Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 26 de julho de 2024
Guiné 61/74 - P25779: Notas de leitura (1712): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1869) (13) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
O Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde e da Costa de Guiné, parece que ganhou vivacidade quanto aos assuntos da ainda Senegâmbia, já não se limita a nomeações, transferências ou autorização de férias por motivos de saúde ou às receitas alfandegárias, vimos em números anteriores que os governadores passam a enviar para a cidade da Praia informações mensais, fala-se de tudo um pouco desde a agricultura à saúde. Ora, nestes Boletins do início de 1869, aparece um relatório assinado pelo governador Fortunato Meira para o Governador Geral, dando conta de ocorrências havidas na região de Geba, não era a presença portuguesa que estava em causa, eram questiúnculas de diferente dimensão, revoltas contra régulos, que tinham obrigado à intervenção da força militar de Geba, o chefe dos Futa-Fulas veio atacar territórios Mandingas, queimou uma povoação, ainda se faziam escravos nestes ataques, como no passado, esse mesmo chefe dos Futa-Fulas pretendia atacar Gofia, povoação próxima de Geba, as tropas do presídio tiveram que intervir, o Governador mandou levantar quatro baluartes para defender o presídio, na eventualidade de tentativas de agressão. O Governador regressou a Bissau e o chefe dos Futa-Fulas queimou Gofia, degolando todos os homens que apanharam com armas na mão. No meio deste turbilhão, o Governador da Guiné informa o Governador Geral que a navegação no rio Geba estava desembaraçada, o chefe dos Futa-Fulas pusera termo a outras sublevações. Em leitura política podemos dizer que se estava a afirmar a boa relação entre as autoridades portuguesas e as etnias Fulas.
Um abraço do
Mário
Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1869) (13)
Mário Beja Santos
Este ano de 1869 está a trazer algumas surpresas, ficamos a saber que a escravatura foi totalmente abolida e que há um prazo determinado para o escravizador libertar o escravo. E aparece um interessante relatório, seguramente que irá interessar os investigadores que pretendam aprofundar este período.
No Boletim Official n.º 4, de 25 de janeiro, por disposição do Ministério dos Negócios da Marinha e Ultramar, é criado em cada uma das províncias ultramarinas lugar de chefe de serviço de saúde, irá exercer as mesmas atribuições que até então pertenciam ao físico-mor. Lido atentamente o documento, não fica tudo exatamente na troca de nomes, abre-se a oportunidade a aparecer mais gente qualificada. No Boletim n.º 6, de 6 de fevereiro, é aprovado o orçamento de despesa a fazer com a reconstrução do Baluarte do Pidjiquiti na importância de 456.720 réis. No Boletim n.º 7, com data de 13 de fevereiro, confirma-se a nomeação feita pelo Governador da Guiné de Martinho Lopes de Oliveira para fiscal no ponto de Geba, fazendo serviço no ponto de S. Belchior (confirma-se assim que esta região do Geba passara a merecer quadro de ocupação e vigilância, o que não ocorrera até então).
Neste mesmo Boletim, o Governador da Guiné, Manuel Fortunato Meira, envia ao Governador Geral a ata de uma sessão da Comissão Municipal da Guiné, com data de 16 de janeiro, onde além do agradecimento ao Governador Geral “pelas acertadas medidas e providências que adotou para debelar a epidemia da febre amarela, louva igualmente o Governador Geral pelas acertadas ordens que deu para que a bandeira nacional fosse novamente colocada na colónia do Rio Grande de Bolola”, o que foi recebido por todos os povos desta Possessão, ainda os mais estranhos, com demonstrações de agrado e regozijo.
O Boletim n.º 8, de 20 de fevereiro, traz uma novidade, o relatório do Governador da Guiné para o Governador Geral, tem data de Bissau de 18 de janeiro. Depois dos cumprimentos da praxe, Fortunato Meira informa que embarcara para Geba, onde chegara no dia 15 de dezembro pela manhã, reuniu com os notáveis e mais povo deste ponto, queria apurar as ocorrências que haviam tido lugar envolvendo os gentios vizinhos, os de Badora e os Futa-Fulas. Apurou-se ter havido uma revolta dos gentios de Ganadu contra o seu régulo, o que levou as nossas tropas em Geba a atacar uma povoação, de Futa-Fulas, este, por sua vez, tinham vindo atacar diversos territórios de Mandingas, tudo isto se passou na margem direita; na outra margem, em Badora, houvera conflito entre régulo principal e um fidalgo daquele território, o chefe dos Futa-Fulas passou aquela gente para a outra margem e queimou a povoação de Bricama, o régulo teve que fugir para o território de Gole; este chefe dos Futa-Fulas, de nome Sori, convidou os Grumetes de Geba para o acompanharem, aliciava-os a trazerem escravos, etc.
