terça-feira, 15 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4957: Tabanca Grande (173): Manuel Marinho, ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Farim e Binta (1972/74)

1. Mensagem de Manuel Alberto Costa Marinho, ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74, com data de 1 de Setembro de 2009: 

 Caros Camaradas, Luís Graça, Virgílio Briote, Carlos Vinhal, Eduardo Magalhães: 

 Apresenta-se o ex-1.º Cabo Manuel Alberto Costa Marinho, do 1.º GComb/1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, comissão em Nema/Farim, Binta, em 1972/74. 

 É com enorme sentido de gratidão, extensível aos restantes colaboradores do blogue e a todos os tertulianos da Tabanca Grande, que me dirijo, pela primeira vez. Mais vale tarde que nunca. 

 Como ex-combatente da Guiné, não posso ficar indiferente ao que de melhor temos neste País para testemunhar o que foi a Guerra Colonial, mais concretamente a da Guiné, vivida e contada pelos seus protagonistas, por isso mais uma vez, um muito obrigado pelo excelente trabalho que podemos testemunhar. E antes de mais peço a admissão na “Tabanca”, certo que já o poderia ter feito, mas só agora julgo oportuno, pelo facto (se calhar egoísta) de estar a ajudar uma sobrinha a fazer um trabalho sobre a Guerra Colonial, foi a miúda, que me incentivou a contar as minhas vivências na Guiné, depois de consultar muitas vezes o blogue, e sabendo que estive no inferno de Guidaje, praticamente em todas as suas incidências. 

 Como muitos de nós já o disseram, é penoso lembrar o que já estava na penumbra da memória, mas acho valer a pena este esforço, porque entendo que uma parte muito importante das nossas vidas ficou para sempre na Guiné, numa Guerra da qual eu não me envergonho de ter participado, e sou dos que sabiam minimamente para o que iam. Depois porque ao longo destes anos (e já são 35), somos vergonhosamente ostracizados por todos os poderes instituídos neste País, que foram coniventes com o apagar da memória colectiva, de tudo o que diga respeito à Guerra Colonial, e mais grave do que isso, transformando os que por razões várias desertaram, em heróis, e nós que combatemos, só nos falta pedir desculpas por ainda estarmos vivos a contar (dissecar) esta guerra. 

Pessoalmente, sinto-me ofendido com a imagem redutora que tem sido dada às gerações que se seguiram, não quero louvores, mas exijo respeito pelos que morreram, e por todos os que ficaram marcados por ela para sempre. 

Desculpa, camarada Luís, este desabafo, corta tudo o que achares necessário, porque sinto esta revolta surda sempre que abordo esta questão. Quero saudar muito especialmente os camaradas Amílcar Mendes (*) da 38.ª de Comandos, Victor Tavares da 121 dos “Páras” e o Albano M. Costa da CCAÇ 4150, os dois primeiros que descrevem operações de combate e o Albano que me fez rever Binta, peço desculpas ao omitir mais camaradas, sei que os há que viveram Guidaje e escreveram sobre esse fatídico mês, os Fuzileiros por exemplo. Como também não desejo que outros contem a Guerra por mim, vou descrever o ataque à primeira coluna para Guidaje, que como é sabido não chegou ao destino.

  GUIDAJE - A PRIMEIRA GRANDE EMBOSCADA

A nossa Companhia estava sediada desde meados de Janeiro em Nema, aquartelamento avançado de Farim, com dois GComb, o 1.º e o 2.º os outros dois, 3.º e 4.º em Binta. No dia 8 de Maio, o 1.º GComb recebe ordens para juntamente com um Grupo da Companhia 14.ª de Farim, escoltar uma coluna de abastecimento, 2 Berliet mais 2 Unimogs com armamento e mantimentos para socorrer um aquartelamento que era Guidaje, e do qual apenas sabíamos que era flagelada com bastantes ataques de morteiros. 

De noite, em Nema avistavam-se os clarões dos rebentamentos e ouviam-se, ainda que remotamente, os estrondos das explosões. Deslocámo-nos de tarde para Binta, fortemente armados, escoltando as viaturas carregadas. O trajecto foi feito sem problemas e quando começava a findar o dia, a ordem de avançar para Guidaje foi dada já começava a anoitecer, quando esperávamos seguir apenas ao raiar o dia seguinte. Havia apreensão, porque escoltar viaturas de noite era complicado já que nos retirava a mobilidade necessária em caso de ataque. 

 Avançamos com os picadores na frente da coluna para a detecção de minas enquanto foi possível, depois foi dada ordem para a subida para as viaturas, porque já não se via para fazer a picagem, e foi a primeira viatura, a fazer de rebenta-minas. O roncar dos motores das viaturas, com as luzes acesas, fazia-nos temer o pior, até que aconteceu o rebentamento da mina na primeira Berliet, cerca das 19 horas e não às 15 como publicação recente editou, causando desde logo dois feridos, entre os quais o nosso Alferes que comandava a coluna. 

 Depois dos saltos para o chão dos que seguiam nos Unimogs após o rebentamento da mina, ficamos emboscados, e apenas víamos o camarada à nossa esquerda e o outro à direita. Cerca de 10 a 15 minutos depois, o restolhar de passos no mato, vindo do nosso lado esquerdo obrigou muitos de nós a fazer a respectiva rotação, porque de imediato começou o primeiro ataque, e único desse dia. O IN avançou até à picada, disparando rajadas curtas e, dada a proximidade, chegando eu a divisar na noite a silhueta dum IN de tão próximo eles se aproximaram, provávelmente esperando o efeito de desorientação da nossa parte, (posteriormente soubemos que estavam emboscados mais à frente com a picada cortada por abatises), o rebentamento da mina A/C, apenas precipitou os acontecimentos, a julgar pelo que aconteceu depois, ainda podia ser pior. Também RPGs LGFOGs e MORTs foram utilizados no ataque. 

 Depois de intenso fogo de resposta da nossa parte, houve a retirada estratégica do IN para logo de seguida lançarem very-lights e granadas que iluminaram a picada, no sentido de medirem a extensão da nossa coluna. Este primeiro contacto foi de 15 a 20 minutos. Tivemos de pernoitar no local sem possibilidades de retirada, pois não era possível retirar as viaturas, ficando com a desvantagem de o IN ter tempo de montar a sua estratégia de ataque durante a noite para nos emboscarem, com mais precisão. 

 Ao raiar o dia 9 de Maio somos novamente atacados, sofremos logo o primeiro morto, e durante cerca de 4 a 5 horas os ataques foram ininterruptos, atacavam-nos revezando-se, ora do lado direito, ora do esquerdo da picada, causando-nos mais 3 mortos e bastantes feridos e, como no local o mato era denso, os estilhaços dos RPGs e LGFs fizeram-nos muitos estragos. 

 Era um cenário desolador e trágico o que nos rodeava, até pelo facto de estarmos rodeados de camaradas feridos, alguns com gravidade, eu apenas fui carimbado com pequenos estilhaços sem gravidade, mesmo perante esta situação limite, resistíamos, já tínhamos experiência de combate, mas isto era inimaginável. Nem o apoio de fogo aéreo conseguiu aliviar a pressão. Sem munições e muito desgastados física e psicológica, e já no limite, fomos socorridos por forças de Binta que nos ajudaram a retirar e resgatar os feridos, aguentamos até onde foi humanamente possível, e é com mágoa que relembro a impossibilidade da retirada dos nossos mortos, 1 do meu Grupo, 1 da 3.ª do meu Batalhão, e 2 da 14.ª. 

 Hoje tenho a impressão que o IN, já nesta fase, esperava a nossa retirada para o saque das viaturas. A demora na chegada de reforços contribuiu, na minha opinião, para que tal acontecesse, e a prioridade eram os feridos, a ordem de destruir as viaturas, de imediato (?)... é ainda hoje um mistério para mim, porque havia feridos junto às viaturas. Mas é a agonia e o sofrimento atroz do meu camarada, que atingido gravemente, por duas vezes, acabou por morrer, mau grado todos os esforços, feitos debaixo de fogo do IN pelo nosso enfermeiro para atenuar o seu sofrimento, e perante a nossa impotência para o retirar. É o meu maior pesadelo de guerra até morrer, honra à sua memória. Infelizmente fomos nós a sofrer esta emboscada, que se não foi a maior, seguramente foi das piores que aconteceram na Guiné, e deu início ao fatídico mês de Maio de Guidaje. 

