terça-feira, 20 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22390: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte III: Lendas bijagós





Lendas bijagós - ilustrações do pintor guineense Ady Pires Baldé, p´p. 17 e 19

In: Lendas e contos da Guiné-Bissau / J. Carlos M. Fortunato ; il. Augusto Trigo... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Ajuda Amiga : MIL Movimento Internacional Lusófono : DG Edições, 2017. - 102 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-8661-68-5



1. Transcrição das págs. 15 a 22 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)


J. Carlos M. Fortunato  > Lendas e contos 
da Guiné-Bissau

[Foto à esquerda: o autor, Carlos Fortunato, foi fur mil arm pes inf, MA, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga]



Lendas bijagós (pp. 15-22)


Segundo uma das mais populares lendas bijagós, Deus ao criar o Mundo criou primeiro a ilha de Orango, e depois colocou ali uma mulher,  Acapacama, e o seu marido.

Eles tiveram quatro filhas. A primeira foi Orácuma, a seguir nasceu Ominca, e depois Ogubané e Orága.

Cada uma delas teve vários filhos, dando origem a quatro grandes famílias, às quais foram transmitidos os privilégios da avó. Orácuma recebeu a terra e a religião. Foi ela quem fabricou o primeiro Irã, e permitiu que as suas irmãs o reproduzissem.

Ominca recebeu o mar e a sua família dedicou-se à pesca. Contudo os hipopótamos eram muito ferozes, pelo que tiveram que fazer várias cerimónias, para conseguirem ir para o mar. Ogubané recebeu o poder de controlar o vento e a chuva, o que lhe permitiu gerar boas colheitas. rága recebeu as plantas, as árvores e os animais, o que lhe trouxe muita riqueza.

Cada família passou a viver à sua maneira.

Esta é a lenda (5) das gerações, e à semelhança de outras, explica a origens das quatro famílias a que pertencem todos os bijagós, mas mostra também o importante papel que a mulher desempenha no mundo bijagó.

As origens dos bijagós não são claras e existem muitas versões. Algumas são fantasiosas e sensacionalistas, chegando a colocá-los como tendo origem na Atlântida (6), mas provavelmente estes seriam escravos de beafadas que para ali fugiram (7).

O navegador, André Alvares d´Almeida, foi o primeiro a dar uma descrição das Ilhas Bijagós em 1594, e com base nos relatos dos seus habitantes, refere que antigamente não eram ilhas, pois faziam parte do continente, “parece que antigamente eram terra firme” (8), escreve Alvares d´Almeida, o que foi depois confirmada por investigações científicas (9).

Entre as mulheres bijagós que fizeram história, destaca-se a famosa “Rainha” Oquinca Pampa, ou Oquinca Pampa Kanjimpa (reinou de 1910-1930). Embora seja referida como Rainha, na verdade não existem rainhas entre os bijagós, Oquinca Pampa era uma sacerdotisa que ascendeu ao poder.

***

Oquinca não é um nome, mas uma palavra da língua bijagó, que significa sacerdotisa, é um título, do mesmo modo que Oronhom significa rei, mas na voz do povo, ela é a “Rainha” Oquinca Pampa.

Oquinca Pampa faz parte da linhagem Orága, e está ligada ao Reino de Orango.

Segundo os costumes bijagós, apenas os homens podem ser reis, mas quando morre o rei e enquanto não se realiza a sua sucessão para um homem, o reino pode ter uma mulher no seu lugar como regente, a Oquinca, sendo aconselhada pelo Conselho dos Grandes (10).

Na tradição dos Orága, esta regência pode ser prolongada, e pode ir até à morte da regente. Foi isto que aconteceu com Oquinca Pampa. Quando o Rei Issor, que era seu pai, faleceu, ela ficou como Regente do Reino.

A regência de Oquinca Pampa destaca-se pela sábia forma como soube governar, nomeadamente por ter conseguido manter intacto o seu Reino, por manter a paz, pelo seu espírito humanitário, e por ter conseguido manter a “independência” (11).

Num tempo, em que o poder colonial tudo queria submeter ao seu domínio, conseguir negociar uma governação independente desse poder, apenas contra o pagamento de um imposto, é também um reconhecimento do Governo da Colónia, à inteligente governação que Oquinca Pampa fazia.

A luta de Oquinca Pampa pela paz não foi fácil. Por um lado tinha a ameaça do poder colonial e a sua vontade de dominar totalmente o seuReino, e por outro lado muitos bijagós queriam revoltar-se, e desencadear uma guerra, pois não aceitavam pagar impostos.

Uma das situações de maior tensão que Oquinca Pampa enfrentou, foi quando um grupo (no qual se incluíam membros da sua família) se revoltou, decididos a enfrentar o exército colonial.

Os revoltosos fizeram uma vala de um quilómetro, ao longo da estrada do porto de Orango, para que ali escondidos e protegidos, pudessem emboscar as forças coloniais, quando estas desembarcassem. Mas Oquinca Pampa, com a sua influência, conseguiu acabar com a revolta.

A ilha de Canogo encontra-se separada de Orango apenas por um rio, equando os seus habitantes decidiram não pagar qualquer imposto, preparando-se para a guerra, Oquinca Pampa interveio mais uma vez, pagando o imposto de Canogo com o seu gado, evitando assim a guerra.

Interessante e original, foi o sistema de comunicações que Oquinca Pampa criou para comunicar com os comandantes dos barcos, que chegavam ao porto de Orango para negociar, colocando um homem de cinco em cinco metros, para através deles falar com o comandante do barco, de modo a assegurar que tudo decorria sem incidentes.

Ao contrário de seu pai, que era um rei cruel, Oquinca Pampa revelou-se uma rainha com um elevado espírito humanitário, acabando com práticas desumanas e com algumas situações de escravatura, que ainda existiam no seu Reino, restos de um passado em que os prisioneiros de guerra eram vendidos como escravos.

Oquinca Pampa, apesar de ser de pequena estatura, é considerada a grande “Rainha”, e é sem dúvida a mais popular, pois a memória da sua regência contínua viva entre os bijagós, que contam a sua história à volta da fogueira, e os artesãos bijagós continuam a fazer estátuas suas.
Os restos mortais de Oquinca Pampa estão no mausoléu real em Eticoga, na ilha de Orango, onde repousam outros reis e rainhas. Com ela foi enterrado o seu valioso tesouro, do qual fazem parte muitas peças em ouro, e que desde então ali repousam guardados pelos espíritos.
Quem tocar na porta do mausoléu terá que pagar uma vaca, se não o fizer, os espíritos irão persegui-lo, esteja onde estiver.

