quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3557: Controvérsias (16): Eu, Jorge Félix, ex-Pilav de helis, a Op Lança Afiada e a honra da nossa Força Aérea



Caderneta de voo do ex-Alf Mil Pilav Heli Alouette III, Jorge Félix (BA 12, Bissalanca, 1968/70), membro da nossa Tabanac Grande, com indicações do serviço prestado nos dias 12 (primeira foto, em cima), 13, 14 e 15 de Março de 1969 (segundo foto a contar de cima), no decurso da Op Lança Afiada (Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 8 a 18 de Março de 1969) (*). Infelizmente a qualidade das fotos é fraca.

Fotos: © Jorge Félix (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do José Félix, de 1 de Março de 2008:

Caríssimo Luis Graça:

Segue um texto e duas fotos da minha caderneta de voo. Uma grande caminhada inicia-se com um passo ...Um abraço

Jorge Félix (**)


2. A Operação Lança Afiada e o apoio aéreo
por Jorge Félix

Depois de lhe ter escrito, e ao lê-los, fiquei a saber ter estado na operação Lança Afiada (Junto fotos da minha "Caderneta de registo de serviço aéreo de piloto" dos dias referenciados).

A única lembrança daqueles dias que passei pela ZOPS de Bambadinca era de um enxame de abelhas que tinha entrado e saído por um Heli.

No dia 12 de Março (1969) isto é bem evidente: "Os ataques das abelhas continuavam a mostrar-se mais perigosos que as flagelações IN".

Ao ler logo a seguir na vossa narração, "cerca das 13H15, num helicóptero insistentemente pedido" , fico sem palavras, ... e não entendo o que se quer dizer por "insistentemente".

Os helis não saíam por o pedido ser mais ou menos "insistente". Se estavam disponíveis, podiam andar noutras operações, saíam conforme a gravidade das pessoas a evacuar , como se lembram classificadas como "X" e "Y".

Nesse dia, tirando 45 minutos de viagem de Bs [Bissau] para Bambadinca, voei cinco horas e quarenta e cinco minutos (5:45 H) na Zops de Bambadinca a fazer TGER - Transporte Geral e TVES - Evacuações. Em qualquer parte do mundo, num teatro de operações, é muito tempo. Como se pode ler nos registos, o tempo da viagem Bambadinca para as Zops era de 15 minutos.

"A Op Lança Afiada decorreu durante 11 dias. As temperaturas verificadas neste período foram as seguintes: Máxima à sombra – Entre 39 e 43,6 graus centígrados; Máxima ao sol – Entre 70 e 74,5 graus centígrados. Estes números são elucidativos. Por um lado justificam que um homem necessite muita água (entre 8 a 10 litros por dia). Por outro lado aconselham as NT a deslocarem-se e a actuarem ou de noite ou ao amanhecer. Entre as 11 e as 16h, o melhor é parar, se possível à sombra". (Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas) (***).

Lido à distância deve ter sido muito trabalho, apesar de tudo: "A deficiência do apoio aéreo em reabastecimentos, evacuações e recomplementos levou a fazer mensagens e a focar o assunto no RELIM [Relatório de Informações sobre a Actividade Operacional".

Não tive conhecimento disto mas a esta distância dá vontade de rir. ....

Dia 13 Março 1969

"Neste dia houve uma reunião em Bambadinca com Sua Excia, o Comandante-Chefe e o Exmo Comandante da Zona Aérea que disseram ao Comandamte da Operação [ Coronel Hélio Felgas,] estar a ser excessivo o esforço pedido à FA [Força Aérea]. Expondo-se como esses meios estavam a ser empregues.

Por outro lado Sua Excia deu Directivas sobre a recolha do arroz IN. Ficou ainda estabelecido não proceder a quaisquer recompletamentos, excepto de oficiais e sargentos, a fim de aliviar os meios aéreos". (...)


Como podem ver no registo, nesse dia voei quatro horas e quarenta e cinco (4:45) no teatro das operações mais uma Viagem de cinquenta minutos para Bissau. Talvez aqui para aliviar ...

Constato que o Heli que levo para Bissau é o 9275 e tinha andado a voar no 9279. É natural que este Heli 9275 tivesse que fazer manutenção, não me recordo.

Depois disto e ver a minha Caderneta de Voo, o que se segue e está por vós escrito não tem sentido:

"A situação quanto ao apoio aéreo era a seguinte em 13 de Março de 1969, às 13H45 (MSG 735/I/BCAÇ 2852):

- 1 DO estava avariado havia 2 dias;
- O outro DO só começou a trabalhar às 10H00;
- O heli trabalhava pouco mais de 1 hora, seguindo para Bissau;
- O outro heli seguira às 08H00 directo de Bafatá para Bissau (parece que podia ter ido ficar a Bissau na véspera);
- O helicanhão saira para Bissau às 10H30, só regressando no dia seguinte às 11H00;
Os helis que haviam seguido para Bissau só foram substituídos cerca das 11H00 ; só depois desta hora, portanto, se regularizou o serviço de reabastecimentos e evacuações." (...).


O héli trablhava pouco mais de 1 hora, seguindo para Bissau: DEVE SER CORRIGIDA ESTA [ÚLTIMA] "PASSAGEM"...


Dia 14 Março 1969

Conforme Caderneta de Voo, voei no Heli 9272, durante duas horas e quarenta (2:40),

Dia 15 de Março 1969

Seis horas e quarenta e cinco, (6:45 h) e sessenta aterragens, são os números desta dia da minha Lança Afiada, .. com 40 graus à sombra ....

Dia 16 Duas horas de voo, cinco aterragens, um DESP entre Bambadinca-Bafatá.

Dia 1 de Março de 2008

São 2:32. Será que os meus registos vão dar outra leitura à Lança Afiada ?

2. Comnetário de L.G.:

A tua mensagem só agora foi publicada, por que estava em stand by, à espera de melhores dias, ou seja, de oportunidade editorial... Bastou alguém (o Torcato Mendonça) falar na mítica Op Lança Afiada, para eu me lembrar dos teus justíssimos protestos...

Fica, pois, registada no nosso bogue a tua ira contra os senhores da guerra (ou o senhor) que escreveram (ou escreveu) o relatório da Operação. Eu não fui, juro-te, pelo que não posso atender ao teu pedido de correcção do original, com muita pena minha... Este relatório, transcrito em quatro partes, na I Série do nosso blogue, consta da história do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (**).

Ainda bem que trouxeste contigo (e guardaste) a tua preciosa caderneta de voo, se não ainda poderia aparecer por aí alguém a jurar que tu nunca foste piloto de helis nem nunca estiveste na Guiné, na BA12, Bissalanca, nem muito menos sobrevoaste o Rio Corubal que o PAIGC considerava seu, região libertada...

Como eu já escrevi em tempos, esta operação (uma montanha que pariu um rato, se pensarmos nos magros resultados obtidos em face dos meios mobilizados...) terá azedado ainda mais as relações (que não seriam as melhores) entre o então Brigadeiro Spínola, Com-Chefe, e o comandante do Agrupamento de Bafatá, o então Coronel Hélio Felgas (falecido este ano, com o posto de Major General, na reforma) (****).

Naquela como noutras guerras dá sempre jeito a táo portuguesa teoria do bode expiatório, para explicar os nossos insucessos... A Força Aérea foi alvo de críticas por parte do Cor Hélio Felhas, que era, ao que parece, um homem frontal, e que defendia a teoria da "guerra total"... Ele já não está cá para se explicar nelhor, mas há malta, no nosso blogue, que esteve na Lança Afiada (por ex., o Paulo Raposo, da CCAÇ 2405; o Torcato, da CART 2339, não tenho a certeza, acho que estava de férias)...

Sem qualquer propósito de desencadear mais uma polémica, gostaria, por fim, que comentasses estes dois parágrafos do relatório do coronel (Ponto "9. Ensinamentos colhidos"):

(...) "A inicial deficiência do apoio aéreo podia ter acarretado consequências graves se o IN tivesse reagido com maior agressividade. Concordamos que o heli é uma arma cara (15 contos por hora). Mas é indispensável neste tipo de guerra" (...). [ O raio do heli gastava mais numa hora do que tu ganhavas em dois meses.]


________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2592: Voando sob os céus de Bambadinca, na Op Lança Afiada, em Março de 1969 (Jorge Félix, ex-Alf Pil Av Al III)

(**) Vd. postes de:

12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2627: Vídeos da Guerra (8): Nha Bolanha (Jorge Félix, ex-Alf Mil Piloto Aviador, 1968/70)

15 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2645: Fórum Guileje (6): Antes que se esgote... Gandembel (Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil Av Al III, BA12, Bissalanca, 1968/70)

18 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2660: Notas de leitura (10): Jorge Félix, o nosso piloto aviador, fala do livro do Beja Santos e evoca o Alf Mil Brandão (CCAÇ 2403)

20 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2864: Mitos (1): As aeronaves e os pilotos do PAIGC (Jorge Félix)

26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2683: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (9): O Jorge Félix e o Prisioneiro

23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3226: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (1): Honório, Sargento Pil Av de DO 27 (Jorge Félix / J. L. Monteiro Ribeiro)

1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3259: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (6): Alguns esclarecimentos (Jorge Félix)

10 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3292: Controvérsias (3): O acidente de helicóptero que vitimou Pinto Leite (J. Martins / J. Félix / C. Vinhal / C. Dias)

30 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3380: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (10): Quando a guerra era com os copos... ou o elogio do Tosco, em Lisboa (Jorge Félix)

6 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3412: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (11): Ainda o Honório, o Jagudi... ou o puro gozo de voar (Jorge Félix)

1 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3546: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (14): Em Junho de 69 havia bajudas a alternar no Tosco, na Conde Redondo (Jorge Félix)


(***) Sobre a Op Lança Afiada, vd o relatório das NT, já reproduzido na I Série do nosso blogue:

Total dos efectivos empregues (n=1291) na Op Lança Afiada, que decorreu durante 10 dias: a) Militares: 36 oficiais; 71 sargentos; 699 praças; b) Milícias: 106; c) Guias e carregadores 379. Comandante: Coronel Hélio Felgas (****).

