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segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20380: In Memoriam (355): Um alfabravo (ABraço), Eduardo, até qualquer dia!


Leiria > Monte Real > 25 de maio de 2019 > XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande > Da esquerda para a direita, Carlos Camacho Lobo, médico (Maia), Jorge Pinto (Sintra) e Eduardo Jorge Ferreira (Lourinhã)... 


Foto (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Soneto de Luís Graça: Os amigos e camaradas não te esquecem, Eduardo!

Que fazes aí, ó Eduardo, grande amigo,
Especado no frio e feio leito da morte ?
E, nós, que em vida sempre estivemos contigo,
Estamos agora, tristes, entregues à nossa sorte.

Quem nos dera ter o poder de te dizer:
Levanta-te e anda, volta a mostrar-nos o caminho,
Lá onde o azul de Montejunto se possa ver,
Levanta-te e anda, não fiques aí sozinho!

A vida é uma picada, cheia de minas e armadilhas,
Mas, para ti, esta era a terra da alegria,
Onde do pouco tu fazias maravilhas.

Foste um líder, davas o exemplo, ias à frente
Fazendo só bom uso da tua empatia.
Ninguém te esquece, nem no Vimeiro a tua gente.


Luís Graça,

Os amigos do seminário
e os camaradas e amigos da Tabanca de Porto Dinheiro / Lourinhã
25 de novembro de 2019


Seminário de Almada > Convívio de antigos alunos > 24 de junho de 2017 > Foto de grupo: na primeira fila,  o Eduardo Jorge Ferreira aparece ao centro, com um joelho no chão, tendo à sua direita o Joaquim Pinto Carvalho e o Luís Graça, e à direita o o Miguel Franco...(Todos os quatro passaram pela Guiné, durante a guerra colonial...).


Seminário de Almada > Convívio de antigos alunos > 24 de junho de 2017 > O Eduardo Jorge Ferreira,recordando os bons tempos das partidas (a quatro) de "spiribol" (1)



Seminário de Almada > Convívio de antigos alunos > 24 de junho de 2017 > O Eduardo Jorge Ferreira,recordando os bons tempos das partidas (a quatro) de "spiribol" (2)

Foto (e legenda): © João Vinagre  (2017). Todos os direitos reservados. [Edição; Blogue Luís Graça / Camaradas da Guiné]




Lourinhã > Ribamar > Festa de Nª Sra. de Monserrate > 14 de outubro de 2019 > 25º convívio dos antigos alunos de seminários, da região do Oeste: 

Este convívio era organizado pelo Eduardo Jorge Ferreira. O próximo, o  26º,  em 2020, já não será organizado por ele. Lá no céu, fará a supervisão. Mas há aqui um  lugar vago, aqui, difícil de preencher, porquanto o perfil do Eduardo era exigente. 

Na foto, o João Vinagre, à esquerda, um "rapaz" da Benedita, Alcobaça, que vive em Lisboa (engenheiro, empresário, reformado),  e o Forival Ferreira, da Lourinhã, que vive na Azambuja (, professor de história, reformado). Salvo melhor opinião, o João Vinagre reúne todas ou quase todas as condições  para integrar a comissão organizadora do 26º convívio,  que será em 12 de outubro de 2020, e onde faremos (,proposta minha, ) um singela homenagem ao nosso Eduardo. Outros nomes que me ocorrem para a comissão organizadora:

Carlos Silvério (Ribamar), Rui Chamusco (Lourinhã), Luís Manuel Silva (Estrada / Peniche, a viver em São Martinho do POrto / Alcobaça)), Jaime Bonifácio Marques da Silva  (Seixal / Lourinhã), Joaquim Pinto Carvalho (Vilar / Cadaval)...  Como se costuma dizer, o poder tem horror ao vazio... 

Foto (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


2. Mensagem do engº João Vinagre,  um dos dinamizadores dos convívos dos antigos alunos dos seminários dioceses de Lisboa (Santarém, Almada e Olivais), dos anos de 50/60/70:

Com pesar transmito a notÍcia, recebida agora do Luís Graça a informar do falecimento do nosso colega Eduardo Jorge Pinto Ferreira,

Daqui para a frente as caldeiradas do Oeste, em Ribamar, organizadas pelo Eduardo, terão com certeza, se as houver , um sabor diferente.
Eduardo, não sou do teu tempo do seminário , mas recordo-te desde que colaboraste na organização do último encontro em Almada e ficámos amigos como se nos conhecêssemos há 50 anos...

Partiste muiti cedo... fazias-nos falta...

Recordo com saudades a entrega que punhas naquilo que fazias, a tua maneira de enfrentar as dificuldades sempre com sorriso e uma calma que se tornavam contagiantes.

Nas fotos que envio a própria bola de spiribol fez-me lembrar a tua vida ....caiu muito cedo.

Não cheguei a ver-te fardado a rigor como os militares das antigas guerras, que tinhas tanto gosto em representar, na tua terra, o Vimeiro.

um abraço, Edurado, até qualquer dia !!

João Vinagre

Lisboa, 24 de novembro de 2019



3. Mensagem, do João e Vilma Crisóstomo (Nova Iorque):

"Um abraço, Eduardo,  até qualquer dia !!”

Foi assim que o Vinagre se despediu do Eduardo, exprimindo, melhor do que eu sei fazer, a dor e os difíceis momentos que eu e todos os que conheceram o Eduardo estamos passando, depois de "recordar com saudades a entrega que Eduardo punha naquilo que fazia , a sua maneira de enfrentar as dificuldades sempre com um sorriso e uma calma que se tornavam contagiantes".  

Permito-me repetir as palavras do Vinagre porque não sei fazer melhor:" um abraço, Eduardo, até qualquer dia !!"

Por mais que a gente queira,  em ocasiões assim, não há palavras, apenas saudade, dor e tristeza; porque, de repente,ficamos sem jeito, sem saber o que dizer, sem saber o que fazer.

Tentar encostar a cabeça a um ombro amigo como eu tentei, não ajudou; no outro lado da linha,  deparei com dor e tristeza igual à minha, seres devastados também, também eles necessitando um ombro para repousar a sua cabeça cansada. 

Lembrado de ensinamentos de catecismo e ulterior educação religiosa , tentei refúgio e auxílio na fé, de que "a morte é o começo de uma nova vida". E, numa tentativa de respeito, evitando tentações de revolta que não podia deixar de sentir, obrigava-me e obrigo-me a aceitar o que não dá para compreender.

"Um abraço, Eduardo, até qualquer dia!"... Sentimos a tua falta!

Entretanto, meus caros Rui Chamusco, Luis Graça e demais caros camaradas,  ser fortes é o que nos resta, mesmo que cada um de nós tenha de controlar lágrimas e emoções. Que o contagiante sorriso (triste embora neste momento que não dá para melhor) e a calma do Eduardo permaneçam connosco e nos ajudem "até qualquer dia” também!