***

Outra “Rainha” famosa é a “Rainha” Juliana Canhabaque, do Reino de Canhabaque (ilha Roxa), devido à guerra ali havida em 1925.

Canhabaque  só pagava impostos quando lhe apetecia e pagava pouco, e isso levou ao desencadeamento de uma campanha militar pelo exército colonial. Após alguns preparativos, a 20 de Abril de 1925 uma força militar desembarcou em Inorei e Bine, para colocar definitivamente a ilha sob o seu domínio

Tratava-se de uma força militar numerosa com cinco oficiais, 240 sargentos e polícias nativos, e 1496 auxiliares na sua maioria fulas e mandingas (12), o seu armamento incluía 800 espingardas, três metralhadoras e três canhões hotchkiss.



Guiné-Bissau > 2002 > selo comemorativo do voo Lisboa - Bolama, realizado em 1925, por um avião Bréguet XIV A2, do 1º Grupo de Esquadrilhas de Aviação da República,  o GEAR, antecessor da FAP. A tripulação do "Santa Filomena" (, nome da aeronave,) era constituída pelo tenente Sérgio da Silva, pelo capitão Pinheiro Correia e pelo 1.º sargento António Manuel. Partindo do campo de aviação da Amadora, em 27 de março de 1925,  "Santa Filomena" chegou a Bolama em 2 de abril de 1925, depois de percorrer a distância de 4.070 km em 31 horas e 31 minutos de voo, em 7 etapas:  m 7 etapas: Amadora – Casablanca; Casablanca – Agadir; Agadir – Cabo Juby; Cabo Juby – Vila Cisneros; Vila Cisneros – S. Luís do Senegal; S. Luís do Senegal – Dakar e, finalmente, Dakar – Bolama. (**)

Imagem: Cortesia de Colnect.com


Aproveitando a presença de um avião militar, que tinha realizado pela primeira a viagem aérea Lisboa-Bolama, o governador Velez Caroço pediu 
que este bombardeasse os revoltosos.
Foi assim usado pela primeira vez um avião militar na Guiné. Tratou-se do Breguet XIV A2 do 1º Grupo de Esquadrilhas de Aviação da Republica (GEAR).

Apesar de o avião estar com problemas mecânicos, durante dois dias, foi desencadeado um bombardeamento, tendo sido lançadas manualmente granadas de artilharia, depois de adaptadas para o efeito.

Os guerreiros de Canhabaque ficaram surpreendidos com aquele ataque, pois nunca tinham visto um avião, nem conheciam o seu poder destruidor, mas a sua resposta à incursão militar não vacilou, e foi com determinação, que decidiram continuar a combater o invasor do seu Reino.

A “Rainha” Juliana possuía 2.000 guerreiros, que estavam armados com arcos, catanas, lanças e algumas espingardas longas. Alguns possuíam uma longa história de combates, o que fazia deles guerreiros experientes e ferozes.

A ilha de Canhabaque  [também conhecida por ilha Roxa] é pequena, tem nove por 15 quilómetros, o que era uma desvantagem, mas por outro lado tem uma vegetação cerrada e caminhos que apenas os guerreiros de Juliana conheciam bem; alguns eram caminhos estreitos e difíceis, e pouco adequados ao exército colonial, com as suas metralhadoras e canhões.

A “Rainha” Juliana organizou a sua defesa, colocando vigias no alto das árvores, criando zonas de emboscadas, com atiradores com longas nas árvores e construindo covas com tampas cobertas com ervas, para os guerreiros se esconderem e poderem atacar os invasores, quando estes menos esperassem.

Foi travada uma luta feroz com muitas baixas, nomeadamente da parte dos guerreiros da “Rainha” Juliana, mas as tabancas dos revoltosos foram sendo vencidas uma a uma.

A pequena ilha estava isolada nesta luta, não podia contar com reforços ou reabastecimentos.
A 3 de Maio de 1925, os últimos resistentes concentraram-se em Indema, no centro da ilha, e entre eles está a “Rainha” Juliana. Eram poucos para fazerem frente aos invasores e também eram poucas as munições que lhes restavam.
 
Os guerreiros de Canhabaque defenderam Indema enquanto puderam, mas acabaram por se render, pois não tinham meios para conseguirem fazer frente, a uma força militar tão poderosa.

Indema foi incendiada, e a “Rainha” Juliana presa e enviada para Bolama (13) mas não foi o fim da luta dos bijagós, pois em 1935 haveria uma nova revolta e seria necessária uma nova incursão militar.

No século XX o poder colonial deixou de ser algo fraco e vago, tornando- se numa força poderosa e determinada que impunha a sua vontade, foi um novo ciclo que se iniciou.


[Adaptação, revisão/fixação de texto e inserção de fotos e links para efeitos de edição deste poste no blogue: LG]
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Notas do autor:

(5) Lendas bijagós - pag. 34, Danielle Gallois Duquette, no seu livro Dynamique de L´art Bidjago, faz uma descrição desta e de outras lendas.

(6) Bijagós - pag. 145, “A babel negra”, de Landerset Simões.

(7) Bijagós - pag. 15, “Organização Económica e Social dos Bijagós”, de Augusto J. Santos Lima.
 
(8) Bijagós - pag. 81, “Tratado Breve dos Rios de Guiné do Cabo-Verde”, do capitão André Álvares d´Almeida.

(9) Bijagós - pag. 14, “Organização Económica e Social dos Bijagós”, de Augusto J. Santos Lima.

(10) Bijagós - pag. 77, “Organização Económica e Social dos Bijagós”, de Augusto J. Santos Lima.

(11) Oquinca Pampa - pag. 186, “História da Guiné II”, de René Pélissier.

(12) Juliana - pag. 212, “História da Guiné II”, de René Pélissier.

(13) Juliana - pag. 212, “História da Guiné II”, de René Pélissier.