Vd postes de:

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

(****) Vd. postes de:

24 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2980: In Memoriam (5): Morreu ontem o Major General Hélio Felgas, antigo comandante do Agrupamento nº 2957, Bafatá (1968/69)

24 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2981: Hélio Felgas, com Spínola, em Bambadinca (Jaime Machado)

25 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )

25 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2985: Homenagem ao meu professor da Academia Militar, Hélio Felgas (António Costa, Cadete aluno nº 11/650, Curso ART 1964/67)

Guiné 63/74 - P3556: Controvérsias (14): O Silvério e outros capitães, milicianos ou do QP, que desertaram a meio da comissão (Luís Graça)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > Na foto, o ex-Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho, conivendo com a população local... A seu colo uma criança que bem poderia ser órfã de pai... Por analogia, poderia falar-se de companhias orfãs, na Guiné, devido ao facto de ter perdido - por razão ou outra - o seu capitão original... Houve companhias com três, quatro e até mais comandantes... Assunto controverso a merecer aprofundamento e debate... (LG)

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.

1- Comentário de Luís Graça ao poste de 2 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3554: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (12): Há momentos em que um homem sente culpa e angústia...

Alberto, estás um mestre: em duas pinceladas desenhas uma personagem e um contexto, e contas uma história com a tensão dramática q.b. E, sempre claro, conciso e preciso, sabes, com rigor e magia, falar de emoções que nos eram proibidas... Os nossos medos, a nossa angústia, a nossa culpa, os nossos ódios, a nossa solidão... muitas vezes sublimados pelo álcool, o sexo, o jogo, os comportamentos de risco e de bravata...

Quantos capitães, sobretudo milicianos (mas também do QP), não pensaram, no seu íntimo, seguir os passos do Silvério ? A maior parte não desertou... Mas quem, deles, se atreve a atirar a primeira pedra contra o Silvério, os Silvérios que, nas férias, foram para a França ou para a Suécia, não tendo regressado à Guiné ?

Não sei se haverá muitas histórias dessas, de companhias órfãs, que ficaram sem o seu capitão, a meio da comissão ou até mais cedo...

Sei que muitas companhias, na Guiné, tiveram mais do que um comandante, algumas até três e quatro capitães... Havia outros recursos menos dolorosos, mais cómodos, do que a vergonhosa (para a família...) deserção: a psiquiatria, a cunha, o compadrio, a corrupação, a golpada, etc.

Já aqui falámos de algumas dessas companhias: a CART 2339 (Mansambo, 1968/69), do Torcato Mendonça; a CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) do Sousa de Castro... Haverá muitas mais...

O que não deixa de ser motivo de interrogação e inquietação: porquê tão elevada taxa de turnover (rotação) de capitães, milicianos ou do Quadro Permanente, na Guiné ?

Eis um bom assunto para a nossa série Controvérsias (*) ... Talvez o Jorge Picado (que foi até agora o único capitão miliciano, se não me engano, a dar a cara e a contar a sua história de vida) (**), queira e possa abordar este tema-tabu, escaldante, incómodo (***).

Alberto, vamos ter livro! Parabéns! Esta é uma das histórias que vou pôr na nossa antologia, quando um dia tivermos que fechar o blogue...

Luís
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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 27 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3531: Controvérsias (14): PAIGC/FLING, Tite/São Domingos...(Carlos Silva)

(**) Vd. poste de 28 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3248: Eu, capitão miliciano, me confesso (1): Engenheiro agrónomo, ilhavense, 32 anos, casado, pai de 4 filhos... (Jorge Picado)

(...)Apresentámo-nos na EPI em Mafra no dia 25 de Agosto pelas 8H(?), devidamente fardados como constava das normas e de imediato, num dos corredores do Claustro bem perto da Porta de Armas(?), procedeu-se à formatura onde foi feita a chamada – para conhecimento dos possíveis desertores, que creio não ter havido – tendo sido dada a voz – pelo Ten do QP que nos comandava – de “apresentação a doentes(?)”, com a respectivamente formatura uns passos em frente.

Para meu espanto – não sei qual foi a reacção dos restantes – logo se adiantaram alguns que, creio, seguiram quase de imediato para a consulta externa em Lisboa. Não sei quantos se safaram ou quantos regressaram, mas sempre guardei a imagem dum, que deve ter sido um bom actor – pelo menos amador no teatro da Academia de Coimbra – cuja face mais parecia ter sido revestida por “uma máscara de desvairado”. Uma coisa é certa, obteve os resultados que queria na Psiquiatria, pois livrou-se de tais sacrifícios pela Pátria. Estou a falar dum tal… oriundo da Figueira da Foz e mais não digo…

Não posso precisar se fui o único – logo o 1.º – do meu COM de ART, mas creio que sim e apenas citarei os nomes daqueles de que me lembro.

Começarei logicamente pelos 3 colegas Agrónomos, que tivemos o mesmo TO por destino.

- O Ilídio Moreira, do curso de agronomia anterior ao meu, foi Cmdt duma CCaç (Geba) dum BCaç sedeado em Babadinca de 1970-72;

- O José Maria Queiroga (o tal que estava nas mesmas condições quanto ao emprego), do meu curso, foi chefiar a EAFB (Serviços Agrícolas) de 1970-72;

- O António Clemente da Costa Santos, igualmente do meu curso, na REPACAP do COMCHEFE de 1970-72;

- O João Cupido, de Mira, e que passou a ser meu colega nas viagens a casa aos fins-de-semana, deixando-o à sua porta e apanhando-o lá ao Domingo à noite no regresso a Mafra, cujo destino também foi a Guiné como Cmdt da CCaç 2753 , onde teve um brilhante Alf Mil que conheci nas margens do RCacheu e não mais me esqueci (mesmo desconhecendo o seu nome, até ao encontro de Monte Real. Gratas recordações, podes crer, Victor Junqueiro);

- Tenho uma vaga ideia de que havia um Morais, assim para o gordinho e ar e espírito bonacheirão que teria desertado já em Moçambique (?).

- Um Ten MIL que tinha continuado na vida militar e vinha do Quartel da GNR que existia perto das Janelas Verdes, cujo destino desconheci;

- Os 3 jovens Alf Mil (ou graduados em Ten?) já com uma comissão e voluntários para seguir a carreira, respectivamente Fernandes (o Cap da famosa expressão do “Verão Quente”, “as armas estão em boas mãos”), Caimoto que também foi para a Guiné e um 3º de que não sei o nome;

- Havia ainda um Nascimento que, creio, usava óculos.

Pronto, são estas as minhas recordações concretizáveis dos camaradas do CPC.

A esta distância, sem qualquer elemento de referência, nem sei quantos éramos, mas o sentimento que guardo sobre a disposição, o (des)interesse, a resistência manifestada à execução da preparação militar que nos era ministrada (analisado agora até me parece que era ou foi um contra-senso) e a quezilência para com os instrutores, posso afirmar que era maioritária. (...).

(***) Vd. também poste de 12 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2098: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (14): Proposta retirada (João Tunes / João Bonifácio)

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3555: Navio "Carvalho Araújo". (António Matos)

imagem extraída de navios porugueses. Com a vénia devida.

"Carvalho Araújo" – verdadeiro símbolo nacional da altura Nestas curtas linhas limito-me a uma referência ao velhinho "Carvalho Araújo". Para mim era uma referência incontornável pois o comandante e herói José Botelho de Carvalho Araújo era meu conterrâneo e este barco perpetuava-lhe o nome! Ambos Vila-realenses, sabiam? Pois bem, a minha viagem para a Guiné foi genericamente agradável uma vez que, à excepção da aproximação a Cabo Verde, o mar era chão e a novidade do "cruzeiro" fazia disfarçar a missão que nos impingiram. As primeiras horas, porém, após a partida de Ponta Delgada, não auguravam nada de simpático uma vez que logo se seguiu o jantar e esse, foi digno de registo. Não pelas vitualhas que não recordo, de todo, mas duma operação logística com a qual se tentava compensar o balanceamento da embarcação. Serviram a sopa e levá-la à boca tornou-se uma prova de perícia na arte de bem manejar a colher! Aquilo parecia uma camioneta a curvar nas voltinhas do Marão! Ora agora adornava a bombordo ora agora a estibordo. Em cada uma destas oscilações, a sopa teimava em sair do prato e então era necessário pôr a colher do lado de fora para a "apanhar" quando se derramava pela mesa. Uma vez levada à boca, era urgente fazer a mesma operação para o outro lado, e assim sucessivamente. Devo confessar que cheguei a temer pelo enjoo de 10 dias consecutivos tão agoniado fiquei no fim da 1ª refeição. Felizmente que umas boas inspirações de ar puro no deck aliviaram as tonturas e tudo se normalizou. Se a memória não me atraiçoa, o paquete, após largar a carga no cais do Pijiguiti, regressou a Lisboa e nessa viagem, recordo, houve indicação de incêndio a bordo. Posteriormente arranjado, ainda rumou novamente à Guiné com grandes complicações que o seu fundo em cimento provocava. Finalmente em Lisboa, acostou ao cais da Rocha de Conde d'Óbidos e por lá deve ter apodrecido. Cheguei a vê-lo, abandonado à triste sina dos tempos, com um misto de nostalgia e pena por ver aquele símbolo nacional a agonizar.... Paz à sua alma! António Matos ex-Alf Mil da CCaç 2790 Bula 1970/72

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  Notas de vb: 1. Navio "Carvalho Araújo", misto de 2 hélices. Construído em 1929, em Monfalcone, Itália, por Cantiere Navale Trestino, foi registado na Capitania do porto de Lisboa em 21 Abril de 1930. Pertencia à Insulana, Cª de Navegação, e fez durante dezenas de anos a carreira para os Açores. Com cerca de 113 m de comprimento era movido por duas máquinas construídas em 1929, em Greenock - Escócia. Com uma velocidade normal a rondar os 12 nós, tinha capacidade para 354 passageiros com alojamentos para 10 passageiros em classe de luxo, 68 em primeira classe, 78 em segunda, 98 em terceira e 100 em cobertas. Serviam no navio 98 tripulantes. O "Carvalho Araújo" foi abatido ao efectivo em 1973. 2. Artigos de António Matos em 1 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3547: Um telefonema de Bula para a Metrópole...(António Matos)

Guiné 63/74 - P3554: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (12): Há momentos em que um homem sente culpa e angústia...

