sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22795: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (82): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Novembro de 2021

Queridos amigos,
Paulo arruma a casa de Lisboa, vai ser ocupada por dois filhos, é menos uma despesa para estes dois filhos que vivem tão precários. É arrumação de papéis, Annette insiste que ainda podem vir acasos felizes, uns papéis soltos, umas fotografias, alguns documentos esclarecedores que melhor iluminem tudo quanto até agora se escreveu. Faltava a chegada a Lisboa, já tinham conversado sobre as peripécias daquela viagem que durou 12 dias, a satisfação de conhecer a ilha de S. Vicente, ter encontrado ali gente a falar um português tão doce e tão bem articulado, aquela chegada a Ponta Delgada, uma multidão silenciosa, as mulheres de preto, a mesma expetativa a bordo, os em terra à procura de descobrir o ente-querido, e este ansioso por ver diante dos seus olhos a gente do seu sangue. Ouve-se um grito estridente e por magia vão-se fazendo reconhecimentos, é quase alucinante a vozearia estentórea que toma conta daquele cais e daquele velho paquete. E nós, que ainda vamos continuar até Lisboa, não resistimos a choramingar. No último dia a bordo, escrevinha-se no caderninho a agenda social, bem pesada de encargos, há tanta gente a agradecer, a beijar, a abraçar, houve tantos amigos que deram consolo, houve aquela mana que em todos os sábados, fizesse chuva ou sol, percorria enfermarias na Rua Artilharia 1 para visitar os feridos companheiros do irmão, nunca ia de mãos vazias, sempre a sorrir e com voz consoladora. São as recordações que subsistem em Paulo, nada disto passou a letra de forma, nem mesmo, no dia seguinte à sua chegada, quando recusou vir a integrar-se na vida militar, fez um contrato que lhe permitia acabar os estudos. Ora acontece que Annette quer ir mais longe, é uma verdadeira Penélope, não desmancha o que fez na véspera, mas reclama mais tecido para continuar. "Conta-me, Paulo, tudo quanto aconteceu depois, os tais meses que passaste na Guiné. Depois veremos se o romance da Rua do Eclipse chegou a seu termo, mas só depois".

Um abraço do
Mário


Rua do Eclipse (82): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Annette adorée, percorro a nossa casa de Lisboa na azáfama de deixar tudo limpo, a Delfina esteve cá ontem a limpar os vidros de todas as janelas, quero entregar a casa ao Henrique e à Mafalda, bem como ao Ricardo, nas melhores condições, os móveis brunidos, a cheirar a óleo de cedro, os tapetes desempoeirados, as estantes dão-me um trabalhão imenso e nunca me esqueço do teu pedido de mexer em todas as pastas à procura de mais elementos sobre a Guiné, que eu descubra fotografias, relatórios, pasmei com a nossa conversa de ontem à noite, também queres começar a ler livros escritos por outros, comparar emoções, como os outros sentiram a adaptação, as emboscadas, as penúrias alimentares, os sobressaltos das flagelações. Prometo-te que não regressarei a Bruxelas sem vasculhar toda a papelada que ainda possa andar dispersa por algumas estantes ou gavetas.

Está a correr-me muito bem este final de ano letivo, tanto no Monte da Caparica como em Santarém. Foi rapidamente deferido o meu requerimento, vou entrar em licença registada, coincidente com a data em que começa o meu contrato com a Confederação Europeia dos Sindicatos. Acho que o Bengt Ingerstam persuadiu bem os outros elementos da Direção que aceitaram a nomeação da Rossana Olivieri para me substituir. Já chegou a minha agenda do mês de setembro, tenho uma deslocação a Dublin e outra a Haia, haverá dois dias de seminário em Turim, compete-me a organização, prende-se com a temática dos novos padrões sustentáveis no consumo, abarcando a habitação, o transporte e o empacotamento dos bens perecíveis, em Dublin estará em discussão o futuro do tratamento dos resíduos eletrónicos e qual a melhor resposta a ser dada pelos consumidores, em Haia far-se-á o ponto da situação dos cemitérios para os automóveis em fim de vida. Já me está a ser enviada documentação, mas para nosso consolo não vejo que as nossas férias fiquem minimamente comprometidas. Fiquei feliz por teres aceite prontamente passarmos três semanas de agosto em Portugal, beneficiarás de uma casa com menos pó, mais arrumada, estou a dar uma nova ordem às coisas para que os meus filhos sintam espaço desafogado, se bem que toda a traquitana do pai ande pendurada pelas paredes. Ficaram muito contentes com a ideia de pouparem nas rendas de casa, informei-os que viremos em princípio no Natal, com a Noémie e o Jules.

Não me quero esquecer de contar que aceitei ficar com a responsabilidade de algumas páginas de jornais, quando falei com diferentes diretores eles ficaram profundamente agradados com a possibilidade de eu ir dando em primeira mão informações sobre o que se está a passar nas instituições comunitárias e com fortes incidências não só no consumo como na Saúde e no Ambiente.

Por último, minha adorada Annette, dou-te conta das minhas recordações, que não constam de correspondência nem de quaisquer papéis, daqueles doze dias de viagem até Lisboa. Não conhecia nada de Cabo Verde e apreciei a ilha de São Vicente, creio que já te disse que a cidade do Mindelo me pareceu uma vilazinha tipicamente de província, mas com marca de água africana, claro. Reencontrei a bordo gente com quem convivi em Mafra e na Guiné, muita conversa sobre tiroteios, minas e emboscadas, mortos e feridos. Vivi uma situação de comédia no camarote em que fiquei com dois camaradas, tínhamos recebido instruções de que a água para os banhos estava racionada, no nosso caso havia chuveiro e água no lavatório entre as 6h45 e as 7h30, impreterivelmente. Nós os três nem comentámos, havia somente que repartir a dosagem do tempo, ofereci-me para ser o primeiro, o Gonçalves ofereceu-se para segundo, o Faria nem resmungou, demos a situação como tratada, tacitamente. Tudo parecia correr bem, fui a correr para o duche às 6h45, chamei o Gonçalves, 15 minutos depois, ele disparou para a casa-de-banho, vinha o Gonçalves a sair e gritei ao Faria que a casa-de-banho lhe pertencia, resmungou entre lençóis que não precisava de tomar banho. Esta cena repetiu-se três dias a fio, e então abordei o Gonçalves no convés, na maior discrição, seria que o Faria considerava que tínhamos agido incorretamente com ele, queria começar primeiro, onde, com os diabos, ele tratava da higiene? O Gonçalves pareceu-me surpreendido com a minha inquietação, não havia ninguém na Guiné que não soubesse que o Faria nunca tinha tomado banho, viesse de uma operação ou depois de um jogo de bola molhava uma pequena toalha ensaboada e lavava-se sumariamente, o que surpreendia todos, ele não cheirava mal, fazia de facto a barba e punha camadas de brilhantina no cabelo. Nunca mais esqueci o Faria, como podes imaginar.