2. Como ajudar a "Ajuda Amiga" ?

Caro/a leitor/a, podes ajudar a "Ajuda Amiga" (e mais concretamente o Projecto da Escola de Nhenque), fazendo uma transferência, em dinheiro, para a Conta da Ajuda Amiga:

NIB 0036 0133 99100025138 26

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BIC MPIOPTP


Para saber mais, vê aqui o sítio da ONGD Ajuda Amiga:

http://www.ajudaamiga.com

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 10 de julho de  2021 > Guiné 61/74 - P22359: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte II A: Comentário adicional sobre os balantas: "Nhiri matmatuc Fortunato. Nhiri cá ubabe. Nhiri god mara santa cá cum boim. Udi assime?"...Traduzindo: "O meu nome é Fortunato. Eu sou branco, não sei falar bem balanta. Percebes o que estou a falar?"... Uma conversa com Kumba Yalá, em Bissorã, a dois dias da sua morte, aos 61 anos

Vd. postes anteriores:

9 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22354: "Lendas e contos da Guiné-Bissau" : um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte II: Ficha técnica, prefácio de Leopoldo Amado, lendas balantas (pp. 1-14)

8 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22349: "Lendas e contos da Guiné-Bissau" : um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte I: Vamos dar início a uma nova série, um mimo para os nossos leitores

(**)  Vd. postes de:

26 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18780: Historiografia da presença portuguesa em África (119): O primeiro voo, ligando Lisboa a Bolama, em 1925, e a primeira tentativa de usar a aviação com fins militares naquele território (Armando Tavares da Silva) (Parte I)

Guiné 61/74 - P22389: Consultório militar do José Martins (69): Ainda o Estatuto do Antigo Combatente


Porque a informação nunca é demasiada,  publicamos mais um trabalho do nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviado ao Blogue ontem, dia 19 de Julho de 2021, dedicado ao Estatuto do Antigo Combatente.

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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22292: Consultório militar do José Martins (68): “Companhias de Caçadores Especiais” - Unidades de Infantaria criadas em 1959, que iriam ter como missão principal, a defesa das Províncias Ultramarinas - Parte II

segunda-feira, 19 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22388: Notas de leitura (1366): “História da Unidade - Batalhão de Caçadores 2845", em verso, por Albino Silva (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Julho de 2021:

Queridos amigos,
Os nossos poetas populares bem podiam um dia fazer uma jornada de convívio e contribuir para o levantamento destas peças que poderiam ajudar os investigadores do futuro a confirmar acontecimentos passados e bem referenciados pelo estro poético. Como é evidente, esta poesia não é isenta, são testemunhos com muitos abraços fraternos, ninguém comparece nos convívios com estas poesias pronto a fazer guerras pessoais. Acresce, como Albino Silva diz no seu livro, socorreu-se, para falar das companhias operacionais, da história da unidade, e como todos nós sabemos nem tudo ficou registado como exatamente aconteceu. Mas o que apraz neste momento realçar e que devíamos fazer um esforço a que haja um inventário dessa poesia popular da guerra da Guiné, uma verdadeira parente pobre, discreta e apagada da nossa atenção, que poderá vir a ter muita utilidade em novas gerações de historiógrafos.

Um abraço do
Mário


História do BCAÇ 2845 em verso

Mário Beja Santos

Ficará para as próximas gerações de investigadores a tentativa de apurar ou esboçar um inventário da história das unidades militares em verso, missão por ora inextrincável, sabe-se aqui e acolá da existência de poetas populares que procederam a tal registo. Guardo a melhor lembrança que tive quando descobri "Missão Cumprida", por António Alberto Santos Andrade, pertenceu ao BCAV 490, e que me catapultou para escrever "Nunca Digas Adeus às Armas".

Albino P. da Silva foi maqueiro, pertenceu à CCS do BCAÇ 2845, com sede em Canchungo (Teixeira Pinto) e com um conjunto de destacamentos envolvendo Bissorã, Olossato, Jolmete, Pelundo, Bachile e algo mais. Conta o seu itinerário que começou em Braga, esteve depois em Coimbra no Regimento de Serviço de Saúde, foi formar batalhão em Chaves no BCAÇ 10 e daqui partiram para Teixeira Pinto. Ficamos a saber que viveu em Angola, passou-lhe pela cabeça fugir, repensou e fez o serviço militar. Trabalha com quadras, e vê-se que não faz grande esforço para alcançar as rimas. Fora para Angola trabalhar, queria ser comerciante, assustou-se com o início da guerra, fugiu para França e lembrava-se daqueles sete soldados em Camabatela (Angola) que protegiam e guardavam a vila. Lembrava-se que esses sete soldados não tinham medo, e assim veio cumprir o serviço militar, chegam no princípio de maio de 1968 e partem imediatamente para Teixeira Pinto. Gosta de contar as suas brejeirices, o serviço de enfermaria abriu-lhe muitas portas para certas ternuras de ocasião. Aproveita para nos dizer que a CCS era composta por maqueiros e doutores, enfermeiros e eletricistas, mecânicos e condutores, sapadores e analistas, escriturários e cantineiros, cozinheiros e transmissões, SPM e padeiros. Seria incomum que não se queixasse da comida, mas não deixou de exultar as ostras e o camarão.

A sua poesia dirige-se inicialmente para a vivência da CCS, distribuição de muito mezinho, muita bajuda a consolar, dá-nos uma descrição de Teixeira Pinto, inevitavelmente o comércio de comes e bebes e em cada trecho de rapsódia deixa a sua marca de água, Albino Silva maqueiro da CCS. Lembranças não faltam, tanto das morteiradas como das batucadas, e põe a CCS num grande ecrã, de oficiais a praças, faziam as transmissões, os cozinheiros, os quarteleiros, o vagomestre, os mecânicos, não esquece os pintores nem o carcereiro, recorda todos com emoção.

Percebe-se que afina a sua mestria e a sua veia poética a propósito dos convívios, “tiramos fotografias/ alegres também cantamos/ prometemos uns aos outros/ que para o ano voltamos”. Destaca a enfermaria e maternidade em Teixeira Pinto, uma palavra muito especial para o médico, Maymone Martins, alvo de várias imagens. É certo e seguro que os convívios o estimularam a passar da CCS para as outras unidades, as operacionais, sabe exaltar quem mesmo na CCS tinha o corpo mais exposto, caso dos condutores e dos sapadores, manda um abraço ao sacristão militar que era um bom pregador e tudo quanto fazia era apenas por amor, sintetizando todos tinham um fraquinho pelas bajudas pacatas e que se não fosse a tropa também não haviam mulatas. Parece que Portugal inteiro esteve representado neste batalhão, ele vai elencando quem e como e a sua proveniência geográfica. E saudades da Guiné não lhe faltam, quando dela se fala na televisão sente sempre emoção e lança uma saudação e um pedido de cuidados: “O Governo agora é vosso / o território também é / por isso sois vós agora / a governar a Guiné. / Governai bem a nação / nós a malta não esquece / pois só queremos p’ra Guiné / o que de bom ela merece. / Nunca mais andei aos tiros / percam lá essa mania / combatam só os maldosos / que usam a cobardia”.

