quinta-feira, 21 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19606: Memória dos lugares (388): Ponta Varela, na margem esquerda do Rio Geba, subsetor do Xime... Mas está por fazer a história das "pontas" (pequenas explorações agrícolas, junto a cursos de água: Ponta do Inglês, Ponta Luís Dias, Ponta João da Silva, no Rio Corubal; Ponta Brandão, em Bambadinca; Ponta Geraldo Landim, no Rio Dingal / Mansoa; Ponta Salvador Barreto, no rio Cacheu, etc.)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Subsetor do Xime > A temível Ponta Varela:  restos do que parece ser um antigo cais acostável. Em 1963/65, ao tempo da CCAÇ 508 existia aqui uma tabanca e um destacamento onde morreram, em 3 de junho de 1965,  quatro dos seus homens, a começar pelo seu  comandante, o Capitão Francisco Meirelles, em consequência do rebentamento de uma mina. Relembre-se os seus nomes: (i) Francisco Xavier Pinheiro Torres de Meirelles; Capitão de Infantaria QP; natural de Castelões de Cepeda, Paredes; casado; (ii) José Maria dos Santos Corbacho; 1.º Cabo; natural de São Sebastião da Pedreira, Lisboa, solteiro;  (iii) Domingos João de Oliveira Cardoso; Soldado Auto Rodas; natural de São Cosme, Gondomar; solteiro; e (iv) Braima Turé; Caçador Nativo (guia), natural do Xime, Bambadinca. (*)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Subsetor do Xime >  A LGD nº 105 a aproximar-se do porto fluvial do Xime, depois de passar pela Ponta Varela, vinda de Bissau,

Fotos do álbum do José Carlos Lopes, ex-fur mil amanuense, com a especialidade de contabilidade e pagadoria, especialidade essa que ele nunca exerceu (na prática, foi o homem dos reabastecimentos do batalhão).

Fotos (e legendas): ©  José Carlos Lopes (2013). . Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


Giné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > Ponta Varela > 2010 >  Exactamente no local onde as forças do PAIGC atacavam as embarcações  civis e os navios da Marinha. É pena não se ficar com a ideia de como, também neste local, nascia o Geba estreito, o leito do rio afunilava, à esquerda, não muito longe daqui, passava o rio Corubal. Com o assoreamemnto do rio Geba, já as embarcações não chegam aqui, muito menos a Bambadinca.

Foto (e legenda): © Mário Beja Santos (2010). Todos os direitos reservados.[Ediçºao e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] (**)


Guiné > Zona Leste > Mapa do Xime (1955), 1/50000 > Detalhe: O Rio Geba, o Rio Corubal, à esquerda, Poindon, Ponta Varela, Madina Colhido, estrada Xime-Ponta do Inglês, Rio Geba Estreito, Xime, estrada Xime-Bambadinca, Enxalé (em frente, na margem direita do Rio Geba),  Tudo lugares míticos, carregados de emoções para os camaradas que viveram e lutaram no Sector L1 (Bambadinca) ou que desembarcaram, numa LDG, a caminho de outras terras da vasta zona leste da Guiné, via Bambadinca-Xitole ou Bambadinca-Bafatá...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


1. Temos cerca de 3 dezenas de referências à mítica Ponta Varela, na margem esquerda do rio Geba,  antes do Xime... Milhares de camaradas, que andaram nas embarcações civis e nos navios da Marinha (lanchas de desembarque) passaram ao largo da Ponta Varela, ali onde o rio começava a estreitar... Lembremos, pois,  algumas das imagens da Ponta Varela das nossas histórias (***)

Recorde-se que na Guiné o vocábulo "ponta" quer dizer propriedade agrícola, exploração agrícola, horta, em geral junto a um curso de água,  na margem de um rio, e o nome estava muitas vezes associado ao seu proprietário, cabo-verdiano ou "tuga": por exemplo, Ponta do Inglês, Ponta João da Silva, Ponta Luís Dias, Ponta Nova, no Rio Corubal..


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > Ponta  do Inglês > 2010 > Pouco resta da casa de Inglês Lopes, ao que parece era este o dono da Ponta... Entre 1964 e 1966, a qui esteve um pelotão destacado da companhia do Xime, mais um pelotão de milícias... Foi deativado em 1968. O destacamento vinha até junto à água, havia um pontão para receber as embarcações, tudo desapareceu. O antigo embaixador em Lisboa da República da Guiné-Bissau, Constantino Lopes, ex-Combatente da Liberdade da Pátria, que esteve preso no Tarrafal, de 1962 a 1969, é hoje o único herdeiro e proprietário da Ponta do Inglês, exploração agrícola, de 50 hectares; o seu pai, Luís Lopes, tinha por alcunha o Inglês; informação que foi dada ao nosso editor Lu+is Graça  pelo próprio Constantino Lopes em 12/11/2008, no Museu da Farmácia, no lançamento do livro do Beja Santos, "O Tigre Vadio".

