quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23594: Historiografia da presença portuguesa em África (332): Região de Tombali, "chão balanta"? [Cherno Baldé, n. circa 1960 / Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014)]


Distribuição das povoações do Cantanhez, segundo J. P. Garcia de Carvalho (1949) (Desenho de A. Teixeira da Mota) (*)


I. Os militares portugueses que estiveram na Guiné, no período da guerra colonial / guerra do ultramar (1961 / 74), a começar pelos oficiais (quer do QP quer milicianos),  tinham muito poucos conhecimentos etnográficos e historiográficos sobre o território (a não ser alguns estudiosos como o oficial da Marinha, A. Teixeira da Mota e, claro, os agentes da administração colonial... e os missionários). 

Não admira, por isso, que haja por vezes, nos nossos escritos, informações erróneas ou menos precisas como, por exemplo, dizer que a região de Tombali é (ou era, naquele tempo)  "chão balanta". (**)

(...) "A população de Bedanda é hoje predominantemente fula, quando a região foi sempre,
ao longo dos anos, chão balanta.(...) (In:"Panteras à Solta", de Manuel Andrezo, ed. autor, s/l, 2010, pág. 76)

É verdade que os balantas, nos anos 60, estavam em maioria, demograficammete falando e constituíam, só por si, o grosso da guerrilha.  Mas a sua presença na região não tinha mais do que 40 e tal anos... Vários grupos étnicos foram passando por aqui ao longo dos séculos, a começar pelos nalus... 

A este respeito, vamos reproduzir dois pontos de vista, guineenses, o do Cherno Baldé (assessor do nosso blogue para as questões etno-linguísticas) e o do nosso saudoso amigo engº agrónomo Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014), cofundador e líder histórico da ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau.


(i) Cherno Baldé (n. circa 1960, em Fajonquito, economista, vivendo em Bissau), comentário ao poste P23590 (**):

(...) Alguns esclarecimentos que se impõem sobre a situação da área de Bedanda, conforme descrita no presente Poste:

1. (...) "Sabe-se que populações balantas emigraram, nos anos 20/30, para a região de Tombali e ali desenvolveram a cultura do arroz. No sul, os balantas (mas também biafadas, mandingas, nalus, sossos...) são aliciados pelo PAIGC. A economia da região fica totalmente desarticulada. Bedanda, em pleno chão balanta, é agora ocupada maioritariamente por fulas fugidos do Cantanhez e doutras partes."

Efectivamente, como descrito no incio deste parágrafo, os Balantas no sul não estão no seu práprio "chao", são imigrantes que vieram do Norte onde está situado o seu chão, mais ou menos na região situado entre os rios Geba e Cacheu ou Farim. 

Bedanda, assim como toda a Peninsula de Cubucaré (maior parte da região de Tombali, que vai de Guileje até Cabedu na foz do rio Cumbijã), é chão Nalu, mas que estava sob domínio Fula desde a segunda metade do Século XIX. 

Por isso os régulos assim como os Chefes de Tabancas são da etnia Fula sem surpresas porque estão em terras conquistadas a ferro e fogo quando a presença portuguesa na zona se limitava a alguns presidios e feitoras, nomeadamente Bolama e, mais tarde, Buba, para contrariar ao avanço do exército do estado fula de Futa-Djalon. 

Foram os portugueses que promoveram e encorajaram o regresso de Nalus e Biafadas às suas terras de origem donde tinham sido expulsos pelos novos conquistadores vindos das montanhas de Boé e de Futa-Djalon, estando praticamente acantonados em algumas ilhas e zonas de tarrafo nos rios e na costa maritima. E, ironia do destino, serão estes (Biafadas e Nalus) os primeiros a se levantar contra a presença militar portuguesa no ataque ao quartel de Tite em 23 de janeiro de 1963.

2. (...) "O capitão não aceitava que a população sob o controlo das suas tropas vivesse pior do que a população controlada pelos guerrilheiros. Do lado deles não havia falta de arroz, mancarra, mandioca e óleo. Do lado da tropa tinham apenas cana, tabaco e panos que os comerciantes traziam de Bissau, e o arroz que compravam às mulheres dos guerrilheiros." (...)

Evidentemente que sim, era o estado normal das coisas antes do eclodir da guerra em 1963. Para aquelas populações, o mais importante era a sua subsistência social e económica dentro dos limites e condições materiais que lhes permitiam sobreviver e não a guerra, num circuito comercial multissecular de trabalho e de troca de produtos que consideravam normalissimo, não fora as alterações repentinas, surgidas do conflito em presença e da vinda, cada vez mais numerosa de forças expedicionarias destinadas a impulsionar a contraguerrilha. 

E, na opinião de muitos analistas, teria sido esta a fase em que, de facto, os portugueses perderam a guerra, ao perderem a possibilidade do controlo da população, designadamente Balanta que, incompreendidos e maltratados acabaram por vacilar para o lado dos "terroristas" com os quais, à partida, não partilhavam os seus ideais politícos e nem tinham quase nada em comum, sendo a maioria de origem urbana e pertencentes a outras etnias do país e dos países vizinhos.

Estes relatos e bravatas de "heróis de Ponta Cabral" são muito tipicos dos primeiros anos do conflito quando a guerra ainda parecia quase "uma brincadeira de mau gosto de um punhado de pretinhos do Ultramar". (...)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Iemberem > Simpósio Internacional de Guileje  (1-7 de março de 2008)> Visita ao sul > Dois homens grandes da Guiné, o Engº Agrónomo Carlos Schwarz (Pepito, para os amigos), fundador e director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, e o Aladje Salifo Camará, régulo de Cadique Nalu e Lautchandé, antigo Combatente da Liberdade da Pátria, o rei dos nalus, na altura com 87 anos e entretanto já falecido em 21 de janeiro de 2011, em Cadique, capital do seu reino. O rei dos nalus considerava o Pepito como "filho adoptivo". (***)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservad
os. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


(ii) Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (Bissau, 1949 - Lisboa, 2014), engº agrónomo, cofundador e director da AD - Acção para o Desenvolvimento. Excertos do poste P3070 (**)

(...) O reduzido número de fontes escritas torna muito difícil conhecer com detalhe a história do povoamento humano de toda a zona de Cantanhez. (...)

Recorremos a alguns documentos a que tivemos acesso (...). Na ausência de outras fontes, recorremos a entrevistas aos mais velhos, Homens Grandes, portadores e transmissores da História oral de geração em geração (...).

(...) Parece (...) indiscutível que os Nalus eram o povo que habitava esta zona, em especial os sectores de Cubucaré e Quitafine, e em alguns pontos isolados do Cubisseco, quando aportaram os primeiros portugueses a esta costa de África.

(...) Com a Convenção Franco-Portuguesa de 1886, procede-se a uma nova delimitação das possessões  do rei dos  Nalus: a França cedia a Portugal a zona de Cacine por troca com a Casamança.(...)

(...) Por volta de 1860 dá-se a invasão Fula que vêm de Boké na Guiné-Conakry e do Boé no Futa Djalon que apertam os Nalus contra o mar e os obrigam a refugiarem-se nas ilhas de Melo e de Como, certos da dificuldade dos Fulas em se confrontarem com a água.

De forma inesperadamente rápida os Nalus começam voluntariamente a converter-se ao islamismo e consequentemente a abandonarem a escultura, muito semelhante à dos Bagas da Guiné-Conakry, de rara beleza e simbologia.

Trinta anos depois (1890) dá-se a chegada dos Sossos, vindos de Boffa na actual Guiné-Conakry, os quais se aliam aos Nalus para se oporem ao expansionismo Fula.