Chegou a vez de pôr em verso as companhias operacionais (CCAÇ 2366, CCAÇ 2367 e CCAÇ 2368). Agora sim, fala-se de valentia, armamento às costas, emboscadas, operações, citam-se os nomes, seguem-se os louvores, enumeram-se os efetivos, referem-se localidades como Olossato, Ponte de Maqué, Pelundo, Có, Jolmete, exaltam-se façanhas e bravuras. Não deixa de mencionar que houve recompletamentos das companhias, das milícias, das tabancas, o nome de todas as operações, deu-se ao cuidado de ler a história da unidade. E para todos chegou a hora do regresso. Fala de uma África que lhe atravessa o coração, de partilhas, de intensa camaradagem. “Sonhando contigo Guiné / creio ser bom e não mau / Assim se lembrarei sempre, da Guiné e de Bissau. / Guiné foi castigo / Guiné foi verdade / Guiné foi juventude / Guiné hoje saudade”. Agradece a ajuda que lhe deu o Comandante Aristides Monteiro, embora inicialmente tenha aparecido o Tenente-Coronel Martiniano, creio tratar-se do oficial-inquiridor que desceu de um helicóptero em Missirá, ele fora alvo de um processo de inquérito para se apurar como é que aquela mexeruca em duas grandes flagelações perdera 45 camas, centenas de lençóis e cobertores e fronhas, dezenas de pás e picaretas, correias de várias utilidades, até capacetes. Não houve para ali meias verdades, disse ao Sr. Coronel Martiniano que me tinham pedido da CCS para ali descrever nos relatórios das flagelações tudo quanto tinha desaparecido das arrecadações de Bambadinca e que o batalhão anterior descurara de dar baixa. O coronel riu-se e o inquérito foi arquivado. Aqui encontrei uma associação com as recordações poéticas do Albino Silva com o que a vida me ensinou a ser camarada de infortúnios de uma nova CCS, fi-lo com gosto, quem se interessaria em trazer cobertores fedorentos e arreios da I Guerra Mundial como recordações daqueles trópicos onde tudo apodrece?

E desejo ao Albino Silva que nos continue a dar conta de todos os seus convívios, já que a saudade é muita que também deseje melhor sorte à nossa querida Guiné.
Destacamento de Jolmete com a sua pista de aviação
Rua Principal de Olossato, fotografia da CCAÇ 2367 (1968-1970), com a devida vénia
Festa dos Manjacos em Bachile, do site Conversas ao Acaso, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22366: Notas de leitura (1365): “Oito Viagens, Uma Voz”, por Sérgio Matos Ferreira; Edições Vieira da Silva, Lisboa, 2018 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22387: Blogoterapia (298): "Safety, first"?... Então eu não posso partilhar os meus "contactos pessoais" com aquele ou aqueles camaradas que deles precisam? (João Crisóstomo, Nova Iorque)


Fonte: Cortesia de Luso-Americano, 19 de janeiro de 2018


 1. Mensagem de  João Crisóstomo [Foto à direita: o nosso camarada e amigo luso-americano, natural de Torres Vedras, que, como ativista social, tem, dado a cara por muitas e boas  causas, como a da autodeterminação de Timor Leste, gravuras de Foz Coa, Aristides Sousa Mendes... Régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, foi alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): vive desde 1975 em Nova Iorque; é casado, desde 2013, com a nossa amiga eslovena, Vilma Kracun]
 
Date: domingo, 4/07/2021 à(s) 12:00
Subject: contactos pessoais

Caro Luís Graça,

Às voltas, "visitando" pelo computador os nossos "camaradas da Guiné", fui dar com duas frases, comentários teu e do Valdemar Queirós. Dizes tu, a 6 de Abril deste ano, Post 22078,  em comentário a outro comentário do Valdemar que dizia  "Sem o computador que faz de livro, jornal de notícias, sala de cinema e teatro, troca de conversas com familiares, amigos e camaradas da Guiné, e sem poder sair de casa"... Etu respondeste: "se alguém quiser telefonar-lhe, que me peça o número: dá-lo-ei, com todo o gosto... Sabe tão bem ouvir uma voz amiga quando se está doente e sozinho, em casa!"... (*)

Em resposta, vou-te já telefonar para me dares o número dele. Para mim, mais do que uma simples "acção benfazeja" de estender a mão a quem quer dela necessita, é uma obrigação fazê-lo quando as circunstÂncias o permitem fazer. E mais razão ainda quando estes por qualquer motivo fazem parte do nosso círculo de amigos, como são todos aqueles a quem as mesmas experiências e vivências na Guiné e outros TO fizeram deles meus / nossos irmãos.

Para mim, pessoalmente , eu sinto que, apesar de todos os facebooks, blogues, twitters e tantos meios digitais, nada chega a uma chamada telefónica em que se ouve do outro lado da linha a voz de alguém, seja um familiar ou mesmo alguém que até nem se conhece, mas que naquele momento é o melhor amigo a dar um abraço tão preciso e apreciado em momentos de solidão e quem sabe de sofrimento físico e mental?

Puxa vida, Luís. Não haveria maneira de, sem prejuízo da privacidade de ninguém, podermos ter os contactos telefónicos daqueles camaradas que não se importam, e até gostariam, de receber uns telefonemas pessoais e directos , especialmente quando estão por qualquer razão confinados, "sem poder sair de casa"?

Por mim, já mais do que uma vez deixei os meus contactos, de email e telefónicos. Não hesites em os partilhar, pessoalmente ou mesmo no blogue se assim entenderes. Eu sei - várias vezes tenho sido avisado - que é preciso cuidado etc.,  etc.,  mas por outro também sei que de "amigos" eu não preciso de ter medos. 

E se alguém que não é amigo meu mas apenas "amigo da onça" quiser os meus contactos?… Hoje em dia é possível encontrá-los. Eu não sei encontrar contactos sem ser por meios directos e pessoais, mas por muitas experiências já vividas pessoalmente, verifico que os meus contactos foram parar a indivíduos que não são meus amigos nem o são de ninguém. E não são estes cuidados e precauções nossas que os impedem de obter as nossas informações e contactos pessoais.