 Mais tarde se o entenderem, direi o que penso sobre o resgate dos corpos. Omito os nomes dos meus camaradas mortos por razões de respeito. Algumas clarificações que valem o que valem a esta distância quando a memória começa a falhar, mas este testemunho é o de quem viveu praticamente todas as incidências de e em Guidaje, que apenas e só, pretende dar mais um passo na reconstituição dos factos. 

 Depois falarei sobre a minha chegada a Guidaje integrado na última coluna, do dia 29, e de alguns episódios que ocorreram nesse mês. 

  Nota pessoal 

Todos nós sabemos a importância das forças especiais de combate na resolução do conflito Guidaje, concretamente dos Comandos, dos Páras e Fuzileiros (acompanhamos todos eles durante esse mês), mas foi a 38.ª de Comandos, com 2 GComb que na coluna seguinte, dia 10, também com a presença do nosso 2.º Grupo, foi a primeira força de tropa especial a chegar a Guidaje e a tomar contacto com o que se tinha passado connosco. O camarada Amílcar Mendes tem razão, aproveito para o felicitar pela coragem (não fosse ele comando), e pela forte carga emocional ao descrever o que viu no dia 10, e pelas suas crónicas de guerra, na minha modesta opinião, são de consulta obrigatória para quem viveu Guidaje, ou para estudar esse período. Mais tarde, se assim o entenderem, darei o testemunho do que vi quando voltaram, dia 13. 

 Um forte abraço para todos vós. 

Porto, Setembro de 2009-09-01

  2. Comentário de CV: 

 Caro camarada Manuel Marinho, sê bem-vindo à nossa Caserna Virtual e aceita as minhas desculpas por demorar tanto tempo a franquear-te esta porta que afinal nem existe. A descrição que fazes dos acontecimentos em Guidaje, vividos pessoalmente por ti, fazem arrepiar, tal é a imagem que consegues passar. Muitos de nós vivemos situações mais ou menos parecidas, mas como essa emboscada do dia 9 de Maio de 1973, penso que não. Foram uns dias terríveis para as NT, pois o IN quis fazer ronco nos três Gs, Guidage, Guileje e Gadamael. Acabei a minha comissão no primeiro trimestre de 1972, e vim convencido que me estava a livrar de uma guerra que caminhava no pior sentido, na hora certa. 

Que me desculpem aqueles que me precederam, mas foi com alívio que vi o avião que me (nos) trouxe de volta à Metrópole, a levantar o trem do chão da Guiné. É minha convicção que não havia desfecho possível para aquela guerra, a não ser uma saída política, como aliás veio a acontecer. 

 Caro Manuel, tudo o que possas contar desse tempo e da tua vivência em Guidaje, será bem-vindo, porque, como quem vai à guerra dá e leva, também tivemos os nossos maus bocados, e esses devem ser do conhecimento daqueles que por algum motivo não viveram o mesmo que nós, naquele território tão pequeno, mas de guerra tão intensa. 

 Com o meu renovado pedido de desculpas pela demora, que não denota falta de consideração da minha parte, mas impedimento por afazeres caseiros (manutenção do Blogue), recebe um abraço em nome da tertúlia.
 CV 
__________ 

 Notas de CV: (*) Vd. postes de Amílcar Mendes de: 





Guiné 63/74 - P4956: Convívios (163): 14.º Almoço de confraternização de ex-militares da Guiné, dia 26 de Setembro em Ponte de Sor (J.M. Félix Dias)

1. Mensagem do nosso camarada João Manuel Félix Dias, com data de 12 de Setembro de 2009:

Assunto: Convívio; P/ divulgar se possível e oportuno.

Meu Caro Amigo Carlos Vinhal:
os meus mais sinceros cumprimentos e votos de Boa Saúde.
jmfélixdias



COMISSÃO ORGANIZADORA DO ALMOÇO DOS EX-COMBATENTES DA GUINÉ

14.º ALMOÇO
CONFRATERNIZAÇÃO DE EX-MILITARES DA GUINÉ


Realiza-se no próximo dia 26 de Setembro pelas 12,30 horas, no Restaurante Padeiro em Ponte de Sor, situado na Rua Soeiro Pereira Gomes, n.º 28, a Almoço anual dos ex-militares dos três Ramos das Forças Armadas que prestaram serviço na Guiné.

Aceitam inscrições:

Fernando Manuel Galveia - 963 807 156
Joaquim António Esteves - 962 620 924
José Luís Correia - 919 352 308
José Manuel Menaia - 963 615 814

Atenção: Só se aceitam inscrições, impreterivelmente até ao dia 23.09.2009
Não telefonar depois desta data


EMENTA

Aperitivos
Entradas quentes e frias
Sopa de legumes
Bacalhau gratinado com espinafres
Bifinhos de porco com gambas
Fruta e doce
Águas, vinhos e refrigerantes
Café e digestivo

Preço: 20,00 Euros

Guiné 63/74 - P4955: Agenda Cultural (25): Os Doces Conventuais (Alcobaça) e o nosso património de afectos (Vasco da Gama / José Eduardo Oliveira)

Cartaz da VIII Mostra de Doces e Licores Conventuais (Mosteiro de Alcobaça, 16-19 de Novembro de 2006).

Foto: © Município de Alcobaça (2006) (Com a devida vénia...)


1. Mensagem do JERO, com data de hoje:

Caro Luís

Reeencaminho e-mail do Vasco da Gama e meu para te lembrar que em fins de Outubro próximo temos
[a XI Feira Internacional de] Doces Conventuais", em Alcobaça [,desde 2006, realizada no Mosteiro de Alcobaça, e um verdadeiro sucesso]. Portanto atenção à tua 'Agenda' (*).

Como poderás ver pela troca de e-mails abaixo o teu blogue conseguiu este intercâmbio fantástico de afectos. Esse feito já ninguem te tira.

Um grande abraço e cuidado contigo.

Não te mates a trabalhar pois és muito importante para nós.
Abração.
JERO

2. Mensagem do JERTO para o Vasco da Gama:

Cara Camarada e Amigo Vasco da Gama:

Julgo ser um bocado mais velho que tu e sou um sentimentalão. Estou a responder-te a quente e com a lágrima ao canto do olho.

As tuas palavras calaram-me fundo e só posso dizer-te que espero conhecer-te em breve para te dar um apertado abraço.É por isso que é bom estar vivo...

Amigo Vasco da Gama, já li alguns dos teus escritos. Absolutamente notáveis. O dos desertores (*) tocou-me bastante fundo porque tive por perto um menino rico, da minha geração, que se passou para França para um exílio dourado. E anos mais tarde chamou-me no gozo,numa visita a Alcobaça, Zé Africano, Mas essa estória não é para hoje.

Hoje é para te agradecer o convite e retribuir-te .

Em Alcobaça, casa às ordens na Rua Afonso de Albuquerque (...). Moro na Rua mais importante de Alcobaça, que é fácil de localizar. É a Rua do Cinema, da Secção de Finanças, do Hospital e mesmo no fim é o Cemitério. Além disso pega com a Rua do teu antepassado Vasco da Gama.

Não há que enganar. Dentro de um mês e pouco Alcobaça vai ser a capital nacional dos Doces Conventuais. Já convidei o Luís Graça e gostaria, também, de te ter por cá. Pela A8 é uma hora de caminho, como sabes. Convite extensivo a tua mulher, obviamente.

Até lá espero ter o prazer de te ler no blogue do nosso Luís ou por e-mail. Está na moda os amigos do face não sei quantos! Acho que, no caso, já somos amigos. Os anos da Guiné, quer se queira quer não, estão agora a capitalizar um enorme património de afectos.

Um grande abraço.
Até sempre e até breve.
José Eduardo Oliveira

3. Citando Vasco da Gama :

Camarada e Amigo José Eduardo Oliveira, da minha terra de Buarcos/Figueira da Foz, onde nasci, cresci e agora vivo, após uma passagem de quase trinta anos por Coimbra, duas pequenas notas.

A primeira para te agradecer as palavras elogiosas mas, sem falsas modéstias, imerecidas que tiveste a gentileza de dirigir à minha pessoa.

