sábado, 2 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24609: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (8): ex-alf mil cav Jaime Machado, cmdt Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70) - Parte IV: a morte à saída da Missão do Sono em Bambadinca, na madrugada do dia 1 de janeiro de 1970


Foto nº 19 > Guiné > Zona leste > Região de Bafatá >  Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 > O fotógrafo estava lá!... Uma enfermeira paraquedista prepara o moribundo Uam Sambu para a evacuação para o HM 241...  O camarada, de costas, com o camuflado todo ensanguentado é o Mário Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat  52, de acordo com a identificação feita pelo fotógrafo, o Jaime Machado.  À saída da Missão do Sono, em Bambadincazinho, reordenamento a  escassas centenas de metros do quartel de Bambadinca, o Sambu foi vítima de um grave acidente com arma de fogo que lhe custou a vida.  


Foto nº 19A  > Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 > Não conseguimos identificar a enfermeira paraquedista que, nessa manhã, a do primeiro dia do novo ano de 1970, veio de DO 27 para tentar salvar o Sambu... Em vão, ele irá morrer na viagem... Vamos continuar a tentar saber quem era a enfermeira... (que tanto pode ter sido a Maria Ivone como a Rosa Serra, que nesse dia estava de serviço).


Foto nº 19B >Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 > Quem seria a enfermeira paraquedista que, nessa manhã, a do primeiro dia do novo ano de 1970, veio de DO 27 para tentar salvar o Sambu ?  Tanto pode ter sido a Maria Ivone como a Rosa Serra, que nesse dia estava de serviço mas, que nos informou, nunca usou pulseira (para mais na mão esquerda).


Foto nº 20 > Guiné > Zona leste > Setor L1 > Região de Bafatá > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 >  A DO 27 que no primeiro dia do novo ano de 1970, logo de manhã cedo, veio fazer evacuação do Sambu. Do lado esquerdo, de perfil, vê-se o piloto, com "cara de puto", alferes...


Foto nº 20A  > Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 >  Outro pormenor dos primeiros socorros que foram prestados ao Sambu antes de ser evacuado. Era médico do batalhão o Vidal Saraiva. À esquerda do Beja Santos, sob a asa do DO 27, com a mão direita à cintura, em pose expectante, parece-se ser o fur mil enf da CCAÇ 12, o meu amigo João Carreiro Martins. Ao fundo estão camaradas do infortunado Sambu, do Pel Caç Nat 52.



Foto nº 21 > Guiné > Zona leste > Região de Bafatá: Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 >  Um DO 27 a levantar voo, de regresso a Bissau... Pode ser a mesma da foto anterior, como pode ser outra... Tudo indica que esta foto tenha sido tirada noutra altura e noutro lugar. Parece-me ser a pista de Bafatá, a avaliar pelo casario ao fundo... (O Jaime Machado diz-me que é Bambadinca e vem na sequência das fotos anteriores,,,).  (LG)

Fotos: © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Continuação da publicação de uma seleção das melhores fotos  do álbum do nosso camarada Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70) (*), que vive na Senhora da Hora, Matosinhos [foto atual à direita], e foi contemporâneo do Mário Beja Santos (cmdt do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com uma pequena  diferença de meses. Eu também estive com eles, lá, na mesma altura, desde julho de 1969... O Jaime saiu em fevereiro de 1970, e o Mário, dois meses depois, em abril de 1970, se não erro.

Ao ver estas fotos, tive um arrepio, quando o Jaime Machado me disse que o camarada com o camuflado ensanguentado era o Beja Santos, o nosso "Tigre de Missirá"...  

Lembrei-me imediatamente deste trágico acidente que ceifou a vida ao Uam Sambú. Fui pesquisar os escritos do Mário Beja Santos. Aqui vai um excerto do poste P2540, de 15/2/2008 (**)

(...) O Setúbal já nos tinha avisado que viria o Xabregas [condutor]  ao amanhecer, eu que não estivesse preocupado. Assim que clareou, todos de pé, arrumadas as mantas, satisfeitas as necessidades mais prementes nas redondezas, esperámos a tiritar a aproximação dos faróis do Unimog, procurando desentorpecer os músculos. Assim foi naquele amanhecer de 1 de Janeiro de 1970. O Xabregas trouxe um burrinho, o que significava dez militares sentados, 20 a pé. Dez não, um outro saltava para o lado do condutor, mais um outro encavalitava-se junto do alferes. Uam Sambu senta-se ao pé de mim e diz a Quebá Sissé:
- Sobe,  Doutor, dá cá a mão!

Vejo o riso feliz e sempre aberto de Quebá Sissé, segue-se o estrondo inusitado de uma rajada de G3, procuro levantar-me, oiço gritos de aflição, imprecações, um coro desorientado de protestos, e é nisto que Uam me cai nos braços,  enterrando-me no assento:
- Alferes, estou morto!

Com Uam no meu colo, vejo o seu peito esburacado, os lábios num esgar de dor, o olhar a esmorecer, o sangue passa para a minha farda em abundância. O burrinho corre em poucos minutos nas mãos expeditas do Xabregas até à enfermaria. Vou a correr tirar da cama o [alf mil médico] Vidal Saraiva que se debruça atarantado sobre Uam com o peito tracejado por diferentes perfurações. 

Cá fora, desenrola-se uma outra tragédia, há quem ameace o Doutor, ouve-se a palavra assassino, ouvem-se as expressões impensadas do costume. Ora, tinha sido o mais estúpido dos acidentes, o malogrado Doutor ao subir metera o dedo no gatilho e fulminara Uam, o Doutor era a alma mais pacífica do 52, ninguém lhe conhecia azedume, aguentara estoicamente todos os comentários ao seu trabalho de cozinheiro. Percebendo que era necessário pôr termo àquela ira dementada, disse ao Domingos:
- Não quero aqui ninguém, tudo para a tabanca, tu desces imediatamente com eles e explicas que foi um acidente, quem tocar no Doutor tramo-lhe a vida.