Foto (e legenda): © Mário Beja Santos (2010). Todos os direitos reservados.[Ediçºao e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
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quarta-feira, 20 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19605: Historiografia da presença portuguesa em África (155): A Guiné na “Gazeta das Colonias” (1924-1926) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Novembro de 2016:

Queridos amigos,
Encontrei este calhamaço na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, e foi um regalo conferir o que já sabíamos sobre o espírito da época: a atração de negócios naquele ponto de África, a criação de companhias na maior dos casos não saíram do papel; a preponderância do funcionário colonial de proveniência cabo-verdiana; mesmo depois da pacificação de Teixeira Pinto temia-se as hostilidades da população local, mesmo à beira de Bissau; travam-se discussões sobre a autonomia das colónias e não se esconde que a Sociedade das Nações questiona o governo português sobre o uso de mão-de-obra indígena, havia situações escandalosas que eram denunciadas e não se podiam camuflar.
A Gazeta das Colonias morre com o Estado-Novo, a Agência-Geral das Colónias passou a ocupar todo o espaço e iniciativa.

Um abraço do
Mário


A Guiné na “Gazeta das Colonias” (1924-1926)

Beja Santos

Em 1924 a Empreza de Publicidade Colonial dá à estampa, em 19 de Junho, o n.º 1 de Gazeta das Colónias, justificando que o novo seminário procurará dar à discussão dos variados e complexos problemas coloniais a maior largueza e de originar fortes correntes de opinião favoráveis aos altos interesses. A plêiade de colaboradores era impressionante, desde investigadores, administradores coloniais a empresários. Junto algumas observações.

A primeira relaciona-se com o facto de que a I República entrara em derrisão mas, paradoxalmente, o interesse pelas coisas africanas despertava, como negócio e acicate cultural. Constituem-se empresas, debatem-se infraestruturas, o termo colónias é na época equivalente de províncias ultramarinas.

A segunda tem a ver com o facto de nos primeiros números a Guiné merecer deferências de tratamento e depois apaga-se, completamente. Tenhamos em conta o que de significativo é versado no noticiário guineense. O destaque vai para os artigos assinados por Armando Cortezão. Aquele que virá a ser um dos mais eminentes cartógrafos mundiais, anda pela Guiné, urdiu a Sociedade Agrícola do Gambiel, eu próprio vim a beneficiar da sua presença no Cuor, a cama de ferro que o régulo Malam Soncó me ofereceu era a cama onde ele dormia em Missirá. Deixou na Gazeta vários artigos históricos e elucidativos das grandes potencialidades agrícolas. Aspeto curioso, ninguém falará das potencialidades píscolas. E há tópicos que nos levam a pensar. A propósito de um artigo intitulado “Os cabo-verdianos na colonização portuguesa”, assinado por Carlos de Vasconcelos, pode ler-se: “Tem actos de desinteressado devotamento a história da colonização cabo-verdiana na Guiné. Falha-me agora a memória nos nomes de meia dúzia de cabo-verdianos que acudiram ao apelo de um governador, deram todo o dinheiro necessário para a reconstrução da fortaleza que a ausência de recursos financeiros deixou desmantelada, colocando a colónia nascente sob o domínio ultrajante do gentio…”. Na edição de Outubro de 1924 destacam-se alguns parágrafos transcritos do jornal “Pró-Guiné”: “Causa dó, e ao mesmo tempo vergonha, espraiar a vista pelas vastas planícies da Guiné, sem ver algum melhoramento que ateste trabalho e progresso nos serviços agrícolas. Alguns milhares de hectares de terreno que não representam a centésima parte de tudo o que é próprio para a cultura. Processos de agricultura, os mais rudimentares. Concessões de terrenos, muitíssimas mas inexploradas, por que os concessionários limitam-se a estabelecer nelas mercados para compra de mancarra e arroz, de onde tiram fabulosos lucros sem valorizar as propriedades e nem ao menos pagarem ao Estado a parte proporcional a esses lucros”.

A terceira prende-se com a possibilidade de lermos nas entrelinhas o contexto internacional e nacional, e o que de local mais se salienta. A Guiné guarda ainda o impulso de um governador dinâmico, Vellez Caroço, em 1925 surge o primeiro Anuário da Província da Guiné, um género de roteiro com um pouco de história e uma gama de dados que pode entusiasmar investidores. E vamos ficando a saber que a Sociedade das Nações vai interpelando o governo português com redobrada insistência sobre o uso da mão-de-obra indígena. Há curiosidades nesta informação guineense que não se vê explorada em estudos e investigações. Por exemplo, em Dezembro de 1924, escreve o engenheiro A. Xavier da Fonseca: “A nossa riqueza em minérios metálicos não é tanta que nos permita pôr de parte a pesquisa de um território a dois passos da metrópole onde a existência das pesadas pulseiras de ouro de fabrico indígena não é da lenda, visto que se vêem e se lhes sente o peso”. Outro dado importante na troca de discussões na Gazeta tem a ver com a autonomia das colónias, essa discussão estender-se-á ao Estado-Novo, o modelo republicano será rejeitado, vão desaparecer os altos-comissários, a centralização será um modelo escolhido para gerir o Império Colonial.