O mais impressionante da minha viagem, Annette, foi quando o Carvalho Araújo se aproximou do porto de Ponta Delgada, imagina uma multidão onde predominava a indumentária de preto, como se todas aquelas mulheres estivessem lutadas, um silêncio sepulcral, o paquete a aproximar-se do cais, todos nós nas diferentes amuradas a presenciar aquela multidão quieta, e eis que súbito ouve-se um grito de uma mulher a chamar pelo filho, uma resposta vibrante vem de bordo e então ergue-se um clamor como nunca vi igual, era a festa do reencontro, toda aquela alegria esfusiante se irá intensificar quando os militares açorianos começam a descer o portaló e a serem afogados pelos abraços das famílias, ver toda aquela multidão em movimento da amurada parecia um ballet gigantesco a dar hossanas à vida. Também fui premiado, tinha amigos à espera, organizara-se um jantar para me receber, pude confirmar, se dúvidas subsistissem, que também tinha o meu coração ligado a São Miguel.

À chegada a Lisboa, metido num táxi com carregamento ligeiro, sabia que no dia seguinte iria a um quartel na Calçada da Ajuda buscar os malões feitos em Madeira, dei comigo deslumbrado a caminhar pela cidade, na véspera desenhara no meu caderninho um programa para os dias seguintes, visitas obrigatórias, ir ver a minha mana e os meus sobrinhos, a mãe do Carlos Sampaio, os meus doentes no Hospital da Estrela, uma lista com muitos nomes, muitos agradecimentos a fazer, e mal sabia eu que no dia seguinte, no tal Regimento da Calçada da Ajuda um senhor major insistia que eu me inscrevesse no Quadro Especial de Oficiais, nada de fazer contratos como eu desejava para acabar o curso, o senhor major insistia que com aquela folha de serviços eu teria o mais promissor dos futuros na glória militar. Bem tristonho ficou com a minha resposta, depois das férias iria dar recrutas em Mafra, no horizonte perfilava-se um serviço ligeiro num qualquer departamento do Ministério do Exército, com força de vontade, e com o estatuto de estudante militar, era bem possível ir fazendo exames ao longo de cada ano escolar, como veio a acontecer.

Dou voltas à cabeça, minha adorada, que emoções mais fortes houve no termo desta viagem, talvez de olhar à volta e rever a minha cidade e os lugares conhecidos com o profundo agradecimento de guardar o meu entusiasmo, a minha curiosidade, os meus sonhos, mesmo sabendo que vinha muito diferente do que fora. E talvez valha a pena terminar esta elucubração lendo-te uma linha numa carta que me esperava assinada pelo meu amigo Ruy Cinatti: “Você veio diferente, veio liberto e melhor preparado para lutar na vida. Não se arrependa pelo amor que deu e recebeu. É bom tê-lo de volta. Não se esqueça do que viveu. Não se esqueça do que sofreu. Transforme tudo em dívida consigo”. Minha companheira para toda a vida, não achas que seria neste parágrafo que devíamos pôr ponto final para o nosso romance da Rua do Eclipse? Tu decidirás se é o momento do ponto final. Milles bisous, en attendant ton retour à Lisbonne, Paulo, à partir du mois d’août à vivre à Bruxelles.

(continua)


Carta da Guiné Portuguesa, 1899
Era assim no nosso tempo e permanece a disposição comercial, uma autêntica caverna de Ali Babá, não vemos nesta imagem mas há seguramente fita de nastro, candeeiros, tecidos, loiça esmaltada e muitíssimo mais. Quando o consumo não muda de perfil a organização das prateleiras acompanha a rotina das necessidades dos consumidores
O que deslumbra nesta imagem no Pidjiquiti é o imenso colorido, a azáfama de partir, talvez para Catió ou Bolama, os barcos de pesca, aquela imensidão de azul que parece prolongar as águas do Geba e aquele contraste de gruas e de contentores que nos falam da contemporaneidade, em choque com o que vemos em primeiro plano
Bissau em perpétuo movimento, entre o mercado de Bandim e Bissalanca, é um ritmo frenético que a noite não quebra, quando escurece abrem as discotecas, acendem-se lampiões, o comércio não pára
A Andrea Wurzenberger cedeu-me três imagens muito semelhantes para a contracapa de um dos meus livros, ainda hoje me emocionam com aquela luz translúcida, o avanço sereno daquela mulher (que até pode ser uma bideira), a sensação de apaziguamento que no seu todo nos provoca este caminhar onde até podemos querer supor que ao fundo o paraíso espreita
Quem vem do cais do Pidjiquiti confronta-se com este busto de Amílcar Cabral que parece olhar para o fundo da Guiné, para o Sul, onde começou a realizar-se a sua estratégia militar. É hoje um herói esquecido, como nos parece sugerir este ciclista que passa por ali, indiferente ao pai fundador, parece que no seu itinerário é totalmente dispensável lançar um olhar ao construtor da nação
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22776: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (81): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P22794: Fauna & flora (17): três animais das fábulas guineenses: o leão, o lobo (hiena) e a lebre


Lobo (hiena) (Crocuta corcuta)



Lobo raiado (hiena malhada) (Hyaena hyaena)





Lebre (Lepus whytei)



Leão (Panthera leo)


Fonte: In Guia de Identificação dos Animais da Guiné-Bissau. República da Guiné-Bissau, Direcção Geral dos Serviços Florestais e Caça, Deparatmento da Fauna e Protecção da Natureza, s/l, 34 pp. s/d (Disponível em formato pdf, aqui, no sítio do IBAP ,

https://ibapgbissau.org/Documentos/Estudos/Animais%20da%20Guine-Bissau.pdf)



1. Sobre os animais, que são protagonistas do conto transcrito no poste P 22791 (*), aqui vai informação adicional , constante das infografias acima reproduzidas (**):

  • Lobo
  • Lobo raiado
  • Lebre
  • Leão
Dos quatro, o leão ´o único que está na lista dos "animais protegidos". 

Na época colonial, e em especial durante a guerra colonial, a lebre era uma das espécies que alguns militares caçavam, à noite, com utilização dos faróis dos jipes ou dos unimog, em geral, nas proximidades dos aquartelamentos. A sua carne era particularmente apreciada.

A hiena malhada  (na Guiné-Bissau, lobo raiado) é a maior representante da família das hienas (Hyaenidae). O seu estado de conservação, na Guiné-Bissau,  não parece ser preocupante.

Quanto ao leão, terá deixado o território com o início da "guerra de libertação"... E acredita-se que terá voltado, esporadicamente, em 2014, quatro décadas depois  do fim da guerra. Pelo mensos avistaram-se peugadas na região do Boé, Mas é pouco provável que se volte a fixar no território: o seu número tem vindo a reduzir-se dramaticamenete em toda a África, com destaque para a África Ocidental e Central, devido à sistemática perda do seu habitat. 

