

Amigo Vinhal
Segue mais uma Viagem… que relata aligeirada mas fielmente, uma situação complicada com pormenores que julgo jamais esquecer, na sua essência.
Um abraço amigo
Luís Faria
Bula – um mês complicado (2)
Emboscada bem montada
Dias após a Op. Borboleta, com o meu 2.º GComb fomos de novo palmilhar Ponta Matar a desígnios da Op. Bajudinha.
Como sempre, saída à noite, entrada na mata ao amanhecer, progressão com atenção redobrada sem facilitar, evitando o mais possível os trilhos e clareiras, ouvidos atentos aos sons ambiente e sua alteração, sentidos alerta e prontos a reagir, enfim aplicando as medidas possíveis de segurança que íamos aprimorando com a experiência.
Por termos tido uma instrução de Tropa Especial , o Castro e eu considerávamos que a segurança do Grupo era maior indo um de nós, por norma, em primeiro ou segundo lugar na fila o que também nos permitia melhor controlar o andamento na progressão e evitar ou corrigir mais rapidamente, possíveis riscos de itinerário. Não nos demos mal com este sistema e usámo-lo durante toda a comissão (O Fontinha também o usou no 4.º GComb)
Pela hora de almoço o pessoal, mantendo as posições parou numa zona de árvores de grande porte e com alguns baga-baga, aproveitando para comer algo e descansar. Até aqui… tudo a correr bem.
Menos cansados e já reabastecidos, recomeça-se o andamento em mata folgada, comigo em segundo lugar, Barros a meio e Castro na retaguarda. A dada altura, por a mata ser extremamente fechada, fomos obrigados a seguir num antigo trilho de viaturas, que após uma curva à direita, desembocava numa pequena bolanha e ladeando-a dividia-se virando à esquerda na orla, e seguindo em frente em trilho mais estreito.
Tomadas as devidas precauções, avançamos a descoberto, situação que não me agradou, mas era forçosa e já perto da bifurcação, rebenta a emboscada à minha esquerda, com violência, apanhando-me e a uma dezena de rapazes em campo aberto, obrigando-nos a atirar para o chão, usando como protecção relativa o rebordo alteado do desnivelamento do trilho com a bolanha, (ver croquis)

Estendidos no chão, ripostamos sem que o restante pessoal mais atrasado pudesse intervir eficazmente - à excepção talvez do Cancêlo e seu morteiro e do Augusto com os seus dilagramas - por causa da mata quase impenetrável que os ladeava e impossibilitava a movimentação de envolvimento.
De súbito vejo levantarem-se salpicos de terra a escassos palmos à frente da minha cabeça e o sentido da sua deslocação indica-me que os tiros vêm das árvores que estão à minha retaguarda. Rodo sobre o corpo e faço uma série de tiros para a única árvore que considerei passível de acoitar o atirador (3.ª vez que me aconteceu uma situação do género. A primeira no Choquemone, a segunda uns dias atrás nesta mesma zona de Ponta Matar) que, ou por ter sido atingido ou se sentir detectado, deixou de os fazer.
Ao rodar de novo para a posição inicial, ouço e vejo um rebentamento de morteiro no trilho mais estreito que estava no enfiamento da picada, logo seguido de um outro e mais outro, cada vez mais próximos de nós!! Era óbvio que havia um morteiro IN no trilho estreito, que não conseguia ver, mas que vinha alongando o tiro na nossa direcção. (ver croquis)!!!
Gritei para o Pessoal:
- Morteiro!!… saiam do trilho !!
Deitado passei-me para o outro lado do rebordo, no que fui seguido pela rapaziada. Mais três ou quatro morteiradas caíram já na zona e acabaram, fazendo-nos um ferido – creio que o 1.º Cabo Castanhas, (já tinha sido ferido no Choquemone) - tendo sido evacuado por heli.
… Julgo que, com a chegada de apoio aéreo e do heli para evacuação, tudo acaba.
Tínhamos ultrapassado uma dura emboscada, mas desta vez e no meu entender, concebida para arrumar com uma série de nós, o que só não aconteceu graças a Deus, à calma fria e experiência que cada vez mais íamos adquirindo.
Ao que deduzi e aprendi, o IN detectou-nos e conhecedor do terreno , apercebendo-se de que tínhamos entrado naquele antigo trilho de viaturas, sabia que não tínhamos outra saída que não fosse desembocar na bolanha. Daí ter tido tempo mais que suficiente para nos armar aquela emboscada tão bem montada!
De novo confirmei que em progressão na mata, os trilhos, picadas, clareiras eram de evitar a todo o custo, se queríamos ter mais hipótese de regressar pelo próprio pé e… SOBREVIVER . Era também para isso que lá estávamos!
Nota: O 1.º Cabo Castanhas foi um dos que, muito merecidamente foi distinguido com o Prémio Governador.
Um abraço à Tertúlia
Luís Faria


Fotos e legendas: © Luís Faria (2008). Direitos reservados
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 11 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4174: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (12): Bula - Um mês complicado (1) Faria, oh Faria, apanharam-me