Uma explicação quanto às ilustrações. Não deixa de ser curiosa a que mostra os territórios portugueses, o equívoco sobre a Madeira e os Açores, Bolama como capital da Guiné, o império tem uma superfície que excede os 2 milhões de quilómetros quadrados. Atenda-se ao anúncio da Companhia Estrela-Farim. Diz possuir uma superfície de 25 mil hectares de terreno, com cerca de 2 milhões de palmeiras, árvores de excelente madeira, sobretudo mogno e pau-rosa. A propriedade é marginada pelo rio Cacheu, admitem-se explorações de cana-de-açúcar, tabaco e gergelim. O Presidente do Conselho de Administração era o Professor Costa Lobo e na Assembleia-Geral estavam o Visconde de Santarém e Vieira Machado, futuro ministro das Colónias. Muitos serão os monumentos e edifícios coloniais exibidos na capa da Gazeta. A Guiné só teve direito à velha fortaleza de Cacheu. E não resisti a publicar a notícia sobre o atleta Armando Cortezão, envergando a camisola do CIF, correndo a final dos 800 metros.




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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Março de 2019 > Guiné 61/74 - P19580: Historiografia da presença portuguesa em África (153): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (6) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19604: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte VI: Em Príame, a tabanca do João Bacar Jaló (1929 - 1971)


Lisboa > 1970 > O cap graduado 'comando'.  cmdt da 1ª CCmds Africanos João Bacar Jaló como o nosso veteraníssimo João Sacôto (ex-alf mil, CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), hoje comandante da TAP reformado, membro da nossa Tabanca Grande desde 20/12/2011. 
O João Bacar Jaló veio a Lisboa, nessa altura, no 10 de Junho, receber a Torre e Espada. Nasceu em Cacine, em 1929, e morreu em 1971, em combate, no sector de Tite. Era alferes de 2ª linha em 6 de junho de 1965. (*)



Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > Tabanca de Príame: da esquerda para a direita, eu, o cap Alexandre e o João Bacar Jaló.


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > Tabanca de Príame: numa Daimler, da esquerda para a direita, eu, o cap Alexandre e o João Bacar Jaló.


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > Tabanca de Príame: lavadeiras


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > Tabanca de Príame: eu, à porta de uma morança com um fabuloso mural de motivos geométricos. "Era  a casa de João Bacar Jaló", confirma o seu amigo João Sacôto. "Estive lá várias vezes".


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > Tabanca de Príame: eu, à porta da morança do João Bacar Jaló, na altura alferes de 2ª linha (será promovido a tenente de 2ª linha, em novembro de 1964).

Fotos (e legendas): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. João Gabriel Sacôto Martins Fernandes, de seu nome completo... Foi alf mil da CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66). Trabalhou depois como Oficial de Circulação Aérea (OCA) na DGAC [Direção Geral de Aeronáutica Civil]. Foi piloto e comandante na TAP, tendo-se reformado em 1998.

Estudou no Instituto Superior de Ciencias Económicas e Financeiras (ISCEF, hoje, ISEG) . Andou no Liceu Camões em 1948 e antes no Liceu Gil Vicente. É natural de Lisboa. É casado. Tem página no Facebook (a que aderiu em julho de 2009, sendo seguido por mais de 8 dezenas de pessoas). É membro da nossa Tabanca Grande desde 20/12/2011.


2. Continuação da publicação do seu álbum fotográfico, desta vez com imagens de Príame, a tabanca do João Bacar Jaló. (**)


A  CCAÇ 617 esteve em Catió de 1 março de 1964 até 22 de setembro de 1965, altura em que assume a responsabilidade do subsector do Cachil, por troca com a CCAÇ 728. Será rendida pela CCAÇ 1424, em 16 de janeiro de 1966, preparando.se depois para regressar à metrópole.

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Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 2 de maio de 2009 > Guiné 63/74 – P4275: Tugas - Quem é quem (4): João Bacar Jaló (1929-1971) (Magalhães Ribeiro)

(**) Último poste da série >  3 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19546: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte V: Catió, o quartel e a vida da tropa

terça-feira, 19 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19603: Manuscrito(s) (Luís Graça (153): Lembrando hoje o pai, o meu, o teu, o nosso pai...

1. Na poesia portuguesa a figura do pai está muito menos presente do que  a figura da mãe...

Talvez por que, durante séculos e séculos, os portugueses cresceram, não sem o pai, mas com o pai bem longe de casa, mais no mar do que na terra, a caminho das Indias e dos Brasis, lavrando o mar, construindo a primeira grande estrada da globalização, unindo os continentes, ligando povos... mas também na guerra, no exílio, na prisão, na emigração... 

As nossas mães tiveram que ser mães e pais, tiveram que nos dar o pão, o amor, a educação...para, mais tarde,  podermos pegar na trouxa e ir no encalce da figura paterna...nas navegações, na odisseia da pesca do bacalhau, no comércio marítimo, na colonização,  na guerra, no exílio, na emigração...  Foi um ciclo longo, de séculos, que estará longe de ter terminado com o chamado "fim do Império". 

Não foi por acaso que até criámos, aqui, no nosso blogue, uma série que se chama "Meu Pai, meu Velho, meu Camarada"...

Infelizmente, a nossa geração, a que fez a guerra colonial de 1961/75, já não tem os seus pais vivos... Se o fossem, seriam centenários... Mas continuamos a gostar de celebrar o Dia do Pai, todos os anos, em 19 de março... Porque "recordar é preciso", e a saudade, se não é um produto "made in Portugal", é uma palavra única, e é portuguesa... Temos saudades do nosso pai, da nossa mãe, que nos deram o ser... E queremos transmitir essa doce ideia aos nossos filhos e netos...  