É por volta de 1896 que grande parte dos Nalus que habitavam as ilhas passam ao continente e, chefiados por Cube, antigo escravo e depois batulai do régulo Fula do Forreá, fundam inicialmente a tabanca de Cabedú e sucessivamente as de Calaque, Cafal, Cauntchinque e por último, em 1926, Cadique.

Mais recentemente, por volta dos anos 1920, verifica-se a chegada massiva dos Balantas, vindos da zona de Mansoa, os quais, numa fase inicial, não são recebidos muito cordialmente pelos Nalus.

Segundo Garcia de Carvalho, na altura Chefe de Posto Administrativo de Bedanda, em 1946, os Nalús, em número de 910 almas estavam repartidos por três territórios englobando 19 tabancas:
  • Regulado de Guiledje: tabanca de Cafunaque (8 pessoas)
  • Território de Cantanhez: tabancas de Catomboi (5), Camecote (15), Camarempo (15), Sogoboli (25), Catchmaba Nalú (30) e Caiquene (25)
  • Território de Cabedu: tabancas de Cafine (60), Calaque (50), Cafal (100), Fonte Iamusa (20), Cai (10), Cassintcha (40), Catombakri (40), Cabedú (200), Catesse (50), Catifine (50), Cabante (20) e Ilhéu de Melo (40).

Por outro lado, Artur Agusto Silva, recorrendo ao Censo de 1960 que apresenta números credores de confiança, assinala a existência em toda a zona, e não exclusivamente na antiga Bedanda, 3009 Nalus.

Com o início da luta de libertação nacional desencadeada em 1963, os Nalús acabam por aderir na sua quase totalidade ao movimento pela independência da Guiné-Bissau, vivendo e sendo protagonistas exemplares na construção das primeiras zonas libertadas, em Cantanhez. (...)

Em 1946 havia 1295 Futa-Fulas em todo o sector de Cubucaré, o que representava 0 segundo grupo com maior número de habitantes. (...) 

Nos anos 1920, os Balantas, fruto dos massacres perpetrados em Nhacra e Mansoa por Teixeira Pinto, na chamada guerra de pacificação, e pelos trabalhos forçados a que eram sujeitos na construção de estradas, decidem imigrar para o sul, primeiramente para o Cubisseco e depois para Tombali.

Inicialmente o seu relacionamento não foi bom com os Nalus que não os receberam bem. Mais tarde a situação modificou-se, tendo estes aprendido as técnicas de orizicultura de bolanha salgada e passado a praticá-las. Instalaram-se nas zonas ribeirinhas, ao longo do rio Cumbijã, praticando um sistema de produção de bolanha, em que o arroz de bolanha salgada era o elemento quase exclusivo do sistema. 

Rapidamente passaram a ser a etnia mais numerosa, tendo sido registados 7165 habitantes em 1946, em 29 tabancas do sector de Cubucaré.

(...) Chefiados por Lourenço Davy, um número muito reduzido de Sossos terão chegado a Cantanhez vindos de Boké, por volta de 1891, criando a tabanca de Camecote, muito perto da de Iemberém.

Especialmente ligados ao comércio, impõem a sua língua como o crioulo de Cantanhez. Embora em 1946 apenas com 490 habitantes concentrados em 4 tabancas, acabam por determinar que a língua sossa seja falada por todas as outras etnias como instrumento financeiro de comercialização dos produtos. (...)

Se, nos primeiros 15 anos do pós-independência (1973), a situação das migrações para a região de Cantanhez não sofreu mudanças significativas, já nos últimos 15 anos se vem registando uma tendência para um acentuado crescimento demográfico. (...) (****)

[ Selecção / revisão / fixação de texto/ negritos: LG ]
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Notas do editor:



terça-feira, 6 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23593: (In)citações (218): Reflexão (muito básica) (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

© ADÃO CRUZ


REFLEXÃO (muito básica)

adão cruz

Há dias, num café perto de minha casa, uma mulher entrou e perguntou quanto custava um rissol. Um euro, responderam do balcão. A mulher encolheu os ombros e ia a sair, quando eu disse que lhe pagava o rissol e uma bebida. Agradeceu muito, comeu o rissol e tomou um café.

Lembrei-me então do que se havia passado numa pequena tasca do Porto, que já não existe, onde se comiam as melhores papas de sarrabulho. Deliciava-me eu com uma tigelinha das ditas, quando um dos dois homens que estavam de pé ao fundo do balcão, bebericando cada um o seu copito de vinho tinto, ao ver as minhas papas fumegantes, perguntou ao dono do restaurante quanto custava uma malga de papas. Dois euros, respondeu o patrão. Tinham ar de pobres e sem cheta e por isso ficaram-se pela pergunta. Claro que eu tinha todo o gosto em pagar-lhes a malga de papas. Ainda esbocei um gesto, mas contive-me. Tive receio de que se sentissem humilhados perante as outras pessoas. Fiquei triste e arrependido de não lhes ter oferecido a porra das papas.

No fim da refeição, na pausa do café, peguei no jornal, e logo numa das primeiras páginas deparei com o anúncio de que estava para sair a nova bomba da Mercedes, que custava à volta de duzentos mil euros. Parei um pouco, retirei os olhos do jornal, espetei-os na porta da retrete ao fundo da sala e perguntei a mim mesmo que merda de mundo é este. E concluí que, sendo o Homem uma estrutura tão complexa e interessante, foi muito mal acabado. Eu sou um amante das Neurociências e quanto mais leio mais deslumbrado fico com as maravilhas do nosso cérebro. Mas, na prática, confesso sentir que toda a engrenagem está desconjuntada e enferrujada. Na verdade, tudo no homem deveria funcionar de maneira a que a nossa vida nunca rompesse a órbita do equilíbrio. Assim como é impossível que a chuva seja de sangue, como é impossível que o sangue seja de água, como é impossível expirar para dentro e inspirar para fora, deveria ser impossível haver quem tenha um carro de duzentos mil euros e quem não tenha dois euros para comer umas papas de sarrabulho.

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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23576: (In)citações (217): Reflexão (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

Guiné 61/74 - P23592: Notas de leitura (1490): Damião de Góis (Alenquer, 1502- Alenquer, 1574): um humanista europeu... Curiosamente, entre os seus ensaios, encontra-se um estudo sobre o povo Lapão (Samiska Folket) e o seu modo de vida.(José Belo, Suécia)

1. Mensagem do nosso amigo e camarada José Belo, um dos milhões de portugueses da diáspora para quem a casa portuguesa foi pequena:

Data - segunda, 15/08/2022, 12:36
 Assunto . Ainda Damião de Góis

Caro Luís

Julgo ter-se obtido algum debate entre Camaradas quanto aos últimos textos.

Vou enviar-te um texto mais completo sobre a muito interessante figura a nível europeu que foi Damião de Góis.

Como todos os grandes e reconhecidos pensadores portugueses da época teve um triste fim às mãos da Santa Inquisição.

Como inesperada curiosidade para mim  encontra-se entre as obras de Damiao de Góis um ensaio dedicado ao estudo do povo Lapão e à vida na Lapónia.

Verdadeiramente... ”as malhas que o Império tece”.

Dentro de uma semana regresso para os States onde conto mais uma vez “perder-me” em viagem de automóvel nas estradas rurais do Deep South americano, Louisiana e Mississippi, onde se acaba sempre por redescobrir todo um passado que muitos julgam há muito terminado.

Será um longa e saudável pausa nas... ”com-pura-vens”!