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Notas do editor:

Guiné 61/74 - P22793: Parabéns a você (2012): Fernando Barata, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2700/BCAÇ 2912 (Dulombi, 1970/72) e Mário Santos, ex-1.º Cabo MMA da BA 12 (Bissalanca, 1967/69)


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Nota do editor

Último poste da série de 5 de Dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22781: Parabéns a você (2011): Manuel Carvalho, ex-Fur Mil Arm Pes Inf da CCAÇ 2366/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, Jolmete e Quinhamel, 1968/70)

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22792: O meu sapatinho de Natal (7): O LP, em vinill, editado e distribuído pelo Movimento Nacional Feminino, "Natal 73 - Operação Presença", com arranjos e orquestração do maestro Joaquim Luís Gomes (1914-2009) e dedicatórias de artistas famosos na época, da área do fado (Amália...), do teatro (Raul Solnado...), da tauromaquia (Diamantino Vizeu...) e do futebol (Eusébio...)





Disco (LP em vinil) "Natal73 - Operação Presença", editado pelo Movimento Nacional Feminino. Oferta aos soldados portugueses mobilizados no Ultramar. 



No verso, podiam ler-se  as dedicatórias de vários artistas conhecidos na época, do fado (Amália...), do teatro (Raul Solnado...), da tauromaquia (Diamantino Vizeu...) e do futebol (Eusébio..). Era frases mais ou menos estereotipadas, sem segundas leituras nas entrelinhas... Para quem não tinha chaminé nem sapatinho  nem Natal, nem muito menos gira-discos, podiam soar a falso.  

Aqui vão reproduzidas, com a identificação dos seus autores.


1. Que o Menino Jesus vos ponha no sapatinho uma menina muito bonita. Amália.

2. Com as saudações de simpatia do Jorge Alves

3. Um abração do amigo que nunca vos esquece. Camilo Oliveira

4. Do coração um beijinho muito sincero da amiguinha.  Hermínia Silva

5. Com um abraço e até o mais breve possível.  Raúl Solnado
 
6.  Para os soldados portugueses com abraço e afecto do amigo Ricardo Chibanga

7. Com um abraço de muita aficción do Diamantino Vizeu.

8.  Também quero jogar nesta equipa da amizade do Movimento Nacional Feminino. Por isso chuto daqui um grande abraço para a malta toda. Eusébio.





9. Com admiração e respeito por todos vós. Um regresso muito breve. Fernanda Maria

10. Por maiores que sejam os oceanos que nos separam, nada consegue vencer o amor que me liga a todos vós, meus irmãos. Florbela Queiroz


Natal 73 - Operação Presença


Lista das faixas / arranjos e orquestração do Joaquim Luís Gomes (Santarém, 1914- Lisboa, 2009) , arranjador, compositor e diretor de orquestra:

A1 Lisboa (Abertura)
A2 Trás-os-Montes
A3 Moçambique
A4 Ribatejo
A5 Madeira
A6 Beiras
A7 Timor
A8 Açores
B1 Alentejo
B2 São Tomé e Príncipe
B3 Minho
B4 Cabo verde
B5 Coimbra
B6 Macau
B7 Porto
B8 Guiné
B9 Algarve
B10 Angola
B11 MNF (Fecho)

Foto (e legenda): © Álvaro Basto (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. Há quem guarde estas "velharias"... E ainda bem. Foi o caso do nosso camarada Álvaro Basto (ex-Fur Mil Enf, CART 3492/BART 3873, Xitole, 1971/74), dirigente da Tabanca Pequena, ONGD, membro da Tabanca de Matosinhos, integrando aTabanca Grande desde 26 de junho de 2007...

Foi o nosso coeditor Carlos Vinhal quem, em conversa com o Álvaro Basto, se apercebeu da importância que podia ter, para os nossos leitores, este "recuerdo" do Movimento Nacional Feminino...E escreveu o seguinte:

(...) "Achei que tal objecto  [, ou pelo menos a capa, frente e verso, do disco,] seria interessante mostrar aos visitantes da nossa Página, porque significava muito do que na época se fazia para levantar (?) o moral das nossas tropas. Quem não se lembra das coisas mais desinteressantes, disparatadas e pouco úteis que nos ofereciam então ?! Desde medalhinhas de santos, em alumínio, maços de tabaco (de marcas que nós apelidavamos de mata-ratos), isqueiros (tipo petromax) e quejandos. 

"Confesso que não considero assim o caso vertente, pois ainda se pode reproduzir este vinil nos velhos gira-discos. Além disso, contém, no verso da capa, dedicatórias de figuras públicas da época, algumas das quais já falecidas, o que lhe confere um estatuto de raridade." (...) (*=

E decidiu bem, o nosso coeditor, com a pronta colaboração do Álvaro Basto que nos repoduziu a capa do disco, hoje seguramente um raridade...

A biógrafa de Cecília Supico Pinto refere-se, apenas ao correr da pena, a esta iniciativa que sucedeu a uma outra anterior, mais controversa e menos bem sucedida (,. o lançamento do disco Natal 71, a que chama "o disco da discórdia) (Sofia Espirito Santo . Cecília Supico Pinto. Lisboa, A Esfera do Livro, 2008, pág. 141). Dedicaremos um outro poste a esta história...

Para já, gostávamos de saber se estas "prendas de Natal" da Cilinha chegavam ao mato (, da região do Cacheu à região de Tombali, da região de Quínara à região do Gabu...) e como é que a mala reagia... Havia os que ficavam ofendidos,  outros agradecidos, e se calhar a maior parte indiferentes....

Estamos, em todo o caso,  a falar do último Natal que as nossas tropas passaram no TO da Guiné, a escassos meses do 25 de Abril de 1974 (**).

Lembro-me bem, por que era fã,  de um programa de rádio, muito anterior ao 25 de Abril que dava pelo título "Os Intocáveis"... E nunca mais esqueci a frase, deliciosa: "Este disco é intocável, mas felizmente não inquebrável"... 

Sobre "Os Intocáveis" descobri mais informação, na Net, que partilho com os nossos leitores:

(...) "Paulo Fernando e Orlando Dias Agudo foram os responsáveis da rubrica "Os Intocáveis" em Rádio Clube Português: “apesar de feita em tom ligeiro, ainda que sério, tem suscitado todo um mundo de controvérsia”, lia-se na legenda que anunciava o programa (Nova Antena, 14 de fevereiro de 1969).

Logo depois, Orlando Dias Agudo explicaria a razão da rubrica, surgida ainda em 1967: “apontar aquilo que de mau ia surgindo no panorama musical português” (Nova Antena, 14 de março de 1969). O alvo era somente a música portuguesa e em especial as letras das canções. Com apenas dez minutos de emissão semanal, o programa constituiu um grande êxito.

"O grande impacto do pequeno programa era o som de um disco a partir-se. Os autores tinham gravado o ruído de um disco a quebrar-se no chão e acompanhavam a sua crítica de intocável com essa passagem sonora “catrapum, zás, catrapaz”, a conceder mais realismo. À facilidade de gravar um disco – como escrevia o jornalista: “hoje, qualquer bicho careta pode gravar um disco” – os autores da rubrica propunham qualidade.