Recordo-me do poema que escrevi ao meu pai, em 19 de março de 2012, no Dia do Pai, tinha ele 91 anos, e eu tive a terrível premonição de que ele já não chegaria os 92, a completar em 19 de agosto desse  ano (*)... De facto, morreria 3 semanas depois, num domingo de Páscoa.

Mas esse dia 19 de março de 2012 marcou-me também pelo "feedback" que recebi dos meus filhos e que me emocionou. Já aqui o partilhei, nessa data (*). Tomo a liberdade de o reproduzir hoje, porque continua a ser uma mensagem singela mas tocante para o Dia do Pai. Façam-na vossa, também, meus amigos e camaradas: 


"Para o nosso Pai: 

"Chegámos a casa e não parámos de chorar 
pela bonita homenagem que fizeste  ao teu Pai!

"Pai!, como consegues tocar  no coração das pessoas
com as tuas palavras, o verso curto,  
a palavra certa, o sentimento todo, 
certeiro?! 

"Pai!, como consegues adivinhar
o que sentimos nós, também,
a sofrer ao longe, mas a pensar
que os outros são fortes,
quando afinal a todos o coração enfraquece.

"Pai!, sentir o teu pai, nosso avô, a partir é triste. 
Mas foi ele, o teu pai, nosso avô, 
que disse que quem não viveu não pode viver.

"Pai!, e o avô viveu e deu a viver,
e viverá para sempre nas nossas histórias,
aquelas que tu e nós vamos contar
aos nossos filhos, sim,
por que ser avô é uma bênção,
e queremos dar-te essa alegria também.

"Pai!, toca-nos a tua sensibilidade silenciosa, 
escondida, mas forte,
pela subtileza e bondade.

"Pai!, vamos levar nas nossas vidas
a celebração da vida
através da poesia embrulhada de afetos.

"Com afeto, Joana e João

"Alfragide, 19 de Março de 2012".




2. Um poema ao pai: estou fora de casa, no Norte, ou melhor, estou em casa, no Norte (, estou sempre em casa,  no Norte!),  mas lembrei-me de partilhar com os nossos leitores, de Norte a Sul,  um dos poemas do transmontano Miguel Torga (,da terra da nossa querida Giselda Pessoa, São Martinho de Anta, Sabrosa), de que gosto muito, pela sua genial simplicidade... 

Peçam, amigos e camaradas, aos vossos filhos ou netos, que vos acompanharem no jantar desta noite, para o ler, em voz alta, à mesa, lenta, compassadamente. Saboreiem-no... porque a poesia é também para se comer e beber... E tenham um bom resto de dia do Pai, amigos e camaradas! Bebo um copo à vossa saúde, com votos de longa vida!


Bucólica

por Miguel Torga


A vida é feita de nadas:

De grandes serras paradas
À espera de movimento;

De searas onduladas
Pelo vento;

De casas de moradia
Caiadas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;

De sombra de uma figueira;

De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.




Miguel Torga
In: TORGA, M. – Antologia poética. Coimbra, ed. autor, 1981, p. 247.

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 19 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9628: Meu pai, meu velho, meu camarada (25): Bo vida ta na balança... (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P19602: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXV: Memórias do Gabu (V)


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Janeiro / fevereiro de 1968 > Foto nº 13A > A Escola Primária do Gabu. o professor e os alunos. Uma imagem que vale por mil palavras, num sítio daqueles também se ensinava a ler a Língua de Camões.



Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) >  Janeiro / fevereiro de 1968 >  Foto nº 13


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) >  Janeiro de 1968 >  Foto nº10 >  Mulher guineense de etnia Fula com o seu filho.  Na porta da sua tabanca esta mulher deixou-se fotografar com o seu filho todo nu, como já era hábito nas gentes locais.  


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) >  4º  trimestre de 1967 >  Foto nº 7 > Junto a um ribeiro, ou a Fonte de Nova Lamego, local das lavadeiras.  Alguns miúdos, mas já crescidos, estão a tomar banho de sabão num local que me parece ser o sítio onde as lavadeiras trabalhavam. Junto a mim, o então ainda Aspirante Mesquita, das Transmissões. 


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) >  1º  trimestre de 1968 >  Foto nº 1 > Bajudas Mandingas com vestes de passeio dominical.  São 3 raparigas solteiras – bajudas – com os seus vestidos de domingo ou de festas.  Fico com uma falsa sensação, pois a do meio não tem sequer chinelos, está descalça.  Não se pode identificar as cores, mas serão certamente cores fortes e garridas. 


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Outubro de  1967 >  Foto nº 2 >  Um grupo de camaradas junto às sombras das Palmeiras.  Foto tirada possivelmente numa tarde de Sábado ou Domingo, com alguns militares à civil, dos quais não consigo identificar nenhum pelo nome. É uma das primeiras fotos do Gabu. 