Um abraço, 
JBelo
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[Imagem  acima: Retrato de Damião de Góis (1502-1574). Fonte: Wikimedia Commons (com a devida vénia... Imagem do domínio público).

(...) "Retrato de Damião de Góis, óleo sobre tábua, talvez da autoria de Jan Gossaert (1478-1532) ou outro autor flamengo desconhecido, baseado numa gravura de Philips Galle de 1587 que, por sua vez, toma inspiração de um desenho de Albrecht Dürer realizado entre 1520 e 1521. Localização desconhecida." (...)  
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2. Notas de leitura: Damião de Góis (1502-1574): um humanista europeu (**)
 
por José Belo


Um português que foi figura de referência do Humanismo europeu. Dotado de profundo espírito crítico e de um conhecimento verdadeiramente enciclopédico. Nasceu (em 1502) e morreu (em 1574) em Alenquer 
[onde há o Museu Damião de Góis e das Vítimas da Inquisição: vd. aqui o vídeo, disponível no You Tube,  Damião de Góis na História de Alenquer e Portugal)].

De nascimento nobre, passou dez anos da sua juventude na corte de D. Manuel I. Em 1523 foi nomeado Secretário da Casa de Comércio de Portugal em Antuérpia. Posteriormente foi encarregado de importantes missões diplomáticas e comerciais através da Europa. (1528-1531).

Em 1533 abandonou todas as funções governamentais para se dedicar exclusivamente aos seus estudos humanistas. Época em que criou fortes contactos com Martinho Lutero.

Criou também grande amizade pessoal com Desidério Erasmo que muito o veio a influenciar.

Estudou em Pádua entre 1534-1538, mudando-se depois para Lovaina por um período de seis anos

Foi feito prisioneiro aquando da invasão francesa dos Países-Baixos, mas libertado após intervenção do Rei D.João III que o chamou a Portugal.

Em 1548 foi nomeado Responsável Mor da Torre do Tombo. Dez anos mais tarde, por escolha do Cardeal D. Henrique, escreveu a crónica do Rei D. Manuel I, que termina em 1571.

Este trabalho “histórico-independente” desagradou a algumas das famílias nobres importantes que de imediato procuraram encontrar razões que o incriminassem perante a Santa Inquisição.

Os contactos com Lutero e Erasmo, a forte e sentida crítica, por escrito, ao massacre dos Cristãos Novos efectuado em Lisboa no ano de 1506 , foram aproveitados nestas incriminações.

O Cardeal D. Henrique, nas suas funções de Grande Inquisitor, critica Damião de Góis e proíbe todas as suas publicações em Portugal.

A Ordem dos Jesuítas usa a importante figura de Simão Rodrigues na acusação directa de luteranismo nas ideias de Damião de Góis.

O somatório de todas estas acusações resultou na prisão do escritor, sendo este sujeito a uma série de interrogatórios que duraram quase dois anos.

Enviado para o Mosteiro da Batalha, é posteriormente libertado para vir a morrer na sua terra natal (Alenquer) em circunstâncias rodeadas de mistério.

Damião de Góis compôs algumas obras musicais de qualidade. Possuía também importante coleção de pinturas da época.

Curiosamente, entre os ensaios de Damião de Góis encontra-se um estudo sobre o povo Lapão (Samiska Folket) e o seu modo de vida.

Tenho que admitir ter este lusitano, com mais de quarenta anos de vivências na Lapónia sueca, lido este estudo como uma verdadeira mensagem vinda… do outro lado do tempo!

As estranhas “malhas que o Império tece”!

Um abraço do JBelo


 José Belo, jurista, o nosso camarada luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande:

(i) tem repartido a sua vida agora entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e os EUA (Key West, Florida); 

(ii) foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, recusando-se a jubilar-se do cargo: afinal todos os anos pela primavera, corre o boato de que a Tabanca da Lapónia morre para logo a seguir ressuscitar, como a Fénix Renascida; 

(iii) na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); 

(iv) é cap inf ref (mas poderia e deveria ser coronel, se ele tivesse tratado da papelada a tempo) do exército português; 

(v) durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; tem escrito, utimamente, no blogue, sobre portugueses ilustres espalhados pelo mundo (e alguns esquecidos ou menos bem lembrados em Portugal);

(vi) tem cerca de 230 referências no nosso blogue.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23512: Notas de leitura (1473): Eduardo Lourenço (1923-2020): afinal, quem são os portugueses, e o que significa ser português? (José Belo, Suécia)

(**) Último poste da série > 5 de setembro de  2022 > Guiné 61/74 - P23590: Notas de leitura (1489): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VII: A incrível história do soldado 25, cabo-verdiano, aliciado pela amante, uma "mulher do mato" de Cobumba, para cometer um acto de alta traição: tomar o quartel e matar todos os tugas...

Guiné 61/74 - P23591: Direito à indignação (14): Não se pode criticar um livro sem o ler, ou lendo apenas a sinopse feita pela editora: estou chocado por alguns dos comentários ao nosso trabalho, meu e do José Matos, "Santuary Lost, vol I, 2022 (Matt Hurley, cor ref Força Aérea Norte-Americana, historiador militar)

1. M
ensagem do norte-americano Matt Hurley, autor com o português José Matos, ambos membros da nossa Tabanca Grande, do livro "Sanctuary Lost: Portugal's Air War for Guinea 1961-1974". Volume I: Outbreak and Escalation (1961-1966), Helion & Co, UK, 28 de julho de 2022 (*)

Date - August 30, 2022, 10:27
Suject - "Guinea 61/74 - P23479: Cultural (*) Agenda (816)"

Prof. Graca,

Regarding comments to the subject post by my co-author Jose Matos, please understand I do NOT appreciate being labelled a "liar" or being accused of perpetuating a "hoax." 

 I consider that an insult to my military service and the 15 years I've devoted to researching this subject. If some of your readers prefer to pass judgement based only on a publisher's blurb, that is their shortcoming and their business - but I am personally and deeply affronted nonetheless.

Col (USAF, Ret.) Matt Hurley, PhD


Tradução: 

Data - 30/8/2022, 10h27
Assunto - Guiné 61/74 - P23479: Cultural Agenda (816) (*)

Prof Graça:

Em relação aos comentários ao poste do meu coautor José Matos (*), por favor, entenda que eu NÃO gosto nada de ser rotulado de "mentiroso" ou ser acusado de perpetuar uma "farsa". Considero isso um insulto *a minha  carreira militar e aos 15 anos que dediquei a fazer investiagação sobre  o assunto. 

Se alguns de seus leitores preferem julgar com base apenas na sinopse de uma editora, isso é com eles - mas eu fiquei pessoal e profundamente ofendido.

Cor (Força Aérea Norte-Americana, Ref,  Matt Hurley, doutor em história militar

2. Mensagem do editor LG para o José Matos e o Mat Hurley:

Zé: Para teu conhecimento. Vou publicar no blogue, nesta série ("Direito à indignação") (**) a mensagem do Matt. Ele tem todo o direito de defender a sua honra e sobretudo a integridade do seu/vosso trabalho. Infelizmente  há comentadores que  fervem em pouca água... O Matt tem toda a razão neste ponto:  não se pode, para se ser intelectualmente honesto, criticar um livro só pela leitura da badana ou da sinopse da editora...

Os nossos comentários são abertos e os editores evitam fazer censura, a menos que haja flagrante violação dos nossos princípios editoriais... Temos, nestes anos todos de existência (desde 2004) cerca de 100 mil comentários (sem SPAM). E escassas dezenas de comentários eliminados, "à posteriori", por violação das nossas regras editoriais.