Abraço grande,
João
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P22386: (Ex)citações (389): Caminheiro, peregrino, pagador de promessas...(Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex-alf mil prqd, BCP 21, Angola, 1970/72)




Peniche > Santuário de Nossa Sra dos Remédios > Terreiro > 13 de julho de 2021 >  Jaime Silva e a mana Esmeralda Silva Costa, dois "pagadores de promessas"...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. Mensagem de 18 do corrente, enviado pelo Jaime Silva (ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72, membro da nossa Tabanca Grande, nº 643, desde 31/1/2014, tendo já cerca de 7 dezenas de referências) (**):


Caro Luís, obrigado pela tua excelente reportagem e pela forma carinhosa como nos acompanhas com a tua Alice. Obugado também a todos os camaradas e amigos/as que se lembraram de mim, no dia do meu aniversário, e me felicitaram, por telemóvel, ou por escrito no blogue ou no Facebook  (*).

Gostaria de acrescentar dois pontos relacionados com a minha história “peregrina” (***):

1. Quando a minha mãe me diz, de uma foram convicta: - Tens de ir comigo a pé à Senhora do Remédios pagar a promessa que eu fiz.

Eu, ainda “meio cacimbado da cabeça” (e, tolo, claro!),  disparei:

– Então vá a mãe. Eu não prometi nada!

Devo ter lançado pela boca fora, ainda, mais alguns disparates alusivos à circunstância, a tal ponto que aminha irmã Esmeralda, perante a minha blasfémia, de pronto diz:

– Não faz mal, mãe, eu pago a promessa por ele e vou a pé consigo!

Mas, eu, perante a generosidade de minha irmã – Esmeralda–  disponibilizei-me logo para as acompanhar e disse:

- Eu também vou,  de carro e atrás de vocês, e levo o farnel para a viagem.

E assim foi!

Mas, duas décadas depois, a minha irmã diz-me:

–  Jaime, lembras-te da promessa que eu paguei por ti à Senhora dos Remédios? Eu tenho um problema: fiz uma promessa e tenho que ir a pé a Senhor Jesus do Carvalhal. Não encontro ninguém para ir comigo e para não ir sozinha, podias, agora, ir comigo?!

–  Claro, mana, já “estou no ir”!

E lá fomos. (****)

2. Quanto ao Santuário de Fátima, centro de peregrinação:

Os Paraquedistas, também organizam todos os anos a - Peregrinação Nacional dos Paraquedista a Fátima.

Esta Peregrinação foi iniciada há cerca de 15 anos, por um paraquedista de Leiria que esteve em Angola no BCP 21, o Fialho, também editor, na altura, da revista “ Os Paraquedistas”, entretanto desaparecida.

Há cerca de seis anos  coordenação da Peregrinação foi assumida pelo João Caldeira (Furriel miliciano que esteve em Moçambique no BCP 32, em Nacala).

A próxima Peregrinação Nacional dos Paraquedistas a Fátima será realizada a 25 de julho,  com as restrições impostas pela DGS e Direção do santuário de Fátima.

Abraço

Jaime
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Notas do editor:


(**)  Vd. poste de 17 de julho de  2021 > Guiné 61/74 - P22379: Parabéns a você (1979): Jaime Bonifácio Marques da Silva (ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72)


Guiné 61/74 - P22385: Parabéns a você (1980): Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732 (Buba e Mansabá, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22379: Parabéns a você (1979): Jaime Bonifácio Marques da Silva (ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72)

domingo, 18 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22384: (In)citações (191): Todos iguais mas uns mais iguais do que outros ?!... O caso dos futebolistas e outros "atletas de alta competição" a quem Pátria isentava do "imposto de sangue"


O Lemos, do FC Porto, "carrasco" do SL Benfica na época de 1970/71,
mobilizado para a Guiné com a CART 6552/72 
(Cameconde e Cabedú, 1972/74).

Cortesia do blogue Estrelas do FCP, do Paulo Moreira (Gondomar)


1. Não falamos no nosso blogue,por uma questão de princípio (e de pudor e de "higiene mental"...), de futebol, política e religião (futebol clubístico, política partidária, religião apolegética, entenda-se). 

Mas podemos, concerteza, falar dos nossos camaradas que foram capelães (caso do Arsénio Puim, por exemplo), ou futebolista (como, por exemplo, o Lemos, do FC Porto) ou de alguns políticos que foram nossos contemporâneos  (como James Pinto Bull, guinense, que foi eleito deputado à Assembleia Nacional em 1969, tendo sido membro da chamada Ala Liberal, que defendeu reformas políticas do regime, e que encontrou a morte na sua própria terra natal).

Mas hoje é dos futebolistas  que queremos falar. Dos futebolistas profissionais, craques da bola dos principais clubes e da seleção nacional... Não terão sido muitos, por certo,  os que fizeram a guerra do ultramar / guerra colonial. Eu, pelo menos, não conheci nenhum...

Um dos casos já aqui falados foi do  Lemos [, António José de Lemos, nascido em  Angola, em  1950],ex-jogador do F.C.Porto, que foi nosso camarada na CART 6552/72 (Cameconde e Cabedú, 1972/74). Ou, mais exatamente, camarada do novo membro da Tabanca Grande, o Manuel Domingos Ribeiro (*). Ao que parece, acabou a
 comissão a jogar no UDIB em Bissau, "não deixando de ter alinhado no mato até à sua transferência", como  garante o Ribeiro. (**)

2. Sobre o Lemos, lê-se no blogue  Estrelas do FCP, este detalhado apontamento biográfico, da autoria de Fernando Moreira (que reproduzimos com a devida vénia e as necessárias adaptações);

António José de Lemos:

 (i) nasceu no dia 2 de Fevereiro de 1950 em Luanda, Angola;

(ii) começou por jogar futebol nos juniores do Clube Ferroviário de Luanda até que em 1966 vem para Portugal;

(iii) ingressou nos juniores do Futebol Clube do Porto até passar a sénior, o que aconteceu em 1968;

(iv) por empréstimo dos portistas, ingressou no Boavista FC onde estve esteve durante duas temporadas,  tendo disputado 25 partidas oficiais e apontado 12 golos;

(v) em 1970/71 regressa ao FC Porto;

(vi) na tarde de 31 de Janeiro de 1971, o nome de Lemos "soou alto e soou longe, pela rádio":  marcou, no Estádio das Antas, os 4 golos da vitória do FC  Porto sobre o SLB; 

(vii) os benfiquistas jamais se esqueceram dele; é que, também na Luz, ainda na época 1970/71, Lemos fez o gosto ao pé e desfeiteou as "águias" por mais duas vezes no empate (2-2) no reduto encarnado;
 
(viii) ele recordou, mais tarde,  com precisão e com orgulho, cada pormenor dessa partida que foi um marco na sua carreira de futebolista:

(...) "No primeiro golo, o falecido Pavão fez-me uma assistência primorosa e só tive de empurrar a bola. O meu segundo golo foi espectacular! Quando ninguém acreditava que chegasse à bola, quase na linha de fundo, desferi um pontapé que surpreendeu o Zé Henriques. No terceiro, o Bené fez um lançamento lateral, apanhei a bola e fiz um chapéu ao guarda-redes. E no quarto, estava com um problema num joelho e o Humberto Coelho não acreditou que eu chegasse a tempo mas ultrapassei-o e toquei a bola à saída do guarda-redes." (...)