Dita a bazófia, acerquei-me da marquesa onde o Vidal Saraiva me avisou:
- Só por milagre se salva, tem os órgãos vitais atingidos, veja o sangue aos cantos da boca, pulmões e rins têm lesões que presumo serem irreversíveis. Vamos ver como é que ele se aguenta até Bissau.

 O DO [27] chegou rapidamente e lá fomos todos a acompanhar o moribundo até à pista de aviação, Binta, a mulher do Uam, gritava o seu desespero, o Pel Caç Nat 52 assistia ao transporte de Uam num silêncio total, estarrecido. Dispersámos, o Vidal Saraiva era o mais acabrunhado entre nós. (...) 
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sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24608: Notas de leitura (1611): "Cabo Verde, Abolição da Escravatura, Subsídios Para o Estudo", por João Lopes Filho; Spleen Edições, 2006 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Outubro de 2021:

Queridos amigos,
João Lopes Filho é alguém na cultura cabo-verdiana, um antropólogo e professor universitário com vasto currículo. Neste punhado de subsídios para o estudo da abolição da escravatura, vem defender que tendo a sociedade e a cultura cabo-verdiana base essencialmente escravocrata o tema da abolição é incontornável para compreender a vida daquela antiga colónia portuguesa a partir do fim da escravatura. Incentiva os historiadores a ir aos arquivos, ainda há muito para esclarecer. E direi eu que há também muito para esclarecer sobre este comércio negreiro que se estendia a vários pontos influentes do que é hoje a Guiné-Bissau, ainda há muito para esclarecer sobre a proveniência dos escravos que estão na génese do homem cabo-verdiano, o arquipélago fazia parte de um vértice, aqui arribavam escravos vindos do golfo da Guiné (nomeadamente de Angola e S. Tomé), de toda a Senegâmbia (do que é hoje o Senegal, a Gâmbia, a Guiné e a Serra Leoa) e o produto final destas investigações não será pacífico, pode muito bem acontecer que se desmoronem tabus sobre a ligação direta Guiné - Cabo Verde, isto independentemente de ter sido neste arquipélago africano, onde, por metro quadrado, mais se adensou a língua, a religião, a cultura trazidas pelos portugueses, numa miscigenação a que não faltou a presença judaica.

Um abraço do
Mário



A abolição da escravatura em Cabo Verde, o olhar de um estudioso cabo-verdiano

Mário Beja Santos

"Cabo Verde, Abolição da Escravatura, Subsídios Para o Estudo", por João Lopes Filho, Spleen Edições, 2006, é apresentado pelo autor como uma abreviada síntese de um estudo com maior fôlego, em preparação. A história do país tem uma base essencialmente escravocrata e Cabo Verde serviu como ponto de apoio, primeiro para a expansão marítima e depois como um dos vértices do triângulo de tráfico escravocrata (África/Cabo Verde/Américas). João Lopes Filho dá-nos uma documentação do processo moroso e conflituoso em torno da abolição da escravatura, nunca perdendo de vista o antes do comércio de escravos e as consequências do abolicionismo.

Perde-se na noite dos tempos o comércio de escravos em África, a dimensão e a envergadura deste comércio altera-se com o tráfico atlântico, iniciado a partir do século XVI, com vários destinos americanos, do Brasil às Caraíbas e ao que é hoje os EUA. Os portugueses bem pretenderam o monopólio, mas tratava-se de um mercado tão lucrativo que foi disputado por espanhóis, ingleses, franceses e holandeses. A economia colonial alterou-se profundamente com este tráfico, os escravos iam para as plantações, foram diretos mobilizadores de recursos agropecuários que trouxeram a riqueza da Europa e das Américas. A escravatura conheceu o seu auge na segunda metade do século XVIII, tendo os ingleses na vanguarda.

Chega o momento de o autor contextualizar Cabo Verde no vértice do triângulo do tráfico de escravos. Os intermediários cabo-verdianos eram expeditos, conheciam bem as mercadorias mais apreciadas nas permutas, não foi por acaso que se desenvolveu uma verdadeira indústria de panaria em Cabo Verde destinada a satisfazer a clientela que fornecia escravos. Inicialmente, os navios negreiros paravam em Cabo Verde, precisavam desses panos. A Igreja veio a intervir neste comércio exigindo o batismo e a lanidização dos escravos antes da sua reexportação. Como escreve o autor: “À medida que a classe sacerdotal se consolidava em Cabo Verde, a Igreja passou a ministrar, antes do batismo, uma formação à generalidade dos escravos e aqueles que assimilavam os conhecimentos passavam a ser designados de ladinos e os outros como boçais”.

Com a perda de influência na costa ocidental africana, nos inícios do século XVIII a maioria dos estabelecimentos comerciais portugueses passaram para as mãos de estrangeiros, mas Cabo Verde manteve durante algum tempo a sua posição – o papel do arquipélago só desapareceu quando o comércio foi totalmente abolido.

E entramos agora nas ideias abolicionistas, foram desencadeadas pela Inglaterra a que se juntaram, no início do século XIX, a Suécia, a Holanda, a França e a Espanha. 1863 é uma data decisiva, o presidente Lincoln promulgou a Proclamação da Emancipação e dois anos depois a 13.ª Emenda confirmava a liberdade dos negros nos EUA. Houve reflexos em Cuba e no Brasil- como o autor observa, e é hoje consensual entre os estudiosos, o movimento abolicionista vingou porque se encontrava emergente uma nova sociedade urbanizada e industrializada detentora de outras perspetivas económicas daquelas que tinham modelado e alimentado a escravatura. Na alvorada da industrialização percebeu-se que África estava destinada a ser uma fonte fornecedora de matérias-primas e um excelente mercado para produtos acabados. Isto para relevar que não foram só interesses éticos e humanitários que estiveram por detrás do abolicionismo, foi necessário consolidar o capitalismo industrial. A oposição dos plantadores, armadores e marinheiros dos barcos negreiros foi enorme, como era previsível, e o confronto chegou a tomar dimensões brutais.