A segunda para, com toda a sinceridade, te dar os parabéns pelos textos maravilhosos que tens colocado no nosso Blogue. Não, não se trata de troca de galhardetes, já o havia referido à minha mulher, quando regressado de férias à rica, quase trinta dias ao sol dos Algarves, tive oportunidade de me familiarizar com os teus escritos. Ora aqui está uma excelente aquisição para a Tabanca Grande...

Finalmente para colocar a minha morança à tua disposição e dos teus [, em Buarcos]: (...)

Até sempre e um abraço do
Vasco

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste anterior desta série > 26 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4863: Agenda cultural (24): A História de Cristina, por Mikael Levin, no CCB, de 31/8 a 8/11 (Carlos Schwarz, 'Pepito' / Luís Graça)

(**) Vd. poste de 15 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4532: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (III): Desertores

Guiné 63/74 - P4954: Convívios (162): Convívio da CCAÇ 2797 – Cufar 1970/72, dia 4 de Outubro de 2009 em Figueiró dos Vinhos (Luís de Sousa)


1. Mensagem do nosso Camarada Luís de Sousa, ex-Sold Trms, CCAÇ 2797 (Cufar 1970-72), que nos enviou uma mensagem solicitando a divulgação da confraternização anual da sua companhia:

Camaradas e Amigos,

Aqui estou eu de novo, a pedir a publicação da data da Confraternização da minha CCAÇ 2797, que esteve em Cufar, 1970/72, e do Pelotão de Canhões S/Recuo 2199, que se vai realizar, este ano, a 4 de Outubro, em Figueiró dos Vinhos.

A organização está a cargo do ex-Furriel Almeida, que pode ser contactado pelo telefone 236 552 551, ou pelo telemóvel 919 500 144.

Com os nossos agradecimentos, aquele abraço amigo,
Luís de Sousa
Sold Trms da CCAÇ 2797
__________

Nota de MR:

Vd. último poste da série em:


Guiné 63/74 - P4953: (Ex)citações (45): Resposta ao Mário Fitas: Luís, deixa sair de vez em quando as G3...(Luís Graça)

Marvão > 20 de Agosto de 2009 > O stresse do ninho...


Foto: © Luís Graça (2009). Direitos reservados


Meu caro Mário (Fitas):

Estou-te a escrever, não a título pessoal mas como editor, condição em que fui interpelado, desafiado, irónica mas amavelmente, por ti. Vou tentar responder ao teu repto, se for capaz. E começo por citar as tuas palavras, desdobrando-as em três proposições:

(i) Luís desculpa, mas deixa sair de quando em vez a G3; (ii) Dá mais força ao Blogue; (iii) No 25 de Abril, as G3 tinham cravos! (Mário Fitas dixit)…

Dispensa-me de comentar, para já, à proposição nº 3 (que precisaria de mais tempo e vagar para ser analisada)... E vamos às duas primeiras e ao contexto em que as inseres...

Nós, editores, sabíamos que a confissão do Amílcar Ventura (AV) ia provocar sangue... Muitos camaradas não iriam ver e ouvir, impávidos e serenos, o AV a abrir a sua caixinha de Pandora (*)... O próprio mediu, até certo ponto (só até certo ponto), as consequências do seu acto. Não posso nem me compete saber quais são as suas motivações profundas, mas não acredito que nos tenha revelado o que revelou (o seu segredo...) por mero masoquismo, exibicionismo, bravata, provocação, humor negro, show-off, etc.... Não dou de barato a ideia que são insondáveis os mistérios da alma humana, como pretende a filosofia de senso comum, contra a qual tendo a estar de pé atrás... Mas, se é isso que ele, o AV, esperava, não tem que esperar pela demora: já tem mais de 50 comentários na caixa do correio, muitos deles a dar-lhe no toutiço…

Ao nosso camarada Amílcar (Ventura, de apelido, e que continua a ser nosso camarada, não se tendo transformado num dia para o outro em pária, que eu saiba ainda não foi proscrito, não foi expulso do blogue, independentemente das críticas – e algumas bem duras – de que já foi alvo, independentemente da natureza dos seus actos no passado, como nosso camarada, e que alguns já condenaram abertamente, em termos morais), ao AV, dizia, os editores pediram-lhe, esclarecimentos adicionais, nomes, números, datas, lugares... de modo a tornar mais verosímil ou, pelo menos, consistente a sua versão...

Infelizmente, não há testemunhas. Também se as houvesse, a história dos bidões de gasóleo dados à borla ao PAIGC seria porventura um segredo de Polichinelo...

É bom lembrar que o AV insistiu em publicar a sua confissão ou revelar o seu segredo , mesmo sabendo que os seus actos, no passado, podiam configurar um crime mais ou menos grave, à luz do Código de Justiça Militar então em vigor, quiçá até, um crime nefando, segundo alguns, o crime de traição, mesmo que o país não estivesse oficialmente em guerra nos últimos meses de 1973 e primeiros de 1974, período em que o Amílcar Ventura andou armado em Robim dos Bosques da Guiné, roubando – gasóleo - aos ricos, aos colonialistas, aos tugas, para o dar aos pobrezinhos, aos nacionalistas, aos revolucionários, aos guerrilheiros do PAIGC, com a cândida e alegada intenção de ‘apressar o fim da guerra’ e ‘salvar vidas’, de um lado e do outro…

Não sou jurista, constitucionalista, penalista... Mas talvez alguns camaradas do nosso blogue, juristas, especialistas em leis, homens do direito como o Jorge Cabral, o João Seabra, o Carlos Silva, o Álvaro Branquinho, o J.L. Mendes Gomes, etc. nos possam dar uma ajuda, para saber qual o enquadramento penal (disciplinar e criminal) em que o nosso ex-Furriel Mecânico Auto Amílcar Ventura, que fez questão em ir parar à Guiné (até meteu uma cunha!), poderia eventualmente incorrer, se tivesse o azar de ter sido apanhado com a boca na botija, neste caso, com a mangueira na mão a encher, de gasóleo, os depósitos das viaturas do PAIGC, estacionadas no Senegal, e que serviam para transportar tudo o que uma guerrilha precisa em tempo de guerra: armas, munições, géneros alimentícios, feridos, homens e suas bagagens, comissáris políticos, jornalistas estrangeiros, criancinhas e professores das escolas, etc., num contexto de guerra que não era bem de guerra, para o regime político de então, mas em que se matava e morria, de um lado e do outro, incluindo as populações, inocentes, que não queriam tomar partido por um lado ou pelo outro...

É uma mera curiosidade, própria dos seres humanos que são animais, primatas, curiosos, inteligentes e sociais: que desventura(s) aconteceria(m) ao Amílcar num caso destes ? Que ele apanhava uma porrada, isso não me admiraria… E, a propósito, não sei como funcionava a justiça militar, e nem qual era o seu grau de independência em relação ao poder político-militar naquela época...

Mas, mais do que isso, ao AV nunca lhe perdoariam os seus camaradas de então, caso ele quisesse (e pudesse) justificar-se em público na altura... A pior condenação é sempre a dos nossos pares, a proscrição decretada pelo nosso grupo, o banimento do nosso território, o exílio (físico ou simbólico)...

Mas também sabemos que, bem ou mal contada, a história do seu segredo tem mais folhetins que ele, por enquanto, não nos quis dar a conhecer em detalhe... Alega apenas que a sua motivação foi política... Isto é, há antecedentes que ele entendeu omitir e que eventualmente viriam esclarecer a questão: afinal, qual foi o móbil do crime, o que é que o levou a tornar-se um colaboracionista do PAIGC... (Ele promete vira a terreiro prestar escarecimentos adicionais sobre esta história...).

É sabido que muitos guineenses, nossos aliados - incluindo alguns soldados que foram meus amigos e camaradas - pagaram caro, com a vida ou a liberdade, sua colaboração com os tugas, tendo escolhido o lado errado da barricada... Tem acontecido sempre assim em todas as guerras, com os vencedores a fazerem ajustes de contas com aqueles dos seus que pactuaram com o inimigo... Neste caso, guineenses, de etnia fula e manjaca, por exemplo...