Continuamos a contar com a vossa colaboração.

3. Resposta do José Matos,de 31/8/2022, 00h57:

Olá, Luís

Ele ficou melindrado, mas já lhe disse que ele não pode ligar a isso. O Mário Beja Santos vai fazer uma crítica do livro e penso que será muito positiva... Mas o Matt não pode ligar a esses comentários, é gente que não sabe o que diz... porque nem sequer leu o livro.

Ab, Zé
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de agotso de  2022 > Guiné 61/74 - P23479: Agenda cultural (816): Acaba de sair o livro de Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, "Sanctuary Lost: Portugal's Air War for Guinea 1961-1974". Volume I: Outbreak and Escalation (1961-1966), Helion & Co, UK, 28 de julho de 2022

(**) Último poste da série > 12 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15355: Direito à indignação (13): "Estou a escrever este texto atabalhoado e a sentir raiva pela forma manipuladora da síntese das baixas do meu batalhão" (António Duarte, ex- fur mil, CART 3493 / BART 3873, e CCAÇ 12, 1971/74)

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23590: Notas de leitura (1489): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VII: A incrível história do soldado 25, cabo-verdiano, aliciado pela amante, uma "mulher do mato" de Cobumba, para cometer um acto de alta traição: tomar o quartel e matar todos os tugas...



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 4ª CCAÇ (1965/67) > s/d > "Mulheres do mato. Ao centro está o alferes Oliveira." 

Fonte: Manuel Andrezo . "Panteras à Solta", edição de autor, s/l, 2010, pág. 398 (Com a devida vénia...).



O gen Arnaldo Schulz em visita à 4ª CCAÇ em Bedanfa, s/d (c. 1964/67). Foto do Arquivo Histórico Militar, reproduzida por CECA (2014), p. 257.


Fonte: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª Edição; Lisboa (2014), pág. 257
.


1. Continuação da leitura do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010], 399 pp. il, disponível em formato pdf, na Bibilioteca Digital do Exército). [ Manuel Andrezo é o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/jul 67] (*)

No livro "Panteras à solta" (que cobre o período que vai de julho de 1965 a julho de 1967, em que o cap inf Aurélio Manuel Trindade esteve à frente da 4ª CCAÇ e depois CCAÇ 6, em Bedanda),  há várias referências ao "comandante militar" e/ou "brigadeiro comandante militar" sem nunca o autor o nomear.  Também não há qualquer referência ao com-chefe e governador da Guiné, desse tempo, o brigadeiro e depois general Arnaldo Schulz...

Rcorde-se que desde o início da guerra,  era comandante-chefe o coronel tirocinado do CEM, Fernando Louro de Sousa (nomedo em 19mar63). Irá exercer as funções cumulativamente com as de comandante Militar, tendo substituído no cargo o coronel do CEM João Augusto da Silva Bessa. Promovido a brigadeiro (em 9jul63),  terminaria a comissão em 20mai64, altura em que  seria  substituído,no dia seguinte, pelo brigadeiro Arnaldo Schultz, que por sua vez acumularia as funções com as de governador da província. Promovido a general em 20abr65, Schulz cessaria funções em 23maio968. A partir de 7set66, há um novo comandante militar, o brigadeiro António M. Malheiro Reymão Nogueira.  Para os leigos, nem sempre é clara a distinção entre comandante militar e comandante-chefe...
 
Uma das preocupações iniciais do cap inf Cristo ("alter ego" do autor), quando chega a Bedanda,em rendição individual, em julho de 1965, para comandar a herogénea 4ª CCAÇ, é o reforço da coesão,  do espírito de corpo, da disciplina e da lealdade dos seus homens. 

Tanto Bissau como o comando de sector,  o S3, em Catió (onde estava sediado o BCAÇ 619, 1964/66, rendido depois pelo BCAÇ 1858) tinha  reservas em relação a esta companhia de guarnição normal, por alguns incidentes de natureza disciplinar. Era considerada uma boa companhia, do ponto de vista operacional, mas com altos e baixos, e a passar em meados de 1965 por um "mau momento"... 

Havia, ao que parece, por parte de Bissau (onde na época o governador geral e com-chefe já era o gen Arnaldo Schulz que nunca é mencionado no livro) um preconceito, fundamentalmente racista, em relação aos "caçadores nativos" (e em especial aos "cabo-verdianos"). A perceção de que os principais dirigentes do PAIGC eram cabo-verdianos ou de origem cabo-verdiana (a começar pelos irmãos Cabral) pode ter alimentado e agravado a desconfiança em relação os militares das NT, cabo-verdianos ou de origem cabo-verdiana.

Aiás, só tarde, e devido à persistência do cap Cristo, os "soldados nativos" passaram a ter a novíssima G3 em lugar da velhinha Mauser, da II Guerra Mundial... E combatiam um inimigo dotado de armamento superior (a começar pelas armas automáticas, como a Kalash). Diz o tenente-coronel que vem de Bissau, mandado pelo "brigadeiro omandante militar":

(...) "Você tem que compreender que comanda uma companhia de negros em quem não confiamos totalmente. Já houve aqui uma tentativa de revolta e ninguém nos diz que não possa haver outra, e era muito aborrecido se eles fugissem para o mato com as G3. (...) (pág. 124).

A situação deveria ser semelhante nas outras duas companhias de "caçadores nativos", de guarnição normal: a 1ª CCAÇ, que estava em Farim (e que deu origem à CCAÇ 3); e a 3ª CCAÇ (que estava em Nova Lamego) e que deu origem à CCAÇ 5.  O nosso colaborador permanente José Martins, ex-fur mil trms dos "Gatos Pretos" (CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70) recorda-se que que na sua secção, no seu tempo,  havia 6 mausers e 6 G3...
 
2. Por volta de finais de 1964 ou princípios de 1965, tinha havido, na 4ª CCAÇ, um incidente grave que poderia ter  tido consequências trágicas,  Recorremos a alguns excertos do livro que estamos a ler, "Panteras à Solta":

(...) "─ Eu também queria dizer algo meu capitão ─ disse o 1º Sargento. ─ Há alguns meses atrás, antes de eu vir para a companhia, houve qualquer coisa com alguns soldados negros, principalmente cabo-verdianos, que fez com fossem conduzidos ao Comando do Batalhão, em Catió, onde ficaram detidos. São soldados da companhia que ainda lá permanecem presos. Não sei o que se passou mas a companhia tem necessidade de resolver este assunto. (...) (pp- 31/32)

(..) ─ Obrigado ─ disse o capitão. ─ Algum dos senhores sabe alguma coisa mais que me queira dizer sobre os soldados da companhia presos em Catió?
─ Eu, meu capitão ─ disse o Alferes Ribeiro. ─ Eu já estava na companhia quando
isso aconteceu. Não falei antes porque julguei que em Bissau, quando por lá passou, o nosso capitão Xáxa ou alguém lhe tivesse falado nisso. 

O alferes Ribeiro descreveu, então, os antecedentes da situação.  Um dia, ao cair da noite, estavam para sair para uma operação e dispunham de um prisioneiro, capturado na operação anterior que ia servir de guia. Aconteceu que o alferes Cordeiro encontrou o prisioneiro, fora da prisão, a sair calmamente do quartel. Prendeu-o novamente e interrogou-o para saber como tinha conseguido sair da prisão, tanto mais que havia um soldado a guardá-lo à vista. 