Portugal não aderiu prontamente a esta abolição, uma boa parte da economia dependia do comércio negreiro. A primeira posição firme veio do ministro Sá da Bandeira que em 1836 fez aprovar um decreto abolicionista. Estabeleceram-se protocolos e agendas de combate entre Portugal e Inglaterra, mas tudo com lentidão, mesmo sob a pressão britânica, como João Lopes Filho revela no seu trabalho destacando as medidas legislativas tomadas pelas duas potências. Portugal tinha uma presença enfraquecida na costa ocidental africana, a Inglaterra e a França acordaram em anexar territórios que faziam parte dos domínios portugueses na área da Gâmbia através de uma convenção que assinaram em maio de 1845, convenção essa que abriu caminho para a realização da Convenção Luso-Francesa de 1886 que definiu a superfície da Guiné Portuguesa. Isto num contexto em que as grandes potências coloniais faziam a divisão da África em esferas de influência.

O autor revela a dimensão do tráfico clandestino, estavam sobretudo envolvidos mercadores espanhóis, o mercado das Caraíbas ainda era muito atrativo e ficamos com um quadro de referência bastante iluminado das embarcações apreendidas pelo transporte ilícito de escravos, constituiu-se mesmo uma comissão mista luso-britânica que inspecionava o interior dos barcos para detetar a presença de elementos que levassem a concluir ser navios negreiros, todo este enunciado aparece altamente documentado.

A economia cabo-verdiana sofreu um duro golpe a partir de 1815, quando se anunciou a abolição imediata do tráfico em todos os lugares da costa de África sitos ao norte do Equador. Explodiram conflitos sociais, os coronéis do interior perceberam que o seu poder económico estava comprometido, aumentaram as tensões na relação morgado-rendeiro, surgiram levantamentos populares, revoltaram-se os rendeiros, os escravos fugiam, reinava um clima de mal-estar no seio das Forças Armadas, foram abolidas as milícias, ordenanças e comandos militares, e a partir dos finais de 1835 cresceram as contendas entre senhores e escravos.

Portugal criou em 1854 uma instituição denominada Junta de Proteção dos Escravos e Libertos, a quem competia assegurar que todo o escravo tinha o direito de reivindicar a sua natural liberdade, ficava na situação de liberto, no entanto com a obrigação de servir o senhor pelo tempo de dez anos; determinava-se a condição da criança escrava que ficava sob a tutela da junta protetora que tinha vários objetivos, sendo um deles proteger os pecúlios dos escravos legitimamente adquiridos e fiscalizar a sua aplicação. João Lopes Filho dá-nos um quadro detalhado de toda esta legislação.

Em termos de considerações finais, recapitula a pressão britânica, as muitas fugas à repressão escravocrata, à procura das novas soluções na luta contra o tráfico. E o autor espera ter carreado informações que permitam aos historiadores avançar com maiores desenvolvimentos.

Imagem retirada do blogue Cabo Verde Island Tours
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24596: Notas de leitura (1610): "A Guiné-Bissau Hoje", por Patrick Erouart; Éditions du Jaguar, Paris, 1988 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24607: Facebook...ando (34): José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74): primeiro aerograma que escreveu à namorada, em 27/6/1972: fui almoçar num bar perto do Cumeré, paguei 70$00 e fiquei cheio de fome...





1. Postagem de José Claudino da Silva, 29 de agosto de 2023, no Facebook da Tabanca Grande Luís Graça  
 [é autor da série "Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) ", de que se publicaram 
mais de 70 postes (*); é membro da Tabanca Grande desde 18/10/2017); tem mais de meia centena de referências no blogue; foto à direita, o nosso camarada, nascido em Penafiel, em 1950; reside em Amarante; tem livros publicados e página no Facebook ]:

Cheguei á Guiné no dia 26 de junho de 1972, no dia seguinte em Cumeré paguei 70 escudos por uma refeição.

Naquele tempo a mesma custava 8 escudos na metrópole. Está a prova neste aerograma 
[que se reproduz e transcreve acima]. (**)




Primeiro  aerograma enviado pelo José Claudino da Silva, à sua namorada [Maria Amélia Moreira Mendes] depois de chegar à Guiné. 

Trata-se de um excerto. O aerograma não está completo, acaba aqui, deveria ter mais folhas; "Fiquei cheio de fome, e paguei 70$00, as cervejas são a" [...]. 

Vamos pedir ao nosso camarada para disponibilizar a segunda parte. Para além de informação sobre preços que se praticavam em 1972, em Bissau, o aerograma tem outro interesse documental, por nos dar conta das primeiras impressões de um "periquito" chegado à Guiné, "uma terra onde todas as pessoas nos parecem suspeitas, e hostis, e logo por azar nem bebidas há na cantina"... 


Transcrição  [fixação e revisão de texto: LG]

Cumeré, 27/6/72  1ª [folha]

Meli, saudosa e querida: 

Espero desde já dar-te um pouco de alegria com as poucas notícias que vou passar a contar-te, ou tristeza, isso depende de ti.

Devo dizer-te que o resto da viagem decorreu bem, e sinto-me para já óptimo.

No que diz respeito às impressões que me causou a Guiné, devo confessar-te que me sinto maluco, um calor que nem em calção se suporta, uma terra onde todas as pessoas nos parecem suspeitas, e hostis, e logo por azar nem bebidas há na cantina. A água parece que foi aquecida ao lume, e há pouca.  A única satisfação que me resta é que aqui não há guerra, e a vida que levo é boa, só tenho a dizer que isto não interessa a ninguém pelo resto.

Cumeré situa-se a 6 km de Bissau, mas para se chegar lá tem que se percorrer 45, por não haver estradas a direito, e ter um rio muito largo.