Este documento de Fortunato Meira vem abonar a tese de que, independentemente dos conflitos à volta da presença portuguesa, as guerras gentílicas na segunda metade do século XIX tinham ganho uma enorme intensidade. A preocupação do Governador era que houvesse liberdade de circulação no rio Geba, que fora posta em causa por este conjunto de confrontos e até ataques ao presídio de Geba. No mesmo Boletim Official publica-se as instruções que Fortunato Meira deixava ao chefe do presídio de Geba, ficava autorizado a trazer a paz com os gentios vizinhos quando estes a vierem pedir; deveria o chefe do presídio conservar o mesmo presídio sempre na defensiva, e controlar todos os meios possíveis conciliatórios, que jamais se agridam gentios entre si, defendendo-se se for atacado, mas nunca atacando, e para esse fim iria permanecer em Geba um destacamento de 15 praças; havia que procurar manter sempre o presídio em boas relações de amizade, etc. etc. Isto para significar que passara a ser política dominante os termos de uma ocupação que dissuadisse conflitos interétnicos e que não pusesse em causa a soberania portuguesa.
No Boletim n.º 11, com data de 13 de março, publica-se um documento curioso emanado do hospital militar de Bissau, com nota das doenças que foram tratadas no serviço clínico nos meses de setembro e outubro de 1868. Referindo-se aos doentes militares, no mês de setembro, houvera um doente com bronquite crónica, tinha melhorado; outro com epididimite (inflamação do epidídimo nos testículos), estava curado; houvera três doentes com febres intermitentes quotidianas simples (?), estavam curados; um outro doente curado tinha tido febre terçã; um outro doente com febre perniciosa (forma congestiva) também estava curado; um doente com ferida na região diafragmática (produzida por um instrumento perfurante, faca), também estava curado; um doente com ferida à região anterior na coxa direita (produzida por instrumento perfuro-cortante, baioneta), também curado; um doente com ferida no dedo grande do pé (arrancadura da unha) continuava em tratamento; melhorara um doente que padecia de reumatismo articular crónico; um doente que padecia de sífilis e de cancros infetantes, tinha estado em tratamento e era dado como curado; com referência à tuberculose pulmonar, havia um doente em tratamento, outro falecera e um outro continuava em tratamento; quanto a úlceras da Guiné (?) havia um caso, o doente melhorou.
Para não cansar o leitor, há que referir que existe um quadro dos doentes civis, homens com pleuropneumonia, sífilis, tuberculose pulmonar, curados ou em tratamento; as mulheres padeciam de caquexia palustre (enfraquecimento extremo causado pelo paludismo) e de sífilis.
À relação de setembro segue-se a do mês de outubro, é bastante parecida com a anterior. O Boletim n.º 12 de 20 de março, emanado do Ministério dos Negócios da Marinha e Ultramar, decreta que ficava abolido o estado de escravidão; e no dia 29 de abril de 1878 cessaria para todos os indivíduos a condição de libertos; não pertencerão a qualquer pessoa de quem tenham sido escravos.
(continua)
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Notas do editor:
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Último post da série de 22 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25770: Notas de leitura (1711): Aqueles anos horríveis do ajustamento estrutural, fim do sonho coletivista: Dois ensaios de cientistas sociais suecos, um documento importante de Lars Rudebeck, amigo da Guiné (1) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P25778: Timor-Leste: passado e presente (14): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte VI: Díli, 20 de fevereiro de 1942: a invasão e a ocupação japonesas
Timor > s/l > s/ d (c. 1936-1940) > Estação TSF de Díli (ou seria Taibéssi, de que os japoneses se apoderaram em 31 de maio de 1942 )
Fonte: Portal Casa Comum | Fundação Mário Soares e Maria Barroso | Pasta: 05768.032.08355 | Título: Diário de Lisboa | Número: 6913 | Ano: 21 | Data: Sábado, 21 de Fevereiro de 1942 | Directores: Director: Joaquim Manso | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa.
Citação: (1942), "Diário de Lisboa", nº 6913, Ano 21, Sábado, 21 de Fevereiro de 1942, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_26735 (2024-7-26)
Da entrada sobre "Timor", no "Dicionário de História de Portugal. Suplementos" (ed. lit, António Barreto e Filomena Mónica, vols. VII a IX, Porto, Figueirinhas, 2000), pode ler-se, no Vol IX, Suplemento P/Z, a pp. 515-517, e bem como do livro de memórias de José dos Santos Carvalho que temos vindo a recensear, recolhemos a seguinte informação, sumária, de natureza socioeconómica e demográfica:
(i) de 1926 a 27 de fevereiro de 1942 (data do desembarque japonês), Timor conheceu "um período de abandono e estagnação" (sic), não obstante a "ação civilizadoa e colonizadora" do governador Álvaro Fontoura (1936-1940), propagandeada no célebre "Álbum Fontoura" (coleção com mais de meio milhar de fotografias sobre a "colónia portuguesa de Timor"; ficou com "o nome do governador que o mandou elaborar, em finais dos anos 30, e coincidindo, então, com a permanência em Timor de uma missão geográfica e geológica, chefiada pelo geógrafo Jorge Castilho").