(ix)   Nas épocas de 1970/71 e 1971/72 marcou, respectivamente, 18 (melhor marcador da equipa) e 8 golos no Campeonato Nacional;

Em 1973 (decorria a época de 1972/73) Lemos – que não obtivera o estatuto de "Atleta de Alta Competição", imprescindível para o subtrair à guerra do Ultramar – foi mobilizado para Cabo Verde pelo Exército Português....

Mas o inesperado aconteceu: o avião, que transportava Lemos e a sua "Companhia de Operações Especiais" (, leia-se: a CART 6552/72), fez um "desvio" na rota e aterrou em… Bissau (Guiné). 

(...) "E todos aqueles soldados que julgavam ir para uma "guerra" branda no arquipélago das belas mulatas e da romântica morna, lá ficaram naquela que era a colónia portuguesa com a conjuntura militar mais difícil e perigosa. Acresce que, no início do ano de 73, o PAIGC (movimento independentista) incrementara as acções de guerra criando muitas dificuldades às tropas portuguesas que combatia desde Janeiro de 1963. A Guiné estava a 'ferro e fogo' e, talvez por isso, a "Companhia" de Lemos tenha sido desviada para aquele território." (...)

Diz o Fernando Moreira que o Lemos "voltou da Guiné em 1974 ainda a tempo de participar na época de 1974/75, a última que faria pelo FC Porto", (...) teno jofadao" ao lado de grandes futebolistas como Rolando, Custódio Pinto, Nóbrega, Pavão, Bené, António Oliveira, Flávio, Abel, Seninho, Heredia, Rodolfo, Fernando Gomes e o extraordinário Cubillas.  Contudo não logrou qualquer título pois, desafortunadamente para ele, esteve nos últimos anos de um período em que as agruras do futebol passaram pelas Antas. (...) Em quatro temporadas no FC Porto, nos 92 jogos do campeonato em que interveio, marcou 47 golos."

Depois veio a inevitável "curva descendente": Em 1975/76 ingressou no SC Espinho, na temporada seguinte rumou ao USC Paredes, em 1977/78 jogou no AD Sanjoanense, passou na época seguinte pelo Académico de Viseu FC e, entre 1979/80 a 1983/84, defendeu a camisola do FC Infesta...

3. No mesmo blogue, Estrelas do FCP, do Paulo Moreira, de Gondomar,  escreveu o seguinte comentário o Ludgero Lamas, companheiro do Lemos no FC Porto:

(...) Joguei futebol com o Lemos no FC Porto. Devo dizer que o jogo com o Benfica 4-0, foi delirante. O meu Amigo Lemos, ganhou nesse dia, um camião TIR cheio de tintas, electródomesticos, e outros, sendo que um televisor Grundig foi por mim comprado, sendo o dinheiro apurado na venda distribuido por todo o plantel. Uma atitude de grande nobreza. 

Devo referir que na altura não existia o estatuto de alta competição, a menos que fosse só para atletas do Benfica, dado que eram os únicos que não eram mobilizados para as Províncias, pois no nosso clube, ainda tivemos os casos de Séninho, e o falecido Chico Gordo, mobilizados para Angola, onde jogaram, e foram campeões (no Moxico), para onde também fui mobilizado, e posteriormente desmobilizado.

Do Lemos, devo referir a sua semelhança com o alemão Gerd Muller, e que se não chegou mais longe, o mesmo se deve às vicissitudes da vida." (...)

4. Até o circunspecto "Diário de Lisboa", que era veepertino,  perdeu... a cabeça,  dando em título de caixa alta, na 2ª edição de domingo, dia 31 de janeiro de 1971, o resultado do jogo nas Antas,  que foi conhecido como "Lemos, 4 - Benfica, 0", com desenvolvida notícia na 1º página e na página 23. Era então presidente do FC Porto o banqueiro Afonso Pinto de Magalhães.







Citação:
(1971), "Diário de Lisboa", nº 17281, Ano 50, Domingo, 31 de Janeiro de 1971, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_6022 (2021-7-18)


4. A propósito deste tema ("todos iguais mas uns mais iguais do que outros"), num depoimento já aqui em tempos publicado, escreveu o nosso camarada Mário Gaspar (***):
 
(...) "Discute-se um facto, e é a verdade que flui da minha boca, e os filhos dos ricos e poderosos de então – do nosso tempo de guerra, que não é nunca foi uma brincadeira de criança – falo por mim como Miliciano, esses filhos de ricos e poderosos que andaram na Escola da Câmara e mais tarde num Colégio Sousa Martins, em Vila Franca de Xira,  estiveram na Recruta na "minha tropa", mas na Especialidade de Atirador não vi nenhum.

Dei os meus primeiros passos no Serviço Militar no dia 3 de Maio de 1965 no Curso de Sargentos Milicianos (CSM), no RI 5, em Caldas da Rainha.

No mesmo Curso estiveram Rui Rodrigues e Gervásio, entre outros, jogadores da Académica de Coimbra. E Peres, este julgo também ser já jogador do Sporting Clube de Portugal, e o "famoso", "poderoso" de facto, Simões, do Benfica, Campeão Europeu, e que fez parte dos heróis do Futebol na Seleção Portuguesa, terceira classificada no Campeonato do Mundo de Futebol, em 1966.

Este acontecimento se dá quando eu – nunca fui voluntário – tive de "prestar provas para o Curso de Rangers, em Lamego".

Muitos os Milicianos recusaram frequentar o mesmo, ainda fiz parte da Equipa de Natação que representava o RI 14, em Viseu, no Campeonato da Região Militar, na Piscina, em Tomar. O Comandante deste Regimento que chefiava os nadadores era o conhecido também ex-futebolista da Académica de Coimbra, que venceu uma Taça de Portugal, o então Tenente-Coronel Faustino.