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Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > 4º trimestre de  1967 >  Foto nº 5 > Vista geral de algumas ‘Tabancas’ no mato nos arredores do Gabu. Uma das primeiras rondas pela zona, e uma das primeiras fotos pelas tabancas do Gabu e da nossa Guiné. Tudo era novo para os ‘periquitos’.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Outubro de  1967 >  Foto nº 14 > Momento de repouso à sombra do nosso fotógrafao de uma bananeira. Numa deslocação de Nova Lamego a Bafatá, foi preciso parar no caminho, e assim se aproveitou o momento para descansar na sombra de uma bananeira, pertencente a este homem, fula, dono da plantação. Não me lembro se ele nos ofereceu uma banana ou não, mas elas parecem ainda um pouco verdes.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Outubro de  1967 >  Foto nº 17 > Edifício do Posto de Comando e Conselho Administrativo  do Batalhão. Localizado no centro da Vila, este edifício tipo colonial era a sede e instalações do Comando do Batalhão e do Conselho Administrativo, onde eu exercia funções. Daquele varandim do 1º piso, poderia apreciar-se grande parte do povoado, a Casa Caeiro em frente, os CTT da outra esquina e outro estabelecimento que não sei o que era. Junto a mim, debruçados, estou eu, o Furriel Pinto e o 1º cabo Seixas


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Dezembro de  1967 >  Foto nº 12 >  Chegada e recepção da esposa do 2º comandante, Major Américo Correia. Por alturas do mês de Natal de 67, a esposa do nosso 2º Comandante e Presidente do Conselho Administrativo foi visitar o marido a Nova Lamego. A sua chegada a terras de Gabu foi muito acompanhada, e foi bem recebida. Chegou num avião militar DAKOTA da FAP, vinda de Bissau, onde chegou da metrópole num avião, civil ou militar, não sei. Estas visitas não eram normais, por razões de segurança. Junto a ela, está o marido fardado e de boné, estou eu de quico, e o militar de camuflado pertencia aos quadros da Força Aérea.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Janeiro / fevereiro de   1968 >  Foto nº 15 > Numa Tabanca dos arredores, com uma criança mestiça. Como andava muitas vezes pelas tabancas, tinha muitas amizades com a população, dava alguma coisa, tirava fotos com as bajudas e mulheres, depois levava uma cópia para eles, eu dava-me bem naquele ambiente sem medo, sem stress. Esta criança logo se vê que é filho de mãe preta e pai branco, não sei os pormenores, eram assuntos naquela altura muito tabus, perguntar estas coisas. Deve estar um homem, espero que não tenha ido para a guerrilha!

 Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, chefe do conselho administrativo, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); é economista e gestor, reformado; é natural do Porto; vive em Vila do Conde. (*)

CTIG/Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:

T063 – MEMÓRIAS DO GABU – PARTE V

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Guiné 61/74 - P19601: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (6): o contentor do Abubacar


Guiné-Bissau > Bissau > Março de 2019 > O Contentor do Abubacar > Fotografias do contentor e parte da tertúlia. O Abubacar está ao centro.  Eu, à sua direita, de óculos esuros, chapéu e um criança ao colo.



Guiné-Bissau > Bissau > Março de 2019 > O contentor do Abubacar >  O Abubacar e um vizinho



Guiné-Bissau > Bissau >  Março de 2019 >  O contentor do Abubacar >Miúdos



Guiné-Bissau > Bissau >  Março de 2019 >  O contentor do Abubacar > Manteiga de amendoim: Jura mesmo!










Guiné-Bissau > Bissau > Março de 2019 > O contentor do Abubacar > Mensagens ecológicas destinadas às crianças

Fotos (e legendas): © Luís Oliveira (2019) . Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).



Luís Oliveira, na praia da Areia Branca, Lourinhã
1. Sexta crónica do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro nº 730, que foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74): é bancário reformado, foi praticante e treinador de andebol; lisboeta, tem fortes ligações à Lourinhã, Oeste, Estremadura...

Chegou a Bissau, a 2 de março, e aqui vai estar 3 meses como voluntário na Escola Privada Humberto Braima Sambu, no âmbito de um projeto da associação sem fins lucrativos ParaOnde, que promove o voluntariado em Portugal e no resto do Mundo. (*)






O Contentor de Abubacar


por Luís Oliveira



Conheci a loja do Abubacar através das minhas companheiras de voluntariado. Trata-se de um contentor marítimo de pequenas dimensões, talvez cinco por dois metros que, à custa de rebarbadora, ferro de soldar, alguns materiais reciclados e sobretudo muita imaginação, foi transformado num estabelecimento comercial quase em frente da escola Humberto Braima Sambu e do Estádio Bom Fim.



É um local incontornável quando me dirijo todas as manhãs para a escola e aproveito para reconfortar o estômago, meio pão tipo baguete com manteiga e leite. O Abubacar, ou o alguém que o substitui, após cortar a baguette ao meio, rapa com uma colher a manteiga com origem numa lata de cinco quilos daquele produto e parte do “mata bicho” está preparado, só faltando uma latinha de leite de duzentos ml que os holandeses vendem para a Guiné e que até sabe bem.


Para além deste serviço, a loja do Abubacar vende água de Penacova, rebuçados, óleo avulso em saquinhos de plástico, conservas e muitas mais mercadorias de natureza alimentar. Também fornece serviços tecnológicos e, quando necessito de carregar dados ou chamadas no meu cartão SIM, o

Abubacar, não sei com que artes mágicas, carrega-me o telefone do que preciso.