Inicialmente o prisioneiro não queria falar mas com a habilidade do alferes Cordeiro ele acabou por confessar que tinha sido solto pelo soldado 25 e que se dirigia para o seu acampamento, em Cobumba

Chamado o soldado 25, outro cabo-verdiano, foi o mesmo posto perante os factos. Negou, a princípio, qualquer interferência, mas perante as evidências acabou por confessar. A declaração dos motivos foi bem mais difícil de obter. Mas o alferes Cordeiro, perito na arte do interrogatório, conseguiu que o soldado 25 confessasse os motivos da sua acção.

Tinha uma amante, mulher do mato da zona de Cobumba. Todos as semanas a mulher vinha à povoação comercial vender arroz e comprar cana e tabaco, e dormia uma noite com o soldado. Na cama, ela ia procurando saber coisas da companhia.

Tantas vezes dormiram juntos, tanto falaram da companhia, que a mulher lhe prometeu o comando de Bedanda se ele a ajudasse a tomar o quartel. As promessas eram tão aliciantes que ele aceitou ajudar desde que lhe dissessem o que tinha de fazer e lhe comunicassem o momento de agir. Fez ligações com outros soldados do seu pelotão, na maioria cabo-verdianos, e estabeleceram um plano de acção que, na sua essência, apontava para a tomada do quartel pelas força. 

Na noite aprazada para o ataque, os cabo-verdianos, ao tempo do pelotão do alferes Barata, facilitariam a entrada dos guerrilheiros, matando nos quartos todos os brancos, oficiais e sargentos e alguns cabos especialistas. Durante o ataque, o pelotão dos revoltosos e mais alguns soldados negros que aderissem ao movimento, liquidariam todos os soldados que não quisessem juntar-se aos guerrilheiros. 

Conquistado o quartel e feita a limpeza de militares e de civis que não aderissem, o 25 passaria a comandar toda a área de Bedanda. Como tudo se veio a saber por confissão do soldado 25, todos os militares implicados foram presos e enviados para Catió onde seu deu início aos autos. Nessa noite, ninguém saiu para o mato, refizeram-se os pelotões até que se recebessem novos efectivos em praças. 

A partir dessa data passou a exercer-se um controle apertado de entradas e saídas das mulheres do mato, para se averiguar as que dormiam em Bedanda, onde e com quem.

─Meu capitão, nós todos, oficiais e sargentos, ficámos convencidos de que estávamos sentados num barril de pólvora. Se dessa vez tivemos sorte ao descobrir a tempo a conspiração, na próxima poderemos não ter, pelo que todos temos  de ficar atentos e permanentemente vigilantes. " (...) (pp. 32/33).

Ficamos sem saber se os militares sediciosos da 4ª CCAÇ, tal como soldado 25, maioritariamente "cabo-verdianos" (sic), eram nascidos em Cabo Verde ou na Guiné. Sendo do recrutamento local, era mais provável que fossem guineenses, de origem cabo-verdiana...
 
3. Ficamos, todavia,  a saber que, ao tempo da 4ª CCAÇ (e mesmo depois, com a CCAÇ 6), havia um sistema de livre trânsito em Bedanda, para as "mulheres do mato", que iam à "povoação comercial" vender os seus produtos e comprar outros que lhes faziam falta. 

Em geral, eram mulheres, mães, filhas  ou parentes de guerrileiros.   Eram oriundas "de Cobumba, de Pericuto, de Chugué. (...) (pág. 116), ou seja, de povoações que ficavam a escassos   quilómetros,  em redor de Bedanda.

As mulheres vinham de zonas onde havias boas bolanhas, e que continuavam a ser cultivadas. O arroz (e outros produtos, como a mandioca) era suficiente para as necessidades dos guerrilheiros e da população sob o  seu controlo. Em contrapartida, havia falta de arroz (e produtos frescos) em Bedanda.

Sabe-se que populações balantas emigraram, nos anos 20/30, para a região de Tombali e ali desenvolveram a cultura do arroz. No sul, os balantas (mas também biafadas, mandingas, nalus, sossos...)  são aliciados pelo PAIGC.  A economia da região fica totalmente desarticulada. Bedanda, em pleo chão balanta, é agora ocupada maioritariamente por fulas fugidos do Cantanhez e doutras partes.

(...) "O capitão não aceitava que a população sob o controlo das suas tropas vivesse pior do que a população controlada pelos guerrilheiros. Do lado deles não havia falta de arroz, mancarra, mandioca e óleo. Do lado da tropa tinham apenas cana, tabaco e panos que os comerciantes traziam de Bissau, e o arroz que compravam às mulheres dos guerrilheiros.  

Fazia-se um intercâmbio grande entre a população comercial e as mulheres do mato. Traziam arroz, mancarra e óleo, e voltavam com tabaco, cana e panos para elas e para os homens. Se era difícil para os militares compreender a sua posição como um elo na cadeia logística dos guerrilheiros, mais difícil era verificar que os outros tinham mais comida do que a população que a tropa controlava. O capitão ia reagir a esta situação de uma forma pouco usual. (...) (pp. 76/77).

Em suma, a tropa facilitava a entradas das "mulheres do mato" em Bedanda por onde circulavam livremente (exceto nas intalações militares), havendo todavia sido criado, para o efeito, um mecanismo de controlo (que não vem descrito em detalhe no livro): 

(...) Dado estar autorizada a entrada das mulheres do mato na povoação comercial, existe um sistema de controlo que permite ao coma companhia saber quantas mulheres entraram e donde vieram. Muitas vezes as mulheres trazem galinhas e ovos para vender, e o próprio capitão tem comprado algumas, pondo-as numa capoeira no pelotão da cantina. Normalmente tem lá três ou quatro galinhas.

 O capitão, acompanhado do Lassen, desloca-se muitas vezes aos acessos a Bedanda, de manhã cedo, para falar com as mulheres do mato e aproveita para mandar a sua mensagem. Quando quer saber informações de determinadas áreas, o capitão utiliza várias pessoas que vão desde comerciantes a soldados ou aos homens grandes da tabanca, nomeadamente soldados da milícia. Quando isso acontece, o capitão autoriza que se façam despesas nas casas comerciais, em tabaco e em cana, para se criar um clima de confiança. Por vezes é um trabalho demorado mas permite ao capitão ficar a saber o que se passa na mata à sua volta. (...) (pág. 102)-

Chegaram a estar em Bedanda, num só dia,  uma centena de "mulheres do mato" que o cap Cristo também usava para fazer a sua "psico" e obter informações sobre o que se passava do lado de lá, ao mesmo tempo que aproveitava para  transmitir "recados" aos "homens do mato", e em última análise ao 'Nino' Vieira:

(...) "No dia seguinte, às onze e meia da manhã, mais de 100 mulheres estavam
concentradas no pelotão da cantina. O capitão tinha mandado recolher aos abrigos todos os soldados. Além disso, tinha avisado a tabanca, o administrador e todos os comandantes de pelotão de que a artilharia iria fazer fogo ao meio-dia". (...) (pág. 272).

Segundo o cap Cristo, o 'Nino' teria estatado inicualmente na tropa portuguesa, dizia-se. E tinha estado justamente em Bedanda. Razão por que Bedanda era um "espinho encracado" na sua garganta (pág. 269). Daí a tentativa, gorada, de um dia tentar conquistar, ocupar e ou destruir Bedanda. Falava-se num força de 800 homens. (Vd. capáitulos "Os 800 do Nino", pp. 269-273).