Nadei contra "nadadores civis federados", militares que representavam as suas Unidades. Julgo que também esses estavam no grupo dos "poderosos". Continuei por não ser voluntário, e por sorteio da vida, saiu-me ir frequentar o XX Curso de Minas e Armadilhas, na Escola Prática de Engenharia, em Tancos. 

Aí há a excepção, encontra-se o Aspirante Miliciano Oliveira Duarte, outro dos "poderosos". No meu conceito incluo estes que falei, nunca os culpando por estarem no grupo. Oliveira Duarte, jogador já do Sporting Clube de Portugal,  foi vítima de um jogo de "poderosos", estes sim "poderosos e «cunhas»", destes mesmos Militares que se livraram da guerra. 

Oliveira Duarte teve de partir para Angola, mas sendo "poderoso", frequentou o Curso de MA e lá foi para o grupo de futebol, livrou-se da guerra – perdeu, como nós todos, tempo – e nós não só tempo – lembrar que nos ofertavam por estarmos em zonas de guerra.

Ainda outros Desportistas, e não só do Futebol, caiu-lhes na sorte terem frequentado outras Especialidades, e atractivas e não foram à guerra.

Curioso, e é bom lembrar que os Milicianos na Guiné recebiam, julgo que ate fins de 1968 ou 1969 inclusive, menos verba mensal que os dos mesmos postos em Angola e Moçambique. Dizem estarmos mais junto à metrópole.

Estive na frente de um outro grupo que lutou para que o aumento de tempo que consta nas Cadernetas Militares ou Documentos que referissem o mesmo. E esse aumento é de 100%. Considerando que as horas de trabalho normal é de 8 horas, se nos encontrávamos de Serviço 24 horas, seriam 400%. Pois eu nem me contaram os 100%.

Nós somos, neste caso os não poderosos. Senhores com o nome de baptismo Cunha conheço… Mas esses "poderosos cunhas", vi por aí. Até na entrada em alguns "lares" e incluo todos, os "poderosos cunhas" estão presentes.

Quero lembrar um outro grupo que bem podia servir para dar a opinião, desconheço se foi ou não analisado: o caso dos nossos Capitães Milicianos que,  após terem cumprido o Serviço Militar e terem regressado a casa e frequentarem finais de Cursos Académicos,  são chamados e foram Camaradas não só, como nós na Guiné como noutras frentes de guerra. (...) (****=
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Notas do editor:



(***)  Vd. poste de 5 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16564: Inquérito 'on line' (71): Os Filhos dos Ricos e Poderosos, incluindo os jogadores de futebol... (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) 

(****) Último poste da série > 18 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22383: (In)citações (190): Saudando uma decisão amadurecida, de oito anos, a entrada do Manuel Domingos Ribeiro para a Tabanca Grande: é o único representante , até à data, da CART 6552/72 (Cameconde e Cabedú 1972/74)

Guiné 61/74 - P22383: (In)citações (190): Saudando uma decisão amadurecida, de oito anos, a entrada do Manuel Domingos Ribeiro para a Tabanca Grande: é o único representante , até à data, da CART 6552/72 (Cameconde e Cabedú 1972/74)

1. Caro camarada Manuel Domingos Ribeiro, novo membro da nossa Tabanca Grande, nº 844 (*): 

Eras (e continuas a ser)  o mais célebre camarada da CART 6552/72, a tal que que, em vez de aterrar na terra do cacau, foi parar a Cameconde, Cabedu e Cufar, no sul da Guiné... 

És o mais célebre porque és o único representante dos bravos dessa companhia, que até agora visitou (e que a partir de agora passa a integrar)  a nossa Tabanca Grande. 

Ficámos também a saber, em 2013 (**),  que, além de ti, havia o António José Lemos, futebolista do FC Porto,  e o vosso ex-capitão, Fernando Manuel Vialalobos Filipe... 

Na altura perguntei o que era feito de vocês, se tinham por hábito, saudável,  encontrar-se anualmente, e se o  Lemos e o vosso capitão também apareciam.

Convidei-te para ficares por aqui mais tempo, sentando-te à sombra do nosso mágico e fraterno poilão. Para isso era só preciso  mandares-nos as duas fotos da praxe, um endereço de email e, facultativamente dizeres em que terra vivias...

Desejei-te boa sorte para o teu sonho de voltar a rever Cameconde e Cacine, ou seja, de voltar à Guiné, em romagem de saudade...  

Anteontem, dia 16, ao fim de 8 (oito) anos,  respondeste  ao meu convite para te juntares a nós!... O Carlos Vinhal fez a tua apresentação com boa disposição. E eu comentei, com regozijo, ao dar-te as boas vindas, que só podia ser uma decisão, a tua,  "muito amadurecida"... já que levou tantos anos a tomar.(***)

Sobre Cameconde temos mais de meia centena de referências. 


2. Sobre a tua CART 6552/72, tu nessa altura acrescentaste mais o seguinte, respondendo também a algumas das minhas questões (*):

Bom dia,  Luís Graça,

Voltando a CART 6552. Como já informei, quando saímos da carreira de tiro de Espinho, os graduados e algumas praças tinham conhecimento de que tinhamos sidos desviados para a Guiné e que S.Tomé já era uma miragem, nunca estivemos mobilizados para Cabo Verde nem para a Guiné, a nossa mobilização e preparação foi para S. Tomé e Prnicipe.

O Luís pergunta por nós e eu aproveito para informar que nos reunimos todos os anos sempre no último sábado de Junho, este ano está marcado para Espinho e o nosso Capitão é uma presença constante, 

Quanto ao Lemos, antigo futebolista do FC Porto (, foto à direita,)  tem sido contactado mas por várias razões ainda não compareceu mas temos a promessa de que este ano (2013) vai estar presente. 

Sobre o comentário da nossa chegada a Cacine, o facto de termos logo começado a abrir valas para nos podermos abrigar em caso de ataque... Quem viveu esses dias e  para pensar sabe que havia uma razão para assim se roceder: no local estava colocada a CCAÇ 3520 e o destacamento de fuzileiros n.º 22. Como tal as instalações existentes estavam ocupadas, quando nós chegamos na mesma LDG também chegaram os paraquedistas, a CCP 122. Em Cacine já se encontrava a CCAV 8350 que tinha retirado de Guileje, o Pelotão Fox Os Pipas que tambem tinha retirado de Guileje. 