Eu vim para Cumeré separado da minha companhia, juntamente com mais 6 condutores, e só daqui a três semanas é que me junto a ela, por isso, embora me escrevas, não receberei correspondência de qualquer espécie, a não ser daqui a essas três semanas. Terei que ter paciência e suportar esse tempo, depois provavelmente recebo tudo junto, não tenho alternativa e resigno-me.

2ª [folha]

Espero que mesmo assim não me deixes de escrever, porque eu farei o mesmo. 

No local onde me encontro é um quartel  de instrução de adaptação ao terreno para condutores, e de I.A.O., e estão aqui mais de 600 homens, entre eles mais de 20 colegas de Penafiel, e conhecidos da recruta, etc., etc. Foi bom assim, [pois não me] sinto só.

A única coisa que me lixa é  a falta de bebidas, e o calor sufocante que aui está é insuportável. Além disso, os mosquitos  não nos deixam dormar, é uma loucura uma pessoa vir para aqui, mas não temos outro remédio, e temos que aguentar, ou melhor ou pior.

Aqui nos subúrbios do quartel há um bar, dirigido por um branco, onde servem refeições. Eu fui lá almoçar, pois aqui a comida não presta. Fiquei cheio de fome, e paguei 70$00, as cervejas são  a [...]


Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Excerto do poste P18002 (***):

(...) Estou agora a lembrar-me que fui sempre um pouco medricas e mesmo que, ao chegar a Bissau, tivesse sido separado dos meus camaradas da 3ª companhia porquanto eles foram para Bolama e eu fui para Cumeré. O que é certo, por aquilo que escrevi, logo no primeiro dia que pisei solo africano, não tive um receio por aí além. Dizia eu!

“Em Cumeré estamos a tirar o I. A. O. (Creio que a sigla significa: Instrução de Aperfeiçoamento Operacional) Aqui não há guerra mas as pessoas parecem-me todas hostis. Neste quartel estão cerca de 600 homens. O calor é sufocante e não há bebidas frescas, nem grande comida e se eu achava caro uma refeição no Porto custar7$50, já me avisaram que fora do quartel custa 70$00. Vê bem que ladrões. Acho que são brancos que vivem a explorar os 'Periquitos' como nós”. (**)


3. Comentário do editor LG:

Usando o conversor da Pordata, verificamos que 7$50 e 70$00 em 1972 valeriam hoje (2023),  2,00 €  e 18,00 €, respetivamente. 

Ao escudo ("peso") da Guiné (emitido pelo BNU - Banco Nacional Ultramarino), temos que abater 10% (de acordo com a taxa de câmbio que se praticvaa então em Bissau)...Se uma refeição no Porto custava, a preços de hoje, 2,00 €, em 1972, em Bissau, custaria  16, 2 €  (=18 € x 0,90).

Em 1969, uma refeição (bife com ovo a cavalo + cerveja) em Bafatá, no restaurante "Transmontana", custava-me  20 "pesos", o equivalente, hoje, a 6,30 €  (=7 €  x 0,90).

Como se vê, de 1969 para 1972, a inflação (ou a especulação, típica da economia de guerra) deu cabo do patacão dos desgraçados dos combatentes que íam parar com os quatro costados à Guiné!

Uma explicaçáo sobre o converssor da Pordata: 

"Esta ferramenta permite converter para preços do ano corrente qualquer montante monetário do passado, desde 1960, utilizando o deflator anual do Índice de Preços no Consumidor (IPC) "base 2012". Trata-se de transformar valores a preços correntes/nominais em valores a preços constantes/reais, descontando a inflação"
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Notas do editor:

(***) Último poste da série > 23 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24581: Facebook...ando (33): António Alves da Cruz, ex-fur mil, 1.ª CCaç / BCAÇ 4513 (Bolama, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, mar1973 / set 1974); vive em Almada

Guiné 61/74 - P24606: Parabéns a você (2200): Manuel Joaquim, ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf da CCAÇ 1419/BCAÇ 1857 (Bissorâ e Mansabá, 1965/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24592: Parabéns a você (2199): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70)

quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24605: (Ex)citações (422): Os Furriéis – De Explorados da República a Ícones da Guerra da Guiné (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 30 de Agosto de 2023, onde nos fala do posto militar mais barato que o Exército Português tinha, o furriel miliciano, dado que enquanto cabo (miliciano) fazia de sargento e enquando furriel fazia de oficial. Quantos e quantos camaradas nossos durante a suas comissões em África completaram o tempo de promoção a segundos sargentos milicianos e só se lambravam disso no momento da passagem à disponibilidade.


Os Furriéis – De Explorados da República a Ícones da Guerra da Guiné

O P24586 é o generativo deste escrito, a gratificação do Cherno Baldé aos furriéis, evocando as vivências na Guiné, e a foto do furriel Carlos Cunha, do furriel Abílio Duarte com criança guineense ao seu colo.

Recorrendo à Wikipédia, o termo furriel é modificação fonética do francês “fourrier”, derivado de “fourrage”, forragem em português, – era o vagomestre responsável das forragens e da palha do passadio dos muares das Companhias de Cavalaria.

O posto de furriel foi introduzido nas Companhias de Ordenanças por D. Manuel I, introduzido por D. João IV nas Tropas de Linha e extinto em 1884, pelo famigerado ministro e capitão de Engenharia Fontes Pereira de Melo. Das conversas quando jovem com o meu conterrâneo Joaquim Luís de Faria, soldado condutor de ambulâncias na Frente da Flandres, condecorado, promovido por distinção a cabo miliciano e passado à disponibilidade como furriel, guardo a memória oral que estes postos terão sido reintroduzidos pelo general Norton de Matos, no contexto da nossa participação na I Guerra Mundial. Sem recurso a fontes, a reintrodução do posto furriel pertencerá a esse nosso vulto histórico, salvo erro ou omissão.