(ii) 200 civis (cerca de metade eram deportados) e 300 militares (a maior parte indígenas) garantiam a soberania portuguesa;
(iii) mais de 90% dos menos de 500 mil timorenses de então viviam nas zonas rurais governados pelsos seus próprios régulos (os "liurais", da confiança política dos portugueses);
(iv) a economia, de base agrícola, era de subsistência (milho, introduzido pelos portugueses no séc. XVII, e arroz de sequeiro), tendo alguma importância o café (que era exportado), a criação de gado e o artesanato;
(v) em Díli, a atividade comercial era dominada por uma "elite de mestiços e chineses";
(vi) 80% das exportações eram representadas pelo café, de alta qualidade (700 toneladas exportadas em 1938);
(vii) na ausência de receitas próprias, Lisboa tinha que suportar as despesas de administração do território;
(viii) em Díli, em 1940, não havia energia elétrica, água corrente, ruas pavimentadas, telefones públicos, instalações portuárias (cais de carga);
(ix) apenas cerca de um milhar de crianças frequentavam a escola primária;
(x) havia 4 médicos (segundo o testemunho de José dos Santos Carvalho, médico de saúde pública) e uns tantos enfermeiros e auxiliares de enfermagem;
(xii) os direitos civis, reconhecidos em 1822, na sequência da revolução liberal, foram revogados pela nova política colonial do Estado Novo (Ato Colonial de 1930);
(xiii) os assimilados ou civilizados eram uma minoria de 2% de timorenses (os que tinham instrução e bens próprios);
(xiv) pelo Ato Colonial de 1930, praticava-se o "trabalho forçado", embora "pago" (obras públicas, etc.);
(xv) o território (a c. 20 mil km de distância da "metrópole") continuava a ser local de deportação e encarceramento (deportados "políticos" e "sociais", que em 1840 não chegaram a uma centena);
(xvi) a Igreja Católica era influente mas só 13% dos timorenses eram então católicos praticantes;
(xvii) a assinatura da Concordata e do Acordo Missionario entre o Vaticano e o Estado Novo tinha-se traduzido na criação de uma diocese em Díli (Timor até então dependia de Macau);
(xviii) não havia rádio nem jornais;
(xix) praticamente, os únicos professores eram os missionários (e um ou outro militar);
(xxx) o sistema de saúde resumia-se praticamente a um pequeno hospital, em Lahane, uma "farmácia de Estado", e três delegacias de saúde pública, para um território de 15 mil km quadrados;
São dados que estão longe de serem lisongeiros para a potência administrante do território (com governador nomeado desde o início do séc. XVIII)... Compare-se esta informação com as fotos do "Álbum Fontoura", nomeadamente sobre a "ação civilizadora e colonizadora"... Álvaro Fontoura (1895-1975) foi governador de Timor entre 1936 e 1940 e, como se costuma dizer, "deixou obra", leia-se, "obras públicas (escolas, igrejas, enfermarias, edifícios públicos, algumas pontes...).
(...) Cerca das nove horas do dia 8 de fevereiro, dois aviões japoneses metralharam as posições holandesas na praia de Díli, atingindo casas da cidade e só por milagre não feriram os portugueses que, a essa hora se dirigiam para o edifício da Câmara Municipal onde se realizaria a eleição do Senhor Presidente da República [ reeleição de Osar Carmona, pela única, da União Nacional] (1).
Seguiu-se desenfreado saque à cidade pela indisciplinada tropa de choque que tinha feito o assalto e a encontrou quase vazia de habitantes.
Dos poucos europeus que ainda viviam em Díli, muitos foram pedir auxílio às casas de Lahane e, sobretudo, ao hospital e edifícios anexos e à Missão, onde se alojaram cerca de trinta pessoas. Outros, foram para muito mais longe, a Aileu, à Ermera, a Liquiçá e a Maubara, onde tinham as famílias desde dezembro do ano anterior [ desde ainvasão das tropas autraliano-holandesas].
Tendo caído granadas junto ao quartel de Taibéssi, aquando do bombardeamento japonês que precedeu o desembarque, o tenente Ramalho seguiu com o destacamento da companhia de caçadores que comandava para Aileu onde se juntou à companhia de caçadores que, por ordem do Governador, se deslocou para ali, de Maubisse, ficando todos instalados no edifício do presídio.
Os japoneses ocuparam quase todos os edifícios de Díli e, em Lahane, o edifício da Assembleia dos Funcionários, e as casas do chefe do gabinete do governador, capitão Vieira, e do Dr. Francisco Rodrigues, que nessa altura estavam sem moradores.
Libertaram imediatamente os seus concidadãos presos pelas tropas aliadas e internaram no hospital Dr. Carvalho, à responsabilidade assumida pelo seu director, Dr. Correia Teles, e sob palavra de honra, de que não fugiria, o cônsul da Holanda, engenheiro Brower e sua esposa.
Naquele mesmo hospital ficaram alojados, até ao fim da guerra, o alemão Max Sander e o autraliano Arthur Brian.
Somente através de atos do mais puro heroísmo e destemida dedicação foi possível a alguns portugueses voltar a Díli e salvar alguma coisa, destacando-se, nomeadamente, o gerente do Banco Nacional Ultramarino João Jorge Duarte, o Dr. Tarroso Gomes (que exercia as funções de diretor dos Serviços de Fazenda) e o aspirante administrativo José Duarte Santa.
Obrigados a cumprimentar os japoneses com repetidas vénias e maltratados e até esbofeteados, não deixaram de teimosamente voltar às suas antigas repartições, procurando manter um esboço de serviço e evitar a destruição ou deterioração de elementos preciosos para a administração.
Assim, o gerente evitou que as instalações do Banco fossem ocupadas pela tropa e o Dr. Tarroso salvou o essencial para o funcionamento dos Serviços de Fazenda que conseguiu manter em Díli, algum tempo, numa casa particular.