(...) Utilizando o cabo Francisco o capitão dirigiu-se às mulheres.
─ Soube que os vossos maridos e filhos se preparam para atacar Bedanda para matar o nosso capitão. Mas nosso capitão não tem medo nem que venham mil guerrilheiros. Nosso capitão sabe que Nino só ainda tem 800 para o vir atacar. Digam-lhe que é pouco. Para entrar em Bedanda e matarem nosso capitão precisa de muito mais gente. Nosso capitão não foge suma galinha. Quem foge suma galinha são os vossos maridos, são os guerrilheiro do Nino. Traduz para elas." (...) (pág. 272)

Mas, como vimos com a história do soldado 25, o sistema também funcionava a favor do PAIGC. Digamos que havia um "modus vivendi" que agradava a todos, por muito insólito que isso possa parecer hoje aos olhos dos nossos leitores que não conheceram o sector S3... Noutros sectores como o L1 (Bambadinca), que eu cnheci (em 1969/71) as coisas não funcionavam assim: as "mulheres do mato" arriscavam ser emboscadas, presas ou mortas, quando se dirigiam a Nhabijões e a Bambadinca, cambando o rio Geba,  para visitar os parentes e/ou fazer compras...

(Continua)
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Notas do editor:

Guiné 61/74 - P23589: Notas de leitura (1488): "Sinais de Vida, cartas da guerra 1961-1974", por Joana Pontes; Tinta-da-China, 2020 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Janeiro de 2020:

Queridos amigos,
O livro de Joana Pontes lê-se com fervor, é percetível, do princípio ao fim, a singularidade do projeto, tomar a correspondência trocada para ir assinalando a mudança dos homens e a mudança da época em Portugal. As conclusões da autora são para ter em consideração, já que estão envolvidos todos os anos da guerra: a ânsia em regressar, a alegria de receber a tropa que nos vem render, informar a família de que tudo se faz para que o tempo passe sem incidentes, a ausência de compreensão de um grande ecrã em que se situe toda a questão colonial, fala-se de um período de tempo, de um local, ninguém assume que é o todo, porque não se conhece o todo; e com o passar dos anos o sacrifício que é exigido para defender a pátria esbate-se e contesta-se intimamente. Se alguma lacuna significativa encontro neste belo trabalho é exatamente a desproporção no tratamento dos três teatros de guerra: a Guiné tem a porção menor, quase residual, quando se sabe que nada foi assim, a despeito do acervo de correspondência talvez seja minguado quanto às terras de bolanha e tarrafo. Paciência.

Um abraço do
Mário



A correspondência da guerra colonial: uma amostra de mudanças em Portugal (2)

Mário Beja Santos

Como se disse no texto anterior, trata-se de um belíssimo trabalho, de uma fecunda investigação, é uma das obras mais originais que até hoje se produziu em torno dos olhares sobre a guerra colonial, documento a partir de agora indispensável: Sinais de Vida, cartas da guerra 1961-1974, por Joana Pontes, Tinta-da-China, 2020. Joana Pontes é doutora em História na especialidade de Impérios, Colonialismo e Pós-Colonialismo, tem currículo firmado no jornalismo televisivo e foi membro da Direção da Liga dos Amigos do Arquivo Histórico Militar. Colaboradora no Projeto Recolha, destinado a evitar o desaparecimento da memória escrita da guerra, acompanhou de perto a chegada de um arquivo fecundíssimo, pois foram contabilizadas cerca de 4400 cartas e aerogramas, aproximadamente 11300 páginas, operação que decorreu entre 2003 e 2010.

No seguimento da recruta e da especialidade, em que os militares traziam produtos de fumeiro, queijos, vinho e aguardente, mimos com valor identitário, provas de zelo dos pais, já que corria fama universal que a comida da tropa não era muito atrativa, os cuidados agora, em que há uma separação de milhares de quilómetros, mudam de registo: quem está na guerra fala nos mosquitos, nos perigos da bicharada, nos enlatados das rações de combate, na dobrada liofilizada, no esparguete com salsicha. As mães, mulheres e namoradas não se esquecem de transmitir essa preocupação: Também estou ralada que passes mal de comer. Mas dão conselhos de outro género: Não te deites com a roupa molhada; agasalha-te bem para não te constipares; não tires o soustento ao teu corpo vaite alimentando que tu aí não tens quem olhe por ti. Há de facto a lavadeira e costureiros, mas o grau de dependência destes jovens militares reduz-se significativamente, um deles escreve à mãe: Quando for para aí, serei um outro homem talvez um pouco mais bruto, mas muito mais homem. Se eu tivesse sempre debaixo das suas saias seria menino, e hoje não o sou. Estamos dentro do paradigma de que a tropa ensina a ser homem. As doenças não são esquecidas e os animais perigosos muito menos, fala-se em febres, formigas que mordem, paludismo, clima doentio. Há quem confesse à mulher que está a tomar Librium, para tratar a ansiedade.

As informações sobre a vida nas colónias é uma constante: Luanda é muito cara, o dinheiro desaparece rapidamente, entre amigos há comentários sobre as belas mulheres que circulam nas ruas ou nas praias. Surge um novo léxico, e explica-se para a metrópole o que é ser maçarico, o significado de “checas”, “peluda”, “puto”, “jinguba”, “mainato”, “alfaiates”, “maningue”, “cacimbado”, “água de Lisboa”. Há a descrição das belezas naturais, do que é o Ramadão, fala-se dos filmes que é possível ver, estrangeiros e internacionais. Pedem-se livros às famílias, mas também se podem comprar nas cidades. Nota curiosa que registo de Bissau: na livraria da 5.ª Repartição (Café Bento) podiam ser adquiridos livros recolhidos pela censura na metrópole.

Como observa Joana Pontes, o facto de a situação de guerra ter levado a um corte abrupto com a vida anterior, os ingredientes da narrativa também mudaram de registo e ganham ênfase com o passar dos meses. Mas os episódios mais brutais não são contados às famílias de um modo geral, escolhem-se os amigos para falar de emboscadas, de rebentamentos, de evacuações por helicóptero, das destruições dentro do aquartelamento por obra das flagelações. Mas há casos em que não falta pejo para dar notícias às famílias sobre os episódios da guerra: eu matei um Turra com dois tiros na cabeça e um nas costas e não tive medo nem nonjo. Há quem apele, do lado de cá, para a prudência, do género: Vê se te resguardas. Cumpre o teu dever mas nada de heroísmos mas sim salvar a pele, que é o que mais precioso temos; Fiquei muito contente por saber que ultimamente não tens saído para o mato. Deus queira que isso não aconteça nestes tempos mais próximos, nem nunca mais se possível fosse.

Conta-se o tempo, põem-se cruzes em cada dia do calendário. Do lado de cá, dão-se novidades sobre as mudanças, e não se esconde que se leva uma vida dura: me doi as pernas de Domingo ter ido para o rio da manga lavar estava habituada a lavar na arca-d’água as pedras são mais altas e por esse motivo é que me custa a andar. As transformações são lentas mas sentidas a olhos vistos. A autora recorda que em 1963 o valor da produção industrial se tornou superior ao da produção agrícola. O produto interno bruto português era no final da década de 1950, o mais baixo dos países da OCDE. A abertura económica ao exterior, as poupanças que os emigrantes enviavam para Portugal e as receitas do turismo que, nessa altura, chegava finalmente em massa a Portugal, contribuíam de forma clara para que as taxas de crescimento da economia portuguesa fossem superiores à média da Europa Ocidental. Surgiu a contestação universitária, crescia a presença feminina nos estudos universitários, apareceu o planeamento familiar, o ideal da esposa doméstica deixou de ser um objetivo em si para a maioria das mulheres, expandiu-se a escolaridade, a telescola arrancou em 1965, as cidades cresciam, os campos iam ficando ao abandono. Esta transição insinua-se claramente na correspondência de cá para lá.