Relembrando que a classe dos praças - os básicos e os cabos -, foram os mais explorados do Exército Português, deixo a dimensão da exploração militar e laboral de cada um ao juízo dos meus camaradas. As matérias e metodologias da instrução, a capacitação, eram comuns aos cursos e instrução de sargentos e oficiais milicianos – os dois volumes do Manual do Oficial Miliciano o seu livro único – a escolaridade formal era a sua discriminação: o 2.º ciclo dos liceus e equivalentes alçava a soldado instruendo do CSM, o 3.º ciclo dos liceus alçava a cadete do COM.

Os soldados instruendos do CSM saíam promovidos a cabos milicianos, passavam a desempenhar todos os serviços de sargentos e até dos oficiais subalternos, mas o pré de praças a sua remuneração, as ementas da messe de sargentos a sua única regalia; os cadetes instruendos do COM saíam promovidos a aspirantes a oficiais, remunerados com soldo de oficiais e as mesmas sinecuras.

A tropa ou não tinha ou o elevador social não funcionava, em matéria de serviço, a nivelação feita por cima. Os cabos milicianos eram investidos nos desempenhos dos praças, dos sargentos e até dos oficiais subalternos, eram pau para toda a obra, os aspirantes e alferes milicianos eram elitizados, longe de investidos no desempenho dos praças e dos sargentos…

Saí do CISMI promovido a cabo miliciano, fui colocado no RI 13, Vila Real, até à chegada do seu comandante, um reprovado da Academia Militar e passado a aspirante miliciano, comandei todo o mês de janeiro de 1964 um pelotão de cerca de 90 recrutas e a sua instrução, maioritariamente analfabetos, coadjuvado por outro cabo miliciano de Lamego e por dois cabos RD – um deles paciente do stress pós-traumático, sofrera as agruras de Nambuangongo -, estudava e cumpria as respetivas fichas e respondia ante o comandante da Companhia, capitão Carrapatoso – eu ganhava 90$00/mês, o aspirante veio ganhar 1.800$00/mês.

Mobilizado para a Guiné, era o ”mais antigo” da Companhia – diferença de duas décimas do saudoso Manuel Simas – substituí os outros furriéis operacionais e os alferes nos seus impedimentos - começara por substituir o vagomestre logo que chegamos e acabei a comissão a substituir o comandante do destacamento da Ponte de Camajabá, entre Buruntuma e Piche.

Em Buruntuma havia um grupo de milícia nativa com o efetivo de pelotão, comandado por um alferes de 2.ª linha fula, fui nomeado comandante dele, fui selecionador de outro grupo de igual efetivo e seu instrutor, o Manuel Simas foi mandado para meu adjunto – dois militares brancos com as divisas de furriel, comandavam dois alferes fulas de 2.ª linha, com galões de alferes…

A burro que muito anda, nunca falta quem o tanja. Como já abordei a relação histórica do posto furriel-cavalo, acrescento o provérbio popular da revolta do burro, analógico à nossa prestação militar: “burro para a azenha, burro para a lenha, burro para a eira, burro para a jeira e burro para a feira – irra de tão burro!”

Para terminar registo um nosso camarada histórico – o Zé do Telhado! E que os furriéis foram as vértebras da “coluna” do 25A74.

Honra aos Furriéis!...

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Nota do editor

Último post da série de 13 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24553: (Ex)citações (421): Vivendo na Suécia há já quase meio século, com família sueca, há muito que compreendi não existirem paraísos... Mas, atenção!, os suecos estão longe de serem ingénuos caçadores... de borboletas (José Belo, Suécia)

Guiné 61/74 - P24604: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (6): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo I - Mobilização, Composição e Deslocamento para o CTIG



"A MINHA IDA À GUERRA"

6 - HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: CAPÍTULO I - MOBILIZAÇÃO, COMPOSIÇÃO E DESLOCAMENTO PARA O CTIG

João Moreira



(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 24 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24584: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (5): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Guião + Emblema de braço + Zona de Acção (Olossato) + 4º Grupo de Combate

Guiné 61/74 - P24603: Em bom português nos entendemos (26): Poste, post, postagem, mensagem ou publicação? Qual a maneira mais correcta para designarmos as nossas publicações diárias? (Abílio Magro / Luís Graça / Carlos Vinhal)

1. Mensagem do nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), com data de hoje, 31 de Agosto de 2023, levantando a dúvida quanto à utilização da palavra "poste" para designar as publicações diárias no nosso Blogue:

Bom dia camarada do capim!
Kumu bai corpo di bó?
Manga de ronco?

Estou a escrever-te por causa de um assunto que me causa alguma urticária e tem a ver com o uso do termo “poste” em lugar do termo inglês post (leia-se pouste).

Embora também me irrite o uso constante de termos ingleses, entendo que usar, em sua substituição, termos inexistentes em português é “pior a emenda que o soneto”.

Com efeito, o advento da internet (não escrevam internete p.f.) veio trazer novos termos ingleses que depressa se enraizaram no léxico português, um dos quais é o post que deu origem ao verbo português POSTAR que no seu presente do conjuntivo apresenta: que eu poste, que tu postes, que ele poste, etc. Contudo, consultando alguns dos dicionários mais conceituados como: Infopédia, Houaiss, etc., verifica-se que o termo “poste” como substantivo nada tem a ver com “postagens internáuticas”.

Haverá com toda a certeza razões plausíveis para que os editores do blogue dos camaradas da Guiné utilizem o termo “poste” como substantivo em substituição do inglês post, o que me leva solicitar que este texto seja entendido, não como um reparo, mas talvez como uma camuflada assunção de alguma ignorância.

Grande abraço
Abílio Magro


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2. Caro Abílio

Já te respondi por mensagem privada que estou bem, só não referi algumas dificuldades ao nível das suspensões, mas sem grandes cuidados, afinal já não vou (vamos?) para muito longe.

Quanto à tua dúvida, com também te disse, é também minha.

