, fulas ou mandingas, de cabeças de gado bovino, por outro... A tropa gostava de comer bife com batatas fritas, quando mais não fosse em dias de festa... Um quebra- cabeças para os vagomestres que, além disso, tinham que fazer contas à vida...]


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CCAÇ 2520 (1969/70) > 1970 > Foto 20 > "Da vista panorâmica do Aquartelamento do Xime, eu destacaria o Bidão em primeiro plano, transformado, como era corrente, em depósito para um banho tépido e ferruginoso, mas sempre refrescante… Ponham-me um Dali ou um Miguel Ângelo à frente dos olhos, junto com um bidão amolgado, carcomido, inútil, e é o bidão que ainda me emociona mais: a não me ter salvo a vida, evitou, pelo menos, ser atingido por uns estilhaços, aquando de um ataque ao Enxalé"

[ O Elogio do Bidão: que magnífico título para um tratado sobre a arte da guerra e da sobrevivência! ]

Fotos: © Renato Monteiro (2007). Direitos reservados (Legendas do autor, com comentários, entre parêntes rectos, do editor, L.G.).

(Continuação da publicação do álbum fotográfico do Renato Monteiro) (*)

Amigo Luís Graça:

Aqui vai uma pequena colecção de fotografias, recém descobertas na despensa convertida em contentor de lembranças envelhecidas…

Como salta aos olhos, não são grandes espingardas embora, com um programa adequado e unhas que me faltam, fosse possível recuperar uma ou outra…

Sem querer sacudir a água do capote, por não ter concorrido para a preservação das fotos, a verdade é que a deterioração também fica a dever-se à falta de meios da época…

Embora sem datas, elas foram obtidas no decurso da minha expatriação temporária, nos anos 68/69 e, por curiosidade, uma boa parte, produzidas a partir de um improvisado laboratório instalado por um soldado no aquartelamento do Xime [CART 2520, 1969].

Sem querer apropriar-me abusivamente de feitos fotográficos alheios, deverei dizer que, em muitos casos, não sei precisar quem foi o fotografador: se eu próprio, o Cunha [em relação às fotos tiradas em Contuboel] ou outro ignoto camarada…

Seja como for, um rol de fotos que o tempo não devorou de todo, legendadas ao correr instantâneo das memórias…

Com um grande abraço,

Renato Monteiro

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste anterior da série: 16 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3210: Álbum fotográfico de Renato Monteiro (2): O mítico cais do Xime (1969)

(**) Vd. posts de:

25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) (Luís Graça)

(...) Em consequência da emboscada IN, uma das mais violentas de que há memória na região do Xime, pelo seu impacto sobre as NT, a CART 2715 [Xime] sofreu 5 mortos (1 Furriel Mil) e 7 feridos, e a CCAÇ 12 teve 2 feridos (dos quais 1 grave, o Sold Sajuma Jaló), e 1 morto (o picador e guia permanente das NT Seco Camará, na altura ao serviço da CCS do BART 2917, e que do antecedente já tinha dado provas excepcionais de coragem e competência, tendo participado com a CCAC 12 em quase todas as operações a nível de Batalhão no Sector L1) (...).

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1318: Xime: uma descida aos infernos (2): Op Abencerragem Candente (Luís Graça, CCAÇ 12)

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3262: No 25 de Abril eu estava em... (5): Gadamael e depois Cufar (José Gonçalves, ex-Alf Mil Op Esp, CCAÇ 4152/73)






Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Em quase todos os aquartelamentos do CTIG, houve a seguir ao 25 de Abril de 1974 tentativas mais ou menos bem sucedidas de aproximação do PAIGC com vista ao cessar fogo, ao fim da guerra e à reconciliação (e vice-versa). Nas duas fotos de cima, vemos um camarada nosso, o ex-Fur Mil José Manuel Lopes, celebrando a esperança da paz e da reconciliação com os guerrilheiros do PAIGC. O mesmo aconteceu, mais a sul, em Gadamael, conforme o depoimento do José Gonçalves, que hoje vive no Canadá.

Fotos: © José Manuel (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem enviada em 24 de Fevereiro de 208, por José Marcelino Gonçalves, ex-Alf Mil Op Especiais, CCAÇ 4152 (Gadamael e Cufar, 1973/74). Vive no Canadá e faz parte da nossa Tabanca Grande desde 24 de Junho de 2008 (*).


Assunto - Mais um tertuliano fã do nosso blogue


Caro camarada Luís:

Apresenta-se o Alferes Miliciano de Operações Especiais, José Gonçalves.

Antes de mais tenho que pedir desculpa pela acentuação e ortografia uma vez que vivo no Canadá (já lá vão 33 anos). O meu teclado não tem acentos e a minha língua agora é o ingles.