"Claro que a iniciativa causaria aborrecimentos aos autores, mas, ao mesmo tempo, teria havido editoras que pediam para eles tocarem os discos por si editados. As frases-chave do programa eram “falem de mim nem que seja a dizer bem” e “este disco é intocável mas felizmente não inquebrável, por isso vamos parti-lo”. São duas frases tão criativas como é a rádio. "(...)


Não creio que este programa, "Os Intocáveis", tenha chegado ao Natal de 1973... De qualquer modo, pode perguntar-se  o disco do MNF "Natal de 73 - Operação Presença" era também "intocável"...

Eu, pessoalmente, não seu responder porque nunca o ouvi (nem nunca o vi, em 1973 já estava na "peluda"). Além disso, o arranjador e orquestrador, o maestro Joaquim Luís Gomes, era homem com méritos profissionais, e que a Sociedade Portuguesa de Autores homenageou, por duas vezes, considerando-o "uma das figuras mais marcantes" da nossa música no séc. XX. 

Em 2004, cinco anos antes de morrer, o maestro foi agraciado com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Mérito pelo Presidente da República Jorge Sampaio)... Mas o disco "Natal de 73 - Operação Presença" não deixava de ser "propagandístico": pelos temas das duas faixas, A e B, via-se que era uma compilação da música folclórica do "Portugal Metropolitano e Ultramarino", que ia do Minho a Timor...

Enfim, seria injusto parti-lo, ao disco, sem o ouvir... O Álvaro Basto, que é um homem de bom gosto, guardou-o. Deve tê-lo ouvido, não no Xitole (onde não devia haver gira-discos) mas quando voltou a casa, em Leça do Balio, Matosinhos... Será que alguém mais tem o disco e acha que é tocável ?

É, em todo o caso, um documento relevante para a nossa história, a grande e a pequena... Para mais, não somos um blogue de "icnoclastas"... Pelo contrário, damos valor o tudo que "fala" de (ou "diz respeito" a) este período das nossas vidas... Parabéns ao Álvaro Basto por o ter guardado, podendo um dia oferecer a um museu que se ocupe das nossas "velharias"... E, com a sua licença, vai este ano para o nosso sapatinho de Natal... À falta de melhor... (**)

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Guiné 61/74 - P22791: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte IX: Conto - A lebre e o lobo no tempo da fome




Ilustrações do mestre Augusto Trigo (pp. 59, 60 e 61)



O autor, Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA,
CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga



1. Transcrição das págs. 59-62 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)


J. Carlos M. Fortunato > 
Lendas e contos da Guiné-Bissau




Capa do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau / J. Carlos M. Fortunato ; il. Augusto Trigo... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Ajuda Amiga : MIL Movimento Internacional Lusófono : DG Edições, 2017. - 102 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-8661-68-5


Conto - A lebre e o lobo no tempo da fome 
 (pp. 59/62)


No tempo da fome, a lebre nada tinha para comer, e ela e o seu filho passavam muita fome. Como não conseguia encontrar nenhuma comi da perto de casa, a lebre decidiu partir e ir procurar comida noutros locais. 
Meu filho, tenho que ir procurar comida longe, mas vou voltar o mais rápido que puder  disse a lebre ao filho. 

A lebre procurou em todo o lado, contudo não encontrou nenhuma comida, pois era o tempo da fome e em nenhum lado havia comida. Mas ela descobriu que o lobo  (hiena) (34) tinha muita comida na casa dele, mais do que precisava. 

Apesar de saber que o lobo era mau, que nunca dava nada a ninguém, e até a podia comer, mesmo assim a lebre foi bater à porta do lobo e pedir-lhe um pouco de comida, para levar para o seu filho. 
– Eu só vou dar-te um pouco de comida depois de tu trabalhares, mas a partir de agora terás que ficar sempre a trabalhar para mim  disse o lobo
– Está bem respondeu a lebre. 
– Esta noite, vais ficar toda a noite de guarda à minha casa, para não  roubarem nada, mas não toques na casa do meu vizinho leão  disse o lobo
– Porquê?  perguntou a lebre. 
– Porque o leão é invejoso, arrogante e muito bruto  respondeu o lobo

Durante a noite, quando todos estavam a dormir, a lebre foi a casa do leão, roubou-lhe o filho e escondeu-o na casa do lobo. Quando chegou a manhã, o filho do leão começou a chorar, pois estava cheio de fome. O lobo, ao ver o filho do leão em casa dele e ainda por cima a chorar, ficou muito aflito sem saber o que fazer, pois tinha muito medo do leão. 
 – Como veio o filho do leão aqui parar? O que vou fazer agora? Será melhor escondê-lo?  dizia o lobo, andando de um lado para o outro, sem saber o que fazer. 

O leão, que falava pouco e não gostava de brincadeiras, ficou furioso quando ouviu o filho chorar na casa do lobo
– Como se atreve o lobo a roubar-me o meu filho?  gritou o leão e correu para casa do lobo. O lobo nem teve tempo de dizer nada, pois o leão enfurecido rebentou com a porta e deu-lhe logo uma estalada. 

O lobo fugiu, e o leão correu atrás dele, mas o seu filho começou a chorar e o leão voltou para trás, para junto do filho. Ao ver o lobo fugir, a lebre deu pulos de contente, porque agora tinha comida e podia ficar a viver na casa do lobo, pois o lobo nunca voltaria com medo do leão, e correu a ir buscar o filho. 

Como o lobo tinha muita comida, a lebre dividiu-a com os outros animais que tinham fome. E foi assim que a lebre se livrou do lobo e conseguiu muita comida.

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Nota do autor:

(34) Lobo - palavra com origm no crioulo, é o nome dado à hiena: não existem lobos na Guiné-Bissau.
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2. Como ajudar a "Ajuda Amiga" ?

Caro/a leitor/a, podes ajudar a "Ajuda Amiga" (e mais concretamente o Projecto da Escola de Nhenque, que já foi inaugurada dia 8 deste mês, com pompa e circunstância), fazendo uma transferência, em dinheiro, para a Conta da Ajuda Amiga:

NIB 0036 0133 99100025138 26

IBAN PT50 0036 0133 99100025138 26

BIC MPIOPTP

Para saber mais, vê aqui o sítio da ONGD Ajuda Amiga:


http://www.ajudaamiga.com

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Nota do editor:

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22790: Reavivando memórias do BENG 447 (João Rodrigues Lobo, ex-Alf Mil, cmdt do Pelotão de Transportes Especiais, Brá, 1968/71) - Parte IX: Qual a razão da minha ida da RMA para o CTIG ? Duas histórias... A autorização, anual, passada pela PIDE para poder entrar a bordo dos navios no porto de Bissau, e o "motorista" protegido do capitão da Polícia Militar......



Autorização, com data de Bissau, 2 de dezembro de 1969, dada pela PIDE - Polícia Internacional e de Defesa do Estado, ao alf mil João José Lourenço Rodrigues Lobo,  para poder entrar "a bordo de paquetes e navios de carga, nacinais e estrangeiros, fora das horas de embarque e desembarque de passageiros".