Na segunda parte da obra, a vivência da guerra propriamente dita, Joana Pontes repertoria os acontecimentos em Angola, 1961-1963 e 1963-1965, depois Moçambique 1964-1966, voltamos a Angola, agora 1966-1967, e também Angola-Moçambique 1966-1968 (correspondência de um paraquedista que se alistou como voluntário aos 18 anos), o único testemunho da Guiné é referente ao período 1967-1970; segue-se Angola 1967-1969 e vem a seguir Moçambique 1970-1972; caminhamos para o fim, temos agora correspondência em Angola, 1973-1974. A autora tira conclusões sobre a evolução do pensamento dos militares ao longo destes anos de guerra: a vontade expressa de regressar à metrópole, a ânsia permanente; a vontade de não arriscar e fazer o possível para que o tempo passe sem incidentes, procurar só fazer o estritamente necessário; a manifesta falta de compreensão, em sentido lato, da questão colonial; a observação de que a crença na virtude do sacrifício exigido a todos para defender a Pátria se vai esbatendo ao longo da guerra; a ausência de entendimento geral da evolução do conflito, os relatos dos militares assinalam episódios pontuais, podem dar informações privilegiadas, mas nada mais; a insistência em falar no modo de vida precário e falta de condições, a dureza das operações e mesmo a saturação que se atingiu; a descrição do inimigo e do equipamento, à medida que o tempo passa diz-se que os guerrilheiros se apresentam bem armados e enquadrados; e temos ainda a constante da vivência monótona e com diferentes matizes a confissão de estar só, independentemente dos vínculos da camaradagem.

Em termos de epílogo, a autora regista que falta um trabalho de integração destas memórias na narrativa histórica da guerra. “A não existir esta integração, haverá condições mais favoráveis para o aparecimento de uma reelaboração e reinterpretação histórica enviesada, porque desligada de contexto e da realidade social da época”.

Imagem da guerra, retirada do blogue Galeria dos Goeses Ilustres, com a devida vénia
Gil Manuel Pereira Francisco, combatente na Guiné, imagem retirada do site do Instituto Politécnico de Viseu, onde ele foi entrevistado, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23578: Notas de leitura (1487): "Sinais de Vida, cartas da guerra 1961-1974", por Joana Pontes; Tinta-da-China, 2020 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23588: Parabéns a você (2099): José Marcelino Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5 (Canjadude, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23584: Parabéns a você (2098): Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 488/BCAV 490 (Mansoa, Bafatá e Jumbembém, 1963/65) e José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Brá, Mata dos Madeiros, Bassarel e Tite (1971/73)

domingo, 4 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23587: (Ex)citações (414): Um "presente envenenado": a minha transferência da CCAÇ 1621 para a CCAÇ 6, em 1/7/1967, em substituição do alferes miliciano acusado de roubar o arroz às "mulheres do mato" (Hugo Moura Ferreira)



Nota de 11 de julho de 1967, da 1ª Rep/QG/CTIG, com a ordem de transferência do alf mil Hugo Fernando Moura Ferreira, da CCAÇ 1621 para a CCAÇ 6.

Foto ( e legenda): © Hugo Moura Ferreira (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, de hoje, às 9h36,  do nosso amigo e camarada, um histórico da Tabanca Grande (de que é membro desde 22/12/2005), Hugo Moura Ferreira, ex-alf mil CCAÇ 1621, Cufar, CCAÇ 6, Bedanda, e 1º Rep/QG/CTIG, Bissau, 1966/68:

Assunto  - "Panteras à Solta" e outras coisas

Olá, Luís Graça.

Desejo que as melhoras estejam a ser constantes e sentidas!

Já comecei a ler o livro "Panteras à Solta", de Manuel nrdezo, pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel TRindade, ed. autor, 201o, 399 pp.) que me está a entusiasmar. 

Há coisas que desconhecia e outras de que apenas ouvi falar nelas de forma superficial, mas algumas conheço-as bem. Nomeadamente aquela em que tu mencionas no P23565 (*):

"... quando um dos seus alferes milicianos, feito com um comerciante local, roubou arroz às mulheres do mato. Foi exemplarmente punido com 3 dias de prisão simples, expulso da companhia e transferido para Catió" (...).

Ora, eu acabei pro ser um interveniente directo, nessa hist´roia, como te comprovo com o documento anexo. O facto é que,  devido à ocorrência, fui eu que acabei por ser colocado na CCaç 6, quando a minha CCaç 1621 foi transferida de Cufar para o Cachil.

No fundo, analizando bem a situação, o prevaricador que era o Alf  Mil______________ [omite-se o nome, por razões óbvias, LG] acabou por sair beneficiado, pois deixou de integrar uma unidade altamente operacional, para integrar uma de quadrícula "vulgar de Lineu" que por essa razão viu a sua comissão reduzida em 4 meses. 

Como deves saber, as Companhias formadas na Metrópole tinham uma comissão de 18 a 20 meses e os militares das Companhias da Guarnição Territorial, que ali eram colocados em rendição individual, "abichavam" 24 meses.

Foi isso que me aconteceu a mim, que não tinha sido castigado e acabei por sê-lo. porque a minha CCaç 1621, regressou em Agosto/1968 e eu acabei por embarcar em Novembro.

E a recordação leva-me à altura em que recebi a carta que te envio em anexo. Toda a malta, me veio dar os parabéns, por ter sido escolhido entre tantos alferes pertencentes ao Batalhão de Catió, que eu, sabendo a fama operacional que a CCaç 6 tinha, sempre fui respondendo com um "Xiça".

E lá fui... E não me arrependo, pois fiquei "agarrado" àquela terra e àquela gente precisamente por esse facto. Tal nunca teria sucedido se eu me tivesse mantido na minha Companhia de origem.

Mas quando fui, tomei uma posição que me levou a apresentar-me ao Major Monteny, Chefe da Rep. do Pessoal, do QG, colocando-lhe a questão da injustiça da situação. Felizmente ele compreendeu e aceitou o meu pedido(!) de que, quando a CCaç 1621 fosse para Bissau a aguardar embarque, eu também seria transferido para a capital, deixando Bedanda.

Isso veio a verificar-se. Eles no QG cumpriram o prometido.

Mas (há sempre um mas!) quando me apresentei no Quartel General, foi em má altura. Como o AlferesTesoureiro, da Chefia da Contabilidade, tinha ficado "cacimbado" e evacuado para Lisboa, a vaga estava ali mesmo à minha espera. Agora, imagina um atirador, sem formação contabilística, económica ou financeira, a ocupar o lugar do Tesoureiro do QG, para toda a Guiné.

Aqui tenho que fazer justiça a dois camaradas que muito me apoiaram. Foram o Alf Verde e o Alf Oliveira (filho dos donos das máquinas de costura Oliva, de São João da Madeira). Ao ponto de passarem a última noite, antes do meu embarque, na pesquisa de um erro de contas de 20 centavos, para eu poder passar o serviço e as contas em condições e ser autorizado a regressar. Não os esquecerei!

Mas foram 4 meses interessantes. A minha Mulher, com quem tinha casado 2 meses antes de embarcar para a Guiné, depois de 8 anos de namoro, com quem não tinha podido gozar a Lua de Mel, dado que estava no IAO, quando formei companhia, em Abrantes, no RI2, acabou por ir viver comigo esses 4 meses. E acompanhou-a o meu filho mais velho, que nasceu precisamente em Julho/67, coincidindo com a minha mudança da CCaç 1621, para a CCaç 6. 