Quanto ao uso e abuso da G3 no blogue, que é a questão que me traz aqui (refiro-me à provocação, saudável, do nosso Furriel Mamadu, aliás, Mário Fitas): não sou cabo quarteleiro, não tenho as G3 à minha guarda, não posso nem quero gerir as tensões e as pulsões que elas despertam (as G3, as Kalash, as armas de guerra, em geral)…

Essa tarefa, se necessária e exequível, compete-nos a todos, e não apenas a mim e aos restantes editores…

Percebo o que queres dizer, Mário: precisamos de mais stresse no blogue, de mais pica, dá-nos mais força... E até um cheirinho a pólvora , a chegar-nos ao nariz, de vez em quando não nos faria mal... Concordo contigo e sempre defendi esse ponto de vista: precisamos, sim, é de pluralidade, diversidade, heterogeneidade, frontalidade, e até de conflitualidade (teórico-ideológica) nas abordagens, leituras , análises e interpretações dos factos, dos relatos, das histórias, ou seja, da matéria-prima que publicamos todos os dias no blogue...

Sou dos que pensam que, em quase tudo na vida, as nossas divergências não são necessariamente antagonismos... E aí estamos de acordo: no blogue não temos que pensar todos pela mesma cabeçorra (aliás, felizmente não há nenhuma, há muitas, e boas cabecinhas); temos é que pensar cada um pela sua...cabecinha. Ora isto não é sinónimo de sacar da G3, muito menos por dá cá esta palha...

Como se diz em inglês, stress is the spice of life, not the kiss of death… O stresse é o que dá pica à vida, mas não deve ser o beijo da morte… O stresse, de sinal negativo (distress, em inglês), mata, é um assassino silencioso; a G3 também mata, se a gente não a souber usar… Aliás, ela só serve para duas coisas: matar ou intimidar...

As polémicas - metaforicamente, em linguagem figurada, a G3 (em tiro a tiro ou em rajada) - se se sobrepuserem às nossas histórias, podem levar a situações de conflito irracional, disfuncional, patológico, negativo, gratuito, exacerbando as nossas diferenças, aumentando as nossas clivagens, levando em última análise ao disfuncionamento da nossa Tabanca Grande e do nosso blogue, à desorganização máxima, à entropia, e no limite à morte...


A morrer, o nosso blogue (e um dia vai morrer connosco, com esta geração que, como bem me lembra o Virgínio Briote, tem mais dez anos de vida social útil), que não seja de morte matada, em guerras fatricidas...


Tu mesmo sabes, meu caro Mário, por experiência própria, quais são algumas das consequências negativas dos conflitos em que já estiveste envolvido, nomeadamente quando estás num grupo, competindo com outro grupo e querendo a todo o custo impor a tua verdade, a tua versão, a tua idelologia, os teus valores, os teus princípios, a tua grelha de leitura do real, os teus óculos:

(i) Desencadeiam sentimentos, menos nobres, de frustração, hostilidade, negatividade, são um factor de distress, de ansiedade, de angústia, de medo, de sofrimento psíquico;

(ii) Fazem aumentar a pressão para a conformidade no grupo, reduzem a margem de liberdade individual, fomentam a intolerância;

(iii) Levam a um desvio de energia e de objectivos;

(iv) Fazem acentuar a recusa em cooperar, levando a acções de bloqueio;

(v) A comunicação tende a distorcer-se, fortalecendo a recusa em pactuar com o inimigo, aqueles gajos, aqueles filhos da mãe, aqueles isto e aquilo...

(vi) Levam-nos a perder o sentido da realidade (com a amplificação do conflito, há um efeito imparável de bola de neve, às tantas já ninguém sabe quem começou, quando se começou, por que é que se começou, qyem disse o quê a quem, etc.).

Aspectos positivos dos conflitos, incluindo as manifestações (abertas) das nossas divergências de pontos de vista ? Quando há clivagem entre dois grupos,

(i) Há um aumento do stresse de sinal positivo (eustresse), interesse, energia, criatividade, nos membros do grupo;

(ii) Reforç-se a identidade e a coesão do grupo;

(iii) Passa a haver maior motivação para o eficaz desempenho do grupo;

(iv) Alerta-nos para problemas críticos, ajuda a identificar novos problemas;

(v) Previnem-se conflitos mais graves;

(vi) É testado e reajustado o sistema de poder na organização, nos grupos...


G3 na Tabanca Grande ?

Como no faroeste da nossa infância, nas guerras dos índios e dos cow-boys, prefiro que sejam de pau ou que, no mínimo, fiquem à guarda do xerife enquanto a gente vai ao saloon beber um copo... A ter que esgrimir argumentos para defender os nossos pontos de vista, que o façamos com a cabeça e o coração, com a inteligência e a emoção, mas sempre com elevação e elegância... O que não tem nada a ver com conformismo, pensamento único, linguagem de pau, alinhamento ideológico, status quo, ortodoxia... Nem tem nada a ver com o politicamente correcto, o socialmente correcto, o eticamente correcto, etc. Como eu gosto de citar, há um provérbio popular que diz: "o dente morde na língua mas mesmo assim vivem juntos"...

Com um chicoração

Luís Graça

______________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4936: O segredo de... (6): Amílcar Ventura: a bomba de gasóleo do PAIGC em Bajocunda...

Guiné 63/74 - P4952: Filatelia(s) (2): Envelopes e selos comemorativos da Proclamação do Estado da Guiné-Bissau - 1974 (Magalhães Ribeiro)

1. Do arquivo pessoal, do Eduardo José Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré, Brá e Mansoa 1974:

Camaradas,

No poste P4940, pode ver-se a primeira série completa de 4 selos do correio (1, 2,5, 5 e 10 pesos), do João Lourenço, que foram postos a circular pelos Correios da Guiné-Bissau, no dia 10.09.1974.

A série foi dedicada à comemoração da “Proclamação do Estado – 24 de Setembro de 1973” e os selos eram multicolores, com denteado 11.

Na data acima indicada encontrava-me em Brá, no Batalhão de Engenharia, e como sempre gostei de coleccionar coisas, lembrei-me de dar uma pulada a Bissau, e depois de umas horitas numa fila imensa, lá consegui 2 destas colecções, em 6 envelopes timbrados do “Primeiro dia de emissão”, tiragem limitada (numerada de 1 a 10.000), também com a dedicatória a Amílcar Cabral, 12-9-1924 a 20-1-1973, Fundador da Nacionalidade, com carimbo de 10.9.1974.

Hoje anexo abaixo a colecção em 2 envelopes, com 2 selos cada um, com o carimbo de primeiro dia de circulação.
Anexo também o primeiro envelope comemorativo do “1º Aniversário da Proclamação do Estado – 24 – SET - 1974”, limpo sem qualquer selo nem escritos.


Guiné-Bissau > Envelope comemorativo com 2 selos de 1 e 10 pesos.


Guiné-Bissau > Envelope comemorativo com 2 selos de 5 e 2,5 pesos.


Guiné-Bissau > Envelope comemorativo do “1º Aniversário da Proclamação do Estado – 24–SET-1974”

Um abraço Amigo,
Magalhães Ribeiro
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74

Documentos: © Eduardo José Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. primeiro poste desta série em:

Guiné 63/74 - P4951: Parabéns a você (26): Manuel José Ribeiro Agostinho, Escriturário no QG/CTIG, 1968/70 (Os Editores)

15 de Setembro é dia de aniversário do meu particular amigo e camarada da Guiné Manuel José Ribeiro Agostinho (*), ex-Soldado Radiotelefonista, Condutor Auto e Escriturário, QG/Bissau, 1968/70.

Ribeiro Agostinho, além de ser um conceituado empresário é um activista de tudo o que se relacione com os ex-combatentes da Guiné no Concelho de Matosinhos, particularmente da freguesia de Leça da Palmeira. A ele se devem iniciativas como um pequeno Memorial aos combatentes mortos na Guerra do Ultramar existente no Cemitério n.º 1 de Leça da Palmeira e os Convívios anuais dos ex-combatentes da Guiné do nosso Concelho. Ainda encabeça um pequeno grupo de pressão, junto do actual Presidente da Câmara, no sentido de se erguer algo que lembre o esforço da juventude do Concelho de Matosinhos na Guerra Colonial.

Não só pela nossa amizade, mas principalmente pela sua dedicação às diversas iniciativas que encabeça, venho desejar ao Ribeiro Agostinho um dia de aniversário muito feliz, junto da sua esposa Elisabete, das suas encantadoras filhas e netinhas, assim como dos restantes familiares e amigos.