Fotos (e legenda): © João Rodrigues Lobo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de João Rodrigues Lobo


 [ (i) ex-alf mil, cmdt Pelotão de Transportes Especiais / BENG 447 (Bissau, Brá, dez1967/fev1971); 

(ii) fez o 1º COM, no último trimestre de 1967, em Angola, na EAMA, Nova Lisboa, Angola, onde viveu na sua juventude;  

(iii) natural de Óbidos, vive em Torres Vedras onde trabalhou durante mais de 3 décadas como chefe dos serviços de aprovisionamento do respetivo hospital distrital; 

(iv) é membro nº 841 da Tabanca Grande.]
 

Data - Segunda, 1/11, 15:14
Assunto - Apontamentos da "tropa"



Boa tarde,
Caro Luis e demais editores do Blog,

Cá vai mais uma achega da minha passagem pelo Exército Português:

Tenho lido alguns comentários e outras publicações no Blog com algumas interrogações,
assim talvez ajude a esclarecer ou a complicar mais. E após mais de 50 anos não devem ser segredos militares nem tabus.

Para a razão da minha ida da RMA (Região Militar deAngola) para o CTIG (Guiné) foi-me dito: "intercâmbio entre Províncias Ultramarinas". Aceitei a "informação" verbal. 
Mas teria sido só? 

Especulando bastante quando se não percebe bem a razão apontada:

(i) Podia eu ter sido colega de "turras" que andaram comigo no Liceu Nacional Salvador Correia. (aliás como o Luís dá a entender num seu comentário).( Pura especulação). Mas realmente desse tempo tenho uma recordação que me foi dada por um colega. (imagem anexa,  à esquerda, um pin do MPLA) .

(ii) Fui em rendição individual para render um camarada da Metrópole que não cheguei a conhecer e, no fim da comissão, fui rendido por um camarada da metrópole que também não cheguei a conhecer. Como já li em vários comentários no blog, teria sido porque, àquela data, estaria o filho de alguém "importante" em vias de ir e se baldou com alguma cunha? (Pura especulação). 
A seguir, e no final, um "pequeno" episódio...

(iii) Teria o meu trabalho no QGA da RMA " colidido" com os interesses económicos de "alguém" pois no pouco tempo que lá estive, além de ir comandar MVL , era eu o responsável por controlar todos os quilómetros, horas e facturas de todas as viatura civis contratadas para transportes militares (centenas) e, tendo arranjado métodos de conferência que teriam poupado bastante aos cofres do Exército? E os camionistas andavam fulos comigo? (Pura especulação).

(iv) Teria algum elemento da PIDE/DGS, por motivos pessoais, ou outros, tido alguma influência ? (Pura especulação).

A PIDE metia-se em tudo e, na Guiné, para ir a bordo dos navios onde, como alferes, ia receber toda a carga e materiais para o BENG , tive que, mesmo assim, ser entrevistado e de me passarem o cartão, anual (o de 1968 tive de entregar) na recordação em anexo (1969), senão pasme-se, era preso !!!

(v) Ainda penso noutras possíveis especulações ou num conjunto de várias acima. Lanço o repto aos camaradas que me estão a ler para fazerem os seus comentários. Só se passaram 53 anos, talvez se recordem de outros possíveis motivos ...
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A propósito do ponto 2 acima tenho um "episódio" que me parece irreal e se passou comigo. Sem inventar. 

Uma das minhas primeiras "acções" quando me colocaram a Comandar o PTE - Pelotão de Trabsportes Especiais, do BENG 447,  foi pedir ao Comando uma lista exaustiva e completa das viaturas e homens que pertenciam ao PTE  e em que trabalhos estariam deslocados.

 Eramos muitos. Após a conferência, o incrível, faltava um soldado condutor auto rodas que "ninguém" sabia onde estava, mas diziam estar em Bissau (tendo um Mercedes próprio no qual se deslocava). Mandei recados, sem levantar ainda quaisquer problemas, dando-lhe 3 dias para se apresentar no PTE e no Batalhão. 

O recado chegou ao destino e, um dia depois, fui convidado a ir a uma residência na cidade para ir jantar com um oficial da PM. Mesmo estranhando e sem saber porque cargas de água me tinha sido feito o convite, resolvi aceitar e fui.

Era um jantar a 3 onde estava o soldado "desaparecido" e onde me tentaram convencer em não levantar ondas pois ele nunca se iria apresentar no Batalhão. Foi uma "conversa" muito interessante e insinuante. Não cedi e mantive o prazo dado. 

Ao sair, disseram-me que ele não se iria apresentar, ao que eu respondi que iria fazer a respectiva participação ao comando do BENG e logo se veria. E, não é que ele não se apresentou e, foi logo "evacuado" para a metrópole ! 

Ainda me lembro do seu apelido, embora com a dúvida se a segunda letra do apelido é um E ou um A. Era realmente de uma família muito "importante".

Se eu ainda aqui estou, poderá ser muito provável, ou não, que os outros 2 intervenientes, que devem ser da mesma idade que eu, se lerem o Blog, se recordem e digam fui eu, ou alguém os conheça. Seria interessante, e só passaram 52 anos...

Abraço, João
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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22675: Reavivando memórias do BENG 447 (João Rodrigues Lobo, ex-Alf Mil, cmdt do Pelotão de Transportes Especiais, Brá, 1968/71) - Parte VIII: O meu percurso militar (II): Depois da RMA, o CTIG: ao todo, 3 anos e 4 meses ao serviço da tropa

Guiné 61/74 - P22789: Historiografia da presença portuguesa em África (293): "Atlântico, a viagem dos escravos", texto de Miguel Real, ilustrações de Adriana Molder, fotografia de Noé Sendas; Círculo de Leitores, 2005 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Fevereiro de 2021:

Queridos amigos,
Não se pode esconder que há um claro desequilíbrio no propósito de uma viagem à Rota dos Escravos, e ao papel preponderante desempenhado por Portugal desde o século XV ao século XIX, pôs-se acento tónico no Golfo da Guiné, pode aceitar-se privilegiar São Tomé e não ter havido necessidade de ir a Luanda para dar a imagem de entreposto e lugar de roças com escravos (mais tarde aqui arribarão os trabalhadores cabo-verdianos), foi útil ir ao Benim e visitar S. João Baptista de Ajudá e os seus entrepostos negreiros. 

Visitar Goré sem visitar Cacheu já é um pouco estranho e mais estranho é ir à Ilha de Santiago e não se dar uma só linha do que aqui se passou como ponto culminante da Rota dos Escravos, vinha-se da Senegâmbia e era nestes entrepostos cabo-verdianos que se partia para as Américas ou para Portugal. Porquê esta omissão, nem uma palavra de quem organizou a viagem nem de quem a passou a escrito, o escritor Miguel Real.

Enfim, silêncios que deixam na escuridão a grande linha da Rota dos Escravos.