Fuga para Lá (Menor?)

Alberto Branquinho




O capitão miliciano Silvério estava sentado na mesa de canto da denominada “messe de oficiais” com um copo de whisky entre as mãos, assente na mesa. Tinha o olhar fixo no vazio e repetia, repetia em surdina:
- E matavam-se por não saberem…/ por que… por que… os mandavam matar/ sem saberem as razões/ por que matavam… matavam… matavam…

Calou-se durante uns segundos. Depois, elevando a voz, começou a cantar:
- Heróis do mar, nobre povo…
- Oh capitão Silvério! – interrompeu o comandante do batalhão olhando para ele, enquanto segurava, com a mão direita, a carta que ia jogar. – Pare lá com isso!

O capitão parou subitamente de cantar e ficou a olhá-lo com ar apatetado:
- Meu comandante, desculpe. São erupções…

Sempre que não estava ausente em operações, o capitão Silvério ocupava aquela mesa depois do jantar, quase sempre sozinho. Não gostava de jogos de cartas. Bebericava whisky, dose atrás de dose. Quando a visão se lhe turvava, falava baixo, dizia poemas e pedaços de textos sem nexo, que pareciam não ter fim.

Voltou ao texto, repetiu, repetiu. Tinha a certeza que não era bem assim, mas, afinal, dava quase no mesmo.

Relacionava-se melhor com os alferes milicianos, mas estes, à noite e quando não tinham saídas, também eram jogadores de cartas. Ficava só. Ou quase.

Tinha dois inimigos de estimação. Um era o major do planeamento de operações, acusando-o de ele ver o terreno (bolanhas, rios, tarrafos, matas, etc.) como se tudo fosse um mapa plano, sem dificuldades nem obstáculos à progressão da tropa. O outro era o agente da PIDE, instalado junto ao quartel, que, solenemente, desprezava. Chamava-lhe o “homem das antenas”.

Com o correr dos meses tornou-se cada vez menos comunicativo e bebia cada vez mais.
- Capitão Silvério, você está a precisar de umas férias - aconselhou o comandante.
- Pois – respondeu secamente.

Foi de férias. Mas não regressou. O alferes Matos, por ser o mais antigo, passou a comandar a companhia, aguardando o capitão substituto.

Passados quase três meses sobre a data em que o capitão Silvério deveria ter regressado, o alferes Matos recebeu uma carta, enviada por alguém que não conhecia. Abriu o envelope e reconheceu a letra:

"Olá, Matos. Pedi ao meu amigo para te enviar esta carta para o SPM. Dá-me notícias vossas. Escreve para este meu amigo, para o endereço que está no envelope. Ele enviará a carta ou o aerograma para mim. Diz-me o que se vai passando com vocês, com todo o pessoal. Espero que não tenham tido azares.

"Há momentos em que acho que não deveria ter vindo para França, que deveria ter voltado para aí. É assim como uma espécie de culpa e fico angustiado. Principalmente à noite.

"Fica ao teu critério falares disto a quem tenhas confiança, mas acho que devia ficar só entre nós dois. Até para tua segurança.

"Escreve, está bem? E vai dando notícias de tudo.

"Um abraço do
Silvério ".


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Notas de vb:

1. Artigos do Alberto Branquinho em

26 de Novembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3521: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (11): Um cabo que conheceu Bissau vinte e três meses depois... (Alberto Branquinho)

Guiné 63/74 - P3553: Lança Afiada, Março de 1969. Frio, noite, damas...(Torcato Mendonça, CArt 2339)

Amigos e Inimigos mais Damas e Virgens


1 – Com o frio que por aí apareceu, fugi para casa.
Vesti polar da cabeça aos pés e fui ao Blogue.
Á esquerda nova sondagem. Não me parece fácil. Fiquei a olhar para as cinco hipóteses de voto. Onde enquadro, honestamente, o meu conceito de Amigo ou de Inimigo? Onde? Com o gelo que aí está, viro barman, agito a mistura – amigo e inimigo – e sirvo o quê? Não sei! Gosto de participar mas não abdico dos meus princípios, hoje de velho tonto. Só que são os meus e é tarde para mudanças… Vou pensar melhor!

2 – Olho para o P 3546 e aí está o Maxime (já vi o sitio).

Oh pá, oh pá. Outra vez a recordação, a tentação…e lá vem a noite. “Madre mia”, que fixação.
É no Conde Redondo ou ao Conde Redondo. Depois 69 para aqui, 69 para acolá. Mau…?! Eu sei …eu sei…o ano, o Vat…mas…
A mancarra da Guiné tinha um pequeno senão…fanado…não brinca com isso mas…vocês estão a desinquietar, a fazer-me ficar a olhar para o écran, a recordar…fui lá…a Lisboa, à Guiné…voltei, fui…apeteceu-me um Vat e um cigarro, uma Dama…recordações…fiquei-me por uma Velha… da Guiné em ano de 69…que desinquietações ou recordações aos montes?

3 – Velha

Perderam a noção dos dias. Quantos? Tanto calor – (os relatórios deram médias, à sombra superiores a quarenta; ao Sol superiores a setenta) – tantos quilómetros andados, tanta refrega, tanto suor a apodrecer a roupa e a sede, a fome, a sol a fundir a cuca. Tudo a lixar a malta.
Aos poucos iam desgastando, quebrando cautelas, entrando em rotinas, em mais uma flagelação ou acampamento inimigo a ser destruído. Iam, iam…

De madrugada, devido ao saber do guia, um ex-quadro do PAIGC, tinham apreendido muito material. Depois, tipo bate e foge, afastaram-se rapidamente.
Agora já manhã alta, vencidos pelo cansaço, pela sede e fome, pararam.
Á frente estava uma enorme bolanha, seca naquela época do ano, à esquerda rala mata até ao Corubal, atrás e à direita a mata densa. Além da neblina, da humidade a entrar nos ossos. Raios a partam que ainda cá está.
Alto, vamos fazer um descanso, comer e fazer o ponto da situação.
Cuidados para evitar alguma visita inesperada. Instalam-se sem trocar palavras. Hábitos e rotinas ou sempre o mesmo.
De repente gritos:

- Turra, turra…dois soldados do Grupo, seguram um africano que esperneia…ele grita.

– Vira-o…vira-o, porra. Levanta o braço e dispara o murro. Merda, merda…tarde demais. Olha, vê as flácidas mamas e o rosto de terror. O murro sai o mais fraco possível.



A velha dobra as pernas e cai inerte. Porra. Matei a velha. Dá-lhe água depressa e chama o enfermeiro. A velha mexe-se e, porventura habituada a boa vida, rápido ultrapassa a situação. Olha-os espantada, aquieta-se, recusa água ou comida e levam-na para a sombra.

Sentam-se. Comem devagar a intragável ração. Distribui a comida pelo guarda-costas, atrás e o guia ali ao lado, certamente a preferir a comida do PAIGC.

Durou pouco o sossego. Falas altas a indicarem vultos ao fundo da bolanha, lá longe, bastante longe. Outro Grupo trata do assunto: bazukada e, pouco depois trazem mais duas ou três mulheres e um miúdo. Raio de “Operação”…o inimigo safa-se por entre os dedos e a teimosia em não aceita mudar…

De repente sente um toque nas costas.
- Hã…
- Olhe ali, olhe ali. A velha vai-se…
Vê a troca de olhares entre um militar e outro que tomava conta da velha. Percebe. Olha para a direita e o guia abana a cabeça.
Tira a G3 de cima das pernas, põe a coronha na virilha, derrama, sem ser ostensivo, a arma no braço esquerdo. Diz:
- A Velha está feliz. Vai andar de helicóptero…
Sente a atrapalhação que provocou e recebe a resposta:
- Vai, vai…já estão ali outras e putos… vai tudo…

Sorriu, deixou descair lentamente a sua velha companheira e acendeu um cigarro. Trés bien…sussurra o guia entre dentes e recusa o cigarro.
Ele pensa…estes tipos loiros são lixados…vêem, se tiverem olhos claros, melhor à noite…de dia…


"Lança Afiada"; depois do Fiofioli; Março de 69.


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Notas de vb:

1. Artigos do Torcato Mendonça em

Guiné 63/74 - P3552: Blogues da Nossa Blogosfera (9): CART 3494, Xime e Mansambo (Dez 1971 / Abr 1974), criado pelo Sousa de Castro

1. Nasceu mais um bloguinho, CART 3494 Guiné, dedicado à CART 3494 (Xime e Mansambo, Dezembro de 1971 / Abril de 1974), criado e mantido pelo nosso camarada Sousa de Castro, um histórico do nosso blogue, o nº 2 da nossa tertúlia, hoje, Tabanca Grande. A criação deste blogue remonta a Maio de 2008.

Esta unidade pertenceu ao BART 3873 (Bambadinca, 1971/74). O Sousa de Castro queixa-se de estar muito só, nesta actividade bloguística.

Pela consulta do seu perfil, no Bloger.com, sabemos que o Antonio Manuel Sousa de Castro é menino para 57 anos, pertence ao Signo astrológico do Sagitário e ao Ano do Zodíaco do Tigre... É Técnico Fabril no ENVC - Estaleiro Naval de Viana do Castelo, e mora em Vila Fria, Viana do Castelo, Portugal (não, ainda não pertence a Espanha).

Na Guiné foi um homem das transmissões (1º cabo radiotelegrafista), tendo passado pelo Xime e depois por Mansambo (CART 3494 Jan 72/Abr 74).... De entre os seus passatempos favoritos, menciona o Cicloturismo.

Em sua homenagem, e com os nossos parabéns pela sua iniciativa e perseverança, tomamos a liberdade de reproduzir aqui um poste, publicado ontem:

Blogue CART 3494 Guiné, de Sousa de Castro > Um periquito da CCAÇ 12

(1) Mensagem do António Duarte:

Caro Sousa de Castro:

Fui seu companheiro na Guiné.