Ribeiro Agostinho está no nosso Blogue desde o dia 25 de Março deste ano. Dizia-nos ele então:

Meus caros amigos Luís Graça, Virgínio Briote e Carlos Vinhal:

Começo por os saudar e dar os parabéns pelo vosso trabalho que é merecedor dum grande aplauso. Saúdo também toda a enorme tabanca que faz parte deste BLOGUE, a que aderi como visitante quase diário, desde que tomei conhecimento dele num Convívio de Ex-combatentes da Guiné em Esmoriz, já lá vão cerca de 3 anos. Não tenho participado por ter uma vida muito activa, mas como o tema (*) era convidativo, aqui estou... mas vou começar pelo princípio.

Agora há que fazer as apresentações da praxe, então aí vai:

MANUEL JOSÉ RIBEIRO AGOSTINHO, ex-Soldado de Infantaria com a Especialidade de Radiotelefonista/Condutor Auto, (Escriturário).

No CTI da GUINÉ estive sempre em BISSAU, mas lá iremos mais tarde.

Sou natural de LEÇA DA PALMEIRA, terra onde resido. Sou casado com a ELISABETE, temos duas filhas e duas netinhas.

Junto as minhas fotos como ditam as regras.

Sobre a minha mobilização para a GUINÉ, começo por fazer uma introdução, o início da incorporação que me levou a tirar a recruta em Espinho (GACA-3), sendo de seguida recambiado para Lisboa (BC-5) para tirar a especialidade de Radiotelefonista, para vir depois novamente para o Porto (CICA-1) tirar a carta de condução de Ligeiros, para depois ainda no Porto seguir para o (RC-6) tirar a carta de Pesados. Depois destas especialidades todas, voltei a Lisboa ao BC-5.

Voltei a ser colocado no Porto no (RI-6), onde começou a etapa da minha vida militar que teve reflexos futuros.

[...]


Deixo algumas fotos de cerimónias onde Ribeiro Agostinho esteve presente.

I Convívio de ex-combatentes da Guiné de Matosinhos, 03MAR07 > Ribeiro Agostinho, na foto em segundo plano, mas em primeiro na organização deste Convívio

II Convívio de ex-combatentes da Guiné de Matosinhos, 12ABR08 > Ribeiro Agostinho acompanhado dos seus inseparáveis colaboradores, António Maria (nosso tertuliano) e José Oliveira.

III Convívio de ex-combatentes da Guiné de Matosinhos, 07MAR09 > Ribeiro Agostinho e o senhor General Carlos Azeredo

Leça da Palmeira, 10JUN07 > Ribeiro Agostinho no uso da palavra, no dia em que se descerraram as placas evocativas dos mortos da freguesia na Guerra Colonial, no Cemitério n.º 1, local.

10JUN08 > Ribeiro Agostinho no uso da palavra no dia da romagem ao Cemitério n.º 1 de Leça da Palmeira, lembrando os camaradas mortos na Guerra Colonial

Ortigosa, 20JUN09, IV Encontro Nacional > Ribeiro Agostinho e sua esposa Elisabete estiveram prsentes. À esquerda da foto, José Eduardo (nosso tertuliano) e sua esposa Maria da Conceição, idos também de Leça da Palmeira

Ortigosa, 20JUN09, IV Encontro Nacional > Para provar a sua disponibilidade para ajudar, aqui está Ribeiro Agostinho colaborando com o Mexia Alves na difícil tarefa de conferir os Euros
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4098: Tabanca Grande (129): Manuel José Ribeiro Agostinho, ex-Sold Radiotelefonista, Condutor Auto e Escriturário, QG/Bissau, 1968/70

Vd. postes de acontecimentos de iniciativa de Ribeiro Agostinho de:

13 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1846: 10 de Junho: Cerimónia no Cemitério nº 1 de Leça da Palmeira (Carlos Vinhal)

11 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2928: Comemorações do dia 10 de Junho de 2008 (1): Leça da Palmeira, Matosinhos (Carlos Vinhal)

7 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1570: Almoço-convívio de camaradas de Matosinhos (Albano Costa / Carlos Vinhal)

18 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2772: Convívios (54): II Encontro de ex-Combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos, 12 de Abril de 2008 (Carlos Vinhal)

14 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4030: Convívios (100): III Encontro dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos, dia 7 de Março de 2008 (Carlos Vinhal)

Vd. último poste da série de 10 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4928: Parabéns a você (25): Tony Grilo, nosso camarada radicado no Canadá (Editores)

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4950: (Ex)citações (44): O direito de cada de um de nós fazer as pazes consigo e com os outros (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem, com data de 1 do corrente, do Joaquim Mexia Alves , ex-Alf Mil da CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa),:


Caros camarigos editores

Não pretendo de forma nenhuma levantar uma polémica! Tenho mais que fazer! Abro na Segunda feira as Termas, finalmente depois das obras e por isso estou muito ocupado.

Deixo-vos no entanto um texto de 'resposta' ao comentário do meu amigo Eduardo Magalhães Ribeiro (*) que, na vossa douta opinião, publicarão ou não conforme entenderem.

Sou um homem de paz de de conciliação e pretendo na minha vida nunca fazer julgamentos de ninguém, embora por vezes falhe nesse meu desejo.

Abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves



Meu caro camarigo Eduardo Magalhães Ribeiro (*)

Li o teu comentário, percebo-o e concordo com ele em parte. Tirando algumas palavras mais duras, julgo que os comentários indignados ao texto em causa, não têm a ver com reacções a quente, mas antes pelo contrário com reacções pensadas.

Pelo menos falo por mim.

Ao ler a primeira vez o texto a minha reacção foi de tentar nem sequer me incomodar com ele! Não me interessava, não queria saber, incomodava-me demais e eu não estava para isso!

Mas à medida que o ia lendo e relendo vinham-me à memória os tempos passados na Guiné, a camaradagem entre todos, esquerda e direita, centro, alto e baixo, defendendo as suas vidas e defendendo as vidas dos que estavam ao seu lado e imaginei o que seria, eu ou outro qualquer, depois de uma emboscada com mortos e feridos, saber que havia um de nós que andava a dar gasóleo ao inimigo para ele se deslocar para o serviço de nos atacar.

Já agora, para acabar com a guerra de vez, era dar ao PAIGC uns mísseis de cruzeiro e uma força aérea potente!

Meu caro camarigo é lógico, (pelo menos da minha parte), que ninguém quer crucificar ninguém, apenas queremos dar vazão à nossa indignação, mas mais do que isso tentar mostrar ao autor da acção que ele está redondamente enganado, e que não contribuiu coisíssima nenhuma para o fim da guerra, mas muito provavelmente para a deslocação de tropas do PAIGC para atacar quartéis e tropas portuguesas.

Como já disse num comentário, não está, digamos assim, tanto em causa a acção, (já passaram trinta e tal anos), mas o tom do relato da mesma.

Parece não haver a consciência de que o acto praticado teve com certeza consequências que, digo eu, felizmente agora não podem ser medidas e repito felizmente, porque se não o trauma seria bem maior.

Mas também entendi sempre que na leitura franca das opiniões dos outros, às vezes difíceis de aceitar, acontecia aquilo que todos ou pelo menos parte de nós desejávamos e que é entendermos melhor o que vivemos e o que fizemos, aceitando os nossos erros e partilhando os nossos êxitos, para assim podermos fazer a paz dentro de nós e a paz com os outros.

Não me admirava que a insistência do Amílcar Ventura em querer contar a sua história seja uma forma de fazer as pazes consigo mesmo e com os outros, (mesmo que no seu subconsciente), para, percebendo o que os outros pensam sobre o que fez, também ele finalmente perceber que afinal a sua acção, que ele pode ter pensado ser boa e meritória, não o foi, e antes pelo contrário foi um acto altamente condenável de consequências imprevisíveis para os seus camaradas de armas.

Resumindo, e sem me armar em melhor do que ninguém, seria importante que ele percebesse isso mesmo, e retratando-se fizesse finalmente as pazes consigo, com os seus camaradas de armas e com o passado que tantas vezes nos persegue.

Por mim, e perante essa assumpção do erro cometido, não tenho problema nenhum em lhe dar um abraço franco e compreensivo.

A ti, meu camarigo do coração e a todos os camarigos abraço com a emoção de sempre.