Guiné > Região de > Cufar > CCAÇ 1621 (1966/68) > s/d > Coluna de Sangonhá para Cacine> Foto disponibilizada por pessoal da CCAÇ 1621, por ocasião do  convívio de Junho de 2006).

Foto  (e legenda): © Hugo Moura Ferreira (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

(...) Tenho outras questões que aqui vou focar, embora de forma sucinta.

1ª - Curiosidade;

Quando os alunos da Academia Militar terminavam os cursos, vulgarmente eram destacados, por 1 ano, para as Companhias, a fim de fazerem o Tirocínio. Foi o que aconteceu ao Cap Gastão Silva, que criou o "Sete do Cantanhez". Esteve comigo, uns anos antes, como Alf do quadro, na Ccaç 6. Tal como ele passou um outro Alf que já está na reserva como Cor., era o Alf Paninho Souto.

2ª - Curiosidade;

No meu tempo, apenas um ou dois meses, após a saída do Cap Aurélio Trindade, que eu não conheci, já não havia destacamento na povoação comercial.

À entrada da povoação existia, sim,  uma casa junto à Ultramarina, do Saldanha, onde dormiam 2 ou 3 Alferes. Já não me lembro. Eu sei que dormia ali!

3ª - Curiosidade:

Quanto à questão das Panteras 'versus' Onças, não sei exatamente o que se passou e levou o Cap Renato Vieira de Sousa (que sucedeu ao Aurélio Manuel Trindade) a proceder a essa alteração, mas irei tentar saber junto dele e depois informarei.

Por hoje aqui me fico, enviando um Abraço amigo! (**)

Hugo Moura Ferreira.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 29 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23565: Notas de leitura (1481): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte III: O Tala Djaló, cmdt do Pel Mil 143 e depois fur grad 'comando' da 1ª CCmds Africana, que virá a ser fuziladdo em Conacri, na sequência da Op Mar Verde

Guiné 61/74 - P23586 Os nossos camaradas guineenses (47): Tala Biu Djaló, ex-alf 2ª linha, cmdt Pelotão de Milícias (Bedanda, 1965/69), e ex-fur graduado 'comando, 1ª CCmds Africanos (Fá Mandinga, 1969/70), desaparecido em Conacri, em 22/11/1970, no decurso da Op Mar Verde (Hugo Moura Ferreira, ex-alf mil, CCAÇ 1621, Cufar, e CCAÇ 6, Bednda, 1966/68)




Tala Biu Djaló, ex-fur graduado 'comando', 1ª Companhia de Comandos Africanos. Pertencia ao Gr Com do alf graduado 'comando' João Benjamim Lopes, que ficou retido em Conacri, em 22 de novembro de 1970, no decurso da Op Mar Verde. Terá sido depois fuzilado, juntamente com todo o grupo.

Originalmente, o Tala Dajló era alf de 2ª linha, comandante do Pelotão de Milícias, de Bedanda, ao tempo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro da CCAÇ 6,  cap inf Aurélio  TRindade (Bedanda, 1965/67).

Fotos ( e legendas): © Hugo Moura Ferreira (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Hugo Moura Ferreira
1. Mensagem de 30/8/2022, 0h56, do veterano da Tabanca Grande, Hugo Moura Ferreira, ex-alf mil inf, CCAÇ 1621, Cufar, e CCAÇ 6, Bedanda, 1966/1968)
 
Verifiquei que, no poste colocado em 29Ag22 (Guiné 61/74 - P23565) (*), dás como em falta uma imagem do meu saudoso amigo Tala Biu Djaló. Sendo assim, aqui te envio uma imagem dele.

Abraço e dispõe para aquilo que aches que eu possa ser útil. Hugo Moura Ferreira (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de:


Guiné 61/74 - P23585: Blogpoesia (784): "Meu amigo Dostoievsky", poema ilustrado por e da autoria de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

© ADÃO CRUZ


Meu amigo Dostoievsky

Meu amigo Dostoievsky, nada temos a ver aparentemente
um com o outro, a não ser o nosso encontro pelos meus
dezoito anos.
Apetece-me chorar, ao recordar as noites em que à luz de um
foco olho de boi, debaixo dos lençóis para que minha mãe
não visse, eu invadia os teus livros numa das maiores e mais
deliciosas aventuras da minha vida.
Ainda hoje me são familiares o rosto de Sonia e a figura
de Raskolnikov, luz mítica e mística dos que têm coisas em
comum, orientando-se na direcção do símbolos e do mundo
sem forma.
Da mesma forma que te marcaram Balzac, Schiller, Victor
Hugo e Goethe, tu imprimiste em mim a sensação que te
fez desmaiar perante a beleza de Seniavina, na casa dos
Wielgorsky, e eu não sou homossexual, meu caro Dostoievsky.
Perante a beleza, eu não sei ao certo onde pára o sexo, se no
esperma de Úrano derramado no mar, se na poesia da Morte
em Veneza.
Não é a realidade física que interessa ao simbólico, mas o
significado do sexo na imaginação.
A dualidade do ser funde-se na tensão interna de quem ama
e a união sexual não é mais do que o apaziguamento da
tensão interior.
Nunca te concebi humano, sobretudo depois dessa manhã de
rosto de pedra e gelo em que viveste o mais trágico minuto
da tua vida.
Um vento glacial varreu-me a fronte ao ouvir o teu nome
na chamada para a morte: Akcharumov, Shaposhnikov,
Dostoievsky.
Hoje, depois de ter amado tanto, aceito a tua epilepsia como
o estigma mais marcante da pureza da condição humana e
passei a considerar-te meu irmão para o resto da vida.
Por isso me senti prisioneiro quando entrei na fortaleza de
S. Pedro e S. Paulo, e por isso chorei na Praça Semenovsky,
onde viveste uma vida inteira em dois minutos de morte.
Era como se fosse eu o condenado.
Também chorei quando reencontraste Suslova, apenas pelo
que sofreste ao ver que o amor não se repete.
A noite e o vazio estão na origem cosmológica do mundo e o
amor é uma criança que cresce...
e deixa de ser criança.
Amor e morte quando descobertos acordam e fogem.
Para escrever bem é preciso sofrer, disseste um dia ao jovem
Merejkovsky, quando a vida confundia as chamas do teu
inferno com relâmpagos de visionário.
Sofrer pode ser apenas sorrir...
frente a toda a utopia palpável não paranóica nem delirante.
Foi a mim que o disseste meu caro amigo, foi a mim que
o disseste na tarde cinzenta da tua morte, na hora da
hemorragia que te vitimou.
Até hoje ainda não te agradeci.
Perdoa não ter acompanhado o teu féretro, mas nessa altura
eu não existia...
ou será que te acompanho ainda hoje neste
pesado caminho do fim?

adão cruz

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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23562: Blogpoesia (783): "Mãos de hoje que foram de sempre", poema ilustrado por e da autoria de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

Guiné 61/74 - P23584: Parabéns a você (2098): Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 488/BCAV 490 (Mansoa, Bafatá e Jumbembém, 1963/65) e José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Brá, Mata dos Madeiros, Bassarel e Tite (1971/73)



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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23581: Parabéns a você (2097): Amigo Grã-Tabanqueiro Luís Gonçalves Vaz, ex-Fur Mil PE (EPC, 1983/84)