Logo a seguir chegou a CCAV que tinha sido desviada de Angola para a Guiné e também chegou a CCP 123... Agora digam-me se não havia necessidade de se proceder à abertura de valas para protecção em caso de ataques,  sabendo nós o que se passava à nossa volta, Gadamael debaixo de fogo constante o Cantanhez mesmo em frente, o Quitafine ali ao lado,  só posso acrescentar que em Cacine naquele mês de Junho era de loucos com feridos sempre a chegar para serem evacuados, aquele pessoal todo amontoado e a dormir de qualquer maneira debaixo das palmeiras e não só.

Quem por lá passou sabe do que estou a falar, que o digam o ex-fur mil Casimiro da CCAV 8530, o ex-fur Moinhos, do Pelotão Fox "Os Pipas", o ex-alf mil Juvenal Candeias, o furriel Alves e 0 ex-Capitão Margarido, da CCAÇ 3520... São alguns que sabem bem do que estou a falar, se por acaso me enganei na identificação da CCAV 8530, as minhas desculpas, mas a memória já não é a mesma.

Agora fica a promessa de me sentar na nossa Tabanca Grande e assim poder falar dos meus fantamas, um até breve.

Manuel Ribeiro, ex-furriel mil, CART 6552


Plano de retração das guarnições militares portuguesas, no pós-25 de abril. Guiné, Região sul >  Cameconde desativados no mesmo dia, 19 de julho de 1974, do que Gadamael. Cacine, uns dias mais tarde, a 12 de agosto. Cabedu, a 19... Cufar, em 7 de setembro.  Reprodução (parcial) da página 54 (de um total de 74) do relatório da 2ª rep/CC/FAG, publicado em 28 de fevereiro de 1975, e na altura classificado como "Secreto".

[Digitalização do documento: Luís Gonçalves Vaz (2012) / Edição das imagens: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2012)]

3. F
ichas de unidades >  Companhia de Artilharia n.º 6552/72

 
Identificação: CArt 6552/72
Unidade Mob: RAL 5 - Penafiel
Cmdt: Cap Mil Inf Fernando Manuel Vilalobos Filipe
Divisa: "Honra e Dever"
Partida: Embarque em 26Mai73; desembarque em 26Mai73 | Regresso: Embarque em 05Set74

Síntese da Actividade Operacional

Após realização de um curto período, acelerado, de IAO no CMI, em Cumeré, seguiu em 12Jun73 para Cameconde, então alvo de fortes e frequentes ataques e flagelações. 

Foi incluída na zona de acção do subsector de Cacine, tendo rendido dois pelotões da CCaç 3520 e ficado integrada no dispositivo e manobra do COP 5.

Em 20Ju174, após desactivação e entrega do aquartelamento de Cameconde ao PAIGC, foi deslocada para Cabedu, onde substituíu a CArt 6251/72, ficando então na dependência do BArt 6520/73.

Em 19Ago74, após a desactivação e entrega do aquartelamento de Cabedu ao PAIGC, recolheu a Cufar até 30Ago74 e depois a Cumeré, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações. Tem História da Unidade (Caixa n.º 119 - 2.ª Div/4.ª Sec. do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pág. 487. 

Guiné 61/74 - P22382: Blogues da nossa blogosfera (159): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (68): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


AO REDOR DO VENTO

ADÃO CRUZ
© ADÃO CRUZ

Não me encontraste mas eu sei que vieste ao meu encontro
porque caminhavas suavemente ao longo do rio
tão levemente que os teus olhos mo diziam
e nem as gaivotas fugiam.
Outrora o sol nascia pachorrento a esta hora
em que me davas um beijo de alento
e eu corria rio fora em direcção ao vento.
Os veleiros rodavam em círculo
inchando as velas brancas e amarelas
e também azuis como o poema.
Eu sei que vieste ao meu encontro mas não me viste
porque o sol de hoje nasce de forma alheia
e os veleiros não dançam
porque deles é o vento e de ti também.
Eu sei que vieste ao meu encontro
e tudo em redor mo leva a crer
mas os teus olhos perderam-me
porque são de vento as horas de me ver.

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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22139: Blogues da nossa blogosfera (158): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (67): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P22381: Blogpoesia (745): "Vagueio em liberdade"; "As três condições" e "Meu rumo", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Publicação semanal de poesia da autoria do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, CachilCatió e Bissau, 1964/66):


Vagueio em liberdade...

Vagueio em liberdade pelo infinito do céu como um anjo libertado.
Não me canso de voar.
Buscando sonhos. Reminiscências.
Dão gosto ao meu viver.
Como seria a minha vida sem esse rasgo de liberdade?...
Vou e venho da minha infância quando a vida era só sonhar.
Quem me dera voltar a andar descalço sobre as pedras e o cascalho, naquelas terras verdes da minha infância
Quando o sol e a lua brilhavam mais!...


Mafra, bar "Castelão" 18 de Julho de 2021,
10h16m
Jlmg


********************

As três condições

Se utilizo bem
Quem sou e o que tenho,
Em meu favor,
Igual a quem,
Por bem,
Me bate à porta,
Acabarei bem os meus dias.
Fui quem devia ser.
O mundo cresceu
E ficou mais feliz
E eu também.
Se oiço, atento
E sigo direito,
O que me vem de dentro,
Para bem meu,
Antes de fazer
O que quero fazer,
Dará sempre certo,
Porque a lei está escrita...
Se apanhei o barco certo,
Com rumo seguro,
Porque o pensei bem,
Antes de me fazer ao mar,
Basta esperar...
E o porto vem.
Porque sei quem sou.
Quem vai comigo.
Vou atento.
No barco certo.
Em boas mãos.
Assim, foi escrito.


Berlim, 16 de Julho de 2013
10h6m
Joaquim Luís Mendes Gomes


********************

Meu rumo

Cada dia armo e desarmo
a tenda onde durmo
e me abrigo.
Avanço ao ritmo surdo
das minhas marés.
Levo bem presas
minhas amarras
com asas,
que me fazem voar.
Não tenho fronteiras.
Meu destino é o infinito,
Sem amarras nem tendas
Para ter de armar.


Berlim, 15 de Julho de 2013
5h35m
Joaquim Luís Mendes Gomes

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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22362: Blogpoesia (744): "De novo, Mafra"; "Azul é o mar da Ericeira"; "O sorriso das flores" e "Notas do piano", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728