Um abraço do
Mário



A rota dos escravos, da Senegâmbia ao Golfo da Guiné (2)

Mário Beja Santos

Em setembro de 2004, no âmbito de um ciclo organizado pelo Centro Nacional de Cultura, um grupo partiu para o Atlântico e Costa de África em busca de vestígios da presença portuguesa, o tal ciclo denomina-se “Os Portugueses ao Encontro da Sua História”. 

Visitaram São Tomé, seguiu-se o Gabão, São João Baptista de Ajudá, o Senegal e depois Cabo Verde. Não se dá explicação por não ter feito parte desta rota a fortaleza de Cacheu, teve um papel primordial na transferência de escravos sobretudo para a ilha de Santiago, de onde depois partiam para vários pontos do continente americano e até Portugal. Pode-se especular não ter havido condições, a Guiné-Bissau vivia um período de turbulência, recorde-se o golpe de Estado que apeou Kumba Ialá, seguiu-se uma Junta Militar. O resultado dessa viagem é o livro "Atlântico, A viagem dos escravos", texto de Miguel Real, ilustrações de Adriana Molder, fotografia de Noé Sendas, Círculo de Leitores, 2005.

Os visitantes estão neste momento no Museu de História de Ajudá. A diretora do Forte faz uma incursão pelo passado.

“Nos finais do século XVIII, o Administrador do Forte, Francisco de Fonseca e Aragão, recém-chegado a Ajudá, queixava-se dos costumes dissolutos dos brancos da região e dos mestres-negreiros portugueses (brasileiros), acusando-os de total ausência de prática cristã, nem a missa dominical frequentavam, queixava-se”.

 Nos últimos vinte anos do século XVIII o Forte entrara em total decadência e a sua importância fora substituída pela emergência de Porto Novo e Onim. E assim continuará a ser até que Francisco Félix de Sousa, a partir da segunda década do século XIX, faça reviver Ajudá. E o autor carreia elementos históricos. Desde a sua fundação, S. João Baptista de Ajudá em nada interessa ao Portugal de D. João V, mas sim aos banqueiros baianos e pernambucanos, que duplicavam fortunas investindo no negócio da escravatura.

 Quase ao longo de todo o século XVIII, o enclave de Ajudá depende do vice-rei do Brasil, mas não possui importância. Quem faz sair Ajudá da letargia é Francisco Félix de Sousa que aqui arribou nos primeiros anos do século XIX, vindo de S. Salvador da Baía. Nada se sabe sobre o seu passado, chegou pobre, não mais regressou ao Brasil. Chega e nasce uma lenda. Conta-se que desembarcou sozinho, numa piroga, no embarcadouro de Ajudá, não fora molestado por um bando de negros porque ostentava um anel com uma serpente gravada.

É a partir da história deste anel que se presta algum crédito à tradição que o faz adorador de Dangbé, a píton, vodu africano. Desconhece-se como viveu os seus primeiros anos em Ajudá, terá sido ajudado por um negreiro francês, tomado como feitor ou guarda armado do depósito de escravos. Esse negreiro francês terá levado Francisco Félix de Sousa à presença do rei e este ter-lhe-á permitido entrar no negócio da escravatura. Não se sabe a proveniência dos seus haveres, mas começou a oferecer ao rei e aos régulos e aos caçadores de escravos armas de fogo, pólvora, ferro, panos finos, tabaco de terceira categoria, aguardente e bricabraque. É bem possível que o rei que recebia ofertas gradas deste negreiro não lhe tenha retribuído com a proporção correspondente de escravos, insolvente, o negreiro dirigiu-se à cidade dos palácios reais e apresentou o seu protesto.

 Conta-se a história que o negreiro foi metido na prisão, mas que fez um pacto com o irmão ou sobrinho do rei, este ascendeu ao poder, o negreiro voltou ao seu negócio próspero. Tudo isto é narração lendária, o facto é que ele se tornou no mercador português do reino de Ajudá, é o período dos anos de ouro de Francisco Félix de Sousa que fez uma fabulosa fortuna. E dentro da lenda fala-se das suas riquezas, sempre indumentado à europeia, com casa mobilada à europeia, servia-se à mesa com talheres de ouro e prata, segundo relatos da época.

Prosseguiu a viagem atravessando Ajudá, no centro lá está a praça Chachá, com a casa de Francisco Félix de Sousa que o escritor Bruce Chatwin consagrou no romance O Vice-Rei de Ajudá.

 Francisco Félix de Sousa morreu, dizem uns com 90 outros com 70 anos, os seus negócios já estavam em declínio, a abolição da escravatura afetou-lhe a riqueza. E Miguel Real faz o histórico da família, que não deixa de ser empolgante. Visitaram depois o 17.º rei de Ajudá, assistem a um ritual vodu, para o autor fora o dia mais importante da viagem, a visita ao Benim e ao mundo de Francisco Félix de Sousa e o autor adverte o leitor que lhe está a nascer a ideia para um romance baseado nesta figura espantosa da rota dos escravos. E partem para Dacar, dá-nos um quadro lisonjeiro da chegada: 

“A genuinidade tropical do mercado de São Tomé desapareceu, o abarracamento caótico do mercado da Rua do Benim desapareceu também, os pés nus, descalços, dos jovens africanos desapareceram, o pano-da-costa que enrola o corpo da mulher africana desapareceu, as papaias, os mamões, os ananases, as pencas de bananas desapareceram das ruas, remetidos para os expositores dos supermercados, a parafernália dos trajes garridos africanos desapareceu, substituída pelas camisas brancas, os polos de cores discretas, as calças de fazenda, os jeans ocidentais, o ponto de madeira e zinco onde se talha a melancia e espreme a toranja desapareceu. Dacar é, com exceção dos arredores, a cidade africana mais europeia que visitámos”.

Haverá referências a Benjamim Pinto Bull, que ensinou na Universidade de Dacar e que deixou um relevante trabalho sobre o crioulo da Guiné-Bissau. Viajaram até à ilha de Goré, a três quilómetros da capital, é um ilhéu para sermos mais precisos, de 900 metros de comprimento e 400 de largura. Dali avista-se o Cabo Verde continental. 

“Goré é constituída por uma fortaleza acastelada, construída pelos holandeses no século XVII, um pequeno forte que funcionou como prisão e depósito de escravos. Sustentado na força internacional da França, o Senegal viu aprovado, em 1978, a elevação de Goré a Património Mundial pela UNESCO. Goré, de flagelo humano vivido entre os séculos XVI e XIX, tornou-se atração turística de massas, com excursões contínuas de ricos negros americanos procurando a emoção de pisarem a terra que seus pais históricos pela última vez pisaram quando abandonaram África.

A Casa dos Escravos constituí hoje o centro histórico africano do ilhéu, cujo casario denota uma forte influência muçulmana. Aqui eram depositados os escravos vindos de toda a região da Senegâmbia, esperando partida para as possessões francesas na América”.