Do saque a Díli, conseguiram os fiéis timorenses, funcionários da administração do concelho, chefiados pelo aspirante Santa, salvar e transportar para Lahane, sendo armazenados no hospital e em várias casas, o arroz, feijão e parte do café que estavam nos armazéns da FOAGE (Fábricas, Oficinas e Armazéns Gerais do Estado), cujas instalações foram ocupadas pelos japoneses e que de lá se conseguiram tirar antes de desaparecer, tudo, e a gasolina e petróleo da reserva do Estado que estava num armazém junto ao farol, e que, também, foi possível salvar em grande parte.
Papel brilhantíssimo coube a todos os funcionários dos Serviços de Saúde, desde o director até ao mais humilde servente !
Apesar da fuga desordenada perante a fúria e desvastações do invasor, nem um só abandonou o seu posto pelo que o hospital Dr. Carvalho foi o único organismo do Estado que pôde continuar e exercer todas as suas funções com regularidade e a mais completa calma e eficiência, passando aí a funcionar a Farmácia do Estado.
(...) Em princípios de março [de 1942] os japoneses distribuíram prospetos, em inglês, pelos quais impuseram a sua moeda, o «yen» com paridade com a pataca. Logo surgiram as notas de «gulden», moeda de guerra dos japoneses, emitida especialmente para circular nas Índias Neerlandesas.
(1) Imperial Japanese Forces will be stationed in Portuguese Timor, for self -defense in connection with their operations.
(2) Portuguese forces and non-combatents are requested strictly not to obstruct or disturb any operation of the Imperial Japanese Forces.
(iii) Tradução para português da proclamação de guerra, assinada peloComandante das Forças Imperiais Japonesas. (Google Translate / LG):
"O Império Imperial do Grande Japão está agora em guerra com a Holanda e também com a Austrália, que é parte do Reino Unido.
As Forças Imperiais Japonesas são obrigadas a tomar as medidas e os meios necessários em Timor, na medida em que forças neerlandesas e australianos estão estacionadas em território neutro como este.
Eu, Comandante das Forças Imperiais Japonesas, por este meio, aqui decalro e exijo o seguinte:
(1) As Forças Imperiais Japonesas ficarão estacionadas no território de Timor Português, para autodefesa no âmbito das suas operações.
(2) Aos militares e aos civis portugueses requer-se estritamente que não obstruam ou perturbem qualquer operação das Forças Imperiais Japonesas.
O Comandante das Forças Imperiais Japonesas."
(...) Pouco depois da sua chegada a Díli, os japoneses lançaram-se à conquista do acampamento dos australianos em Nai-Suta, tendo sofrido grandes desaires, caindo como tordos (1) sob os golpes dos soldados australianos que actuavam em guerrilhas.
«Enraivecidos, quando chegaram ao alto, entram na primeira palhota que se lhes depara. Era a humilde moradia, a quase miserável residência de Ramos Graça, que deportado em Timor desde 1927, onde levara uma vida de trabalho honrado, ali vivia rodeado dum grupo de crianças que eram seus filhos.
Surprendido, mas sem receio, respondeu serenamente, e com verdade, que desconhecia o paradeiro dos guerrilheiros australianos. Sairam; um pouco adiante porém, nova rajada de metralhadora leva mais uns tantos a morder o pó daquela terra ultrajada. Retrocedem cegos de despeito e ódio, entram de roldão na palhota, avançam as baionetas em golpes repetidos até saciarem seus selváticos e sanguinolentos instintos.
Passam uma corda ao pescoço do cadáver esquartejado, arrastam-no para uma ravina distante, onde o despenham e é encontrado poucos dias depois. Assim morreu Ramos Graça, o primeiro português-europeu a cair indefesa e ingloriamente» (1).
Combatendo ao lado dos australianos, apesar de ser coxo, encontraram e aprisionaram os japoneses, no Remexio, o deportado sr. Fernando Martins. Levaram-no para Díli, onde foi morto a golpes de catana no campo de aviação, segundo mais tarde me informou o sargento António Joaquim Vicente que, no tempo de paz, era o chefe da polícia de Díli.
"Estiveram pois em descanso na Ermera todo um mês, de 13 de abril a meados de maio, que aproveitaram para fazer intensa propaganda no seio dos indígenas» (1).
(...) A Austrália, que considerava perdida toda aquela gente, fez um apertado reconhecimento e mandou os primeiros socorros bem necessários. Pela primeira vez, então, um avião aliado apareceu a fotografar as posições inimigas. Criaram-se novas esperanças com o reaparecimento das guerrilhas bem armadas e municiadas pelos reabastecimentos recebidos em paraquedas. Ouviu-se de novo o estrondear das granadas de mão e as sinistras gargalhadas das metralhadoras. Os japoneses atacados nas suas posições avançadas e na própria linha de comunicações, lançavam patrulhas que iam sendo dizimadas impiedosamente.
Numa luta sem quartel os guerrilheiros atacavam por toda a parte e a toda a hora, de noite e de dia. Batidos, quase escorraçados, os japoneses confinam-se em Díli, que começa a ser bombardeada regularmente (1).
Assim, apareceram pela primeira vez sobre a cidade, lançando bombas, quatro aviões australianos, no dia 20 de maio.