Sei que ou te encontras na Guiné ou vais em breve para a Guiné para o Simpósio sobre Guileje. Espero ler o teu parecer sobre este acontecimento.

Tenho vindo a acompanhar este teu/nosso blogue que aprecio muito, e dou os meus parabéns a todos os responsáveis e participantes pela capacidade de reviverem da sua memória com toda a emoção que lhes vai na alma a sua história da Guiné que por vezes é bastante dolorosa.

Também é emocionante a galhardia como muitos dos nossos camaradas prestam homenagem aos seus companheiros de batalha. Pela minha parte decidi desde início esquecer tudo aquilo que para mim foi algo traumático, principalmente pelo esforço e sacrificíos inúteis que todos nós fizemos por uma Pátria que valorizava mais um helicóptero ou um jacto do que um dos seus filhos a morrer no mato. Todos estas experiências e recordações foram esquecidas e raramente contadas porque não via razão para recordar tais experiências. Achando e lendo este blogue muitas coisas me vieram à mente e aqui encontrei coragem de recordar e de uma certa maneira reviver alguns momentos que julgava perdidos. Também pensei que poderia juntar algumas passagens pós- 25 de Abril que ainda não vi contadas.

Eu, como a maioria dos participantes deste blogue, também estive na Guine em Gadamael Porto desde Janeiro de 1974 até Junho do mesmo ano quando o mesmo quartel foi entregue ao PAIGC. De Gadamael a minha companhia, a CCAC 4152, foi para Cufar e aí também entregou o quartel ao PAIGC.


Gadamael: 27 ataques no primeiro mês, Janeiro de 1974...


As minhas experiências em Gadamael, apesar de não serem as mesmas do pessoal que ali esteve em Maio e Junho de 1973, também não foram das melhores tanto no aspecto bélico como no aspecto de condições de vida.

No espacto bélico tivemos 27 ataques (bombardeamentos) no primeiro mês que ali morámos (se se pode dizer que morávamos ali) mas a pontaria do PAIGC não era muito boa nesse tempo, uma vez que era raro alguma granada cair dentro do aquartelamento e quando caía nós respondíamos com tudo o que tinhamos à disposição (3 obuses nessa altura).

Nós sabíamos onde eles também moravam (do outro lado da fronteira) e havia sempre um obus apontado para lá e pronto a disparar. Se a pontaria deles estivesse fraca, nós raramente respondíamos e pensavamos que eles também assim o entendiam. Apesar de não acertarem no quartel, isto tinha um efeito muito grande no abastecimento (que só vinha de Cacine através de LDM durante o dia e quando a maré estava alta). Ora o PAIGC sabia disto e em quase todas as oportunidades de abastecimento eles faziam o seu bombardeamento o que não deixava o abastecimento acontecer.


As granadas de obus e a nossa contabilidade criativa


Na altura em que estive em Gadamael também havia muito controlo sobre a quantidade de granadas de obus utilizadas principalmente em batida de terreno. Estas batidas eram altamente necessárias para que o PAIGC não se sentisse à vontade na nossa zona. Nós sempre fizemos batidas, mas fazíamos uma contabilidade muito criativa. No relatório dos bombardeamentos contávamos as granadas de resposta (O que muitas vezes não acontecia e se ripostávamos contávamos mais granadas do que as utilizadas) e depois usávamos essas granadas nas batidas. Só o exército português poderia fazer guerra desta maneira.


Fominha, muita fominha: "Comeremos cães assim que os gatos se acabarem"


A falta de mantimentos ia cada vez aumentando e tive bastante problemas (quando estava a comandar a companhia devido à ausência do capitão que tinha ido de ferias) porque os soldados fizeram uma demonstração contra as condições alimentares pois só tínhamos arroz e salsichas para cozinhar.

Lembro-me que uma vez o cozinheiro improvisou e fez arroz de tomate com ketchup que ainda havia, pois não havia hamburgers para o utilizar mas o arroz estava intragável. Foi-me dito que alguns soldados tinham começado a caçar gatos e a fazer petiscos com os mesmos.

Foi desta forma que a minha companhia era conhecida em Bissau pelo pessoal de secretaria como a "companhia dos Gatos”, caso que constatei quando fiz a liquidação da mesma. A razão desta alcunha é que eu tinha mandado um telegrama para Bissau com a autorização do comandante do COP 5 (com conhecimento geral) que dizia mais ou menos isto:

“Mantimentos estão-se a acabar. Pessoal presentemente comendo gatos o que também se está esgotando. Comeremos cães assim que os gatos se acabarem.”

As condições de vida também tinham muito a desejar no que respeita a acomodações que nos foram dadas (7 meses depois do desastre de Guileje): estavam pacialmente destruídas e a primeira coisa que tivemos que fazer foi reconstrui-las para podermos pôr um tecto que nos protegesse das chuvas que viriam em breve.