Fui furriel da CART 3493, tendo estado em Mansambo. Antes da companhia seguir para o sul (suponho Cobumba), fui para a CCAÇ 12 (*) onde acabei por passar a rendição individual e regressar [à Metrópole] em Janeiro de 1974 enquanto que o BART 3873 regressou só em Abril.

Quero dar-lhe os parabéns por ser um activista das nossas recordações, quer através do blogue do Luís Graça, quer noutras paragens na Net. Afigura-se-me que nos faz bem.

Da sua companhia [CART 3494] tenho encontrado o ex-furriel Luciano, que trabalha em seguros, na CGD. Recordo também com muita saudade o Bento, que esteve comigo na especialidade em Vendas Novas. Faleceu em 22 de Abril de 1972.

Um abraço, de camarada para camarada,

António Duarte

(2) Resposta do Sousa de Castro ao Duarte:

Antes demais existe uma regra no blogue-fora-nada (Luis Graça & Camaradas da Guiné) que é tratarmo-nos por tu: afinal somos todos mais ou menos da mesma idade, portanto estás à vontade para blogar.

Como deves calcular, eu pertenci à CART 3494 do Xime que, depois da CART 3493 transitar para Cobumba, foi ocupar a vossa zona - Mansambo.

O Luís Graça que é o grande obreiro da muita documentação publicada no blogue, também pertenceu à CCAÇ 12 [Bambadinca, 1969/71].

Quanto ao ex-Furriel Luciano creio que estás a falar do Luciano José Marcelino de Jesus, certo? Faz o convite a ele, por mim, para entrar no blogue e tu também... Sou o único da CART 3494 [Xime e Mansambo, 1972/74] que tem estado mais ou menos activo. Precisamos que contem as vossas estórias passadas no teatro de operações na Guiné. Como disseste, isto faz-nos bem. Temos muitas fotos da época publicadas no blogue.

Fui 1º cabo radiotelegrafista e moro em Vila Fria - Viana do Castelo. Manda para o Luis Graça uma pequena estória e uma foto da época e outra actual, para a tertúlia.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3551: Brasões, Guiões ou Crachás (4): CCAÇ 728; CCAÇ 2617; CCAÇ 3566; PEL CAÇ NAT 63; CCAV 677 e CCAÇ 2402 (José Martins)

COMPANHIA DE CAÇADORES N.º 728

CCAÇ 728 - Guiné 1964/64 - Divisa: Os Palmeirins

Mobilizado no Regimento de Infantaria n.º 16 - Évora

Embarque em 08Out64
Desembarque em 14Out64

Regresso em 07Ago66

Divisa – Os Palmeirins

Faz uma curta estadia em Bissau, realizando a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional em Nhacra.
Segue para Cachil (Ilha do Como) em 27Nov64, onde assume a responsabilidade do subsector.
Desloca-se em 22Set65 para Catió como unidade de intervenção e reserva do escalão superior ali estacionado.
Foi colocada em Bissau para colaborar na segurança e defesa das instalações e populações em 18Jun66, até à data do seu embarque.

É Companhia independente.
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COMPANHIA DE CAÇADORES N.º 2617

CCAÇ 2617 - Guiné 1969/71 - Divisa: Sempre Excelentes e Valorosos

Mobilizado no Batalhão de Caçadores n.º 10 - Chaves

Embarque em 15Nov69
Desembarque em 20Nov69

Regresso em 25Set71

Divisa – Sempre Excelentes e Valorosos

Em 02Dez69 assume a responsabilidade do subsector de Pirada, com um destacamento em Paunca.
Assume o subsector de Guileje em 24Mar70 até 07Fev71.
Em 23Fev71 segue para Quinhamel, destacando forças para Ponta Vicente da Mata, Ome e Ondame.
Segue para Bissau em 30Ago71, onde fica a aguardar embarque.

É uma subunidade orgânica do BCaç 2893
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COMPANHIA DE CAÇADORES N.º 3566

CCAÇ 3566 - Guiné 1972/74 - Divisa: Os Metralhas

Mobilizado no Batalhão de Caçadores n.º 10

Embarque e desembarque em 23Mar72

Regresso em 18Jun74

Divisa – Os Metralhas

De 27Mar72 a 22Abr72 realizou a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional em Bolama, no CIM.
Assume a responsabilidade do subsector de Empada em 17Mai72.
Em Abr73 destaca dois pelotões para reforço de Catió, onde ficam até 23Jan74.
Desenvolve uma acção ofensiva na área de Ingoré em 19Out73, com bons resultados.
Regressa a Bissau em 14Jun74 para aguardar embarque.

É Companhia independente.
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PELOTÃO DE CAÇADORES NATIVOS N.º 53

PEL CAÇ NAT 53 - Guiné 1966/74 - Divisa: Continuaremos

Mobilizado no Comando Territorial Independente da Guiné

Criado em Setembro de 1966

Desactivado em Agosto de 1974

Divisa – Continuaremos

Colocado inicialmente no Xime, foi transferido, sucessivamente, para Bambadinca (Jan69), Canjambari (Abr69), Bambadinca (Jul69) e Saltinho (Set69), onde se manteve até ser extinto.

Pequena unidade da guarnição normal.
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COMPANHIA DE CAVALARIA N.º 677

CCAV 677 - Guiné 1964/66

Unidade Mobilizadora: Regimento de Cavalaria 7 – Lisboa

Embarque: 08Maio64
Desembarque: 13Mai64

Regresso: 26Abr66

É colocada em Tite com a função de intervenção e reserva do Batalhão de Caçadores 599 em 14Mai64, com um pelotão destacado em Fulacunda.

Realizou operações nas regiões de Jufá, Bária, Budugo, Gamol, Jabadá e Brandão, e destacou pelotões para reforço das guarnições de Jabadá e Enxudé.

Assumiu, em 24Abr65, a responsabilidade do subsector de S. João.

Voltou a Tite em 06Abr, seguindo para Bissau para efectuar o regresso.

Foto - Página Guerra Colonial, com a devida vénia
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COMPANHIA DE CAÇADORES N.º 2402

CCAÇ 2402 - Guiné 1968/70 Divisa: Se É Impossível Há-de Fazer-se

Mobilizado no Regimento de Infantaria n.º 1 - Amadora

Embarque em 24Jul68
Desembarque em 29Jul68

Regresso em 04Mai70

Divisa – Se é impossível, há-de fazer-se

Em 30Jul68 segue para e assume a responsabilidade do subsector.
A 19Mar69 inicia o deslocamento para Mansabá, para reforço do seu batalhão.
Assume a responsabilidade do subsector de Olossato a 10Abr69.
Transferida para Bissau em 25Abr70, colabora na segurança e protecção das instalaçõese população até ao embarque.

É uma subunidade orgânica do BCaç 2851.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3501: Brasões, guiões ou crachás (3): CAOP 1: BCAÇ 2885; CART 2732 e CCAÇ 5 (Jorge Picado/Carlos Vinhal/José Martins)

Guiné 63/74 - P3550: Estórias de Bissau (17): Um espectáculo de streep-trease, nos Nazarenos, em Bissau, em Março de 1970 (Jorge Teixeira)

1. Mensagem do Jorge Teixeira (Portojo), com data de 1 de Dezembro de 2008: 

"Luís: Não sei se terá algum interesse para o blogue, mas aqui vai. Recebe, caro Luís, um abraço de amizade".

Recordando os Nazarenos de Bissau (*)

por Jorge Teixeira

Estava em fim de comissão, Março de 70, e andava por Bissau a fazer os espólios e entrega do pelotão, ou lá como se chamava, que os nossos camaradas nas repartições faziam o favor de complicar. Ainda hoje não sei como consegui os 12 carimbos e três guias de Marcha para regressar no Niassa a 3 de Abril. Mas isso são outras estórias ou histórias, como queiram.

Por essa altura ouvi que actuavam nos Nazarenos um ballet e umas streepers. Coisa fina, pois streep na Guiné, só para exclusivistas. E aqui no Porto, mesmo só o Tamariz e a Candeia muito raramente apresentavam esses espectáculos, quási completos. E as raparigas vinham rotuladas como artistas duma dessas casas e em digressão de pouco dias.

Consegui mobilizar um camarada, infelizmente já falecido, o Santos, do Pelotão de Cufar, velho amigo desde o Porto, Caldas, Vendas Novas, Espinho, Tomar e Guiné, e lá fomos aos Nazarenos, bem cedo que aquilo esgotava.

Se bem me lembro a sala não tinha palco. Era uma sala de jantar onde as mesas eram arrastadas para os lados e actuação feita no meio. O ballet actuou e quando chegou a hora do streep, foi colocado um tapete no chão e a artista rebolou ao som de Je t'aime mais non plus. Lembram-se ?
Para ver o espectáculo o pessoal fez uma rodinha e cedeu as cadeiras para os que estivessem atrás poderem enxergar a miúda no chão, a contorcer-se. Barulho tremendo quando ela retirou as últimas peças e ficou com aquelas bolinhas penduradas dos mamilos e um tapa sexo que enfureceu a malta.

Ficou-me sempre a impressão, independentemente do sucesso, que as artistas foram recrutadas no alterne do Arco Iris ou de um outro bar qualquer, ali do Bonjardim, [no Porto,] e ensaiadas às pressas para a tournée. Uma ou outra carita não me era estranha.

Mas, para quem não via mulher branca nua ou quási, há muito tempo, isso não interessou para nada. O WC dos Nazarenos ficou entupido. Não sei se era assim todas as noites, mas naquela foi.

Jorge Teixeira

2. Comentário de L.G.:

Nazarenos ? Streep-tease ? Bissau ? Março de 1970 ? Gabarinas do Porto ?... Vejo que, como bom tripeiro, filho de Miragaia, apaixonadíssimo fotógrafo da tua cidade e do teu rio, não deixavas os teus créditos por mãos alheias. Estavas no sítio certo, no dia certo... Poucos de nós, camaradas da Guiné, poderão pôr essa no cadastro da tropa... Obrigado, Portojo, por mais este registo que nos ajuda a reconstituir o roteiro das nossas noites quentes de Bissau... Já agora fala-nos do roteiro da noite no Porto, nesses já idos anos de 70... Se não fores tu, quem será ?