(vi) O administrador do concelho de Díli é substituído pelo engenheiro Artur do Canto, da Missão Geográfica, ao que parece por pressão dos japoneses; o autor, José dos Santos Carvalho, irá elogiar a sua ação, na ligação com o ocupante; por sua vez, os portugueses perdem todas as ligações com o exterior, quando em 31 de maio de 1942 os japoneses ocuparam a estação radiotelegráfica de Taibéssi.
(...) Os japoneses organizaram então a sua defesa antiaérea, eriçando de canhões e metralhadoras os pontos estratégicos, entre os quais as muito próximas vizinhanças da residência do Governador e do hospital Dr. Carvalho, os quais, sempre que havia um ataque, desentranhavam um muito nutrido e ensurdecedor fogo de barragem.
«Impotentes para resistir aos violentos ataques dos aliados, fazem recair suas iras sobre os indefesos funcionários que, na capital, junto do Governador, procuram manter em funcionamento um arremedo de serviços públicos. Incompatibilizados com o administrador do concelho, fazem pressão para que seja castigado, conseguindo que seja suspenso do exercício das suas funções, afastado do seu posto e substituído pelo engenheiro-geógrafo Artur do Canto, da Missão Geográfica, que, naquele momento difícil e num gesto simpático, voluntariou para tão espinhoso como ingrato cargo» (1).
No dia 31 de maio os japoneses ocuparam a nossa estação radiotelegráfica de Taibéssi pelo que, daí em diante, ficámos sem qualquer possibilidade de comunicação com o exterior.
O administrador de Manatuto, Dr. Mendes de Almeida e a sua esposa, D. Elzira, receberam na sua residência de Saututo, as famílias do Governador, do capitão Vieira e do tenente Alves. O capitão dos portos de Timor, comandante César Gomes Barbosa, seguiu para Baucau onde se instalou numa casa próxima domoinho que aí existia.
(vii) por razões de segurança, os escassos serviços e funcionário públicos (e respetivas famílias) são dispersos pelo território, por ordem do governador; em 12 de agosto, o médico desloca-se de Baucau para Lahane, numa ação de voluntarismo e solidardade.
(...) Por uma portaria publicada em 11 de julho [de 1942], ordenou que a sede do Governo e os Serviços de Administração Civil e os de Fazenda passassem a funcionar em Baucau, os Serviços dos Correios em Laga e a Repartição de Saúde, o Hospital Dr. Carvalho e a Farmácia do Estado, em Quelicai.
A mudança dos serviços e o transporte dos funcionários e do mobiliário e dos arquivos que ainda nos restavam, foram feitos com febril mas perfeitamente ordenada organização que logo demonstrou as excecionais qualidades de dirigente e administrador do Engenheiro Canto.
Em poucos dias se conseguiu dar execução à portaria governamental, porém, quando o Governador, com o seu ajudante e secretário, saíam no seu automóvel do recinto da residência para seguirem para Baucau, no dia 22 de julho, uma simples sentinela japonesa barrou-lhes o caminho, sem dar quaisquer explicação do seu ato.Não tiveram outro recurso senão regressar ao ponto de partida e resignar-se à situação, pois o cônsul japonês, sr. Sayta, assediado pelo engenheiro Canto,(atuando qual consumado diplomata) , afirmava que, como simples civil, nada podia fazer perante o omnipotente comando militar.
Ao passar em Baucau, caminho de Kelikai, o chefe da Repartição de Saúde, Dr. Correia Teles, contou-me que a senhora D. Rufina Rodrigues andava seriamente assustada e preocupada com os bombardeamentos de Díli e Lahane que muito a emocionavam. Redigi e assinei, então, uma nota a ele dirigida, oferecendo-me para ir substituir aquele nosso colega em Lahane, durante um mês.
Instalaram-se os vários funcionários que agora prestavam serviço em Baueau, nas diferentes casas que ficaram superlotadas com várias famílias.
No pavilhão principal do edifício do Hospital Dr. Carvalho encontrei : o engenheiro Canto, o sargento Vicente, o secretário administrativo João Gamboa, o chefe de posto de Laulara, Francisco Torrezão, os aspirantes administrativos, José Santa e Domingos Ribeiro, o secretário da Câmara Municipal de Díli, Rosário Roque da Piedade Rodrigues, o sargento-artífice Alberto Pinto, o enfermeiro Victor Madeira, o gerente do Banco Nacional Ultramarino, João Jorge Duarte, os funcionários do mesmo banco, Anselmo Bartolomeu de Almeida e Fausto Amaral, e os estrangeiros Max Sander e Arthur Brian.
Carlos Cal Brandão: "Funo: guerrra em Timor". Porto, edições "AOV", 1946, 200 pp. |
Capa do livro de José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, 208 pp. Cortesia de Internet Archive. |
Notas do autor:
(1) Vide Carlos Cal Brandão, Funo. Porto, 1946.
(2) Informação a mim prestada, directamente, pelo senhor Moreira Rato.