Mas o que mais me atrai na loja são os momentos de convívio com p Abubacar e os seus amigos que aí aparecem para disfrutar de uma boa cavaqueira que abrange desde o tema político ao desportivo, e com o Abubacar estou sempre de acordo porque é um ser humano de qualidades inquestionáveis. Tem ideias claras e críticas sobre a gestão recente da Guiné-Bissau, do estado de pobreza material e a outros níveis em que se encontram os seus irmãos guineenses. Faz propostas, discute com moderação e siso os problemas partidários e tem sempre uma mensagem ecológica para os mais novos, sempre distraídos na forma como tratam o lixo, e sobre a higiene urbana e, além disso, é do Sporting.


O Abubacar deve ter, talvez, pouco mais de vinte anos, tem o curso de professor, mas, como esta categoria profissional não recebe ordenado desde Outubro, prudentemente orientou a sua vida por outra via, e é pena porque os seus ensinamentos seriam bem úteis aos mais novos.


Hoje, sábado, não houve escola e lá fui tomar o pequeno almoço, comprar dados para o cartão SIM e conviver. Uma manhã muito agradável com vários jovens, entre eles um de Missirá, onde o seu pai foi milícia da força portuguesa, e outros que me questionam do período colonial que, segundo eles, não faz parte do curriculum de história do ensino guineense:


“Luís, como é que convivias com a população?” 
“Na tabanca não tinham medo de vocês?” 
“Para onde iam detidos os elementos do PAIGC que eram capturados?”... 

E a conversa continua com serenidade, entusiasmo e curiosidade. As lembranças de um conflito que existiu e que apenas tem registo nas nossas memórias, são um ponto de encontro e de reflexão sobre os erros cometidos, sobre as malhas que o império tece(u) e que nos torna mais próximos.



P.S. No meio da conversa desta confraria ocasional, surge uma mulher transportando uma lata de tinta, abeira-se de mim;

– A bó miste?


Nem sabia o que a senhora transportava e até pensei que queria que lhe fosse pintar a casa como as vezes faço colaborando com os meus amigos que têm menos tempo ou jeito!


Como fiz um ar surpreendido, tirou a tampa e lá dentro estava uma massa castanha de cor pouco atrativa e também não era massa consistente porque eu até não tenho jeito para a mecânica. Mancarra, insistiu ela.


Pois, era manteiga de amendoim. Não pude negar e, com a ASAE ausente e sob investigação, não iria

haver problema.

– Um quilo?


Um quilo era demais, e o aspecto e cor tão pouco atrativos que só pedi duzentos e cinquenta gramas para ver o que dava e não deixar a senhora com a lata na mão após tanta insistência.


Nesta lata não há colher e ela vai rapando com a mão e fazendo bolinhas até juntar o que lhe pareceu serem os duzentos e cinquenta gramas. O Abubacar forneceu um saquinho plástico onde ficou o produto pelo preço de duzentos e cinquenta francos CFA (cerca de quarenta cêntimos de Euro) e que não resisti a provar depois do meu almoço.


Nunca comi manteiga de amendoim tão saborosa e, se amanhã os efeitos desta iguaria não me afectarem demasiado, irei à procura da mulher e comprar um quilo. Talvez seja suficiente até partir para Lisboa.


Bissau, 16/03/2019

Guiné 61/74 - P19600: Memória dos lugares (387): Jemberém, no Cantanhez (António Castro, ex-fur mil inf, CCAÇ 4942/72, 1972/74)



Foto nº  3 > Um “cruzeiro” numa LDM pelo rio Cacine,  entre Cacine e Jemberém



Foto nº 4 > Aqui estou eu junto do abrigo, tipo “bunker”, que foi construído a pensar em defesa do comandante e das comunicações em caso de ataque em força.


Foto nº 2 > Um quarto duplo onde morei esses 11 meses que partilhava com outro Furriel.






Foto nº 1 > Esta era a cozinha de campanha, onde se faziam maravilhas quando havia comida fresca.


Foto nº 1A > Esta era a cozinha de campanha, onde se faziam maravilhas quando havia comida fresca.




Foto nº 6 > Este era o meu grup de combate, o 3º, o Zigue-Zague, [O alferes Lima era o meu comandante de pelotão - o 3.º; o alferes Vítor Negrais o comandante do 2.º pelotão, o alferes Pires, o comandante do 4.º pelotão e o do 1.º era um "Operação Especiais" ["ranger" cujo nome já me falha. A CCAÇ 4942, os "Galos de Jemberém", foram os "pioneiros e construtores de Jemberém" [, hoje, Iemberém]

Guiné > Região de Tombali > Jemberém > CCAÇ 4942/72 (1972/74) 

Fotos (e legendas): © António Castro  (2019) . Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


Guiné-Bissau  > Região de Tombali >  Iemberém > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje > 2 de Março de 2008 > Monumento, em bom estado,  assinalando a passagem, por aqui, da CCAÇ 4942/72, de origem madeirense, conhecida por "Os Galos do Cantanhez". Estiveram em Jemberém (os guineenses hoje dizem Iemberém) entre Março de 1973 e Fevereiro de 1974.