A Vilma junta-se a mim num grande e fraterno abraço para todos.
João e Vilma



Lourinhã > Ribamar > Festa de N. Sra. Monserrate > 14 de outubro de 2019 > Convívio anual dos antigos alunos de seminário, da região Oeste... Celebrando 25 convívios organizados pelo Eduardo Jorge Ferreira.. Infelizmente este seria último. Mas não iremos deixar morrer esta tradição, nem o Eduardo irá parar a "vala comum do esquecimento". [Na foto, à esquerda em primeiro plano, o Rui Chamusca, professor, da Malcata / Sabugal, que trabalhou com o Eduardo no Agrupamento de Escolas de Ribamar, e era um dos seus amigos do peito. Hoje reformado, vive entre a Lourinhã, a Malcata e Timor. Foi o Eduardo quem apresentou o Rui Chamusco ao João Crisóstomo]

Foto (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


4. O Eduardo era o grande dinamizador de, entre outros, do convívio dos antigos seminaristas do Oeste, que se realizava todos os anos em Ribamar, Lourinhã, na segunda feira da festa de N. Sra. Monserrate... O último foi em 14/10/2019. Aqui ficam os versinhos do Luís Graça que o organizador, Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019) mandou a todos os convivas.

Ribamar, 10/10/1994 | 14/10/2019: 25 anos de Convívio dos ex-seminaristas do Oeste.


Tradicional caldeirada, organizada pelo Eduardo Jorge Ferreira,
na 2ª feira da 2º semana de outubro, no âmbito da festa anual de Ribamar, em honra de Nª Sra. de Monserrate.

O Eduardo é um dos professores-fundadores da Escola C + S de Ribamar (mais tarde, Escola Básica de Ribamar) no ano letivo de 1992/93…

Com início em 1994, por ocasião da Festa Anual de Ribamar iniciou-se o nosso convívio… A iniciativa foi dele. No princípio era uma escassa meia dúzia de ex-seminaristas, do seu curso…Vinte e cinco anos depois temos já cerca de 7 a 8 dezenas convivas, tudo malta do Oeste Estremenho e arredores…

A efeméride merece ser recordada. Para lembrar essa iniciativa pioneira e em homenagem ao nosso conterrâneo, amigo, condiscípulo e camarada de armas (O Eduardo, voluntárioo da Força Aérea Portuguesa, entre 1971 e 1977, esteve na Guiné em 1973/74, como alferes miliciano, na BA 12, Bissalanca), o poeta de serviço, Luís Graça (n. Lourinhã, 1947; Santarém e Almada, 1958/64; Guiné, 1969/71), escreveu, para todos os participantes do convívio de 2019, e para os mordomos e voluntários da festa de Ribamar que o tornararm possível, os seguintes versinhos (26 quadras populares encadeadas):

Se és ex-seminarista,
E o passado queres recordar,
Vem daí, simples turista,
Até nós, em Ribamar.

Até nós, em Ribamar,
Da Lourinhã, bela terra,
Mesmo se não foste ao ultramar,
E te livraste da guerra.

E te livraste da guerra,
Dando às balas o teu peito,
Nas contas é que não erra,
Eduardo Jorge, o prefeito,

Eduardo Jorge, o prefeito,
Que te chama a capítulo,
Só tens que vir a preceito,
Orgulhoso do teu título.

Orgulhoso do teu título,
Ex-aluno do seminário,
Foste nosso condiscípulo,
Agora septuagenário.

Agora septuagenário,
Mente sã em corpo são,
Não foste padre nem vigário,
Mas é mano de coração.

Mas é mano de coração,
E nessa exata medida,
O seminário de então
Foi uma escola de vida.


Foi uma escola de vida,
Esquece agora a santidade,
Que há muito te é devida,
Com essa proveta idade.

Com essa proveta idade,
Nem jejum nem a abstinência,
Seria até crueldade,
Passares fome, que indecência!


Passares fome, que indecência!
“Carpe diem”, camarada,
Vive, sim, com sapiência,
E ataca-me a caldeirada.


E ataca-me a caldeirada,
Da Senhora de Monserrate,
Cozinheira bem esmerada,
Até no bife de espadarte.

Até no bife de espadarte,
Iguaria desta festa,
Hás de comer a melhor parte,
E rapar o que ainda resta.

E rapar o que ainda resta,
Que já nada é pecado,
Dormes depois uma sesta,
E vais daqui perdoado.

E vais daqui perdoado,
Ó cabeçorra grisalha,
E p’la santa abençoado,
Garante o padre Batalha,

Garante o padre Batalha,
Nosso vizinho e amigo,
Nunca o ouvimos chamar canalha,
Nem ao seu pior inimigo.

Nem ao seu pior inimigo,
Diz o Alexandre Rato,
Patrão desta terra-abrigo,
Veio da Holanda, tem bom trato-

Veio da Holanda, tem bom trato,
O freguês-mor da freguesia,
Vamos com ele tirar um retrato,
E agradecer a companhia.

E agradecer a companhia
De todos vós, afinal,
Danados para a folia,
Mas sem a bula papal.

Mas sem a bula papal,
Excessos não cometemos,
Adeus, não levem a mal,
Já comemos e bebemos.

Já comemos e bebemos
Com esta gente de Ribamar,
P’ró ano cá voltaremos,
Se o Eduardo nos convidar.

Se o Eduardo nos convidar,
E se Deus Nosso senhor quiser,
Cá haveremos de estar,
P’ra comer o que ele nos der.

P’ra comer o que ele nos der,
Um manjar digno de Cristo,
Cá na terra enquanto houver,
Já que no céu não há disto.

Já que no céu não há disto,
A todos, muito obrigado,
Fica o Eduardo bem visto,
E o poeta emocionado.

E o poeta emocionado,
Por ser do clã Maçarico,
De exemplos de vida, rico,
Tem cá muito antepassado,

Tem cá muito antepassado,
Até frade e missionário,
Vai daqui bem confortado
C’o as memória do seminário.

C’o as memórias do seminário,
Termina esta oração,
E, como fraterno corolário,
Deixa-vos um chicoração.

Luís Graça, em seu nome pessoal,
e em nome da organização,
Eduardo Jorge Ferreira & Companhia Limitada.
Ribamar, festa de N. Sra. Monserrate, 14/10/2019
Contacto do organizador:
Eduardo Jorge > telemóvel > 964 485 269
email > ejp.ferreira@googlemail.com

Contacto do poeta:
email > luis.graca.prof@gmail.com
Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com

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domingo, 24 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20379: In Memoriam (354): Eduardo Jorge Pinto Ferreira (1952 - 2019), ex-alf mil, Polícia Aérea, BA 12, Bissalanca, 1972/74, régulo da Tabanca de Porto Dinheiro / Lourinhã: o funeral é amanhã, 2ª feira, no Vimeiro, às 14h00


Lourinhã > Porto Dinheiro > Tabanca de Porto Dinheiro > Convívio anual > 18 de agosto de 2017 > A chegada do régulo, Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019). O Eduardo era uma "festa" onde e quando chegava. TInha uma invulgar capacidade de empatia, simpatia, altruísmo... Além de ser um "proativo", um agregador, um organizador, um líder nato..

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição; Blogue Luís Graça / Camaradas da Guiné]


1. A notícia chegou-nos ontem, no sábado, ao fim da tarde. Brutal... Pela voz da Maria do Céu Pinto de Carvalho, do outro lado da linha. E o primeiro a quem eu a retransmiti, depois de confirmada, foi  ao nosso João Crisóstomo, com conhecimento a alguns dos nossos amigos comuns, ligados à Tabanca de Porto Dinheiro / Lourinhã:


Data - sábado, 23/11/2019, 20:29

Assunto - Terrível notícia



João: assim de chofre...Acabo de saber e confirmar que morreu o nosso querido Eduardo Jorge... Não tenho grandes pormenores: terá sido no hospital, no bloco operatório, na sequência de uma cirurgia de rotina (extração de uma pedra no rim)

Estamos destroçados: era um dos melhores de todos nós: um grande coração, generoso, solidário, afável, prestável, voluntarioso, amigo do seu amigo...