Um Alfa Bravo, grande Portojo. LG

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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série, Estórias de Bissau:

11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

11 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)

14 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1278: Estórias de Bissau (3): éramos todos bons rapazes (A.Marques Lopes / Torcato Mendonça)

17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1288: Estórias de Bissau (5): saudosismos (Sousa de Castro)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)

24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)

22 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1391: Estórias de Bissau (9): Uma noite no Grande Hotel (José Casimiro Carvalho / Luís Graça

2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)

10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

31 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1639: Estórias de Bissau (12): uma cidade militarizada (Rui Alexandrino Ferreira)

19 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2281: Estórias de Bissau (13) : O Pilão, a Nônô e o chulo da Nônô (Torcato Mendonça)

21 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2290: Estórias de Bissau (14) : O Pilão, a menina, o Jesus e os pesos que tinha esquecido (Virgínio Briote)

6 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2509: Estórias de Bissau (15): Na esplanada do Pelicano, a ouvir embrulhar lá longe (Hélder Sousa)

19 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2556: Estórias de Bissau (16) : O Furriel Pechincha: apanhado ma non troppo (Hélder Sousa)

Guiné 63/74 - P3547: Um telefonema de Bula para a Metrópole...(António Matos)

Grandes recordações...




Na minha 1ª intervenção mencionei, a par de outras, a recordação de grandes ocasiões ainda que assim intituladas na pequenez do sentimento individual.

Ao escrever isto tive na memória o dia em que, em Bula, me dirigi à casa do Régulo para aí fazer a reserva de uma chamada telefónica para o dia seguinte para a Metrópole.

Se bem que isso fosse absolutamente banal, aos olhos de hoje, passados 38 anos, são um justificativo para me sentir orgulhoso por ser testemunha da evolução tecnológica deste mundo.
Naquele dia, casava-se um irmão meu que eu não via há quase 1 ano e a possibilidade de lhe falar e de o abraçar através da linha telefónica foi-me espiritualmente reconfortante.
Talvez que um dia eu receba dum neto um telefonema vindo sem aviso prévio da Lua...
Esperemos que nenhuma guerra interrompa essa chamada....

António Matos

ex-Alf Mil da CCaç 2790
Bula 1970/72
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Nota de vb:

Artigos do Autor em

Guiné 63/74 - P3546: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (14): Em Junho de 69 havia bajudas a alternar no Tosco, na Conde Redondo (Jorge Félix)

Lisboa > 2008 > Primeira página do sítio do Maxime, um cabaré de luxo dos anos 40, na Praça da Alegria, nº 58, que, na década de 60, também fazia parte do roteiro da noite dos camaradas da Guiné, de regresso a Lisboa ou em trânsito por Lisboa (como era o caso dos hóspedes do Hospital Militar Principal, à Estrela)... A par do Comodoro, do Bolero, do Ritz Club, e outros, e, claro, do Tosco, ali, ao Conde Redondo, do outro lado da Avenida da Liberdade...

Foto: Cabaret Maxime (2008). (Com a devida vénia...)

1. Mensagem, enviada a 4/11/08, pelo Jorge Félix ao Carlos Vinhal, e que este por sua vez me remeteu, a mim, chefe da redacção, com a seguinte (seca):
"Luís:
Pareces mais dotado para publicar as poucas vergonhas.
Aí vai a continuação do Tosco, do Jorge Félix.
Ab
Carlos.
Morcão... eu?"...

Carlos: Afinal o Tosco também é Guiné. Segue segunda parte, que volta a ficar ao teu critério. (...).


2. O Tosco - segunda leva

por Jorge Félix

O Mário Fitas atesta que o Tosco existiu (*).

Se não encontras referências no Dicionário de Lisboa sobre o Tosco, é porque, e bem, os senhores da verdade consideravam o Tosco como espaço Africano.

Fiquei muito lisonjeado com tudo o que me imputaste sobre a memória do Tosco.

A noite de Lisboa , em 69, tinha como sabemos , o Maxime, o Galo, o Bolero, ... mas quando tentei falar do Tosco, foi com o intuito de continuar a falar da Guiné.

O Tosco era território africano onde rolavam escudos. Se aparecerem "paradores" daquelas noites, podes ter a certeza que vais escutar histórias imperdiveis.

Não era malta que tenha guardado os aerogramas das madrinhas. Talvez não se recordem de nada.

Se os poderes olhar, se algum te aparecer, vais perceber o que digo.

Mas então qual era a relação do Tosco com a Guiné? Em Junho de 69 já havia bajudas a alternar no Tosco. Elas apareciam no Tosco porque os evacuados estavam lá, e não o contrário.

A malta ia para o Tosco porque havia um eléctrico que passava no Hospital da Estrela, e parava no Tosco. Era o único meio de transporte para aquela gentinha. O táxi não admitia passageiros como os clientes do Tosco. Se o eléctrico parasse no Comodoro, a história era outra.

Como muito bem recorda o Mário, "e lá desciam eles da Estrela". No Tosco paravam os combatentes mais sacrificados da guerra da Guiné.

A mancarra da Guiné era melhor que o amendoím de Angola

No Tosco ninguém discutia se a guerra estava perdida. Isso é que era bom !

Quem queria saber novidades da Guiné ia ao Tosco. E, Luis, naquele tempo, havia um ror de indivíduos que gostavam daquela gente.

Os gajos do Tosco gostavam de dizer, "ninguém ta tomar conta de nha bolanha", mas quando os "conchas contavam do Nelson Ned, " o que é que você vai fazer domingo á tarde", toda gente se calava e em uníssono, etilicamente temperados gritavam: VOU À BOLA!!!

Não se ia para o Tosco por causa das gajas. Descia-se para o Tosco pelo convívio e pelas histórias que a África nos reservava.

"A mancarra da Guiné é melhor que o amendoim de Angola", "Em Bissau com uma cerveja vêm dois meios camarões grelhados, camarão de Moçambique, rijnho, estes gajos não tem nada disso", "Como perdeste as mãos ? - caga nisso e dá-me outro golo de cerveja!"...

Esperemos por notas de quem andou pelo Tosco.

As noites quentes de Bissalanca..., as tardes quentes de Lisboa, com a Madame, a Princesa, a viúva de um piloto...

Para saltar do Tosco para Bissau tenho que falar na noite de Bissalanca. Confidências que não foram lavrados nos aerogramas, por pudor.

No Tosco, e não só, eram aliciadas brancas para irem para Bissau. A história é simples e resume-se ao seguinte: as Senhoras contratadas iam passar por serem as esposas de oficiais, sargentos e praças que estavam no mato, e que há muito tempo não viam o marido e passavam dificuldades financeiras.

O chorinho e lenga lenga batida sempre acabavam por adiantar umas massas em troca dos favores amorosos. Mas era diferente, não era prostituição. Era uma infidelidade guardada a sete chaves e selada com uns pesos valentes. Quem não queria enganar um cabrão que estava a bater com os costados no mato, e não enviava dinheiro à esposa ?

Aqueles que encheram o seu ego com o gesto glorioso de papar a Dona Fulana nas tardes quentes de Bissau , não se esqueça que pode ter caído numa bem ardilada história de amor construída no Tosco.

Entretanto apareceu o Luís Sousa que trabalhou no Comodoro. Por aí já andava a Madame, a Princesa e uma que não recordo o nome, "viúva de um piloto","um desastre do caraças", pormenor para aumentar o valor da queca e o mistério da senhora. A história era parecida com as Senhoras de Bissau mas com valores contrários. Talvez o Luís tenha conhecimento disto. (O patrão do Comodoro era do Farense, veio-me à ideia esta

Julho de 69: Um mês de boémia em Lisboa por conta da Junta Médica...

Um pequeno reparo, ao que dizes sobre os meus exames em Julho de 69. Ninguém vinha fazer exames de medicina aeronáutica a Lisboa, (um luxo; como bem escreves). Aconteceu comigo, ter que embarcar de uma hora para a outra, sem nenhuma explicação, num avião com guia de marcha para o Hospital Militar. (Outra história a recuperar).

Perante a junta médica que me questionou, o que é que eu "tinha", a minha resposta não deve ter agradado aos doutos senhores pois esperavam um rol de maleitas habituais em tais situações e levaram com "Não tenho nada!". Este dito permitiu-me estar em Lisboa um mês onde aprendi a apanhar o eléctrico para o Tosco. Nunca soube porque fui evacuado. Na altura tudo "estava bem" e tudo acabou em bem.

Luis, vamos ficar à espera que apareçam os tertulianos que foram personagens destas guerras que não fez vítimas nem recalcou ninguém.

Li agora do Jorge Cabral, a referência ao Ritz Club e ao Bolero. Quem escuta uma história de um veterano de 69, escuta todas as estórias dos outros contemporâneos . Rapaz das noitadas, tinha que ir a estes sítios todos, e a todos no mesmo dia, se se aguentava das pernas.

Compreendo muito bem porque o Jorge Cabral falhou como empresário da noite (**). Naquele tempo não era fácil.

Ao Ritz levei o Manuel dos Twistes, Furriel Manuel Ferreira, a cortar o cabelo, depois de termos passado numa livraria ali no Jardim da Parada, comprar um poster do CHE [Guevara], para levar para Teixeira Pinto, com embarque ás duas da manhã .

O Bolero tinha a tal sala em cima, onde se comiam uns pregos, e se escutava a tal orquestra; acordeonista cego, baterista coxo, e um empregado de Braga danado para a brincadeira. Quando a banda estava no seu merecido descanso , invariavelmente atirava com a bandeja para o chão a fim de imitar o som do prato da bateria, gesto este que punha imediatamente o Cego a tocar. Brincadeira repetida vezes sem conta, mas que todos achavam uma graça do carago.

No Bolero as gajas alternavam em baixo enquanto as "famílias comiam em cima".

O Tosco,como já tentei dizer, era diferente de tudo.

Esperemos por uma memória a valer e que nos fale das histórias do Tosco (***).