Foto (e legenda): © Luís Graça  (2008) . Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


1. Mensagem do António [Clodomiro Silva] Castro, ex-fur mil inf,  CCAÇ 4942/72  (Jemberém e Barro 1973/74. É membro nº 753.º da nossa Tabanca Grande (*)

Data: sábado, 16/03, 23:02
Assunto: CCAÇ 4942/72

Olá Luís,

Peço desculpa porque já passou muito tempo (*)  e parece que estou “desaparecido em combate” mas este é o combate da vida.

Depois das vossas boas vindas,  é de facto tempo de relembrar um pouco da “história” pelo que vou fazer um pequeno texto que segue abaixo e anexar 5 fotos, para publicação, se entenderam que tem interesse neste contexto.

Formamos uma Companhia Independente na Madeira, nos fins do ano de 1972. Foi denominada CCAÇ 4942. A nossa mobilização indicou - Guiné. (**)

A Companhia já completa foi para Lisboa aguardar embarque. No dia 26 de Dezembro do mesmo ano embarcamos no Uige rumo à nossa aventura.

 As notícias davam conta que o nosso destino era Bafatá. Sendo a segunda cidade da Guiné até
parecia que estávamos a caminhar para umas “férias”. Mas a apenas dois dias da nossa chegada, a notícia foi a morte de Amilcar Cabral [, em 20 de Janeirode 1973], o que nos fez logo esperar o pior. 

Depois do IAO no Cuméré, fomos para Mansoa,  a norte de Bissau,  aguardar transporte para Cadique no sul de onde passado pouco tempo fomos abrir destacamento no meio do mato, numa localidade já sem população que se chamava Jemberém e que distanciava cerca de 10 km de Cadique. (***)

Juntos com outra Companhia Independente e com o reforço de alguns fuzileiros, montamos um destacamento em círculo onde a alguns metros do “arame” escavamos valas para defesa em todo o perímetro e valas mais largas onde montamos camas de campanha para dormir, onde ficaram todos os praças e furriéis, para maior operacionalidade. Apenas os oficiais e especialistas não atiradores ficaram no centro. 

Pouco tempo depois os fuzileiros foram substituídos por um grupo de Artilharia com 3 obuses 10,5. E nestas condições ficamos durante 11 longos meses com saídas para o mato quase dia sim, dia não, em bigrupo ou com saídas de 2 dias quando era a Companhia com os seus 4 grupos operacionais a sair. Dos ataques ficaram certamente muitas recordações, mas não vou falar delas agora. Ficam algumas imagens que mostram um pouco do ambiente.

Final da história: depois deste período fomos para Barro, onde nunca mais tivemos ataques, passamos o 25 de Abril, fizemos, salvo erro, o “30 de Maio” que foi a expulsão do comandante e acabamos por regressar a Lisboa em Setembro por antecipação do nosso tempo de mobilização, em que TODOS os que integraram a nossa Companhia regressaram a casa. Sim, a nossa Companhia não teve nenhuma baixa, e teve apenas um ferido que ficou a mancar, mas mesmo assim ficou até ao fim.

Com os melhores cumprimentos,
António Castro
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Notas do editor:


segunda-feira, 18 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19599: Notas de leitura (1160): “Bijagós, Património Arquitetónico", por Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade, Fotografia de Francisco Nogueira (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Novembro de 2016:

Queridos amigos,

O livro é irresistível, pelo rigor do conteúdo e pela preciosidade das imagens. Os Bijagós sempre provocaram um grande fascínio tanto pelos dons naturais, pela cultura, pela identidade do povo que durante séculos viveu em contenda com o continente, nomeadamente com os Beafadas, os vizinhos mais próximos.

Não se pode ficar indiferente com estes cadastros do legado colonial, impressiona o que se construiu e o que ainda está a tempo de ser conservado. Felizmente que alguma cooperação garante restauros e trava o aniquilamento de edifícios emblemáticos do que fora concebido com capital com contornos imperais.

Quem perdura o seu amor pela Guiné não pode deixar de olhar esta obra primorosa sem orgulho e indignação.

Um abraço
do Mário



Bijagós e o seu património arquitetónico: que beleza de livro!

Beja Santos

O património arquitetónico dos Bijagós é uma edição da Tinta-da-China, tem por autores Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade e fotografias de altíssima qualidade de Francisco Nogueira. Tem história, enquadramento urbanístico, análise do espaço tradicional Bijagó e do espaço colonial e desvela os mais significativos edifícios coloniais. 

Na base do empreendimento está o projeto “Bijagós, Bemba di Vida! Ação cívica para o resgate e valorização de um património da humanidade”, uma parceria do Instituto Marquês de Valle Flôr e da organização não-governamental Tiniguena. Trata-se de um estudo que se insere no projeto de conservação dos recursos naturais e de desenvolvimento socioeconómico numa das zonas centrais da Reserva da Biosfera do Arquipélago de Bolama-Bijagós: as ilhas Urok.

Os autores preparam-se bem e o resultado está à vista, nesta edição cuidada, edição para guardar pelo cuidado posto no grafismo e na riqueza das imagens, fala-se dos Bijagós e de um património colonial que ameaça ruína, as imagens são tão impressivas que ninguém pode deixar de indignar-se com o descalabro que por ali vai.