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 22 de julho de 2024 > Guine 61/74 - P25769: Timor Leste: passado e presente (13): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte V: a invasão de tropas australiano-holandesas, em 17 de dezembro de 1941Guiné 61/74 - P25777: Casos: a verdade sobre... (47) "Fogo amigo", Xime, 1/12/1973: o obus 14 cm m/43 usava a granada HE (45 kg) com alcance máximo de 14,8 km... (Morais Silva, cor e prof art AM, ref; ex-cap art, instrutor 1ª CCmds Africanos, Fá Mandinga, adjunto COP 6, Mansabá, cmdt CCAÇ 2796, Gadamael, 1970/72)
1. Mensagem do nosso amigo cor art ref Morais Silva, professor de artilharia e investigação operacional, ref, na AM; no CTIG, foi cap art, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e cmdt da CCAÇ 2796, em Gadamael, 1970/72.
Data - terça, 9 de julho de 2024 23:16
Assunto - Fogo amigo
Caro Luís
Aqui vai o meu contributo (*). Ab do MS
Mansambo - XIME = 15 km medidos na carta 1:50000
O nosso Obus 14 cm m/43 usava a granada HE (45kg) com alcance máximo 14 800 metros. Com o gastamento das bocas de fogo o alcance máximo das nossas velhinhas b.f. era garantidamente inferior (**).
(*) 23 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25772: Casos: a verdade sobre... (45): O "incidente" de 1/12/1973 que levou à morte de 7 civis no Xime, por "fogo amigo": nessa data não havia obuses em Mansambo e Gampará já tinha o obus 14 (António Duarte,ex-fur mil, CART 3493, Mansambo, e CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, dez 71 - jan de 74)
quinta-feira, 25 de julho de 2024
Guiné 61/74 - P25776: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (53): Operação Jaguar Vermelho - III: dia 1 de Junho de 1970
"A MINHA IDA À GUERRA"
João Moreira
OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO - III
1970/JUNHO/01
Em CANFANDA emboscamos os 3 grupos de combate ao longo do trilho, conforme o estabelecido.
Às 10h30 ouviu-se um helicóptero que pelo rádio chamou "leão?? - um algarismo que não me recordo)". Identificou-se como "leão 1" e disse que ia pousar.
Com todos os acontecimentos anteriores eu não sabia qual era o nosso nome de código.
Perguntei ao soldado das transmissões quem era o "leão 1" e ele também não sabia.
Mandei-o dizer para não pousar, porque íamos montar segurança.
Resposta imediata do helicóptero: "Vou pousar. Não preciso de segurança".
Entretanto aparece o Alferes Pimentel com 1 secção, e pediu-me outra secção para montar segurança ao helicóptero que trazia o General Spínola.
Quando chegamos ao local, para montar segurança, já o heli tinha pousado.
Do heli saiu o General Spínola, um brigadeiro (penso que era o 2.º Comandante das Forças Armadas), o Capitão Almeida Bruno (Ajudante de Campo do General Spínola) e um alferes (penso que era o piloto do heli - Jorge Félix?).
Guiné > Algures > Jorge Félix, Alf Mil Piloto de Heli Al III (BA 12, Bissalanca, 1968/70) e António Spínola (Com-Chefe e Governador Geral, CTIG, 1968/73)...
Foto: © Jorge Félix (2010). Todos os direitos reservados
O General Spínola perguntou para que era aquele pessoal que ia connosco.
Como o Alferes Pimentel disse que era para montar segurança, mandou-os regressar ao local da emboscada, dizendo que ele não precisava de segurança.
Quis saber como tinham acontecido as coisas na véspera e qual era o moral do pessoal da Companhia, após o ataque que tínhamos sofrido e que tinha provocado ferimentos graves ao nosso capitão.
Deu-nos notícias do estado do Capitão Moura Borges.
Disse que antes de vir para a Operação, que continuava a decorrer, tinha ido ao Hospital Militar ver o Capitão Moura Borges.
Informou-nos que já tinha sido operado e que tinha corrido bem.
Iria ser transferido para o Hospital Militar de Lisboa, para a recuperação ser mais rápida, porque o clima húmido da Guiné não era favorável a esta situação.
Durante a conversa com o General Spínola, o brigadeiro veio ter comigo para saber onde estava instalada a nossa Companhia.
Apontei-lhe o local e disse-lhe que era ali o trilho indicado para a Companhia montar a emboscada.
Para meu espanto, o brigadeiro mandou-me buscar o pessoal da Companhia, para o nosso General passar revista.
Felizmente para mim, o Capitão Almeida Bruno assistiu à conversa/ordem que o brigadeiro me deu.
Achei um grande disparate, mas cumpri a ordem do brigadeiro - Quem era o furriel "periquito" que não cumpria a ordem recebida dum brigadeiro?
Contrariado, fui buscar o pessoal da Companhia e dirigi-me para junto do heli, onde estava a decorrer o nosso encontro.
Quando chegamos junto do heli, o General Spínola perguntou-me quem me mandou ir buscar os soldados.
Apeteceu-me dizer que tinha sido o brigadeiro - o que era verdade - mas ao mesmo tempo pensei na gravidade de um furriel "periquito" estar a acusar um brigadeiro.
E aqui valeu-me a ajuda do Capitão Almeida Bruno. Contornou parte do círculo que formávamos e colocou-se virado para mim e a apontar para o brigadeiro. Fez isto várias vezes, mas eu continuava a ter medo das consequências.