Um Abraço
Jorge Félix


3. Comentário de L.G.:

Carlos, "estas poucas vergonhas" também fazem parte do nosso cadastro... Temos que as assumir. Fazer batota era limpar, branquear o nosso cadastro, como o António Ferro, o ministro da propaganda de Salazar, fez ao fado, canção maldita das putas e dos chulos de Lisboa... E, depois, que poucas vergonhas eram essas, quando comparadas com as grandes golpadas de que fomos, directa ou indirectamente, vítimas ?

Jorge: Nota máxima para o teu segundo apontamento sobre o nosso roteiro da noite... Por que era de noite que carregávamos as baterias para enfrentar os pesadelos dos dias... Infelizmente não há, até ao momento, imagens do Tosco, do Bolero, do Ritz Club com os veteranos de 69 (e do Vat 69, que a marca do uísque marado que a gente emborcava)... Talvez se perceba: ali não havia glamour, nem lantejoulas, nem champanhe francês, nem meninas que tocavam piano e falavam francês... Por ali passava a fauna da Guiné, a nossa fauna, esfomeada de sexo, de calor humano, de ternura, de liberdade... Não é fácil falar destas poucas vergonhas, como diz o Carlos na brincadeira... Por isso, obrigado, Jorge, por dares o exemplo, por nos mostrares o caminho no regresso ao passado, por seres nosso guia e nosso cúmplice...
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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

30 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3380: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (10): Quando a guerra era com os copos... ou o elogio do Tosco, em Lisboa (Jorge Félix)

(**) Vd. postes de:

4 de Novembro de 2008 Guiné 63/74 - P3399: Estórias cabralianas (40): O meu sonho de empresário (falhado): a construção de uma tabanca-bordel (Jorge Cabral)

5 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3025: Os nossos regressos (7): Perdido, com um sentimento de orfandade, pelos Ritz Club, Fontória, Maxime, Nina... (Jorge Cabral)

(***) Não sobre o Tosco (que eu não conheci, frequentei apenas o Maxime, na primavera de 1971, e onde cheguei a ter uma garrafa de uísque marado...) mas sobre Bissau, cidade-bordel dos anos de 1969/70, escrevi algumas notas, já aqui publicadas:

14 de Novembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)
(...) Bissau: cidade-caserna, cidade-bordel

Bissau revisitada… Devo, antes de mais, confessar-te que, se acaso fugi da Guiné por uns dias, nem por isso deixo de sentir-me perseguido pelo seu fantasma. Sabes como é (ou, pelo menos, deves imaginar): uma incómoda sensação de estado de sítio (que nada tem a ver com a insularidade – aliás, pouca gente sabe que Bissau fica numa ilha), agravada, para quem aqui vegeta, pelos fantasmas dos foguetões que ainda há tempos flagelaram Bolama, a antiga capital colonial…

Bissau, cidade-caserna, cidade-bordel!... Para quê falar-te do tráfego (e do tráfico!) de carne branca sem qualquer carga erótica para lá do fetiche da cor da pele ?! De qualquer modo, o contrabando do sexo é negócio que vai de vento em popa - aqui funcionam as leis do mercado, a procura é muita e a oferta é variável ! – a par da quinquilharia oriental e sobretudo dos produtos nipónicos que ultimamente invadiram os free-shops cá do sítio, desde os Gouveia aos Taufik Saad, para quem o amendoim, o coconote e os panos de chita já foram chão que deu uvas… Enfim, o comércio da guerra e a guerra do comércio, uma parelha que sempre se deu bem em toda a parte!

Para quê falar-te dessas prostitutas que naufragam em todos os portos onde cheire a merda, a morte e a soldadesca, fugidas da miséria das ilhas de Cabo Verde e dessas outras ilhas de Lisboa e do Porto ?! Ou ainda dessas fêmeas, balzaquianas, que os tropas do ar condicionado mandaram vir da Metrópole e que passam, sequestradas, nos Wolkswagen e nos Mercedes pretos, conduzidos por soldados africanos – insólita imagem de jovens eunucos negros, subsaarianos, guardando as velhas odaliscas nos haréns dos sultões das Arábias!...

Não suporto, aliás, a visão desse branco asséptico, dessa cor neutra das metropolitanas cujo tom de pele tem qualquer coisa de viscoso como as paredes dos hospitais… Receio até que esteja a tornar-me racista ao contrário ou a caminhar para a misogenia, como aquele prisioneiro que, ao sair de Auschwitz, não conseguiu sequer beijar a mulher porque tinha horror a tudo o que era humano…

Decididamente não queria falar-te de mulheres (e, muito menos, das brancas que, aqui, no cu do mundo, povoam os nossos delírios palúdicos)… Mas como não, se elas são o único antídoto contra a angústia da morte ?!... As paredes das nossas casernas no mato estão forradas de posters de gajas nuas, loiras, de olhos azuis, formas esculturais e pele acetinada, que é “para um gajo não se esquecer da carne branca” (sic)…

Em contrapartida, a pomada antivenéria (e, claro, a penicilina, em doses de milhões) é o que mais se gasta nos nossos postos de caserna. O bordel é talvez a única instituição castrense verdadeiramente respeitável… Mas se os franceses mandavam para a Argélia putas de campanha juntamente com os seus legionários, nós, tugas, não temos esse problema: fornicamos sem preconceitos raciais, ou não fossemos “um país, muitos povos, uma só Nação”!...

Imagina, pois, Bissau como estância de repouso do guerreiro. Há aqui, de certo, um equívoco, um tremendo equívoco por parte do médico miliciano, que até é um gajo porreiro, capaz de dar umas baixas aos operacionais, não obstante as ameaças veladas do comandante de sector… Mas eu estou farto dos gajos porreiros, como ele, que joga bridge com os cabrões dos oficiais superiores, apostados em ganhar a guerra (leia-se: os próximos galões) à custa de ti, de mim e da nossa tropa-macaca… É que Saigão, meu caro, é o último lugar do mundo onde eu poderia esquecer o Vietname!...

De qualquer modo, para além duns furtivos raides ao Pilão, as únicas operações que aqui se realizam ainda são do tipo gastronómico. Enfim, a nossa velha filosofia epicurista segundo a qual o melhor que se leva desta vida é ainda o que se come e o que bebe. Eis-nos, portanto, tristemente reduzidos ao ciclo vegetativo , ou seja, aos camarões, às ostras e às verdianas (sim, por que essas pretas de 1ª, na nossa linguagem machista e racista, também são coisas que se comem!) (...).

domingo, 30 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3545: Memória dos lugares (14): Bambadinca, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, 1969/71 (Gabriel Gonçalves)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Espectacular vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca (vd. mapa da região). Do lado esquerdo da imagem, para oeste, era a pista de aviação (1) e o cruzamento das estradas para Nhabijões (a oeste), o Xime (a sudoeste) e Mansambo e Xitole (a sudeste).

Reconstituição feita pelo Humberto Reis, completada por mim (LG) e, mais recentemente, pelo Gabriel Gonçalves (GG), que identificou novos sítios: cantina (27), posto de rádio (28), refeitório das praças (29) e centro cripto (assinalado com uma seta no topo do edifício 5).

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-Fur Mil, Op Esp, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.

Foto nº 1 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector de Bambadinca > Aquartelamento de Bambadinca > 23 de Setembro de 1969 > CCS do BCAÇ 2852 (1968/70) e CCAÇ 12 (1969/71) Caserna das praças metropolitanos da CCaç 12 > Na foto "estou eu junto do jipe conduzido pelo camarada Alcino Carvalho Braga; o outro camarada [, também da CCaç 12,] não me lembro dele" (GG).

Foto nº 5 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector de Bambadinca > Aquartelamento de Bambadinca > 5 de Fevereiro de 1971 > CCS do BCAÇ 2852 (1968/70) e CCAÇ 12 (1969/71) . "A foto 14 [do Rui Ferreira] equivale à referência nº 15 do foto aérea de Bambadinca (estrutura à direita). Em relação à foto aérea falta uma estrutura entre esta e a da esquerda que não tem referência na foto aérea. A referência nº 16 não existe. 2006. A foto nº 5 mostra o conjunto de edifícios em causa (reparem no pormenor dos cinco orifícios no topo de um deles)" (GG).

Foto nº 6 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector de Bambadinca > Aquartelamento de Bambadinca > 22 de Março de 1971 > CCS do BART 2917 (1970/72) e CCAÇ 12 (1969/71) > Na foto, "estou eu acompanhado do cripto da companhia do Xime ( não me lembro do nome), junto dos memoriais da nossa companhia, a Ccaç 12 [CAÇ 2590], e do Pel Mort 2106" (GG): este Pel Mort teve equipas nos seguintes aquartelamentos: Xitole, Mansambo, Saltinho, Ponte dos Fulas, Nhabijões, Enxalé, Xime, Missirá, Taibatá e Fá.

Foto nº 7 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector de Bambadinca > Aquartelamento de Bambadinca > c. 1969/70 > CCS do BCAÇ 2852 (1968/70) e CCAÇ 12 (1969/71) > O 1º Cabo Cripto, da CCAÇ 12, Gabriel Gonçalves, junto à porta da cantina das praças.

Fotos: © Gabriel Gonçalves (2008). Direitos reservados

1. Mensagem do Gabriel Goncalves, ex-1.º Cabo Cripto da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71, enviada em 28 de Novembro de 2008:

Caros editores, torno a enviar o texto abaixo bem como as fotos, que em tempos vos enviei, mas que não foi publicado. Agradeço que, caso entendam não merecer publicação, me informem.

Um abraço

Gabriel Gonçalves


2. Comentário de L.G.:

Arcanjo Gabriel, houve facto um lapso nosso; ainda bem que refilaste; espero que nos perdoes... Obrigado pelas fotos e as legendas. Um abraço de saudade. Luís.


3. Comentário, de Gabriel Gonçalves, com data de 4 de Fevereiro de 2008, ao poste de 27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 – P2486: Memória dos lugares (5): Bambadinca, 2006 (Rui Fernandes / Virgínio Briote)

Camaradas editores da nossa Tabanca Grande, em relação ao post em referência e vendo as fotos recentes de Bambadinca tiradas pelo Rui Fernandes, surgiram algumas recordações que me fizeram vasculhar nas coisas antigas. Por isso envio algumas fotos da época e faço alguns comentários. Para todos um grande abraço.