A herança arquitetónica bijagó compreende o passado, através da compreensão dos textos, dos enquadramentos e das suas influências em comparação com outros patrimónios guineenses e coloniais; está o registo fotográfico do património existente e indaga-se o futuro, alguém tem que responder pela salvaguarda de um património comum de uma região com 88 ilhas e ilhéus, num total de 10 mil quilómetros quadrados. 

Há menção dos Bijagós em documentos dos descobridores a partir de 1457, são da maior importância as narrativas do navegador veneziano Luís de Cadamosto e do navegador genovês Uso de Mare. Os primeiros registos cartográficos surgiram em 1468 quando o navegador alemão Valentim Fernandes terá chegado às imediações de Canhabaque.

O processo de crescimento de Bolama está relacionado com a história e a cultural mercantil na região de Quínara e no rio Grande de Buba. O povo Bijagó vivia em permanente tensão com os Beafadas que se espraiavam entre Tombali e Fulacunda. A presença portuguesa era episódica e a hostilidade Bijagó indisfarçável aos colonos. Bolama foi fundada em 1752, muito depois de outras vilas e cidades da Guiné, quando o governo português ordenou ao Coronel Francisco Roque de Sotto-Mayor, Governador de Bissau, que tomasse posse da ilha, erguendo um padrão esculpido com as armas dos reis de Portugal. Recorde-se que a ilha de Bolama só pertenceu oficialmente a Portugal em 1870, após a arbitragem pelo presidente norte-americano Ulysses Grant do conflito luso-britânico.

A estrutura urbana baseia-se em modelos europeus: grelha ortogonal, reticulada, implantada a nordeste da ilha, e em contracto direto com o mar. Impuseram-se inicialmente os edifícios da Alfândega, o Palácio do Governador e Casa Comercial Gouveia. Surgiram depois outros edifícios-chave: o Banco Nacional Ultramarino, a Escola, o Arsenal e o Hospital, a Câmara Municipal e os Paços de Concelho. A escala da cidade de Bolama, observam os autores, é definida por um grande número de edificações térreas, pontualmente marcada por construções com dois ou mais pisos. Nos anos 20 do século XX, surgem planos da autoria do engenheiro Guedes Quinhones inspirados nos modelos humanos ingleses do final do século XIX, da Garden City, de Sir Ebenezer Howard e dos ideais norte-americanos da City Beatiful Movement.

Quando Bolama deixou de ser capital, em 1941, tentou-se torná-la um destino turístico muito apetecível, daí as piscinas municipais, o cineteatro e o complexo balnear da praia de Ofir. Hoje, os seus largos e praças perderam grande parte do caráter, em virtude do abandono dos serviços públicos. Era tal a beleza e a graciosidade da cidade que muitos a tratavam por Nova Mindelo e nos meios intelectuais dizia-se que aqui se tinha radicado o berço do crioulo.

Folheia-se o álbum fotográfico e sentimos o coração pequenino com as ruínas do antigo Palácio do Governador, as ruínas de Bubaque, estão entregues às ervas a casa de férias de Luís Cabral e as casas inacabadas para generais. De premeio, os autores mostram-nos a organização das tabancas Bijagós, construídas em clareiras, têm um ar delicado na envolvente paisagística.

Uma imagem muito bela pode potenciar no leitor um cruel sofrimento, ele tem que perguntar porquê a decomposição daquele edifício da central elétrica, como ainda guarda majestade a Câmara Municipal em ruínas, como é grotesco o belo exótico das ruínas do Hospital Militar e Civil, e como ainda resiste o Palácio do Governador e o Quartel Militar. Há uma Bolama que nasce e renasce. Por exemplo, o edifício da Alfândega foi totalmente recuperado pela cooperação espanhola, AICCID. O cineteatro de Bolama resiste, é um assombro de Arte Deco já tardio. A Escola Superior de Educação é um dos equipamentos de maior interesse da Bolama atual. Ficamos sem fôlego a ver a notável Imprensa Nacional, os autores advertem para o seu enorme potencial turístico e museológico.

A análise patrimonial não se circunscreve à ilha de Bolama, já se falou de Bubaque, Canhabaque tem património em decadência, aqui se mantém de pé o monumento comemorativo das operações de pacificação de 1935-1936.

Os autores concluem que é muito grande a qualidade patrimonial deste arquipélago e que é iniludível a importância do legado patrimonial do colonialismo português, ainda há muita recuperação, conservação e restauro que podiam tornar esta região muitíssimo apetecível pelos dons que a natureza que lhe ofereceu.

Enquanto lia com sentimentos contraditórios este álbum de indiscutível interesse, procurando conhecer as linhas da presença colonial, tanto na fase de consolidação de Bolama como capital da província da Guiné e o período posterior, até ao momento da independência, sempre de coração contrito com o património em ruínas, lembrava da visita que aqui fiz em 1991, a embarcação a chegar ao cais de onde se avista aquele espantoso monumento em pedra que Mussolini ofereceu à cidade de Bolama em homenagem aos aviadores italianos mortos, procurava as placas esmaltadas com os nomes insignes dos políticos da I República que aqui ficaram consagrados, passeara-me neste mar de ruínas perplexo como era possível dois povos espezinharem esta esplendorosa memória de uma vida em comum.

Pescadores bijagós
Imagem retirada do blogue LusONDA, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19588: Notas de leitura (1159): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (77) (Mário Beja Santos)