Granadas de bazuca que faziam... pluff!!!

A companhia que fomos render tinha feito algo mas tinham-se concentrado principalmente na construção de abrigos e valas que agora havia por todo o lado. O quartel ainda estava repleto de granadas inimigas que não tinham rebentado e ali se encontravam apropriadamente marcadas com um pau espetado no chão. Algumas destas a poucos metros do paiol de munições (por vezes havia sorte).

No que respeita a material bélico também estavamos muito mal. Eu lembro-me de ter que pedir granadas emprestadas a outro pelotão porque não havia o suficiente para podermos is fazer patrulhas. A companhia anterior à nossa tinha distribuido rockets de bazooka por certas zonas estratégicas para defender certas áreas através de bazooka.

A aparência destes rockets não era da minha confiança e resolvi um dia ir testar umas quantas para verificar se elas estavam funcionais e também para treinar o atirador de bazooka. Fomos para o cais e eu disse ao bazuqueiro para atirar uns quantos rockets para o rio em direcção ao rio Cacine que se via do cais. Qual foi a minha aflição quando o rocket não disparou totalmente e ficou ardendo dentro do tubo e o bazuqueiro a gritar e querendo atirar a bazooka para o chão e fugir. Tive que lhe dar um grito e ordem para se manter de pé com a bazooka apontada para o rio. Ele assim o fez mesmo tremendo como uma vara verde e, passado uns segundos, o rocket ardeu bem e saiu do cano, caindo aí a 50 metros em frente. Ao mesmo tempo começaamos a ouvir rebentamentos, o que era mais um ataque. Fui participar o acontecido ao comandante e a resposta foi que essas eram os únicos rockets que tínhamos.

Passado um mês em Gadamael fui ferido (em acidente com um canhão sem recuo nosso, uma outra estória para contar) e passei quase 2 meses em Bissau a recuperar.

Enfim há muitas estorias para contar como todos nós as tivemos mas a mais interessante é a que conto a seguir.

Maio de 1974: Apresenta-se o senhor comissário político

Era em principio de Maio de 1974 pouco depois do 25 de Abril . Estava na messe de oficiais a beber o meu whisky quando o barman me diz que estava um preto a querer falar com o comandante. Eu fui ver o que era e deparo com um indivíduo, desconhecido, bem vestido e com muita cortesia me pediu para falar com o comandante. Perguntei-lhe quem era e o que queria do comandante. Para minha surpresa disse-me que era o comissário político do PAIGC para a zona de Gadamael e que queria falar com o comandante sobre o 25 de Abril. Fiquei de boca aberta, como é de calcular, e mandei-o entrar e pedi para chamarem o comandante.

O comandante chegou (o nome dele apagou-se da minha memória mas era um capitão tenente fuzileiro especial) e perguntou-lhe se tinha vindo sozinho. O comissário politico disse-lhe que não e que tinha vindo com 2 pelotões e que estavam escondidos perto do campo de aviação. O comandante disse-lhe que o pessoal do PAIGC não podia ficar nesse local e ou se retirava ou se apresentava.

O comissário então dirigiu-se para o mato e começou a falar em voz alta e começaram a aparecer soldados do PAIGC vindos da mata, armados até aos dentes. O comandante então disse-lhes que não permitia que ficassem ali armados, e que para entrarem tinham que nos entregar as armas. Qual não foi o meu espanto quando eles disseram que sim. Nós pedimos a um escriturário para fazer a escrita e começamos a recolher as armas.

Eles entraram e foram conviver com o pessoal que estava do "nosso lado”. Beberam e comeram e nós conversámos com o comissario, depois fomos apresentá-lo ao régulo e mostrámos-lhe o aquartelamento e a tabanca. Depois foi a vez de lhes entregar as armas para estes se irem embora para o outro lado da fronteira . Ouve pequenos desacordos porque alguns deles pensavam que tinham entregue mais munições do que recebiam mas como já estavam bêbedos a maior parte deles (pois os nossos soldados se tinham encarregado disso) e com a comando deles tudo se resolveu amigalvelmente.

Visita de cortesia dos nossos oficiais a Kandiafara, na Guiné-Conacri

Tive outra surpresa quando estes nos convidaram para irmos visitar o aquatelamento deles, em Kandiafara. Eu decidi não ir pois o meu treino de ranger fez-me um pouco incrédulo de tudo o que se estava a passar mas os meus camaradas foram. 

O que me contaram foi que quando passaram a fronteira as autoridades da Guiné Conacri tinham mandado que o PAIGC entregasse os portugueses que tinham passado a fronteira. A resposta do PAIGC foi que não o fariam porque eram convidados do PAIGC e que os devolveriam ao seu aquartelamento e caso a Guiné Conacri os quisesse prender teria que os ir buscar a Gadamael Porto. Claro que nunca vieram.