E depois o autor discreteia sobre a chegada do escravo à América, são elementos de divulgação bem conhecidos. E de Dacar parte-se para o aeroporto da Praia, é o termo da Rota dos Escravos. É a parte mais dececionante do relato, diga-se em abono da verdade. Falar-se-á pouco de escravatura e muito do Tarrafal, sem prejuízo de boas referências à cultura cabo-verdiana, predomina a descrição do campo de concentração do Tarrafal, visita-se a Cidade Velha e abonam-se elementos sobre a primeira fase de Cabo Verde, em dado momento fala-se na tabanca, uma das festas culturais profano-religiosas mais antigas e singulares de Cabo Verde, escreve-se que tabanca significa aldeia em guineense, o que pode denotar a existência primitiva de sociedades secretas; a tabanca é atualmente uma confraria ou irmandade de socorros mútuos.

 Percorre-se a Cidade Velha ou Ribeira Grande e parte-se para a Ilha do Sal, elogia-se a camaradagem do grupo e nem uma palavra sobre a importância do comércio negreiro desta Senegâmbia onde fomos o principal interventor.

 Durante a fase da luta ideológica do PAIGC pretendeu demonstrar como indiscutível a unidade histórica da Guiné e Cabo Verde, esqueceu-se de dizer que os escravos da Senegâmbia negociados por mercadores e os seus atravessadores vinham desde o Cabo Verde continental até à Serra Leoa e de regiões do interior que excediam o que é hoje a geografia da Guiné-Bissau. Forjou-se o mito de uma miscigenação jamais comprovada. Recordo-me de uma vez Teixeira da Mota me ter dito que era preciso compulsar muito bem os documentos existentes quer no Arquivo Histórico Ultramarino quer em Cabo Verde para se poder com o mínimo de rigor especular sobre as origens dos escravos chegados a Cabo Verde. A questão ideológica arrefeceu, tanto quanto sei está completamente silenciada, mas parece-me um tanto tosco fazer uma viagem desta dimensão, com a chancela do Centro Nacional de Cultura, não se ter ido a Cacheu e não se falar do tráfico de escravos em paragens cabo-verdianas.

E disse, fica feita a recensão de um livro que relata uma viagem à Rota dos Escravos, onde Portugal foi ator e não pode negá-lo.

Fortaleza de S. João Baptista de Ajudá, Benim
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22769: Historiografia da presença portuguesa em África (292): "Atlântico, a viagem dos escravos", texto de Miguel Real, ilustrações de Adriana Molder, fotografia de Noé Sendas; Círculo de Leitores, 2005 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22788: Memória dos lugares (433): Tabatô, a tabanca da utopia, a 10 km, a nordeste de Bafatá - Parte IV


Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bafatá (1955 ) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bafatá, de Dando e  de Tabatô. A distância entre Dando e Tabatô, em linha reta, é de cerca de 4,5 km.   Dando fica na estrada Bafaftá-Gabu. A distância é sensivelmente a mesma: Bafatá-Tabatô (na estrada para Contuboel) e Bafatá-Dando (na estrada para Gabu): cerca de 10 km. O Dando (ou Dandum) é referido pelo grande repórter do "Diário de Lisboa",  Norberto Lopes, na sua viagem à Guiné, na crónica publicada em 27 de fevereiro de 1947 (*). Eis aqui um excerto:

"A caminho do Gabu, a circunscrição do extremo Norte da Colónia, a mais extensa e a menos povoada das nove circunscrições em que se divide a Guiné,passamos na pitoresca tabanca de Dandum, à beira da estrada, onde o régulo  Idriss Alfá Baldé, nos faz as honras da sua morança e nos apresenta, como é da praxe, à sua corte de mulheres e conselheiros. Entre eles, figura o 'judeu' ou 'jalifó', espécie de bobo encarregado de divertir o seu senhor e de lhe exaltar as proezas numa lenga-lenga monótona e interminável, que é as mais das vezes produto da sua fértil imnaginação.

"O velho régulo de Dandum, que gozava de grande prestígio no Gabu, onde  não esqueceu ainda a fama de Monjuro Embalô,o famoso régulo de Coiada, último representante da dinastia gloriosa dos Emablªo-Cunda, morreu em 1944, com 88 anos de idade, caso raro entre os fulas que em geral não  não ultrapassam a médis dos 70!"... (E depois tem dois parágrafos com uma curiosa explicação da "decadência dos fulas", outrora uma tribo viril de pastores e guerreiros, atribuída à deficiente alimentação e ao uso e abuso da npoz de cola pelos jovens e pelos adultos...) (*).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)




A lenda de Alfa Moló: uma das belíssimas ilustração do mestre português José Ruy (Amadora, 1930), um dos maiores ilustradores e autores de banda desenhada. In: "Lendas e contos da Guiné-Bissau / J. Carlos M. Fortunato ; il. Augusto Trigo... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Ajuda Amiga : MIL Movimento Internacional Lusófono : DG Edições, 2017. - 102 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-8661-68-5.  
Com a devida vénia..


1. Dois comentários, de 24 e 25 de novembro de 2021,  de Cherno Baldé ao poste P22471 (**):


[ Cherno Baldé: nosso colaborador permanente, e nosso especialista em questões etno-linguísticas, nasceu no chão fula, e é muçulmano; tem formação universitária tirada na antiga União Soviética e em Portugal; é e um acérrimo crítico dos "demónios étnicos" que estão longe de ter sido esconjurados e expulsos do seu país;  além disso, é  membro da nossa Tabanca Grande desde 16/8/2009; com cerca de 240  referências no nosso blogue, é autor da notável série "Memórias do Chico, menino e moço"]

 

(i) Caros amigos,

Acho que a melodiosa música Afro-Mandinga” tomou conta da cena, de toda a plateia de admiradores,  e embriagou alguns analistas da actualidade da Senegâmbia no geral e da pequena Guiné-Bissau em particular de forma que muitos estão a ver a árvore, ignorando a floresta.

Para compreender as origens e existencia deTabató, deve-se antes de mais compreender a história da localidade de Dandum (Dando) ou melhor da trajectoria do Alfa Molo Baldé, o rei de Firdu ou Fuladu,  cuja historia de vida ja aqui foi evocado varias vezes.

O túmulo de que a antropóloga brasileira [, Carolina Carret Höfs, autora da tese doutoramento " Griots cosmopolitas : mobilidade e performance de artistas mandingas entre Lisboa e Guiné-Bissa", Lisboa, Universidade de Lisboa, 2014] , se refere é precisamente o de Alfa Moló, pai de Mussa Moló, ambos régulos de um dos últimos reinos da Africa Ocidental em substituição do Império de Gabu na segunda metade do séc. XIX.

Os griots (músicos) profissionais mandingas da linhagem dos Djabaté, como era seu hábito ao longo de séculos, teriam vindo da Guiné-Conakri (Kankan) ou convidados, como diz a narrativa, para trabalhar à sombra da nova dinastia Fula,  vencedora da guerra que tinha oposto a coligação das forças muçulmanas contra os animistas Soninqués do império de Gabu (e não fulas contra mandingas, como os portugueses a apelidaram no intuito de tirar proveitos de dividir para reinar).