Consultando o nosso Editor Luís Graça, ele mandou-me este link (será sítio?) do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa:

acompanhado do seguinte texto:

Quanto à dúvida do Abílio Magro, faz um "poste", a responder-lhe, citando também o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa... Foi uma opção discutível que tomámos (eu, pelo menos), há uns largos anos...
Ab, Luís


Abílio, vê aqui o essencial do que podes ler no Ciberdúvidas:

'A melhor tradução de post'

'Na resposta em causa, segue-se um critério desejável: perante um estrangeirismo, deve procurar-se um termo equivalente ou criar uma palavra que se enquadre nas formas vocabulares típicas portuguesas, isto é, com características fónicas e morfológicas características do português. Não é que o aportuguesamento de post, poste, esteja totalmente incorrecto, visto a sua configuração ser possível em português, pelo menos do ponto de vista fonético. Acontece, porém, que se confunde com poste, «coluna, pilar», engrossando o conjunto das palavras homónimas do português. Não sendo isto em si um mal, porque os falantes sabem distingui-las pelo contexto, as palavras homónimas são, mesmo assim, susceptíveis de diminuir a clareza na comunicação.

Quanto ao verbo postar e ao seu particípio postado, o mesmo se verifica: já existem dois verbos homónimos, postar, «colocar» e «estar de pé», e postar, regionalismo brasileiro que significa «pôr no correio». A introdução de postar, «publicar no blogue», vem certamente aumentar a ambiguidade do vocabulário português.

Enfim, não posso dizer que poste e postar sejam aportuguesamentos ilegítimos. Devo, no entanto, advertir que, neste momento, poste e postar são ainda opções discutíveis no que se refere à criação de termos relacionados com a actividade dos blogues. Seja como for, a própria consulente diz, com pertinência, que blog já foi adaptado como blogue ao português. Sendo assim, dada a especificidade deste tipo de escrita, porque não aceitar também outros aportuguesamentos fónicos como poste, que parecem mais capazes de dar conta dessa realidade?

N.E. – (20/02/2015) Postar, no sentido de «colocar (mensagem) num grupo de discussão  ou num bloge», já tem abonação no Grande Dicionário da Lingua Portuguesa, da Porto Editora (2010) e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras.

Carlos Rocha 25 de novembro de 2009'

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Já agora, fica aberta a discussão, pois gostaríamos de conhecer a opinião dos nossos leitores quanto à possível utilização de outra palavra começada por P, já que a numeração das nossas publicações diárias começam por esta letra.

CV

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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE SETEMBRO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21352: Em bom português nos entendemos (25): Quínara, Quinara ou Quinará?... Uma 'ciberdúvida'... (Luís Graça / Cherno Baldé)

Guiné 61/74 - P24602: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (7): ex-alf mil cav Jaime Machado, cmdt Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70) - Parte III: as pequenas inundações de setembro de 1969, na baixa ribeirinha de Bambadinca

 


Foto nº 1A


Foto  nº 1


Foto nº 2A



Foto nº 2



Foto nº 2B



Fito nº 3A



Foto nº 3B



Foto nº 3


Foto nº 4A


Foto nº 4B


Foto nº 4C





Foto nº 4
 

Fotos (e legendas): © Jaime Machado (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Jaime Machado
1. Continuação da publicação de uma seleção (*) das melhoras fotos do álbum do nosso camarada e amigo Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70), que vive em Senhora da Hora, Matosinhos (*):

Recorde-se que esta subunidade de cavalaria esteve ao serviço do comando do BART 1904 (Bambadinca, maio /setembro 68) e depois do BCAÇ 2852 (Bambadinca, outubro 68/fevereiro 70).

 Os "14 furões" váo  terminar a sua comissão em fevereiro de 1970,  três meses antes do BCAÇ 2852, tendo sido rendidos pelo Pel Rec Daimler 2206, comandado pelo nosso camarada e velho amigo J. L. Vacas de Carvalho. O BCAÇ 2852 por sua vez será rendido pelo BART 2917 (1970/72).

Publicaram-se 17 postes com o álbum fotográfico do Jaime Machafo (que tem 150 "slides" do tempo da Guiné (**).

2, A ordem de publicação das fotos não é a da sequência cronológica, mas sim a dos conteúdo temático, São imagens (de "slides" digitalizados) que nos chegaram, sem legenda... Estas imagens que (re) publicamos hoje, com legendas reformuladas,  são da época das chuvas, tendo  sido todas tiradas em setembro de 1969, segundo esclarecimento adicional do autor (em 2/10/2015). 

Recorde-se que a época das chuvas, na Guiné, vai meados de maio a meados de novembro, sendo os meses de maior precipitação julho, agosto e setembro. (Na época seca, os meses mais frescos são o dezembro e o janeiro.)

Vemos uma coluna auto a chegar a Bambadinca, vinda de Bafatá (foto nº 1). Na escolta vem uma autometrelhadora Daimler, de matrícula ME-01~37 (Fotos nºs 1, 1A, 2 e 2A).  Nas fotos nºs  1 e 1A está meia enconberta por uma viatura civil, O Jaime Machado está  de costas nas fotos nºs 2 e 2A com boina castanha e sentado na Daimler.

A coluna estava atravessar a baixa ribeirinha de Bambadinca (que, em mandinga, quer dizer "a cova do lagarto") (fotos nºs 1, 2, 3 e 4) , A viatura civil encostu à esquerda (no sentido ascendente(Fotos nº 4 e 4A). Era de um comerciante local, que não conseguimos identificar. Os dois mais conhecidos, na época,  era: (i)  o  Zé Maria cuja loja e bar ficavam à esquerda na direcção do quartel mais ou menos a meio da reta; e  (ii) o Rodrigo Rendeiro que ficava à direita entre a fonte e a rampa de acesso ao quartel,.

Nalgumas fotos é visível um dos ícones de Bambadinca, a fonte, cuja contrução era de 1948. (Foto nº 4B e 4C)

 No tempo das chuvas, recordo-me que era habitual haver pequenas inundações na zona fluvial de Bambadinca. O rio Geba Estreito transbordava. 