Bastava o brigadeiro dizer que não me deu essa ordem e eu é que ficava como mentiroso. O Capitão Almeida Bruno viu o meu "desespero", contornou novamente parte do círculo e quando passou por trás de mim, bateu-me nas costas e disse: "Diz que foi o brigadeiro". Com este "apoio", decidi e respondi ao General Spínola:
"Meu Comandante, foi o nosso Brigadeiro que me deu ordem para levantar a emboscada e trazzer o pessoal para aqui, para o meu Comandante passar revista".
Resposta do General Spínola: " O nosso Brigadeiro aqui não manda nada. Volta a instalar o pessoal no trilho, e eu é que vou lá visitá-lo para não arriscar a segurança deles".
Desta já me safei, pensei eu.
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 18 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25758: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (52): Operação Jaguar Vermelho - II: dia 31 de Maio de 1970
Guiné 61/74 - P25775: Casos: a verdade sobre... (46): Sim, o obus 14 (a partir de Ganjauará ou de Mansambo) tinha alcance para chegar ao Xime (a 15 km de distância) em 1/12/73 (Domigos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7 / GA 7, Bissau, 1969/71; ex-cmdt, 22º Pel Art, Fulacunda, 1969/70; vive em Almada)
Foto (e legenda): © Domingos Robalo (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7 / GA 7, Bissau, 1969/71; foi comandante do 22º Pel Art, em Fulacunda (1969/70); nasceu em Castelo Branco, trabalhou na Lisnave, vive em Almada; tem cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue;
(i) quem estava onde, em 1/12/1973, e quem disparava o quê: se Ganjauará já tinha trocado o 10.5 (29º Pel Art) pelo 14 (27º Pel Art)...
(ii) ou se o 27º Pel Art (14 cm) estava em Mansambo.
Na história do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74), diz-se que foi o 27º Pel Art deu apoio de artilharia ao Xime, nessa ocasião (1/12/1973), para além da resposta que o 20º Pel Art local deu com o obus 10.5.
(ii) Pela Directiva nº 17/73 de 16 de abril de 1973, fora remodelado o "dispositivo artilheiro": entre outras medidas, foi atribuído um Pelotão de Artilharia 14 cm (a 3 bocas de fogo), a cada uma das seguintes guarnições:
- Bigene;
- Mansoa ("a transferir, logo que possível, para o aquartelamento a instalar na estrada Jugudul-Bambadinca);
- Piche;
- Mansambo;
- Tite;
- Fulacunda;
- Ganjauará (península de Gampará);
- Buba;
- Aldeia Formosa;
- Catió (provisoriamente em Cufar);
- Chugué;
- Guileje (será retiarado pelas NT em 22/5/1973);
- Cacine.
Data - terça, 9/07, 22:16
Camaradas,
A pergunta simples e direta, dá-se uma resposta técnica e rigorosa, não sem antes ter ido confirmar nos “canhenhos”.
Saudações artilheiras,
Domingos Robalo, "ilustre artilheiro"
(*) Vd. poste de 5 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25717: Casos: a verdade sobre... (44): fogo IN ou "fogo amigo" a causa das 7 mortes civis em 1/12/1973, no Xime ? A hipótese de ter sido a artilharia de Gampará, ao tempo da CCAÇ 4142/72, tem de ser descartada
quarta-feira, 24 de julho de 2024
Guiné 61/74 - P25774: Historiografia da presença portuguesa em África (433): Fortunato de Almeida e a Guiné antes de 1920 (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Estes pequenos capítulos de obras como esta de Fortunato de Almeida, uma segunda edição em 1920, permite pertinentes leituras: o enclave está perfeitamente definido, assume-se desconhecimento em aspetos tão importantes como a geologia, é uma época em que para além de Bolama e Bissau têm reconhecida vida ativa Cacheu e Farim, Geba, Fá, Belchior, Buba e Cacine. Estão identificadas algumas das riquezas e potencialidades do território, curiosamente não se fala ainda no arroz, e é altamente questionável que houvesse para ali tigres e leões. O comércio ainda está dominado pelos estrangeiros, a Alemanha tem um peso dominante, como pude detetar quando estava a preparar a História do BNU na Guiné; a CUF ainda não chegou, para se chegar à metrópole só pelos vapores da Empresa Nacional de Navegação. A Guiné só possuía um concelho e número reduzido de escolas primárias. E também não há uma só palavra sobre os recursos do mar, não é de estranhar, ainda vai demorar muito a conhecer a riqueza da plataforma continental marítima onde depois da independência percorreram, com grandes ganhos, as embarcações da URSS e da União Europeia, fora adventícios que aqui vieram fazer riqueza.
Um abraço do
Mário
Fortunato de Almeida e a Guiné antes de 1920
Mário Beja Santos
Recebo um telefonema do meu primo José Thadeu, estava em S. Brás de Alportel a ajudar uma velha amiga a deitar fora toneladas de traquitana deixadas por um familiar, era um acumulador lendário, cujos interesses iam desde velhos ferros de engomar e candeeiros a petróleo, passando por alfaias agrícolas, até grafonolas e livros. Tinha encontrado bastantes livros em mau estado, jornais antigos, panfletos, etc., se eu estava interessado que me os trouxesse, disse imediatamente que sim. E é do livro Portugal e as Colónias Portuguesas, por Fortunato de Almeida, bacharel formado em Direito, professor efetivo do Liceu e da Escola Normal Superior de Coimbra, sócio da Academia das Ciências de Lisboa, da Sociedade de Geografia, da Sociedade Portuguesa de Estudos Históricos e do Instituto de Coimbra, segunda edição, 1920, que vos vou falar do capítulo dedicado à Guiné.