Foto 10. Referência nº 28 (?) encontra-se em ruína e a referência nº 27 (?) não existe. 2006. [Legenda de Rui Ferreira; vd. também foto aérea de Bambadinca, 1970, acima, e donde estão assinaladas as referências 27 e 28]

A referência nº 28 era onde funcionava o posto de rádio e onde eu dormia bem como alguns camaradas das transmissões; a refª. nº 27 era a cantina das praças, junto em anexo a foto nº 7 onde se vê a fachada da mesma e eu lá estou à porta.

Foto 14 [do Rui Ferreira]. Equivale à referência nº 15 (estrutura à direita). Em relação à foto aérea falta uma estrutura entre esta e a da esquerda que não tem referência na foto aérea. A referência nº 16 não existe. 2006.

Junto a foto nº 5 (05.02.71) que mostra o conjunto de edifícios em causa (reparem no pormenor dos cinco orifícios no topo de um deles)

Foto 15 [o Rui Ferreira]. Sem referência na foto aérea mas são as duas estruturas que se vêem no canto inferior direito. Faltam as duas árvores. 2006.

Em relação ao edifício que se vê na foto nº 15, trata-se da caserna das praças metropolitanos da Ccaç 12; junto a foto nº 1 (23.09.69) onde se vê a entrada da caserna e onde eu estou junto do jipe conduzido pelo camarada Alcino Carvalho Braga, o outro camarada não me lembro dele.

Aproveito a oportunidade para enviar a foto nº 6 (22.03.71) onde estou acompanhado do cripto da companhia do Xime ( não me lembro do nome), junto dos memoriais da nossa companhia, a Ccaç 12 [1969/71], e do Pel Mort 2106 [ 1969/70].

Guiné 63/74 - P3544: O segredo de... (2): Santos Oliveira: Encontros imediatos de III grau com o IN

Guine > Região de Tombali > Cachil, Ilha do Como > Estandarte e Emblema do PAIGC oferecido por um gerrilheiro (presume-se...) por troca de uma miniatura da Bandeira Nacional. Foto e legenda: © Santos Oliveira (2008). Direitos reservados 

  1. Mensagem de 23 do corrente, enviada pelo Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66 

(*): Grande Chefe Luis Afim de alinhavar e orientar o comentário que fiz e que resultou na publicação do P3503: Controvérsias (11): O início da guerra (Tite, 23 de Janeiro de 1963) e a estreia da G3 alemã, em 1961 (Santos Oliveira), houve que reler as ligações referenciadas e ficou-me a sensação de ter sentido algo semelhante ao que o Mário Dias e o Domingos Ramos terão passado. Entendo que comigo foi tudo mais suave, inconsciente e inconsequente. Delírios de juventude que se autodestruia por se considerar imortal. Tive sorte. Não quero fazer comparações de factos; apenas sentimentos. 

 Na primeira leitura http://blogueforanada.blogspot.com/2006/02/guin-6374-cdxciii-domingos-ramos-e.html há cerca de um ano, entendi não ser relevante a minha experiência; agora, percebo que errei. Por isso, conto como e as circunstâncias em que tudo se passou. Cachil, Ilha do Cômo, Finais de Dez 64 Tinha acabado de receber notícias trágicas acerca da morte dos meus dois amigos de infância. Isolava-me e chorava e este sentimento de perda prolongou-se por alguns dias.O poiso escolhido era o topo da paliçada, onde fingia estar a fazer a vigilância habitual, embora perfeitamente exposto. Apetecia-me morrer. Foi terrível. P3143: Blogoterapia (62): A minha vida morreu; morreram os meus amigos (Santos Oliveira) 

 Pelos últimos dias de Dezembro, peguei na G3, umas quantas Granadas, coloquei a Boina Preta, o meu Cinto e Lenço Ranger (seda azul) e informei os meus militares de que iria dar uma espreitadela pela orla da Mata, pelo que entregava o Comando ao Cabo Gomes (1916/63) com a informação exacta de fazer fogo como estava previamente estabelecido. Não haviam mas, nem meios mas. Era uma Ordem. Um dos Soldados, o Júlio Batata (2032/63), perguntou se também podia ir. Anui, mas informei que íamos por nossa conta e risco; outros mais se prestaram a acompanhar-me mas recusei com o argumento de ser necessário guarnecer os Morteiros de gente, que eles não se disparavam sozinhos, etc. mas acabei por aceitar um outro que, no momento, não recordo quem (posso indagar depois).

 Informamos o Plantão da Companhia residente (creio ter sido a CCAÇ 728) do que íamos fazer e lá partimos, com as precauções necessárias. Chegados próximo da Orla da Mata, encontramos um carreiro de formigas com mais de um palmo de largo, a tentar refazer o seu percurso em grande afã, mas numa estranha confusão. Percebia-se, por baixo daquele caos, a marca duma pegada de pé descalço que havia despoletado tal evento. Foi , de imediato, assumido o regresso, pois as evidências eram demasiado esclarecedoras que estava alguém uns passos à nossa frente. Chegados, constatei que havia perdido o meu querido Lenço. No amanhã se veria o que fazer. Ao raiar do dia, os mesmos, retornámos, tomámos mais cautelas, procurámos os pontos onde nos havíamos agachado ou rastejado e encontrámos o meu Lenço com uma folha de Caderno onde se lia (em Português correcto):”TENHO-TE VISTO CHORAR”. Fiquei paralizado por instantes. Voltei o papel e escrevi por trás:”OFEREÇO-TE O MEU LENÇO”. 

 Custou-me imenso descansar aquela noite tal a ansiedade que de mim se apoderou. Tinha a infantil curiosidade de tentar adivinhar o que se passava, pois era incompreensível. Por outro lado já havia tomado consciência do risco desnecessário que havia corrido e fizera os meus Soldados correr. Era uma lotaria, um jogo…e o jogo vicia. A curiosidade matou o rato, diz o ditado. Eu estava por tudo. Queria saber se o lenço tinha sido levantado. Recusei, sem resultados, a companhia dos Soldados. Bem mais à vontade (um erro que podia ter sido fatal) dirigimo-nos ao local. Estava um daqueles pingalins, ou chicotes, muito elaborado, com uma mancha de sangue no punho e um novo papel que dizia:”EU QUERIA ERA UMA BANDEIRA TUA”. Atónito e já muito inquieto, voltei o papel e escrevi:”VOU VER O QUE POSSO FAZER”. 

 Regressámos muito mais apressados que o habitual. Era necessário ter os acontecimentos sob controlo porque doutro modo iria sobrar para mim coisa grossa. Os restantes elementos do Pel Mort 912, começaram a questionar o que íamos fazer todos os dias. Começou a ser difícil segurar o segredo. Que íamos ver se havia qualquer possibilidade de haver caça, dizíamos. Na mala tinha uma bandeira de Portugal, tipo galhardete, das que se usavam, na época, nos vidros dos automóveis. Fui buscá-la, lembro bem tê-la apertado no peito e lá retornámos, com a promessa que seria a última vez que sairíamos, se não se encontrassem indícios de caça. Lá chegados, encontrei um Galhardete e um Crachá do PAIGC e um papel que dizia: “GUARDA E LEVA ESTA PARA A TUA TERRA”. Petrifiquei. Acho que fiquei imóvel tempo demais porque os Soldados me perguntavam:”O QUE SE PASSA, MEU FURRIEL?”. Rapidamente, retirei a Nossa Bandeira, Coloquei-a na estaca, escrevi por trás do papel:”EM NOME DA PAZ”. Fiz a Continência e todos desatámos em corrida mais ou menos desordenada para o Quartel. Tudo se ficou por segredo solene até ao dia de hoje em que falei com o Soldado Júlio Batata que concordou fosse contada esta História. O Galhardete e o Crachá sempre ficaram e estão comigo. 

 Do meu Companheiro de Armas do Campo oposto, a quem nunca vi o rosto, nunca tive notícias. Se lhe chegar esta mensagem, ele reconhecerá a História que ajudou a construir, recebê-lo-ei de braços abertos. O Pulsar do coração e adrenalina não serão mais os mesmos, mas o sentimento, esse, é sempre igual. Santos Oliveira 

  2. Comentário de L.G. Obrigado, camarada, por quereres (e poderes...) partilhar este segredo da Guiné connosco, teus amigos e camaradas. Já com o Mário Dias (**) se passou o mesmo: há pudor e relutância em contar episódios como estes, de alguma maneira insólitos e, muitas vezes inverosímeis aos olhos dos outros... 

Seria uma pena que tu e Mário Dias levassem, para a cova, pequenos/grande segredos como estes... São histórias fabulosas que humanizam a guerra, que engrandecem os seres humanos que as protagonizam, e que nos tocam, fundo... Espero que a partir de hoje, mais camaradas nossos decidam abrír a caixinha de Pandora... 
______________ 

 Notas de L.G.: 



Guiné 63/74 - P3543: O segredo de ... (1): Mário Dias: Xitole, 1965, o encontro de dois amigos inimigos que não constou do relatório de operações


Guiné > Bissau > 1959 > Alguns dos 1ºs Cabos Milicianos do 1º Curso de Sargentos Milicianos, realizado na província portuguesa da Guiné, em participaram juntos europeus e guineenses.

"De cócoras, a partir da esquerda: Domingos Ramos; um outro cujo nome não me lembro mas que também foi para a guerrilha; Laurentino Pedro Gomes.

"De pé: não me recordo o nome mas também foi para a guerrilha; Garcia, filho do administrador Garcia, muito conhecido e estimado em Bissau; mais um de cujo nome não me recordo; eu, [Mário Dias]; e mais outro guerrilheiro. Como se pode concluir, o recrutamento de 1959 do CIC [Centro de Instrução de Civilizados] , foi um autêntico alfobre [de quadros ] para o PAIGC.