Joaquim Mexia Alves

2. Resposta (imediata, pessoal e bem-humorada...) do nosso Eduardo MR (que eu tomo a liberdade de publicar aqui, esperando que ele me perdoe o possível abuso, porque nem tudo o que circula pelas ruas e vielas da Tabanca Grande pode e deve aparecer na blogosfera):

Boa tarde Camarada, Amigo e RANGER J.M.A.,

És sempre o mesmo pá, mesmo doendo-te qualquer coisa, devido a ferimento grave estás sempre na linha da frente condescendente e fraterno. É de RANGER!

É claro que aquilo do A.V. foi ALTA traição. Eu só quis abrandar um pouco o fogachal sobre o desgraçado do A.V.

O meu velhote, sargento do exército (já falecido), mal soubesse, lá no mato, que o gajo tinha feito aquilo, primeiro dáva-lhe logo 2 ou 3 tiros e depois arranjava uma explicação.

Eu, na minha qualidade de entregar TUDO ao PAIGC - instalações, veículos, refeitórios, armas e munições excedentes, etc. - nem me sinto no direito de piar... muito menos fuzilar...

Agora se eu tivesse andado por lá aos tiros sujeito a ser abatido, ou a ver os meus camaradas a morrer ao meu lado...

Um abraço Amigo do teu Amigo MR

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Nota de L.G.:

(*) Vd. comentário do Eduardo MR, como anónimo, ao poste de 11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4936: O segredo de... (6): Amílcar Ventura: a bomba de gasóleo do PAIGC em Bajocunda

Guiné 63/74 - P4949: (Ex)citações (43): O exorcismo dos nossos fantasmas... (António Matos)

1. Comentário do António Matos (ex-Alf Mil Minas e Armadilhas,)CCAÇ 2790, Bula, 1970/72), ao poste de 11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4936: O segredo de... (6): Amílcar Ventura: a bomba de gasóleo do PAIGC em Bajocunda

Para ser franco, tenho alguma dificuldade em começar este comentário pela catadupa de sentimentos antagónicos que me assaltam o espírito quer pelo delito propriamente dito, quer pelo desassombro do seu autor quer ainda pelas manifestações de repúdio algumas das quais a merecerem os mais vivos reparos por pessoas de bem.

Ainda que desde 1852 (10 de Março) tenha começado a discussão da abolição da pena de morte em Portugal, a verdade é que só em 1976 (!!) a Constituição (nº 2 do artigo 24) estabeleceu objectivamente o seu fim para todos os crimes. Torna-se, portanto, extemporâneo vir agora acicatar os ânimos com alarvidades de pseudo carrascos !

Do ponto de vista filosófico e ético a defesa da pena de morte enferma da irreversibilidade do acto o que, nos tempos modernos não augura nada de bom para os seus defensores tantos são os casos de, ao fim de 20 ou 30 anos de cativeiro, virem a ser considerados inocentes aqueles que tinham sido considerados culpados.

Peço, pois, e com a autoridade que me confere o estatuto de ex-combatente que nunca pactuou com habilidades que pudessem prejudicar a segurança dos que comigo palmilharam a merda daquelas picadas, matas ou bolanhas, que sejamos suficientemente open minded [, abertos de espírito,] de modo a darmos o nosso veredicto depois de muito bem explicada toda a situação envolvente do Ventura.

A ti, Ventura, dirijo-te agora a palavra em discurso directo: acredito que te safaste de uma boa polinheira em não teres sido descoberto naquela altura! Mas também aceito que, por ingenuidade (independentemente das razões pessoais que omites) ou mera estupidez, não tenhas quantificado minimamente as consequências dessa atitude e isso, não te ilibando, servirá de atenuante. Assim tu assumas com humildade essa postura perante eventuais camaradas sacrificados por via dessa tua acção e eu a levarei a crédito da tua inimputabilidade.

O tão apregoado conceito de roubo do gasóleo que o Ventura oferecia ao inimigo não era mais pecaminoso do que o aproveitamento da dispensa dos víveres que era alvo de desvios para fins inconfessáveis da oficialidade gestora das CCS [dos batalhões] ! E ninguém se manifesta ?

Longe de branquear a atitude do Ventura, julgo poder haver espaço para lhe compreender a tentativa de passar incólume no horror da guerra (outros tentavam baldar-se ao mato besuntando as entranhas anais com alho provocando acessos febris imensos !!! ). O cagaço manifestava-se de muitas maneiras e às vezes até provocava fugas para a frente dando origem a falsos heróis que ainda hoje lhes dão referências honoríficas FALSAS !

E tanto que se poderia dizer, a bem e a mal deste tipo de atitudes e de quem as assume...

Finalmente, acho que a actual atitude do Ventura em vir a terreiro exorcisar a sua culpa (é uma conclusão lógica) é um pouco como o Descascar a Cebola do Günter Grass. Também este mereceu a crítica contundente do mundo mas nem por isso o deixámos de admirar.

Talvez valha a pena pensar nisto.

António Matos


[Revisão / fixação de texto / título: L.G.] (*)

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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 5 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4900: (Ex)citações (41): Resposta ao P4813 (J. Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P4948: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (4): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Sector de Bafatá/Op. AURORA

1. Temos vindo a publicar as memórias do nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426 (1965/67), Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda. Este é o 4º poste, publicamos a primeira parte no poste P4877, a segunda no P4890 e a terceira no P4924.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ 1965/67

A Companhia foi deslocada para o sector de Bafatá em 07OUT65.

Terminado o aperfeiçoamento operacional em Bissau, no princípio de Outubro, parte da companhia foi para Bafatá, tocando-me novamente avançar à frente com a minha secção. Éramos sempre os mesmos a avançar. Não sei se foi por ter estado nos RANGERS, em Lamego, ou se confiavam nas minhas capacidades. O que é certo é que a mim tocou-me ir para Camamudo.

Quartel de CAMAMUDO. Pode ver-se o armazém da mancarra com os abrigos e bidões cheios de terra à sua frente.

O Furriel Vaqueiro foi para Cantacunda e o Furriel Paio ficou em Bafatá. Recebi o espólio do pelotão antigo, fui responsável do rancho (onde fui enganado com um barril de toucinho com cem quilos, que em vez de toucinho tinha sal), tive que ao longo do tempo compensar do meu bolso.

Não tornei nada operacional, enquanto não se completou a rendição total dos velhinhos (como gostavam de ser chamados). Todos os dias se efectuava o reconhecimento do sector e realizava-se contacto com as populações.Numa dessas saídas passamos por Sara Banda, onde um furriel nos preparou para o perigo com que nos iríamos deparar. Depois seguimos em direcção a Banjara, mas paramos em Mansaina, tendo eu ficado aí num jipão e alguns soldados.

O alferes e o furriel mais antigo seguiram num jipe com dois ou três soldados, mas ao depararam-se com algumas abatizes, como faltavam uns 3/4 quilómetros, regressaram a Mansaina e acabamos por voltar para Camamudo. Só mais tarde é que me apercebi do perigo em que o furriel nos havia metido, pois habitualmente só com carros blindados é que se ia para aqueles lados. Duas semanas depois foram-se embora os restantes velhinhos, completando-se a rendição total, tendo ficado apenas os piriquitos (como eles nos chamavam).

Como fomos dos primeiros a chegar com a farda verde, em meados de Novembro, fomos dar protecção à tabanca de Ualicunda, junto a fronteira com o Senegal. Duas secções do meu Pelotão e o Vaqueiro com uma secção do 3º. Pelotão. Foi aí que o nosso guia Junco pisou uma mina anti-pessoal, ficando ferido gravemente numa perna.Aí permanecemos seis dias a rações de combate.

Destacamento de Banjara. Instalações dos oficiais, sargentos e bar. Na frente como barreira protectora - bidões cheios de terra.

Operação AURORA (Banjara zona do Oio)

Em 25NOV65, fomos tentar ocupar Banjara. Os velhinhos tinham comentado que era difícil. Como relatei acima, eu mais o Fur Mil antigo, com a minha secção e o alferes, já tínhamos chegado às abatizes, depois de Mansaima, a uns três/quatro quilómetros de Banjara.

Os grupos de combate concentraram-se em Sara Banda, partindo em seguida até Mansaina, onde jantamos mais uma ração de combate e aguardamos a hora de avançar, que se deu por volta das duas da manhã do dia 26.

Seguimos em fila indiana, passando cinquenta e quatro abatizes, até à entrada de Banjara, chegando aí por volta das 04h30. A minha secção ia na retaguarda e devia ficar emboscado do lado direito da estrada, com a missão de observar o inimigo caso tentasse passar pelo pontão, porque pela bolanha era difícil devido ao abastado caudal da água.