Um chicoração fraterno... Luis


2. Fui de imediato repescar alguns dos dados que constam na base de dados da Tabanca Grande sobre o nosso querido e já saudoso Eduardo Jorge Pinto Ferreira (1952-2019), para editar  este primeiro In Memoriam (*)

O nosso amigo, vizinho e camarada Eduardo Jorge Ferreira, que morre agora aos 67 anos...

(i) era natural do Vimeiro, Lourinhã, onde nascera em 1/10/1952 (, no Dia Mundial da Música, diz o Ruii Chamusco, seu colega de profissão, seu amigo do peito);

(ii) a família reside na Rua Nova, 16, Pinheiro Manso,  Sobreiro Curvo, 2560 A dos Cunhados;

(iii) passou pelos seminários diocesanos de Lisboa (Penafirme, Santarém e Almada)

(iv) ofereceu-se para a Força Aérea, em 1971, como voluntário, por um período de 6 anos;

(v) foi alf mil da Polícia Aérea, na BA 12, Bissalanca, de 20 de janeiro de 1973 a 2 de setembro de 1974, colocado na EDT (Esquadra de Defesa Terrestre);

(vi) passou ainda, em Lisboa, pela Comissão de Extinção da PIDE/DGS (Gabinete de Imprensa) e pelo Estado Maior General das Forças Armadas (1ª Divisão);

(vii)  passou à disponibilidade em junho de 1977;

(viii) tirou entretanto o curso de Instrutores de Educação Física e,  mais tarde, a licenciatura em Administração Escolar, realizando o percurso normal de professor até uma determinada altura a que se seguiram 15 anos de ligação à gestão escolar, no Agrupamento de Escolas de Ribamar, Lourinhã dos quais 12 como presidente;

(ix) voltou a ser unicamente professor nos 9  últimos anos lectivos,  acabando a sua  carreira profissional em abril de 2011;



(x) era destacado membro da  Associação para a Memória da Batalha do Vimeiro (AMBV), de que cujos órgãos sociais fez parte, tendo dedicado os últimos anos da sua vida a esta causa;

Esta Associação deixou na sua página do Facebook as seguintes palavras de homenagem: 

"Hoje perdemos um amigo, um companheiro que pertencia à categoria rara das pessoas que irradiam simpatia, dedicação e generosidade.
"A AMBV apresenta a toda a família as mais sentidas condolências e o nosso abraço apertado! Obrigado, Eduardo, por tudo o que nos deste...Até sempre,  Comandante!"

(xi) entrou para a nossa Tabanca Grande em 31/8/2011 (**);

(xii) tem cerca de meia centenas referências no nosso blogue;

 (xiii) era casado com a São, inspetora do trabalho, na ACT - Autoridade das Condições de Trabalho; deixa dois filhos, João e Rui, e 4 netos;

 (xiv) noutra encarnação  sabemos que foi sargento, integrado no exército luso-britânico que derrotou o exército napoleónico na batalha do Vimeiro, Lourinhã, em 21 de agosto de 1808;

(xv) repousa agora no Olimpo dos nossos Heróis, aqueles que são mais doque homens, e menos do que deuses;  e contamos com a sua proteção, enquanto a vida nos deixar andar por cá, por esta Terra da Alegria, que ele tanto amava.


3. Algumas das primeiras homenagens que nos chegaram,  da autoria de amigos, condiscípulos e camaradas:

João Crisóstomo (Nova Iorque), sábado, 23/11/2019, 21h30

Não sei o que dizer…

Juntamo-nos e estamos com vocês neste momento de dor. Entregamo-lo nas mãos do Senhor . Como há uma missa agora vou assistir e pedir ao Celebrante que o lembre também. Grande abraço, 
João e Vilma




À
BOA MEMÓRIA
DO
EDUARDO




Quem foi? quem te abateu tão de traição,
Meu bravo e generoso companheiro?!
Na última batalha do Vimeiro
Tombaste, já não és mais "sargentão"

Foste mestre do bem e do amor,
Ensinaste os caminhos da concórdia;
Se aonde foste, houver misericórdia,
Ela te sirva glória e louvor!

Que a tua eternidade agora seja
O prémio dessas lutas que travaste,
E tenhas paz onde quer que estejas!...

Não foste tu que nos abandonaste…
Foi Deus que te recrutou, com inveja
Daqueles que te amam e que amaste.
















Joaquim Pinto Carvalho (Vila Nova / Vilar / Cadaval)


Rui Chamusco (Lourinhã, Malcata / Sabugal, Timor)

Guiné 61/74 - P20378: Blogues da nossa blogosfera (116): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (31): Palavras e poesia


Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

SE EU FOSSE UM AVIÃO

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


Se eu fosse um avião
tinha um motor em cada mão
e voava…
Não sei para onde
mas voava para fora deste mundo…
Não há nada como um cabritinho assado
à beira da pista
com dois copos de tinto ali à mão
a força que levanta do solo
a alma de qualquer artista.
Ah! Ah! Ah!
Aquele avião amarelo
do lado de lá
mesmo á vista de quem está
do lado de cá…
Ai se eu fosse um avião
com um copo em cada mão
não esperava por malinhas de rodas
e voava…
não sei para onde
mas voava…
para fora da ilusão.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 17 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20357: Blogues da nossa blogosfera (114): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (30): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P20377: Blogpoesia (647): "O corvo negro", "O encanto da vitória" e "Abram clareiras!...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:


O corvo negro

Sobre o alto daquele prédio em frente, está poisado um corvo negro.
Astuto. Atento a tudo.
Na sua vida.
Eu aqui a vê-lo.
Nada de mim ele sabe. Nem sequer se existo.
E eu dele. Senão que ele ali está.
Domina o mundo. Voa livre e poisa onde quer.
Pega e vai.
Que ideia fará de nós, mortais?
Caminhamos lentos sobre terra firme.
uns latagões.
Não imagina como vão cheios pelo ar acima aqueles passarões gigantes, tão estranhos.
Não batem as asas e, num instante, desaparecem no infinito dos céus.
Ainda lá está o corvo negro. Sua cabeça não pára.
Afinal, é o mesmo de ontem…

Berlim, 17 de Novembro de 2019
8h37m
Jlmg

********************

O encanto da vitória

Vencer é conseguir alcançar o bom.
Sempre e em todo lugar.
Aprender com as falhas.
Da próxima será melhor.
Tem seu preço.
O esforço que faz doer o corpo.
Não a alma, onde se guardam todas as vitórias.
A paz e a tranquilidade, o motor do nosso viver, só se ganham à força dos nossos braços.
Que sabor teria a vida se tudo nos fosse ofertado?
Não tem preço a alegria que nos dá um diploma.
A simples carta de conduzir.
Ou o duma licenciatura em qualquer ramo do saber.
Chegar à meta à frente e olhar de pé o pelotão que ainda vem subindo…

Ouvindo Músicas Clássicas Lindas
Berlim, 18 de Novembro de 2019
10h14m
Jlmg

********************

Abram clareiras!...