Foto e legenda: ©
Mário Dias(2006). Direitos reservados


1. Volta a reproduzir-se, agora na II Série do nosso blogue, uma das mais fabulosas histórias da guerra da Guiné, o encontro algures nas matas do Xitole, em 1965, entre dois amigos inimigos, o português, comando, Mário Dias, e o chefe de guerrilha, o guineense Domingos Ramos (*).

Em 1959 , tinham feito a recruta juntos, com início em 8 de Maio de 1959, numa unidade que então se chamava Centro de Instrução de Civilizados (CIC), destinado a naturais da Guiné considerados civilizados. O comandante era o capitão Teixeira, pai do historiador Severiano Teixeira, actual Ministro da Defesa. (No anos seguinte, passaria a chamar-se Centro de Instrução Militar (CIM), tendo sido transferido para Bolama).

Em 10 de Agosto de 1959, prestam juramento de bandeira, uma semana depois dos sangrentos acontecimentoss do Pidjiguiti.

Em 14 de Agosto desse ano, os dois estão no 1º Curso de Sargentos Milicianos e estreitam a sua amizade. Em 29 de Novembro de 1959, são promovidos a 1ºs cabos. O Mário fica em Bissau a dar recruta, enquanto o Domingos segue para Bolama.


Guiné-Bissau > A efígie de Domingos Ramos numa nota de 100 pesos. Emissão de 1975.



Quem era o Domingos Ramos ? Era filho de um quadro local da administração colonial portuguesa, com o estatuto de assimilado, expressão cínica usada na época pelas autoridades portuguesas.

O Mário tem palavras de grande apreço e admiração pelo Domingos Ramos, reveladoras da sua grandeza como homem e como português. Escreveu ele: "Se um dia tiver a oportunidade de regressar à Guiné, é meu firme propósito ir visitar a sua campa e prestar-lhe merecida homenagem. Não é pelo facto de termos combatido em campos opostos que deixei de ser seu amigo e de o admirar".

Para o Mário, que ira depois seguir a carreira militar, como furriel do quadro, "o Domingos Ramos era um indivíduo bem constituído fisicamente e, sobretudo, moralmente. Aquilo que se pode chamar, um bondoso gigante. Desde o início da nossa vivência comum que por ele tive uma especial estima. Tornámo-nos bons amigos em todas as situações e na caserna, nas horas de descanso, trocávamos opiniões sobre os mais variados assuntos, com especial interesse da minha parte por tudo relacionado com os usos e costumes dos guineenses. Muito aprendi com ele. Recordo ainda com saudade e emoção as paródias, próprias da irreverência da nossa juventude. E da célebre água pú que ele me ensinou e a que aderi com entusiasmo".

O Mário tem sempre palavras de grande apreço e respeito pelo seu amigo:

"Na verdade, enquanto com ele convivi em Bissau, nem o mais leve indício de descontentamento, nem o mais pequeno sinal de revolta ou discordância com o status quo existente demonstrou. Se algo havia na sua mente, disfarçava muito bem, o que não creio, dada a sua rectidão de carácter. O mesmo já não se passava com outros como, por exemplo, o Rui Demba Jassi, que tinha atitudes incorrectas para com os europeus sem que houvesse razões para tal e não conseguia disfarçar animosidade contra nós".

Mário Dias sugere que ele ter-se-á alistado nas fileiras do PAIGC, em Novembro de 1960, depois de ter sido vítima de uma grave injustiça enquanto 1º cabo miliciano. Domingos Ramos morreu em combate em Madina do Boé, em 1966. Os seus restos mortais repousam hoje na Amura, no panteão nacional.

O Mário já nos contou aqui que um dia, próximo da sua passagem à situação de licença registada, que ocorreu em Outubro de 1960, seguindo-se a disponibilidade em Fevereiro de 1961, o Laurentino lhe mostrou "uma espécie de memorando que o Domingos Ramos havia escrito em Bolama respeitante a uma tremenda injustiça por parte de um superior hierárquico que o levou à prisão durante uns dias".

"Foi uma daquelas situações tão frequentes, infelizmente, na vida militar que levam a que muitos inocentes sejam punidos apenas porque a corda parte sempre pelo lado mais fraco e a máxima de que 'palavra de oficial faz fé' é uma realidade. Nesse memorando, era bem patente o desgosto que ele sentia por ter sido vítima de tal injustiça e, mais do que um desgosto, notava-se o destruir das convicções que até ali o tinham norteado".

Nos primeiros dias de Novembro [de 1960], juntamente com o Rui Jassi, Constantino Teixeira e outros antigos camaradas do Mário Dias, Domingos Ramos "partiu para Pequim, Praga, Moscovo e demais escolas de guerrilha tornando-se um dos primeiros e mais importantes chefes de guerrilha daquele movimento".


2. O encontro de dois amigos inimigos, no Xitole, em 1965
por Mário Dias


Estando com o meu grupo de comandos no Xitole, sensivelmente em meados de 1965, fomos fazer uma patrulha de reconhecimento pois o inimigo há muito mostrava sinais de intensificar a sua actividade na região. Porém, as informações eram escassas. Desconhecia-se com precisão por onde andavam os guerrilheiros e as possíveis localizações dos acampamentos. Por tal facto, foi-nos dada a missão de efectuar um reconhecimento ofensivo, tentando localizar o destruir o inimigo.

Por volta das 3 horas da madrugada saímos no maior silêncio, a pé, pela estrada que liga o Xitole a Mampatá, Aldeia Formosa, etc. Alcançada a bifurcação da picada para Amedalai, internámo-nos no mato, constituído quase só por palmeiras mas bastante denso, e aí aguardámos o romper do dia.

Reiniciada a marcha, com as habituais cautelas e as indispensáveis medidas de segurança, fomos progredindo pelo mato, acompanhando de perto o traçado da picada.

Andar um pouco, parar, escutar, analisar pistas e vestígios de presença humana, consumiu uma boa parte da manhã. Era quase meio dia quando ouvimos, vindos da nossa esquerda, alguns tiros. Não foram muitos. Por não terem sido dirigidos com precisão e sobretudo com intenção de nos atingir, concluímos que se tratava de tiros de reconhecimento (eles também os faziam). Devem ter pressentido algo mas não tinham a certeza da nossa posição nem, possivelmente, da nossa presença.

Desta forma, e como nos interessava obter informações sobre a actividade do inimigo, deixei o grupo instalado defensivamente e fui, com a minha equipa (5 homens) em direcção à zona de onde os tiros tinham partido fazer o reconhecimento. O que essa progressão teve de cautelas, expectativas e adrenalina é fácil de imaginar para quem viveu situações semelhantes.

De repente, ouvimos pessoas a conversar e o ruído característico de movimentação. Querendo observar melhor o que se estava a passar, ergui-me acima do arbusto que me ocultava. Foi então que aconteceu. Do outro lado, a cerca de vinte ou trinta metros, um vulto se ergueu também e olhou na minha direcção. Espanto dele! Espanto meu! Era o Domingos Ramos.

Ficámos ambos como petrificados. Não falámos, apenas nos limitámos a sorrir e houve como que uma espécie de telepatia. Mas, mesmo sem falar, as expressões de contentamento de ambos (espero que ele tivesse entendido que também eu estava contente com o inesperado mas feliz encontro) tornaram mágicos aqueles breves momentos que jamais esquecerei.

Mas era preciso regressar à terra. De imediato ouvi as suas ordens:
- Nó bai, nó bai -. E internou-se ainda mais, desaparecendo na densa mata. Voltei para trás, para junto do resto do grupo:
- Não há problema. Era um pequeno grupo mas já fugiram.

E continuámos a patrulha sem mais percalços. Claro que este episódio não constou do relatório. E foi assim.

Um abraço

Texto: © Mário Dias (2006). Direitos reservados

_______

Nota de L.G.

(*) Originalmente publicado na I Série do nosso blogue em 2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCIII: Domingos Ramos e Mário Dias, a bandeira da amizade (Luís Graça / Mário Dias)

Vd. outro postes do Mário Dias sobre o Domingos Ramos, seu amigo e camarada do Curso de Sargentos Milicianos de 1959:

2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCI: Domingos Ramos, meu camarada e amigo (Mário Dias)

Vd. ainda:

2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCIV: O segredo do Mário Dias, ex-sargento comando

12 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2343: PAIGC - Quem foi quem (5): Domingos Ramos (Mário Dias / Luís Graça)

20 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2461: Blogoterapia (38): Dois heróis, dois homens com valores, Domingos Ramos e Mário Dias (Torcato Mendonça)

24 de Julho de 2008 >Guiné 63/74 - P3090: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação do cubano Ulises Estrada


Sinopse: Neste excerto [vídeo], Ulises Estrada que chega à Guiné em meados de 1966 - não fazendo parte, por isso, do primeiro contingente cubano, que era composto por 3 médicos e 3 artilheiros, chegados a 29 de Abril de 1966 - relata o esforço dos voluntários cubanos na luta de libertação, ao lado dos guerrilheiros do PAIGC.

Faz referência a ataques em que ele próprio participou, desde o Olossato a Farim, desde Buba ao Morés, incluindo uma emboscada na estrada de Enxalé-Portugole, e um ataque ao destacamento de Missirá, no Cuor, a norte do Rio Geba (em Dezembro de 1966), a nossa conhecida Missirá onde estiveram, em épocas diferentes, os nossos camaradas Beja Santos (Pel Caç Nat 52, 1968/69) e Jorge Cabral (Pel Caç Nat 63, 1970/71).

Evoca também a figura e Domingos Ramos, chefe da Frente Leste e comissário político do PAIGC, que morre a seu lado a 10 de Novembro de 1966, num ataque de artilharia (1 canhão s/r) e infantaria ao quartel de Madina do Boé. O Ulises disse-me pessoalmente, em Bissau, que o Domingos Ramos foi morto por um estilhaço de morteiro, quando o tentava proteger. O seu corpo foi resgatado pelo cubano, "para que não caísse nas mãos dos portugueses" (sic), e levado a seguir para a base de Boké, na Guiné-Conacri, onde foi entregue a Aristides Pereira. Ulises diz do seu camarada guineense que era um grande homem, um grande combatente, e um grande líder político.