Tive então uma grande batalha, não com o IN, mas sim com um grande monte de baga-baga que estava à minha frente. As formigas picavam que se fartavam e só quando amanheceu, é que eu vi uma enorme quantidade de formigas.

Como o IN não quis nada connosco começamos a concentrar-nos no centro, em volta de uma casa a poente, onde chegou outra companhia vinda de Mansabá, que também teve que ultrapassar 18 abatizes.

O Capitão pediu um voluntário para pôr uma bandeira nacional em cima da casa e como ninguém se ofereceu, lá subi eu para cima da casa, que estava toda destruída, e coloquei a bandeira atada a um barrote.

Foi uma ocupação sem um tiro. Nem sinais de IN nem de população, quando havíamos sido informados que era uma operação de alto risco, em virtude de se tratar de um local no centro do Oio e local habitual de passagem do IN, com material bélico, para Sinchá Jobel e outras localidades, a nascente de Banjara.

O Capitão distribuiu os pelotões e ao meu tocou-nos a parte nascente, logo a seguir ao pontão. Munidos de pás e picaretas toca a cavar trincheiras e abrigos, para nos defendermos em caso de necessidade. Mãos à obra. Estava eu a retirar terra com uma pá, do solo, quando cai uma cobra enorme ali.

Claro que levou logo com a pá tendo ficado cortada em dois. Acabamos os abrigos, todo dia a ração de combate. A noite muito fresca foi passada já nos abrigos, parecia que o dia nunca mais chegava. Do IN também não se registava qualquer sinal.

A partir da manhã seguinte, como a engenharia já tinha colocado o arame farpado numa área considerável, fomos para o interior da vedação, onde tomamos café e em seguida montamos segurança ao destacamento.

À minha secção coube-lhe a segurança do lado do pontão, do lado nascente da estrada. Ali montamos tendas de campanha. Pensei para comigo será que é para ficarmos aqui. Falei com os outros furriéis e eles disseram-me que sim, parecia que era para ficarmos… e ficamos mesmo!

30NOV65, começou o patrulhamento em volta de Banjara, começamos pelo circuito Tumania, Bantajá e Sambulacunda, com a minha secção sempre atrás, pelo que não me apercebia do que se passava à frente. Quando chegamos a Tumania, já a população se tinha refugiado no meio da vegetação, que ali era alta e densa.

Continuamos o itinerário para Bantajá e a vegetação tornava-se cada vez mais densa, até perto da tabanca, onde sofremos então uma emboscada.

À entrada da tabanca ouvimos uns tiros do inimigo, aos quais o pessoal mais avançado respondeu imediatamente. Como eu estava muito longe, ao ouvir o tiroteio pensei que não era nada comigo.

Foi feito o cerco mas a população mais uma vez escapou, apenas três nativos não conseguiram os seus intentos, dois eram idosos e pareciam indefesos e um rapaz novo, que foi feito prisioneiro e nos acompanhou nessa qualidade.

Como já era tarde regressamos a Banjara e ficou Sambulacunda para outro dia.

Perto de Banjara, depois de passarmos a bolanha, fomos emboscados pela retaguarda da companhia, e tivemos um ferido.

Sem que ninguém tivesse dado por isso, o Capitão pediu-me para mandar uma bazucada na direcção de onde tinham vindo os disparos. Distanciei-me o necessário ara não colocar em perigo o pessoal atrás e lá foi uma bazucada na direcção indicada.

Continuamos a marcha e, de repente, o Furriel Vaqueiro deu pela falta de um soldado, tendo voltado atrás à sua procura, acabando por o encontrar ferido perto da bolanha.

Como já estávamos perto de Banjara o capitão não se apercebeu, nem o restante pessoal, e continuamos até ao destacamento. O Vaqueiro quando chegou, estava todo vera com o capitão, gritou com ele, dizendo-lhe que o abandonaram sozinho com o ferido, ao que o capitão respondeu que não fora informado de nada e lá acabaram por se acalmar.

Nesse dia, à noite, fomos atacados com rajadas de espingardas automáticas, tendo-se gerado grande confusão (cada um refugiou-se no seu posto), mas foi coisa rápida e tudo se silenciou novamente.

Como piriquitos que éramos, mesmo de noite, lá deixamos fugir o prisioneiro. Ainda hoje me pergunto, como é que ele foi tão rápido a fugir, pois estava tudo vedado com arame farpado e com garrafas de cervejas penduradas, para alertar se alguém de noite tentasse entrar no aquartelamento.

Mais uns dias a montar segurança, pás e picaretas… e preparar abrigos subterrâneos.

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Fotos: © Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. postes anteriores desta série, do mesmo autor, em:

1 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4890: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (2): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Escolta a barco para Farim

9 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4924: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (3): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Operação em Mansoa

domingo, 13 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4947: Sons e emoções: o Cantanhez e o Dari, a terra ardente e vermelha, a gente boa (Torcato Mendonça / Zé Teixeira)

Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > 31 de Dezembro de 2006 > Floresta do Cantanhez > "Um número cada vez maior de pessoas, entre nacionais e estrangeiros que vivem na Guiné-Bissau, têm começado a visitar mais assiduamente a Floresta de Cantanhez para apreciar a beleza única desta região onde para além de apreciarem e percorrerem a última floresta primária sub-húmida do país, podem visualizar animais selvagens como os búfalos, chimpanzés e diferentes tipos de macacos como os fatangos e babuínos. O povo acolhedor e o surgimento gradual de infraestruturas de acolhimento são um argumento muito forte para vencer os 270 Km de estrada, com alguns troços em muito mau estado de conservação. A existência de guias ecoturísticos formados permitem escolher vários itinerários e percursos, uns mais ligados à natureza, outros à história, à cultura e até à pesquisa científica".

Foto e legenda: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2006) (com a devida vénia...)




1. Já aqui divulgámos, através do blogue (1) ou internamente através da nossa tertúlia, dois belíssimos trabalhos de reportagem feitas na Guiné-Bissau, pelo Carlos Vaz Marques, jornalista da TSF - Rádio Notícias:

Reportagem TSF > Dari, primata como nós
(43 m) (2 de Março de 2007, 19h) >

No sul da Guiné-Bissau, o chimpanzé tem nome de gente. Na pista de Dari, uma equipa de cientistas portugueses estuda, há cinco anos, os chimpanzés das matas de Cantanhez com o objectivo de ajudar a salvar uma espécie ameaçada.

Um jornalista da TSF passou 15 dias com o grupo de investigadores, coordenado pelas primatólogas Catarina Casanova e Cláudia Sousa. Acompanhou o quotidiano das caminhadas pelo mato, da recolha de vestígios, das conversas com os habitantes das tabancas e testemunhou, guardando o registo sonoro do momento raro, o encontro com um grupo de chimpanzés.

'Dari, Primata como Nós' é uma grande reportagem de Carlos Vaz Marques com montagem e sonorização de Alexandrina Guerreiro.

Reportagem TSF > A Guerra do Patacom (33 m) (9 de Março de 2007, 19h) >

«A malta fica sempre a chorar, por causa da falta do patacom» desabafa o mecânico de bicicletas Ansumane no principal mercado de Bissau, que às vezes parece um enorme balneário da selecção portuguesa de futebol. De facto, neste que é um dos cinco países mais pobres do mundo, falta dinheiro para quase tudo.

Na escola primária de Iemberem, a 250 quilómetros da capital da Guiné, só não há falta de alunos, verifica o repórter, gravando o método da cantilena. «As duas coisas que mais matam são a malária e a ignorância» dirá Sílvia, uma missionária brasileira nesta zona remota. Eis a Guiné-Bissau, país entalado entre as bombas, por explodir, da guerra colonial e uma liberdade armadilhada de carências.

A 'Guerra do Patacom' é uma grande reportagem de Carlos Vaz Marques com montagem e sonorização de Alexandrina Guerreiro.