Faça-se silêncio. Vai passar o concerto para piano e orquestra, nº 3 de Rachmaninoff.
Vai arrasar todo o passado de harmonia e exaltação.
Chegam ao céu seus trinados comoventes.
Derretem os corações empedernidos seus acordes vigorosos.
Descem vagabundos seus andamentos como corcéis pela serra abaixo até ao rio.
Como vagas enfurecidas sobre a praia, cavalgam os dedos da pianista transfigurada.
O piano se transforma num vulcão efervescente de sons arrepiantes.
Receia mesmo não resistir ao que lhe pede a artista galvanizada por uma melodia incandescente nunca ouvida.
Que duelo aterrador entre um piano tão sentido com os ademanes duma orquestra titubeante!
Ficou para a história a vitória retumbante do piano preto de cauda aberta pelas mãos divinas da pianista.

Que pena não poder estar presente na plateia o seu autor!...

Ouvindo Rachmaninoff: Piano Concerto No. 3 - Anna Fedorova
Berlin, 19 de Novembro de 2019
19h54m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20355: Blogpoesia (646): "Pé-ante-pé sobre o mar...", "Páginas inúteis" e "Brincando com as formas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P20376: Parabéns a você (1714): Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742 (Guiné, 1967/69) e António Levezinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)



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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20372: Parabéns a você (1112): José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp do BART 6523 (Guiné, 1973/74)

sábado, 23 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20375: Lições de artilharia para os infantes (8): Algumas características técnicas do obus 14 e da peça 11.4 (C. Martins, ex-cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1973/74; João Martins, ex-alf mil art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69)


Guiné > Região de Gabu > Coluna Bafatá - Nova Lamego - Piche > Setembro de 1968 > Picada a caminho de Nova Lamego, com três peças 11.4.  As peças foram desembarcadas em Bambadinca, vindas de Bissau, na LDG 101. Seguiram depois em estrada alcatroada, até Bafatá. Só mais tarde é que foi construída uma estrada alcatroada entre Bafatá e Nova Lamego, com seguimento até Piche. Estas peças participaram na Acção Mabecos, 22-24 de fevereiro de 1971.

Foto (e legenda): © João José Alves Martins (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] (*)


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 135/199 > O temível obus 14... mais um elemento da guarnição africana do  Pel Art ali destacado.

Foto (e legenda): © João José Alves Martins (2012).   Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].(**)



VI Encontro Nacional da Tabanca Grande,
4 de junho de 2011.
Uma das  raras fotos do C. Martins,
aqui de óculos escuros,
ao lado do J. Casimiro de Carvalho,
dois heróis de Gadamael.
Foto: Luís Graça (2011)
1. Comentário ao poste P20370 (***), por parte do nosso C. Caria , ex-alf mil art, cmdt do 23º Pel Art, Gadamael, 1973/74


O C. Martins - nosso leitor e camarada, mais conhecido por ter sido o "último artilheiro de Gadamael" , comandante do Pel Art 23, que acabará por (con)fundir-se com o 15, mas também médico, reformado,  a viver no Portugal profundo, - não faz parte formalmente da nossa Tabanca Grande (TG), por razões que ele invocou, de natureza  deontológica, éticas e profissional, razões que sempre  entendemos e respeitámos. . Isto quer dizer que: (i) nunca pediu para aderir à TG; (ii) nunca aceitou o nosso convite para ingressar na TG; (iii) nunca se apresentou ao "pessoal da caserna", como mandam as NEP do blogue; (iv) nem nunca enviou as duas fotos da praxe. Tem cerca de 3 dezenas de referências no blogue, foi em tempos presença assídua nos Encontros Nacionais 
da Tabanca Grande, em Monte Real

Alcance do obus 14...16 km. E da peça 11,4...18 km
Peso de ambos sensivelmente 7 toneladas

Para pôr a peça ou obus em posição de tiro,(abrir sapatas,colocar espoleta na granada e introduzi-la no tubo, colocar carga,fechar culatra principal,introduzir escorva na culatra auxiliar, puxar cordel para accionar disparo) levava no mínimo 1 minuto para artilheiros experientes.

Após o obus estar pronto para disparar,  o comandante introduzia os dados de tiro no aparelho de pontaria,  verificava níveis e fazia a respectiva rectificação com a cruzeta colocada normalmente atrás do obus.

Convém referir que em situação normal de estacionamento em quartel, o obus estava em posição de tiro e as granadas estavam já com a respectiva espoleta e as cargas à disposição.

A espoleta era armada pela rotação da granada após a saída do tubo.

A velocidade da granada à saída era de 600 m /s

A elevação do tubo ía de -5º a 45º-

Se se fizessem vários tiros directos com uma elevação baixa corria-se o risco de rebentar os hidráulicos.

O grande perigo que todos os artilheiros temiam era o rebentamento da granada à boca do tubo..Invocava-se Santa Bárbara e vai disto!...

Se bem que a dotação de cada obus 14 fosse de 10 serventes,  fazia-se tiro com menos, dependia da experiência de cada um.

Havia um Pel Art  algures na guiné que conseguia fazer tiro de 20 em 20 segundos e,  para gáudio dos infantes,  terminava-se sempre com 3 tiros em simultâneo,  era um "mini ronco".

Ah!, já me esquecia,  a granada do 14 pesava 45 kg e da peça 11,4 25 kg. (**)

Saudações artilheiras

C.Martins

2. Informação do João Martins (ex-alf mil art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69; vive em Lisboa: tem 55 referências no nosso blogue]


Sobre o obus 14 (cm e não mm...), ele já nos deu, em tempos,  as seguintes explicações técnicas (**)::

(...) "14 cm é o diâmetro da alma do canhão. Recordo que um obus é constituído por "reparo", a parte que assenta no chão e que tem duas "flechas" à retaguarda para que não recue, o "canhão" que começa na "culatra" que é a parte onde se colocam as "granadas" e os "cartuchos" com diferentes dimensões e cargas, conforme a força impulsionadora que se pretende, e que está relacionada com a distância, e, finalmente, a "massa recuante" que é o sistema hidro-pneumática que, após o tiro, leva o "canhão" à posição inicial.

Quando estive em Bedanda, e antes de rumar a Gadamael-Porto, com destino a Guileje, os 3 obuses estavam dirigidos para 3 direções bem distintas porque os ataques eram provenientes de 3 lados bem diferenciados, pelo que, regra geral, não disparavam simultâneamente, além de que estavam em extremos do aquartelamento.

Recordo-me que um dia, alguém vestido de modo "estranho" me perguntou se os obuses disparavam só para longe, ou, também, para perto. Respondi que só para longe. É claro que, naquela noite, perceberam quando queriam entrar no aquartelamento, que também disparava para perto. Os africanos que se encontravam no interior da moranças é que não gostaram do "festival" porque as granadas, que pesam 45 kg, passaram-lhes a rasar, eu diria que entre 1 metro e 2 metros. Numa das fotografias das minhas memórias, vê-se um furriel a acimentar o chão, onde o obus rodava... 


