1. Já aqui falámos, mais do que uma vez, dos "cartazes de propaganda que deixávamos no mato, nas clareiras, nos trilhos, nas bolanhas, nas regiões fora do nosso controlo, na esperança de que os guerrileiros do PAIGC, as suas milícias e a sua população se entregassem em massa às nossas autoridades, administrativas e militares" (*).
Pessoalmente, "nunca cheguei a observar os efeitos práticos e objectivos deste tipo de propaganda. Os 'homens do mato' que conheci foram os que fizemos prisioneiros; a população do mato (mulheres, velhos e crianças) que recuperámos, foi a que arrancámos, à força, das zonas controladas pela guerrilha".
O A. Marques Lopes, logo no início do nosso blogue (Poste P81) (*), mandou-nos uma coleção de cartazes, ou melhor, de postais, que voltamos a publicar mas desta vez com melhor qualidade de inagem: a coleção foi-nos dada, para publicação no blogue, pelo Joaquim Nunes Sequeira, mais conhecido na Tabanca da Linha pela alcunha "O Sintra". Ex-1º cabo carpinteiro, BENG 447, Bissau, 1965/67, é um camarada sempre sorridente, afável, voluntarioso, que exerce (ou exercia antes da pandemia, em 2019) as funções de vogal da direção e porta-estandarte do Núcleo de Sintra da Liga dos Combatentes.
O Marques Lopes respondeu-me, na altura, que "esses folhetos que enviei tínhamo-los quer em Geba quer em Barro, portanto em 1967 e 1968, para espalhar pelas matas. Nenhum deles tem indicação de autor ou de origem, mas é certo que apareciam em pacotes vindos do Comando Chefe de Bissau".
2. Julgo que também me passaram pelas mãos alguns desses cartazes, mas não fiquei com nenhum. Alguns foram deixados atabalhiadamente no terreno, depois de uma violenta embioscada dos "homens do mato". Não tive a preocupaçao de guardar nenhum documento desse tipo, de um lado ou do outro. Na altura o que eu queria mesmo era esquecer a Guiné... para sempre.
A numeração é da minha única responsabilidade: tem a ver a lógica da sua sequência para efeitos de leitura.
O segundo postal mostra um grupo de guerrilheiros, no mato, feridos e/ou desmoralizados (vd. i,magem no topo deste poste). Os combatentes do PAIGC nunca são tratados como tal, mas simplesmente como "homens do mato" (leia-se: bandidos, indivíduos que estão fora da lei e da ordem). Aliás, no nosso tempo, "ir no mato" era, no falar das gentes da Guiné, juntar-se à guerrilha, fugir das zonas sob administração portuguesa. Portugal, de resto, nunca reconheceu o PAIGC como inimigo, no sentido militar e legal do termo, nem a luta contra o "terrorismo" (ou a "subversão) como uma situação de guerra, face à Convenção de Genebra. (Postal nº 2)
O título do cartaz é : "No mato, há doença, fome e morte", A legenda, por sua vez, diz o seguinte: "O Chefe do Grupo do mato julga que vai morrer. Foi gravemente ferido"
No Postal nº 3 vemos o mesmo grupo de "homens do mato" a entregar-se às autoridades militares portuguesas da zona. Depois do Chefe do mato ter ido falar com o "homem grande da tabanca" (que veste à maneira fula, o que está longe de ser inocente, já que os fulas eram os nossos grandes aliados).
No Postal nº 4 vemos os "homens do mato, arrependidos" serem bem tratados pelas autoridades portuguesas: (i) são tratados pelos enfermeiros da tropa, (ii) bebem cerveja com soldados africanos; (iii) recebem alimentos (pão) da tropa.
No Postal nº 5 vemos uma tabanca, sob a bandeira portugesa (e, parece-me, ao canto superior direito, descortinar uma inverosímil antena de televisão ou takvez antes de rádio. Legenda: "A família e os amigos abraçam a gente do mato que estava enganada e não vivia na tabanca há muito tempo". a
Por fim, "a tropa e os civis ajudam aqueles que se apresentam a reconstruir a sua tabanca" (clara referência aos famosos "reordenamentos" (o equivalente às "aldeias estratégicas" na Argélia e no Vietname) que, no tempo do Spínola, tiveram um grande incremento (Postalnº 6).
O postal seguinte tem uma lógica implacável, a da deserção e da rendiçao: "Apresenta-te à tropa, levanta os braços"... Mostra dois "homens do mato", de braços levantados, segurando a sua espingarda semi-automática (Simonov ?) por cima da cabeça (Postal nº 8)... O último postal é o da bandeira verde-rubra, que se repete nas costas dos postais anteriores.
3. Veja-se o que diz o Centro de Documentação 25 de Abril sobre a propaganda, usada durante a guerra colonial, por um lado e outro:
(...) "A acção psicológica destina-se a influenciar as atitudes e o comportamento dos indivíduos. Na guerra subversiva é utilizada para obter o apoio da população, desmoralizar e captar o inimigo e fortalecer o moral das próprias forças, assumindo três aspectos diferentes, embora intimamente relacionados: acção psicológica, acção social, acção de presença.
"Quer as forças portuguesas, quer os movimentos de libertação, usaram intensamente a acção psicológica como arma, integrando-a na panóplia de meios disponíveis para a conquista dos seus objectivos, dentro da ideia que as palavras são os canhões do séc. XX e que, como se ensinava aos futuros chefes da guerrilha na escola de estado-maior da China, na guerra revolucionária deve atacar-se com 70 por cento de propaganda e 30 por cento de esforço militar.
"A acção psicológica exercida sobre a população, o inimigo e as próprias forças foi conduzida através da propaganda, da contrapropaganda e da informação, de acordo com as finalidades de cada uma destas áreas: a primeira, pretendendo impor à opinião pública certas ideias e doutrinas; a segunda, tendo como finalidade neutralizar a propaganda adversa; por último, a informação, fornecendo bases para alicerçar opiniões. Mas, para serem eficazes, os meios de condicionamento psicológico necessitam de encontrar ambiente favorável.
"Quanto às populações, procurou-se criar esse ambiente propício com a acção social, que visava a elevação do seu nível de vida, para as cativar, conquistando-lhes os corações e originando condições mais receptivas à acção psicológica. Esta acção foi desenvolvida sob a forma de assistência sanitária, religiosa, educativa e económica.
"Relativamente ao adversário, a acção psicológica das forças portuguesas era isolar os guerrilheiros das populações, desmoralizá-los e conduzi-los ao descrédito quer na acção, quer na dos seus chefes. Para o efeito utilizaram-se panfletos e cartazes lançados de aviões ou colocados nos trilhos de acesso e nas povoações, emissões de rádio, propaganda sonora directamente a partir de meios aéreos, apelando à sua rendição e entrega às forças militares ou administrativas, garantindo-lhes e explicando-lhes que a participação na guerrilha constituía um logro". (...) (Negritos nossos)