Depois deste incidente tivemos vários encontros todos eles em Gadamael Porto onde o PAIGC já vinha de Unimog, de marca russa. Nesta altura as negociações em Londres não estavam a correr muito bem e houve alturas onde nós pensámos que teríamos que voltar a lutar outra vez.

Tínhamos decidido entre nós que avisaríamos e daríamos a uns e outros 3 dias antes de reiniciar as hostilidades. Tudo isto foi decidido na messe de oficiais em Gadamael Porto entre uns bons copos de whisky. No pós-25 de Abril fomos militares e também diplomatas pois estávamos em contacto direto com o PAIGC. Disto não tenho a certeza pois os nomes da maior parte das pessoas me escapam, mas lembro-me de um dos dirigentes do PAIGC que veio sempre à paisana e que me parece muito com o Nino Vieira mas não posso afirmar pois nessa altura eu não tinha absolutamente ideia nenhuma de quem era o Nino Vieira.

Retirada de Gadamael sob protecção do... PAIGC

Também tivemos problemas com as milicias porque estes se voltaram contra nós (o que não é de admirar pois nós basicamente os abandonámos à sua sorte) e tivemos que ter protecçao do PAIGC quando nos retirámos de Gadamael. O mesmo não aconteceu em Cufar onde não houve problemas na retirada..

Por agora já chega de estórias e espero ter contribuido com algum conhecimento. Até agora não compartilhado com o blogue.

Se por acaso necessitares de mais alguma informação sobre o período em que vivi em Gadamael ou até fotografias do encontro com o PAIGC eu posso mandar.

Adeus e bom simpósio

2. Comentário de L.G.:

Meu caro Gonçalves:

O teu texto estava meio esquecido, no nosso blogue, à espera de uma alma caridosa que o corrigisse. Infelizmente, como tu sabes, não temos profissionais, a tempo inteiro, a trabalhar no blogue. Somos todos voluntários e... amadores. Portanto, começo por te pedir desculpa, a ti e aos nossos amigos e camaradas da Guiné, por este hiato de tempo, excessivamente longo, entre o envio da tua mensagem e a sua publicação.

Enfim, já tinhas sido apresentado ao pessoal da Tabanca Grande (*). A tua presença honra-nos e enriquece-nos. Não és o único camarada que vive e trabalha no Canadá, de qualquer modo és mais um digno representante dos portugueses da diáspora (que se estima sejam mais de 5 milhões, dos quais não sabemos, infelizmente, quantos estiveram na Guerra do Ultramnar, e em particular na Guiné). Faz o que puderes por divulgar o nosso blogue e o nosso projecto de reunir os camaradas da Guiné, à volta das nossas vivências e memórias.

Gostei muito de ler o teu depoimento. O que tu contas, passou-se um pouco por toda a parte, nos nossos aquartelamentos, de norte a sul, de leste a oeste. Infelizmente, houve vencidos e vencedores, entre os guineenses, e não conseguimos acautelar devidamente os direitos dos homens que combateram do nosso lado (milícias, militares do recrutamento da província, tropas especiais...). Houve momentos altos e baixos neste processo. Não vamos fazer agora juízos de valor. Nem muito menos recriminar-nos uns aos outros. Interessam-nos reconstituir os factos, organizá-los, analisá-los, divulgá-los, contar como é que se fez essa transição (e depois a entrega dos aquartelamentos) entre as duas forças em presença, o PAIGC e as NT, etc. Como tu muito bem dizes, tivemos que ser soldados e diplomatas... 

Afinal de contas, a guerra é conflito entre duas partes. E geralmente nunca acaba com a aniquilação total ou a derrota, pura e simples, de uma das partes. Acaba em negociação, tarefa reservada aos políticos, Curiosamente, foi um general quem disse que a guerra é a continuação da política de Estado por outros meios... Faz-se a guerra, muitas vezes para melhorar, simplesmente, a capacidade de negociação de uma das partes... Temos que perceber o lado sociológico e estratégico da guerra como conflito... Foi isto, de resto, que se passou na Guiné... Mas tu estavas lá, no 25 de Abril de 1974, e eu não... Tens outra autoridade para falar...

Oxalá o teu depoimento tenha o mérito de pôr o resto da malta, do teu tempo, a falar deste tema: Onde é que estavam no 25 de Abril, e como é que foram os últimos dias de guerra e os primeiros dias de paz (**)...
 
Obrigado pelo teu relato objectivo, sincero e asssertivo, o que não te impediu de o enriquecer com observações bem humoradas. Se puderes, manda-nos imagens digitalizadas desse tempo, em Gadamael e depois Cufar. Material desse não abunda, e é pena que se vá perdendo com o tempo...

Boa saúde e bom trabalho para ti e para a tua família.