Enfim, algumas das minhas muitas recordações...que não esquecerei facilmente.. (...) (**)

Portanto, , no  essencial, pode dizer-se o seguinte:

(i) a peça de 11.4 cm e o obus 14 cm eram parecidos (mesmo reparo );

(ii) a peça 11. 4 era de menor calibre mas tinha o tubo mais comprido que o obus 14.(****)
____________

Notas do editor:


(**) Vd. poste de 26 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9947: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte VI: Bedanda, com o obus 14: um dos locais que me deixou mais saudades...

(***) Vd. poste de 22 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20370: Fotos à procura de uma... legenda (113): Camaradas artilheiros, quando media, em comprimento, o conjunto Berliet ou Mercedes ou Matador + reboque + obus 14 ou peça 11,4 ?.. 15 metros!... E quanto pesava ? 15 toneladas!... Façam lá o TPC: 9 bocas de fogo, mais 9 rebocadores, mais 9 Unimogs e Whites, mais 300 homens em armas... mais 500 granadas... Qual o comprimento (e o peso= de uma coluna destas, a progredir numa picada, no mato, de Piche, a caminho da fronteira, "Acção Mabecos", 22-24 de fevereiro do século passado, numa guerra do outro mundo ?!..

(****) Último poste da série > 30 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20107: Lições de artilharia para os infantes (7): Tal como o Strela reduziu a liberdade do nosso movimento aéreo, o radar de localização de armas (vulgo contra-morteiro) teria congelado a artilharia do PAIGC... (Morais da Silva / António J. Pereira da Costa / Luís Graça / Manuel Luís Lomba)

Postes anteriores:

10 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10019: Lições de artilharia para os infantes (6): O obus 14 de Bedanda em tiro direto... (C. Martins / Rui Santos)

17 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9915: Lições de artilharia para os infantes (5): Quando o oficial de dia fez um levantamento de rancho... (C. Martins, Cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)

4 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9852: Lições de artilharia para os infantes (4): O que era uma bateria (ou bataria)... (C. Martins, Cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)

16 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9496: Lições de artilharia para os infantes (3): Fazer a rotação, de 180º, do obus 14, para apoiar Jemberém (C. Martins, CMDT do Pel Art, Gadamael, 1973/74)

15 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7791: Lições de artilharia para os infantes (2): O artilheiro Doutor, Mansambo, CART 2339, 1968/69 (Torcato Mendonça)

14 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7782: Lições de artilharia para os infantes (1): Como era feito o tiro de obus 14 (C. Martins, ex-Alf Mil, Pel Art, Gamadael)

Guiné 61/74 - P20374: Notas de leitura (1239): "Um ranger na guerra colonial"..., de José Saúde, Edições Colibri, Lisboa, 2019. Prefácio de Luís Graça.


Capa do livro do José Saúde, "Um ranger na guerra colonial: Guiné-Bissau, 1973/74: memórias de Gabu". Lisboa: Edições Colibri, 2019, (Coleção "Memórias de Guerra e Revolução", 20).

O lançamento do livro já está agendado para o dia 10 de dezembro de 2019, em Beja, na Biblioteca Municipal, às 21h30. E no dia 8 de fevereiro de 2020 será apresentado, com pompa,  circunstância e... "cante alentejano", na Casa do Alentejo, em Lisboa, com apresentação a cargo do nosso editor Luís Graça.


Prefácio

A guerra colonial (1961/75) terá sido possivelmente o acontecimento mais marcante da sociedade portuguesa do Séc. XX. Foi-o, pelo menos, para a nossa geração, a minha e a do José Saúde. Estamos a falar de mais de um milhão de combatentes, portugueses, mas também guineenses, angolanos e moçambicanos (que estiveram de um lado e do outro da “barricada”…). O seu desfecho levou não só à restauração da democracia em Portugal, com o 25 de Abril de 1974, mas também ao desmantelamento dum império colonial que verdadeiramente nunca chegou a sê-lo, e ao nascimento de novos estados lusófonos, a começar pela Guiné-Bissau, mais de cento e cinquenta anos depois da independência do Brasil (em 1822).

Em contrapartida, não creio que Portugal, meio século depois, tenha feito ainda o balanço (global) de uma guerra que, contrariamente a outras (por ex., invasões napoleónicas e guerras civis no Séc. XIX) se passou a muitos milhares de quilómetros de distância da Pátria, na África tropical. 

Portugal nunca fez o luto da guerra colonial (ou está agora a fazê-lo, lenta, tardia e patologicamente). E, no entanto, tem vindo, sobretudo depois da descolonização, a aumentar o interesse por esta guerra (que alguns preferem continuar a chamar “guerra do ultramar” ou “guerra de África”): veja-se a literatura de memórias, a produção ficcional e poética, a animação nas redes sociais de que o nosso blogue foi pioneiro, a investigação historiográfica e científica, a comunicação social, escrita e falada, etc.

É neste contexto que podemos situar este livro de memórias do José Saúde, o testemunho privilegiado de um português e militar que soube fazer tanto a guerra como a paz… Foi Furriel Miliciano de Operações Especiais (Ranger) na Companhia de Comandos e Serviços (CCS) do Batalhão de Artilharia (BART) n.º 6523 (Guiné, Região de Gabu, Nova Lamego, agosto de 1973/setembro de 1974)… 

Na realidade não chegou a cumprir os esperados 21 meses de comissão de serviço, porquanto nove meses depois sua chegada começou a desenhar-se, a partir de abril de 1974, a tão ansiada solução política para aquele interminável conflito armado que opunha as autoridades portugueses ao PAIGC, mas que também tinha muitos outros “stakeholders”, dada o seu contexto geoestratégico (estava-se em plena "guerra fria") e os interesses em jogo (a nível local, regional, nacional e internacional).

Não é de jogos de guerra de que aqui se fala, nem sequer de grandes batalhas, mas de simples memórias vividas e contadas na primeira pessoa do singular e do plural… Não é História com H grande, mas “petite histoire” sem a qual não se poderá perceber o que foi aquele conflito… 

De que é que trata, afinal, este livro de mais de 200 páginas ? O autor não poderia fazer melhor síntese ao dizer que são “histórias que nos conduzem a uma viagem onde a Guerra se cruzou com a Paz”. E justamente numa região da Guiné, o leste, o Gabu, o “chão fula”, onde se tinha verificado uma escalada da guerra, desde pelo menos o meu tempo (Bambadinca, 1969/71), mas onde o PAIGC estava longe de ter conseguido conquistar o “coração” das gentes… e muito menos o seu território.