Ficamos a saber que a Guiné Portuguesa era outrora denominada Guiné Superior, o autor dá informação sobre a situação de limites e superfície da Guiné, observa que os territórios da Guiné ainda estão mal estudados sobre o aspeto geológico, descreve o território, rios e povoações, quando chega ao rio Geba, dá uma explicação sobre o macaréu, é interessante o que escreve:
“O rio Geba dá-se na ocasião das marés-vivas um fenómeno conhecido pelo nome de macaréu, e que é o mesmo a que os franceses chamam mascaret e os brasileiros designam, no Amazonas, pelo nome de proroca. O macaréu é uma onda gigantesca que se levanta e propaga rapidamente, e que em alguns rios, não na Guiné, constitui grave perigo para as embarcações. Não está o fenómeno suficientemente esclarecido; mas parece que o macaréu é formado pela acumulação de algumas ondas sucessivas. A primeira onda do fluxo ou enchente propaga-se com velocidade proporcional à profundidade da água; a segunda, encontrando maior profundidade, propaga-se com velocidade maior; e assim vai acontecendo sucessivamente com as restantes, até que muitas ondas chegam a juntar-se e a formar uma onda gigantesca que se precipita impetuosamente.”
Falando da flora, agricultura e fauna, o autor não esquece as espécies vegetais: milho, legumes, mandioca, batata-doce, cana-de-açúcar, amendoim, bananeira, laranjeira, cafezeiro, tamarindo, palmeira; tabaco, algodoeiro, anil, árvore de borrada, árvore da cola, bambu, mogno, ébano, pau-carvão, pau-sangue e outras espécies que fornecem boas madeiras. Quanto à fauna, além dos animais domésticos, repertoria: galinhas, gado vacum, ovino, caprino e suíno, encontram-se ali tigres (?), leões, elefantes, antílopes, lobos, onças, panteras, gazelas e uma grande variedade de macacos; papagaios, pelicanos, íbis, falcões e outras aves.
Chegamos agora ao comércio, aos portos e vias de comunicação. Importam-se: tecidos, géneros alimentícios, metais, tabaco, bebidas fermentadas e bebidas destiladas. A maior parte da importação procede de países estrangeiros. O país que recebe mais géneros da Guiné Portuguesa é a Alemanha (foi assim de facto até à Primeira Guerra Mundial), como país de destino, Portugal figura em segundo lugar e a Bélgica em terceiro. Os portos de Bolama, Bissau e Cacheu são os mais frequentados, principalmente por navios portugueses, alemães, franceses e belgas. São também importantes os portos de Farim e Cacine. Em Bolama e Bissau tocam regularmente os vapores da Empresa Nacional de Navegação.
Não sabemos que dados Fortunato de Almeida compulsou, calcula a população da Guiné em 70 mil habitantes, dois por quilómetro quadrado. Elenca um conjunto de etnias e observa: “Estes povos são de caráter diverso: uns irrequietos, aguerridos e salteadores; outros vivem da apascentação de gados; outros ainda se dedicam a trabalhos agrícolas. Muitos dos habitantes são feiticistas; outros são muçulmanos; e há também muitos cristãos. Dos gentios, alguns são polígamos e dão-se muito a práticas supersticiosas. A evangelização daqueles povos tem sido descurada, por falta da indispensável proteção do Estado às missões religiosas".
Exerce a autoridade suprema da Guiné um governador de província. A sede do Governo é Bolama, as outras povoações mais importantes são Bissau, Cacheu, Geba, Bolor e Farim. A província só tem um concelho, com sede em Bolama. Há comandos militares em Bissau, Cacheu, Geba e Cacine.
A Justiça é administrada pelo auditor dos conselhos de guerra em Bolama, o qual acumula com aquelas funções as de juiz de Direito. Há um auditor de fazenda, encarregado de fiscalizar a administração financeiras das províncias de Cabo Verde e da Guiné. A Guiné Portuguesa pertence à diocese de Cabo Verde; é eclesiasticamente administrada por um vigário-geral, que até há poucos anos era auxiliado no ministério religioso por seis párocos missionários. Há escolas primárias para ambos os sexos em Bolama, Bissau e Cacheu; e só para o sexo masculino em Buba, Geba e Farim. A guarnição militar compõe-se de uma companhia mista de artilharia de montanha e infantaria, e de dois pelotões de dragões; uma canhoneira, duas lanchas canhoneiras e algumas lanchas de vela para policiamento dos rios.
E Fortunato de Almeida muda de rumo, segue agora para S. Tomé e Príncipe.
Imagem extraída do livro de Fortunato de Almeida, é a primeira vez que vejo uma dança de Grumetes com os seus fatos guerreiros
Nota do editor
Último post da série de 17 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25754: Historiografia da presença portuguesa em África (432): Crenças e costumes dos indígenas de Bissau, do século XVIII (Mário Beja Santos)