Por outro lado, as instalaçóes militares (o quartel) e civis (o posto administrativo, incluindo a escola, a capela, etc,) (cujo acesso se fazia pela tal rampa bastante íngreme, visível na fotos nº 2 e 2b) ficavam num pequeno morro ou planalto, rodeado de bolanhas... 

Na época das chuvas, era mais fácil a acumulação de água nas zonas baixas, e nomeadamente na margem esquerda do rio (porto fluvial e destacamento da intendència). Havia sempre pequenas inundações na zona ribeirinha, afetando algumas moranças e casas de comércio. No entanto, não impedia o trânsito de viaturas.

A chegada das chuvas (dantes, talvez fosse um pouco mais cedo do que hoje,  por volta de meados de maio) era sempre uma festa para pequenos e graúdos. Ia até meados de novembro.  Aumentava também, nesta época, o risco de paludismo, devido à água estagnada.
 

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24601: Historiografia da presença portuguesa em África (383): Um importante ensaio sobre a missionação franciscana na Guiné e Rios da Guiné, século XVIII na "Revista Itinerarium", ano LXVIII, n.º 228, julho-dezembro de 2022 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
O Padre Manuel Pereira Gonçalves bem investigou no Arquivo Histórico Ultramarino e está na posse da mais recente bibliografia sobre a ação missionária no período que canaliza, a segunda metade do século XVII. Era imperioso para a Coroa fazer um esforço de missionação a partir da diocese de Cabo Verde, que tinha uma ampla extensão e pouquíssimos missionários, recorde-se que a terra firma da costa da Guiné ia desde o rio Gâmbia até ao rio de Santo André. O autor jamais ilude como todo aquele trabalho foi precário e sem sequência, diz mesmo que a presença portuguesa na Guiné foi praticamente nula não só naquele século mas como nos seguintes. Dá-nos um bom histórico sobre o chamado período dos Rios da Guiné e da Etiópia Menor, é muito elucidativa a sua exposição sobre este período missionário que abrangeu a Província de Nossa Senhora da Piedade e a Província da Soledade. E também o autor enfrenta uma questão poderosa que era a ligação entre missionários e comércio, procura dar justificações e recorda que ainda há muitos arquivos por consultar.

Um abraço do
Mário


Um importante ensaio sobre a missionação franciscana na Guiné e Rios da Guiné, século XVIII (2)

Mário Beja Santos

Confesso que desconhecia por inteiro os trabalhos que o Padre Manuel Pereira Gonçalves tem dedicado à Guiné e este seu trabalho publicado na Revista Itinerarium (revista semestral de cultura publicada pelos Franciscanos de Portugal), ano LXVIII, n.º 228, julho-dezembro de 2022, como o leitor comprovará, introduz elementos novos face ao que já sabemos, sobretudo depois das incontornáveis investigações do Padre Henrique Pinto Rema.

O seu trabalho intitula-se "A Missionação dos Franciscanos Observantes (1656-1700), na Guiné ou nos Rios da Guiné". Recorda-se o que já se deixou escrito, o nascimento da diocese de Cabo Verde, que se estendia desde o rio Gâmbia até ao rio de Santo André; uma síntese sobre a presença portuguesa nos Rios da Guiné ou Etiópia Menor (1432-1438); os testemunhos dos Jesuítas na Serra Leoa; o trabalho desenvolvido pela Província de Nossa Senhora da Piedade, um apostolado que irradiava de Cacheu para Norte e Sul. E fica bem claro que a Guiné e a missão de Cabo Verde nos finais do século XVII e durante o século XVIII não atraíam vocações.

Temos agora o registo da Província da Soledade. Em 1674, partiram dez religiosos da Província da Soledade e tinham como superior de missão Frei Vicente de Celorico. O problema era melindroso, apareceram religiosos espanhóis que diziam ter sido enviados com o beneplácito papal, de quem dependiam diretamente, obrigaram a uma intervenção diplomática em Roma. Os religiosos franciscanos arvoravam-se como mensageiros do espírito de S. Francisco, pregavam a alegria e a fraternidade. Mas a missionação era precária. Em 1697, o Conselho Ultramarino sugere às autoridades que em Cabo Verde e na povoação de Cacheu haja catequista indígenas que saibam as línguas da terra e sejam eles os encarregados de preparar os escravos para o batismo, antes de seguirem para o seu destino.

Esta ideia de evangelizar através dos catequistas foi um método que os missionários voltaram a utilizar no século XX. E o autor profere a sua própria observação:
“Uma religião dogmática, intelectual, não tem razão de ser na linguagem do africano. A nossa opinião é que ontem como durante muito tempo no século XX, a Igreja procurou sacramentar, marcar os indivíduos antes que os outros fizessem a sua pedagogia. Mas no século XVII este sempre na mira dos navegantes que o importante era impedir que outras religiões chegassem antes de nós.”

E diz-nos, igualmente, que a presença efetivas dos franciscanos era feita através de hospícios, pequenas capelas, catequeses, os franciscanos na costa ocidental da Guiné não se estabeleciam em lugares fixos. Construíam pequenos locais de catequese mais ou menos provisórios por onde o missionário passava de tempos a tempos. E faz as suas críticas:
“É verdade que nem sempre os missionários foram benévolos para como o comportamento do gentio. Partilhamos da opinião de que, na maioria das vezes, os sacerdotes foram cúmplices em muitas cerimónias que tinham muito de paganismo e muito pouco de vestígios religiosos (…) Em alguns aspetos, a presença religiosa foi inovadora. Religiosos houve que procuraram aprender as línguas nativas, utilizaram catequistas africanos no sentido da catequese e condenaram os métodos utilizados pelos compradores de escravos.”