O presente volume reúne uma seleção de pequenas crónicas de um lote de cerca de 90, que o autor foi publicando, desde 2011, no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Tudo poderia começar pela clássica frase “Menino e moço, abalei da casa dos meus pais"... Aldeia Nova de S. Bento, Beja, Tavira, Lamego, Bissau, Nova Lamego (Gabu)… 


São memórias de pessoas e de lugares, que correm o risco de desaparecer no limbo do esquecimento: a evocação da incontornável viagem de LDG (Lancha de Desembarque Grande), Rio Geba acima, de Bissau ao Xime, com o fantasma do inimigo em Ponta Varela, antes da chegada ao destino; a bela e acolhedora cidadezinha colonial, que dava pelo nome de Bafatá, a capital do leste, conhecida no meu tempo como a “Princesa do Geba”; os “piras” e os seus rituais de iniciação e adaptação (ao clima, à guerra, às duras condições de vida nos quartéis e destacamentos lá no fim do mundo onde, de repente, se podia imaginar uma 5ª Avenida; a perda da inocência (o mesmo é dizer, da juventude) com a primeira morte de uma camarada; as colunas de reabastecimentos até a Bafatá, onde se ia buscar o pão para a boca e as "bazucas" (garrafas de 0,6 l de cerveja) do nosso contentamento… mas também a necessário provisão de caixões para os mortos; o privilégio de se ter um rádio que nos traz notícias do outro lado do mundo; o “batismo de fogo”, mesmo que atabalhoado; os dias de folga da guerra, em que o camuflado se trocava pela roupa civil, as tardes passadas nas tabancas com os seus frondosos e sagrados poilões, aprendendo com a sabedoria dos mais velhos, e deliciando-se com a alegria e a inocência dos mais novos, as encantadoras mas desprotegidas crianças da Guiné; o conhecimento, mesmo que superficial, de usos e costumes ancestrais como o batuque, o "fanado", o trabalho no campo, a família, o patriarcado, a condição da mulher, entre os fulas ; e sobretudo a ternura para com a “menina do Gabu”, loira e de olhos negros, “filha do vento”, de amores em tempo de guerra.… 

É um impressionante desfiar de memórias, fragmentadas, que não segue uma sequência rigorosamente lógica nem cronológica. Enfim, há outros tópicos “incontornáveis” como o comércio do sexo, num país em guerra e num chão que era dos fulas, “nossos aliados”; as nossas afáveis e alegres lavadeiras e a fonte do Alecrim ou a “aldeia da roupa branca” (neste caso, verde e castanha); a “mascote”, o Alberto, o benjamim da Companhia, como o havia em quase todas as companhias, o “djubi” que era protegido e acarinhado pelos “tugas”; o primeiro e único Natal passado no mato, em 1973; figuras locais como Jau, o guia, o milícia Jaló, o Seidi, o magarefe, ou o Mário, antigo guerrilheiro e depois impedido do comandante…

Mas onde se fala ainda de notícias de deserção (o amigo desde Tavira e Lamego, “ranger”, cabo-verdiano que se pira para o PAIGC); a rotina da atividade operacional (incluindo a segurança à pista de aviação de Nova Lamego); a terrível experiência da sede e a importância vital da água; as alegrias da mesa e do convívio, à volta de um cabrito assado no forno; a continuação da “militarização” dos fulas, com a formação de novas companhias de milícias; as alegrias, as expectativas eas perplexidades do 25 de Abril de 1974 (vividas em plenas férias, no Alentejo, ainda só com nove meses de Guiné); o regresso ao Gabu em maio de 1974, os primeiros contactos com o inimigo de ontem, a apreensão da população  fula face aos seus “libertadores”…

Amante do futebol, o autor não podia deixar de evocar as tardes de domingo, as futeboladas, a alegria de ir visitar, desarmado, os camaradas de Madina Mandinga em tempo de paz ainda precária (mas já sem o temor das minas e das emboscadas)… E, “last but not the least”, a transferência de soberania (na noite de 3 para 4 de Setembro de 1974, “um momento inesquecível”), a despedida, o regresso a casa, o segundo regresso ao Gabu, 25 anos depois, através de fotos de 1999, a catarse vivida com “lágrimas (…) de saudade e de ternura”…

O José Saúde, desportista e jornalista, é também o exemplo de um  "coraçºão grande", de um grande lutador, de um grande sobrevivente e de um grande comunicador. Bastaria ler a sua história de vida e os seus livros “AVC – Acidente Vascular Cerebral na Primeira Pessoa” (Estarreja: Mel Editores, 2009, 162 pp.), ou AVC Recuperação do Guerreiro da Liberdade (Chiado Editora, 2017, 179 pp). Com o seu nono livro, agora dado à estampa e complementado com novas narrativas, ele não vem (nem precisa de) provar nada a si próprio nem aos outros: vem apenas confessar que viveu, que viveu momentos difíceis mas também bonitos e solidários no seu Gabu, na sua Guiné, naquela terra verde e vermelha, por cuja sorte o seu bom coração, de alentejano e português, ainda continua a bater.

Luís Graça, fundador e editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (desde 2004) (**)


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Notas do editor:

(*) Colecção: Memórias de Guerra e Revolução Direcção: Carlos de Almada Contreiras:

1 – O 25 de Abril e o Conselho de Estado. A Questão das Actas Maria José Tíscar
2 – A Viagem da Corveta. Uma Década de Episódios Navais Manuel Begonha
3 – Diplomacia Peninsular e Operações Secretas na Guerra Colonial, 2.ª edição Maria José Tíscar
4 – Terra-Mar-e-Guerra. Cogitações de um Marinheiro Alentejano José Faustino Ferreira Júnior
5 – Revolução de Abril. As Praças da Armada José Boto, Cabo C; José Brinquete, Marinheiro L; José Bruno, Cabo C, Vítor Lambert, Cabo L (coordenadores)
6 – A Contra-Revolução do 25 de Abril. Os “Relatórios António Graça” sobre o ELP e AGINTER PRESSE Maria José Tíscar
7 – 5.ª Divisão – MFA – Revolução e Cultura Manuel Begonha
8 – A Última História de Goa 2.ª edição revista e aumentada do livro N.R.P. Sirius – Índia 18 de Dezembro de 1961 – Três Casos de Marinha Manuel José Marques da Silva
9 – Retalhos de Vidas de Marinheiros Geraldo S. Lourenço
10 – A Descolonização da Guiné-Bissau e o Movimento dos Capitães, 2.ª edição Jorge Sales Golias
11 – A Guerra nos Balcãs. Jihadismo, Geopolítica e Desinformação. Vivências de um Oficial do Exército Português no Serviço da ONU Carlos Branco
12 – Operação Viragem Histórica – 25 de Abril de 1974, 2.ª edição Organização de Carlos de Almada Contreiras
13 – A PIDE no Xadrez Africano. Conversas com o Inspetor Fragoso Allas, 2.ª edição María José Tíscar
14 – A Guerra na Antiga Jugoslávia Vivida na Primeira Pessoa. Testemunhos de Militares Portugueses ao Serviço das Nações Unidas Coordenação de Carlos Branco, Henrique Santos e Luís Eduardo Saraiva
15 – A Noite que Mudou a Revolução de Abril – A Assembleia Militar de 11 de Março de 1975 Coordenação de Carlos de Almada Contreiras
16 – Todos ou Nenhum. A libertação dos presos de Caxias João Menino Vargas
17 – O MFA em Moçambique – Do 25 de Abril à Independência Aniceto Afonso
18 – A Verdade Escondida – O 25 de Novembro e as Praças da Armada José Boto, José Brinquete, Fernando Marques, Florindo Paliotes (Coordenação)
19 – Kosovo – A Incoerência de uma Independência Raul Cunha
20 – Um Ranger na Guerra Colonial – Guiné-Bissau (1973-74) José Saúde

Guiné 61/74 - P20373: Os nossos seres, saberes e lazeres (365): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
É passeio sacramental cirandar sem tempo pela Lagoa das Furnas, subir até à mata-jardim José do Canto, leva-se um livro e umas vitualhas para passar uma boa parte do dia, o tempo ajuda, a natureza saltita de alegria, não faltam florescências, das plantas endémicas à multiplicação das azálias, até pomposidade das magnólias.
Este Éden é uma atração turística para os amantes dos passeios pedestres, num dado ponto chegam autocarros que trazem turistas de vários continentes que se cingem a ver as caldeiras e os tachos dos cozidos em laboração. É um passeio pedestre sem rival, segue-se pelo Pico do Ferro e desce-se por vereda até ao Vale das Furnas, não há ponto de Portugal que mais impressione o viandante neste fulgor primaveril, descem-se as veredas com o rumorejar das águas, seguem em cachão no meio de verdadeiros jardins, entra-se na vila, a natureza não faz tréguas.