2. vejamos agora a reacção de dois membros da nossa tertúlia, ex-combatentes, Torcato Mendonça e José Teixeira:

(i) Torcato Mendonça (Fundão... e Fá, Mansambo, Candamã...):

Meu Caro:

Foi bonita a festa, pá!... Emociona, tantos anos depois, ouvir os sons da mata, das gentes e saber, sentir, que é de lá. É, Luís Graça, é o som do levantar da madrugada, o chilrear dos pássaros, o despertar daquela terra – vermelha e ardente – com a humidade a subir, os verdes tão diferenciados e lindos da mata. Paramos no tempo, latejam docemente as fontes, semicerram os olhos afastando-se do presente… buscamos e sentimos, leve, levemente o passado.

Encontramo-lo nos sons da busca ao Dari (desconhecia o nome), na reportagem da TSF (a rádio persegue-me desde miúdo), na voz que desconhecia do Leopoldo Amado (2), na fala de outras gentes e na doce cantilena das crianças. Candamã, não, isso diluiu-se no tempo. Tudo connosco mexe, tudo recorda algo de uma parte do meu passado.

Nem tudo é festa, pá, nem tudo é festa. Devagar, com dirigentes empenhados, projectos como a AD, Guiledje e outros, com gente determinada será festa, pá… Será no futuro festa. Acredito e, como eu, muitos.

Confesso que vivi, não tenho pejo em dizê-lo, momentos de emoção. Problema meu. Inquietação minha. Não dá, meu amigo, não dá, parece estar obcecado e isso não dá. Façamos (ou entremos em) período sabático. Serei capaz? Claro que sou. Valerá a pena? Não sei… tentemos…
Até… Um abraço, Torcato Mendonça.

(ii) José Teixeira (Matosinhos e... Empada, Buba, Mampatá, Quebo...):

Pois é Amigo e camarada Torcato. Agora imagina-te a (re)viver ao vivo esta situação que a TSF nos fez chegar. Imagina-te a sentires uma voz atrás de ti e te dizer:
- Tixera, (Teixeira) tu não lembra di mim ? eu vai na fermaria contigo Passa muito tempo... Eu sou o Kebá fermero.

Como reagirias logo no segundo dia de regresso à Guiné ! Imagina entrares na tua caserna e veres nela uma escola e as crianças saltarem de imediato das carteiras e virem fazer-te uma festa e pedir tira postal(fotografia) pra mim ou agarrarem a tua mão e muito admiradas compararem com a delas.

Imagina-te a ouvires uma voz feminina e a participares neste diálogo:
- Tixera, tu lembra Aliu de Mampatá ?
- Sim era o Alfero di milicia e chefe de tabanca.
- Tu lembra Usemane da milicia fidjo, de Shambel chefe de tabanca de Contabane ?
- Sim, mas Contabane foi queimada e Shambel firma em Aldeia Formosa.
- Shambel moreu, mas Usemane é minha marido. Tu lembra fidja de Aliu ?
- Oh ! bajuda bonito ! (E que bonita que ela era em bajuda)
- Odja (olha) para mim ! . . .
- Tu!!!! Dadá ?
- Sim, eu memo ! (Um abraço apertado e longo, lágrimas nos olhos que encerra um misto de alegria e "sôdade" e felicidade )
- Olha minha filhos, minha netos !

Foi vestir o mais lindo vestido, por creme na cara e ronco no peito, chama toda a família e . . . houve festa.
- Mudjer di Shambel stá lá. - E apresenta-me uma velhinha corcunda, cabelo todo branco, de pele enrugada como nunca vi, a qual se abraça a mim e começa uma cantilena:
- Branco i na volta ! branco i na volta ! - om lágrimas a banharem-lhe o rosto. Por mais que eu lhe dissesse que agora só para matar sôdade, ela continuava Branco i na volta !

Tudo isto passados eram trinta e cinco anos após o meu regresso. Tudo isto e muito mais, muito daquilo que ouviste neste excerto radiofónico, eu já revivi. Desde os pássaros, que nos acordavam ou o ruído do macaco-cão que nos alertava para o perigo, a alegria das crianças, a alegria dos adultos que passaram pela guerra, do nosso lado a reviveram cenas de guerra em que ambos participamos e mesmo alguns que a fizeram do outro lado.

Viviam a dois a três quilómetros escondidos no mato. A bolanha onde fui baptizado no fogo. As tabancas onde vivi belos e grandes momentos e . . . momentos aflitivos onde não cabia um feijão no buraquinho.O buraco feito por uma granada de canhão na parede da caserna,(hoje transformada em escola) donde tinha fugido uns segundos antes, isto às cinco da manhã, quando eles resolveram substituir o Cabo de dia ( noite) que nos iria acordar meia hora depois para partirmos para mais uma viagem de montagem da segurança na estrada em construção....

... A bolanha dos Passarinhos, onde vi a morte à minha frente e lhe preguei uma finta ao saltar abaixo da viatura, momentos antes desta pisar uma A/C. O Rio Grande de Buba com toda a beleza das suas margens - vegetação, passarada, tapetes coloridos de caranguejos a esconderem-se no tarrafo com a nossa chegada - (Hoje, infelizmente, transformadas em campos de caju) de onde fui corrido uma vez, quando após o regresso de uma operação me fui banhar e eles estavam na outra margem à minha espera, para fazer a festa e me obrigarem a regressar nú ao quartel a 100 metros.

Peregrinei pelos locais onde vivi a minha guerra com a colaboração activa dos soldados do PAIGC a quem chamávamos Turras. Os ataques na estrada, as emboscadas em que participei. Os locais de onde fui corrido a tiro. Revi e revivi cenas que estavam fixas no sotão da minha memória e me faziam sofrer, desde as tabancas cercadas com duas fiadas de arame farpado e as minas e armadilhas que as envolviam as quais, obrigavam as crianças a não sair do perímetro da aldeia para não serem surpreendidas...

Os companheiros (milicias) de armas que nos reconhecem e começam de imediato a contar o rosário de aventuras que viverem connosco no tempo di guera. Recordam-nos camaradas que fugiram com medo, camaradas que foram assassinados pelos libertadores, outros que estão vivos lá na tabanca di . . . Alguns que se recusam a falar. As bajudas do nosso tempo, as nossas lavanderas de mama firme, hoje mudjer grandi com fidjos machos e filhas, netos que nos apresentam com alegria e orgulho. As bajudas de hoje tímidas a uma certa distância ou alegres a virem-nos cumprimentar. As cantilenas das crianças ritmadas pelas palmas ou pelo pilão a bater no arroz para o descasque.

Tudo isto e o que profundamente sentido não consigo descrever, provocou dentro de mim uma descarga emocional e libertadora Por isso te desafio, a ti e a cada um de nós, que ganhe coragem e volte lá. Cuidado. Primeiro vacina-te, senão podes ao regressar, ficar como eu (ou como o Xico Allen que em média vai lá duas vezes por ano e se fosse rico . . .) - apaixonado pela Guiné,

Um abraço fraternal

J. Teixeira
Esquilo Sorridente

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 8 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1575: A TSF no Cantanhez, com uma equipa de cientistas portugueses, em busca do Dari, o chimpanzé (Luís Graça / José Martins)

(2) O Leopoldo Amado, membro da nossa tertúlia, é historiador e está neste momento a colaborar com o Pepito, com a AD, no projecto Guileje. Ouçam a sua entrevista ao Carlos Vaz Marques, dada no sul, no Cantanhez, em Iemberém, e onde ele fala da necessidade do povo da Guiné-Bissau voltar a ganhar a sua auto-estima, bem como da importância de preservar a memória da guerra colonial / guerra de libertação.

Daqui vai um abraço de todos nós, para ele, para o pepito e para os demais colaboradores da AD, incluindo o Domingos Fonseca (que é aqui entrevistado pela TSF). Ao todo, são 36 técnicos que na trabalham nesta ONG, liderada pelo Pepito.

Na Reportagem da TSF, a guerra continua presente através da memória das gentes do sul, do Tombali, mas também através das granadas (por exemplo, de RPG 2 e 7) abandonadas no Cantanhez, pelos guerrilheiros do PAIGC, no fimd a guerra, para não falar das bombas que não explodiram ou das missas a armadilhas... que não foram desmontadas - nossas e do PAIGC. Acidentes (mortais) com engenhos explosivos do tempo da guerra colonial / guerra de libertação (como gosta de dizer o Leopoldo Amado) continuam ainda hoje, infelizmente, a acontecer.
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Nota de C.V.:

Este poste foi originalmente publicado em 11 de Março de 2007, sob o número 1583, duplicado. Detectado o erro, fez-se uma reedição, com data de hoje.