E disseca o trabalho missionário: “Construíram pequenos locais de catequese mais ou menos provisórios, por onde o missionário passava de tempos a tempos. A falta de clero secular fez com que muitos religiosos tivessem substituídos os sacerdotes na missão de paroquiar. Esse trabalho paroquial impediu uma presença mais efetiva e mais franciscana nas comunidades. O primeiro hospício terá sido construído para frades na povoação de Cacheu, por volta de 1660. Em 1677, já estava arruinado. O segundo hospício foi construído para apoio dos religiosos, em Bissau. Foram os Capuchinhos espanhóis que iniciaram as obras.” E diz-nos igualmente que a pregação apostólica dos religiosos da Província da Soledade tinha esta particularidade singular que era a itinerância. O cronista da Soledade informa que do hospício de Bissau se ia todos os anos ao rio Nuno. No século XVIII, as vocações para esta missão eram cada vez em menor número, o apostolado ficou localizado à volta dos dois hospícios existentes, Cacheu e Bissau.

E o autor debruça-se sobre outra questão delicada, os missionários que se dedicavam ao negócio. Em 1753, era o rei a admoestar o Provincial da Soledade por terem os seus religiosos uma casa clandestina de negócios em Farim, na direção da casa estava um irmão leigo. Mas havia outras queixas: casa aberta de comércio em Geba, contratação de escravos em vários portos, muita dedicação aos negócios e pouca ação no campo religioso.

Prestes a terminar o seu artigo, o autor interroga-se do porquê deste engodo do comércio e procura dar explicações:
“A vida dos missionários não era um mar de rosas. O grande benfeitor, quase único benfeitor, era o Governo de Portugal materializado nas côngruas e viáticos, o pagamento andava sempre muito atrasado. Os religiosos não podiam contar com o auxílio da população. Será escandaloso o terem necessidade de se dedicarem a processos de ordem económica para poderem garantir a sua subsistência sem aludir já ao apoio que ele representava para obras materiais e para o seu apostolado, tais como: igrejas, conventos, hospícios e todo o recheio necessário? A comunidade cristã não tinha estruturas económicas para poder ajudar os religiosos missionários. Há casos isolados, que apenas confirmam a regra geral. Nos finais do século XVII, as crianças Felupes ajudavam na construção da igreja local pelo seu próprio trabalho manual; há ainda a informação de que os Bijagós da ilha de Carache se ofereceram para ajudar a presença dos missionários com arroz e com uma vaca para auxiliar no sustento e no trabalho. É esta a situação económica destes religiosos que partem para a missão de espalhar o Evangelho. Nestas circunstâncias, era natural que um ou outro religioso se dedicasse ao negócio para sobreviver. Só assim nos parecesse justificado o trabalho comercial com o qual angariava o necessário para si e para a missão.”

Mas há um outro aspeto crítico que o autor levanta no termo do seu artigo: “Sabemos de religiosos que deixaram de evangelizar para viver, naquelas paragens, a comerciar. Longe do seu pensamento estava a conversão do indígena e o desenvolvimento socioeconómico do africano. Contudo, legitimar estes factos é complicado, pois que a documentação é escassa.” O autor conclui o seu trabalho com o levantamento que pôde fazer de alguns missionários franciscanos na missão da Guiné no século XVII.

Consideramos este texto do maior interesse dado que o Padre Manuel Pereira Gonçalves trabalhou no Arquivo Histórico Ultramarino e está na posse de bibliografia mais recente sobre a missão franciscana da Guiné.

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24580: Historiografia da presença portuguesa em África (382): Um importante ensaio sobre a missionação franciscana na Guiné e Rios da Guiné, século XVIII na "Revista Itinerarium", ano LXVIII, n.º 228, julho-dezembro de 2022 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24600: Álbum fotográfico do António Alves da Cruz, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Buba, 1973/74) (2): O percurso de muitos de nós: Tavira (CISMI), Elvas (BC 8), Tomar (RI 15), T/T Uíge...


Foto nº 6 > Tavira > CISMI > Recruta > 2º turno 1972 Ao centro o Machado; o camarada da esquerda não recordo o nome; eu, à direita, de óculos.




Foto nº 7 > Tavira > CISMI > 1972 > Quando acabei a especialidade (atirador).



Foto nº 8 > Elvas > BC 8 > A dar recruta 4º turno 1972 [os pelotões eram numerosos, contam-se aqui quase meia centena de homens; o Cruz é o oitavo da fila de pé, a contar da direita]



Foto nº 9 > Tomar > RI 15 > 1973 : A formar o BCAÇ 4513/72 mobilizado para a Guiné: eu e o Victor Domingues com o nosso aspirante Jorge, no meio, de blusão, a formar o 3º pelotão da 1ª companhia.



Foto nº 10> T/T Uíge > Março de 1973, rumo à Guiné: da esquerda para a direita, Raposo, Cruz, Victor Domingues e Félix.



Foto nº 11 > T/T Uíge > Março de 1973, rumo à Guiné: O pessoal a dar ao dente a bordo do Uíge: da esquerda para a direita, Loução, Félix, Baeta e o outro camarada não recordo o nome.


Foto nº 12 > T/T Uíge > Março de 1973, rumo à Guiné: à minha direita, o Félix e à esquerda o Victor Domingues.



Foto nº 13 T/T Uíge > Março de 1973, rumo à Guiné: - No Uíge com o Félix

Fotos (e legendas): © António Alves da Cruz (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação de uma seleção de fotos do álbum do António Alves da Cruz (*).  Já em 2014 tínhamos descoberto a sua página do Facebbok, e publicámos dois postes. Já  na altura fizemos o convite, formal, para se juntar ao nosso blogue,  o que veio acontecer agora: é o novo membro, nº 880 da Tabanca Grande (**).

Ele fez o percurso de muitos de nós: Tavira (CISMI), Elvas (BC 8), Tomar (RI 15), T/T Uíge, conforme documenta as fotos acima publicadas... E depois Bolama (CIM),  de acodo com o próximo poste.