Um abraço do
Mário


A minha ilha é um cofre de Atlântidas (7)

Beja Santos

É a despedida da Lagoa das Furnas, dia ensolarado, coisa curiosa, as águas têm tons de mercúrio, talvez se deva à passagem de nuvens velozes, vão ensombrando certas imagens que aqui se colhem, logo a Ermida de Nossa Senhora das Vitórias, à vista desarmada até parece um lugar assombrado, é um dos legados desse homem avançado para a sua época, José do Canto que, para além desta ermida neogótica, deixou uma vivenda e um chalé franco-suíço e uma esplendorosa mata-jardim, dez hectares com arruamentos ladeados por cameleiras e um vale de fetos que parece estar próximo do paraíso, é bem agradável por ali passear entre camélias e sequoias, e contemplar a queda de água que dá pelo nome “Salto do Rosal”. Como ficar indiferente a esta ermida neogótica, parece um testemunho vitoriano bem junto à lagoa, aqui está sepultado o casal, vista mais frondosa não podiam ter.



Anda o viandante a cumprir a rota circular pelas furnas, começou junto do Largo das Três Bicas, passou pela Poça da Dona Beija, caminhou até ao Pico do Milho, daqui se desfruta a bela vista sobre o vale, entra-se na lagoa, já se passou pela Ermida de Nossa Senhora das Vitórias, mataram-se saudades na mata-jardim José do Canto, caminhou-se para um edifício recente e de boa arquitetura chamado Centro de Monitorização e Investigação das Furnas, desfruta-se de toda esta vasta flora a mergulhar nas águas, aqui há de tudo, incenso, camélias, araucárias, flores silvestres, rescendem odores de toda esta vegetação que se molha na lagoa, sobe a temperatura, muda a cor da lagoa, vai-se por um caminho plano, ainda estão longe as famosíssimas caldeiras, a energia determinante do prato típico da terra, o cozido.





Convenhamos que o ângulo da imagem é um tanto distorcido, foi ato deliberado, pretende o viandante mostrar ao leitor a comunhão entre o arvoredo e as árvores, o seu diálogo permanente, inclinam-se os troncos das árvores, debruçam-se os ramos como se fossem abraçar o meio aquático, há raízes à mostra, parece que esta flora é sedenta do que a lagoa oferece, passeia-se entre a espessura de um arvoredo que vai subindo para os cumes deste vulcão adormecido e do outro lado temos este arvoredo perto da água. Cenário natural mais apaziguante não pode existir.


Aqui estão as caldeiras das furnas. Tudo por causa da atividade geotermal, é um dos cartazes turísticos de S. Miguel, não só porque temos aqui o tradicional cozido à portuguesa que se deve ao calor interno do vulcão das Furnas, mas esta fumarada permanente, o esbranquiçado, os roncos intimidantes geram um envolvimento bem diferente do que se vive em pleno Vale das Furnas.




E pronto, o viandante está de saída, passou pelo cruzamento para o Miradouro do Pico do Ferro, chegou à estrada regional, vira à direita e avança para o centro da freguesia, segue melancólico, olha o despontar das hortênsias ou hidrângeas, aqui e acolá irrompem verónicas, é o tempo esplendoroso das azáleas, as plantas endémicas estão exuberantes, despedimo-nos com esta magnólia branca, deslumbrante. Amanhã, último dia nesta abençoada terra, o viandante vai despedir-se do Parque Terra Nostra, apanha o autocarro até Ponta Delgada, mais jardins e depois o aeroporto, sempre a dizer consigo “até à próxima”.


(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20353: Os nossos seres, saberes e lazeres (364): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (6) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20372: Parabéns a você (1713): José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp do BART 6523 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20363: Parabéns a você (1111): Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné, 1970/72)

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20371: Notas de leitura (1238): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (33) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Junho de 2019:

Queridos amigos,
Os ventos não sopram de feição para as unidades do BCAV 490, há um acréscimo de luta e da minha parte procuro contextualizar o que o bardo regista em verso. Confesso ser um dos aspetos mais estimulantes aqui do meu trabalho, andar a pinçar as diretivas e as instruções correspondentes a este período, e não escondo a surpresa de encontrar comprovativos de que os Altos Comandos, com os recursos disponíveis, procuravam firmar o dispositivo, ser ofensivos na manobra, proteger as populações, fazer ação psicológica; acontece que o PAIGC estava numa alta, consolidara posições na região Sul, em zonas do Corubal, possuía um bastião no Morés, havia largas manchas de floresta onde se concentrava a sua população fiel, e o seu armamento melhorava de dia para dia.
É ponto assente que uma guerra de guerrilhas se define pela desigualdade na presença dos contendores, um tem posições fixas, vive entrincheirado, patrulha ou nomadiza, precisa de reforços e às vezes de forças especiais para tentar desinquietar quem lhe é hostil; o guerrilheiro prima pela maleabilidade, dissimula os seus armazéns e armamento, por vezes distantes das suas casas de mato, espalha minas e a muito mais procede para aterrorizar quem vive nos campos entrincheirados.
O período em análise é a guerra das posições, ver-se-á adiante numa importante diretiva de Arnaldo Schulz, de 1966, de que há poucas ilusões de que aquele inimigo possa ser abafado ou anulado. Muito ainda há a estudar para nos aproximarmos com rigor da verdade histórica do que foram aqueles anos de que mais tarde Spínola dirá cobras e lagartos.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (33)

Beja Santos

“Foi ferido o Capitão Arrabaça,
Alferes Mota se atingiu
Inácio numa emboscada
com 7 colegas se feriu.

O sofrimento a continuar,
não sei até quando será,
temos 15 meses já
e não deixamos de penar.
Sorte tem quem escapar
de tudo o que cá se passa.
O inimigo ameaça
as nossas Companhias.
Ainda há bem poucos dias
foi ferido o Capitão Arrabaça.

Só nos pensam em matar,
fazem grandes espionagens,
não passam de uns selvagens
que nos querem desgraçar.
Emboscadas nos vêm armar,
como isto nunca se viu.
Um dia, um ataque surgiu,
ficando pouca gente mal
e junto a outro oficial
Alferes Mota se atingiu.

Foi-se ao mato novamente
e mais uma coisa ruim:
feriu-se o amigo Clarim
e junto a ele muita gente.
O inimigo estava à frente,
jogando muita rajada.
O Maneta, com uma granada
um ferimento grave fez;
e atingiu-se a primeira vez
Inácio numa emboscada.

No Batalhão de Cavalaria,
o Chicha, um homem valente,
oferecendo-se, voluntariamente,
muitas escoltas fazia.
Não era desta Companhia
mas há tempos cá adiu
o azar o perseguiu
e ao 70 também;
e o 16 em Jumbembem
com 7 colegas se feriu”.