E, Dandum,  no período entre a queda de Cansala (1867), o desaparecimento fisico de Alfa Moló (1881) e a fuga de Mussa Moló  para a Gâmbia, para tentar escapar da tutela da França (1903), foi o centro e capital de toda a região sul do reino de Fuladu e, como tal atraia todos os tipos de artistas e músicos que viviam à sombra do poder instalado no momento, da mesma forma que o faziam no passado, durante a epopeia mandinga de Gabu do séc. XIII ao séc. XIX.

Era a continuação da tradição que não conhecia fronteiras tribais, não se limitava na simples nomenclatura dos grupos étnicos, o mais importante sempre era: Quem detinha o poder no momento e como era possivel conseguir a sua graça e tutela e que eram merecedores de todos os louvores e a glória dos vencedores.

Foi Dandum que deu origem a Tabatô (se é que não é a mesma localidade?) que, etimologicamente,  significa a sombra do Tabá, uma árvore gigantesca, frondosa e que, provavelmente só existirá nessa região, detentora de uma longa lista de crenças magicas e de mística tradicionais entre os africanos da costa ocidental e que, para os grupos hoje muçulmanos, ocupa o mesmo lugar que os Poilões na tradição dos povos animistas do litoral guineense e não só.

É o facto que explica, o chefe da tabanca, não sendo mandinga nem músico (griot), ser o chefe tradicional da tabanca, pois que é a herança da família ao longo dos anos desde a épica caminhada de Alfa Molo na conquista desse feudo mandinga, pondo a região a ferro e fogo, mesmo nas barbas dos portugueses, acoitados no pequeno presídio de Geba. 

O griot (músico) não é detentor do poder nem da terra e as regras da tradição mandam que, tudo o que os griots fazem carecem da autorizaçao dos donos da terra, no caso os fulas. Todavia a modernidade e a conjuntura sócio-politica e económica, estão a alterar a situação e as próximas gerações viverão num ambiente completamente diferente e, provavelmente mais liberal e de maior responsabilizaçao pessoal e colectiva,  numa comunidade onde já não haverá a distinção étnico-tribal.

No quadro das grandes transformações que sofreu o território que, entretanto, passou para a administração portuguesa, no último quartel do séc. XIX e, diga-se em abono da verdade, graças aos régulos fulas que queriam fugir ao dictat de Mussa Moló, pese o facto de isso nunca ser referido na historiografia portuguesa, preferindo dar os louros ao seu sobrinho, o mestiço Honório P. Barreto. Na verdade, só o sector de Boé é, territorialmente, muito superior à cidade de Cacheu e arredores que, pretensamente ele teria comprado como se fosse comprar terras indígenas nos territórios da antiga Senegâmbia.

Caro Luis Graça, também desconheço os instrumentos designados por Neguelin, Mirantelen e Cutil. Em contrapartida o Dumdumtama é um instrumento Fula, uma espécie de tambor (dumdum) e que se toca dos dois lados com a ponta arredonda de pau curvo, de formato curvo.

As expressões "dimbasumo" e “cambanicafó" sao derivadas do substantivo feminino “Dimba”,  ou seja mulher em idade fértil,  e “Cambani” quer dizer rapazes. Os sufixos “sumo” e “Cafo” quererão dizer grupos de idades, socialmente organizados para certas finalidades julgadas úteis para a comunidade.

Sobre “Jacatu”, o Gouveia (#)  já respondeu e bem, falta acrescentar que é tão amargo como a famosa cola, mas que é considerado um afrodisíaco que as mulheres gostam de oferecer aos esposos, “soit disant” para dar força e carácter masculino. Alguns acreditam e outros não tanto.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé 24 de novembro de 2021  


(ii) Sobre o comentário do Luis Graça (**):

"Sei que Tabatô também tem bolanha, e deve por isso haver cultura do arroz...
Curiosa é esta mistura, não habitual, entre fulas, mandingas e jacancas... Ser "artista" e "agricultor" não deve ser fácil... Mas vê-se, pelas fotos mais recentes, que há moranças com cobertura de colmo, novo!..."

Tenho a dizer que:

(i) A prática da agricultura de subsisténcia é generalizada em todo o território da Guiné. No caso de mandingas e fulas há uma divisao do trabalho que ordena que os homens trabalhem nas terras altas para o cultivo de diferentes tipos de milhos (preto, bacil,  etc.) e de produtos de renda (algodão, amendoim, gergelim,  entre outros) e as mulheres se dedicam ao cultivo do arroz nas terras baixas e alagadas (bolanhas). Mesmo entre os artistas de diferentes profissões as suas mulheres sempre trabalham nos arrozais para suprir as necessidades da família e suas próprias economias pessoais.

(ii) Na zona Leste o normal é, precisamente, a mistura que o Luís considera de "não habitual entre fulas, mandingas e jacancas...". E ao contrário do que afirma a antropóloga brasileira, quase todas as localidades dignas deste nome ainda continuam a ostentar o nome que tinham na época do domínio mandinga, e os exemplos são inumeráveis, porquanto todos os topónimos que não tenham o "Sintcha" ou "Saré", sao topónimos mandingas. 

Alguns exemplos: Bafatá-Contuba-Contuboel (versão fula)-Cambaju-Fajonquito-Canjadude-Paunca-Jabicunda-Farim-Canjambari-Can-sissé-Tabajan-Tabassai-Sonaco-Tubandin-Berecolon-etc...etc. E na maior parte destas localidades, mandingas e fulas e outros grupos mais pequenos coexistem de forma pacífica há séculos. E, sempre que houve problemas no passado recente, os culpados foram ou administradores do então regime colonial ou dos nossos pseudo-políticos da actualidade, na procura de benefícios políticos como acontece um pouco por todos os paises de Africa.

Cordialmente,  Cherno Baldé  25 de novembro de 2021 

(#) Comentário do Fernando Gouveia:

Luís, "jacatu" tem todo o aspeto de um tomate mas o gosto é completamente diferente. Não se come cru como o tomate mas tem que se cozinhar. Quando lá estive em 2010,  comprei-o várias vezes no mercado de Bula para cozinharmos,  eu e o Chico Álen,  no empreendimento, meio abandonado, de Anura, onde estávamos.
Abraço.

Fernando Gouveia
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Notas do editor:


(*) Vd. poste de 22 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22741: Memória dos lugares (431): Tabatô, a tabanca da utopia, a 10 km, a nordeste de Bafatá - Parte II

Vd. também o poste anterior (P22738) e posterior (P22747)

21 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22738: Memória dos lugares (430): Tabatô, a tabanca da utopia, a 10 km, a nordeste de Bafatá - Parte I

24 de novembro de 2021 >
Guiné 61/74 - P22747: Memória dos lugares (432): Tabatô, a tabanca da utopia, a 10 km, a nordeste de Bafatá - Parte III