********************

Estamos num período em que o bardo repertoria sucessivas penas, acidentes, feridas e feridos. O contexto em que tudo isto decorre não nos deve deixar indiferentes, já aqui se registou diretivas de dois comandantes-chefes, ordens de operações, o que se pretendia fazer na ação psicológica, sabe-se bem o papel desempenhado pelo BCAV 490 na Operação Tridente, consultada a documentação da Resenha Histórico-Militar sabe-se que os Altos Comandos não descuraram as regras em que devia assentar a autodefesa das populações, por vezes escrevem-se coisas curiosas, como esta, por exemplo:
“Para se compreender a atitude dos Fulas face à subversão, é necessário salientar que sempre se julgaram superiores aos outros povos da Província. Com o início do terrorismo, os Fulas sentiram um desabamento. Os seus régulos e cipaios, que dominavam em ‘chão’ alheio, acharam-se, de um momento para o outro, atacados, chegando muitos a serem as primeiras vítimas dos terroristas. Colocaram-se logo no início ao lado das autoridades. Com a evolução da luta armada, observa-se uma franca colaboração com as autoridades”.
E repertoriam-se as diferentes ações em que os Fulas procuraram combater os independentistas, logo em março de 1963, no mato de Catió. O governo de Salazar terá verificado da necessidade de dar armas à população, e assim em abril de 1963 o Secretário-Geral da Defesa Nacional propunha “por tabanca”, promover a criação de uma milícia sob a autoridade de um chefe respeitado pela população e o seu armamento deveria permitir-lhes que não se inferiorizassem perante o inimigo. E daí as instruções para a autodefesa das populações, preocupação que jamais abandonará as diretivas dos comandantes-chefes para os seus subordinados. O Brigadeiro Louro de Sousa redigiu com clareza as medidas a tomar no final do ano de 1963: continuar as ações no Oio e a vigiar os fluxos desta região; fechar a fronteira Sul; estabelecer um tampão na parte final do rio Geba; ocupar-se Gadamael Porto por uma Companhia, precedida esta de um desembarque de fuzileiros especiais; e ocupar as ilhas do Como.

Insista-se que enquanto decorre a batalha do Como, na península de Quitafine irá decorrer o chamado Congresso de Cassacá, tomam-se decisões fundamentais na organização, o ano militar irá superar de feição para os nacionalistas, melhorará o seu material militar, crescerá o número de efetivos a combater. O Brigadeiro Louro de Sousa anuncia em 2 de janeiro do ano seguinte o crescimento das forças terrestres, não obstante a presença do PAIGC no interior do território guineense passou a ser uma realidade. As populações à volta de Guilege deram a saber que tinham decidido ficar, o destacamento foi reforçado. A ocupação de Guilege, Cumbijã e Ganturé moralizou as populações. O PAIGC quando não tem apoio dos chefes gentílicos não hesita em ameaçar. Nicolau Correia, do PAIGC, enviou ao régulo do Cuor, Malan Soncó, duas mensagens com conteúdo semelhante, era instado a mandar retirar as tropas de Missirá, caso contrário haveria futuramente um ajuste de contas, nem que demorasse dez anos.
Ainda em janeiro de 1964 foram publicadas instruções para a colaboração dos nativos nas operações militares, enquadra-se os módulos da instrução e dão-se indicações para remunerações e subvenções.
Estava dado o ponto de partida para a africanização da guerra.

Arnaldo Schulz é o substituto de Louro de Sousa, chega à Guiné em 21 de maio de 1964, remexe no dispositivo, cria-se um batalhão de reserva do Comandante-Chefe, há três Comandantes de Agrupamento localizados em Mansoa, Bafatá e Bolama. Cada agrupamento era constituído por três batalhões. Bula, Farim, Mansoa, Fá Mandinga, Bafatá, Nova Lamego, Tite, Buba e Catió são as sedes militares mais importantes das forças terrestres.
Dá vontade de recuar um pouco até ao passado, dar voz a um militar, neste caso a um furriel de armas pesadas de nome Joaquim Fernando Santos Oliveira que chegou a Bissau no dia 19 de setembro de 1964 e que em 2019 publicou as suas recordações no livro “A Guiné no meu tempo”, Chiado Books, 2019. Parte para Tite, veio em rendição individual, será integrado no Pelotão Independente de Morteiros 912, que regressará em outubro de 1965. Este pelotão colaborara na Operação Tridente e permanecerá no Como no destacamento de Cachil, Santos Oliveira irá calcorrear um pouco do Sul, andará pelo Enxudé, Tite, e depois cai-lhe na rifa o destacamento de Cachil, irá contar com algum detalhe o ataque do PAIGC com Nino Vieira à frente ao anoitecer de 16 de novembro de 1964, ajudou a contribuir para o desaire dos nacionalistas, como escreve:  
Santos Oliveira
“Na manhã de 17 de novembro, o balanço da flagelação era dantesco. Massa humana do atacante por entre fragmentos de armas, pedaços de armas, a orla da mata tinha recuado de 30 a 40 metros (as palmeiras ou não tinham ramagem ou estavam partidas), apenas um corpo mais ou menos inteiro do elemento inimigo em muito mau estado, uma PPSH e, o mais espantoso, entre três Poilões dispostos em triângulo e que formavam uma espécie de salão inexpugnável (a Morteiros) e que denominávamos enfermaria, um Unimog recolheu duas cargas de ligaduras sanguinolentas e alguns apetrechos médicos”.
Conheceu o futuro capitão João Bacar Djaló em Catió, trocaram cortesias. Dá-nos um repertório de imagens íntimas, por ali perpassam ternura, a vida dos aquartelamentos, não esconde a deceção por faltas de camaradagem e por não ter visto o seu labor militar convenientemente reconhecido.

É tempo de relembrar que em Binta está a CCAÇ 675, liderada pelo Capitão do Quadrado, dependente do BCAV 490, sediado em Farim. Entraram na guerra em turbilhão, quando se lê o diário de JERO, a partir do mês de julho de 1964, são golpes de mão, limpeza de picadas, emboscadas bem-sucedidas, contatos com a população senegalesa, o mês de agosto também se revela imparável, com nomadizações, destruições de casas de mato, participa-se numa operação ao Oio, mas a 5 de agosto o Capitão do Quadrado acidenta-se, é ferido em combate, JERO dá pormenores:
“Apesar de recomendado ao soldado do morteiro para ter cuidado com as árvores de grande copa que ladeavam a estrada, o seu excesso de zelo e ardor combativo levou-o a disparar a morteirada com tal precipitação que a granada foi rebentar num ramo alto de uma árvore do lado esquerdo, crivando de estilhaços o lado direito onde se encontrava o nosso capitão e alguns soldados. Encostado ao tronco de uma árvore com a mão no ombro esquerdo, o nosso capitão deixou-se escorregar lentamente para o chão. Um jato de sangue saía em repuxo do local que comprimia com a mão, sem poder evitar um esgarro de dor”.

Segue-se uma descrição de profunda estima, a consternação manifestada na evacuação do comandante de companhia é um belo momento de prosa, como iremos ver.

(continua)
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Notas do editor

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Último poste da série de 18 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20361: Notas de leitura (1237): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (2): “Tiago Veiga”; Publicações Dom Quixote, 2011 (Mário Beja Santos)