Mensagem do nosso camarada António Matos (*), ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, com data de 2 de Novembro de 2008:
Homenagem aos que choram
Cá volto eu outra vez nestes primeiros contactos de Tabanca, recordando outras tabancas lá por terras de poucas saudades, onde deixei muita da pureza da minha meninice, alguns dos amigos que fiz desde os Arrifes em Ponta Delgada e que tinha jurado trazê-los de volta ao colo das suas Mães, aos abraços enternecedores dos Pais, aos beijos das namoradas ...
Tal não se concretizou e hoje, ao ver os rostos daqueles que eram meninos, confrange-me o sofrimento incalculável de quem tenha recebido um telegrama a anunciar uma morte por actos de bravura em defesa da Pátria!!!!
Caramba, muitos dos nossos camaradas morreram tão simplesmente por serem os homens errados, no sítio errado à hora errada!
Muitos de nós não tinham tido sequer tempo de interiorizarem o quanto essa Pátria (que hoje os esquece em favor de outros que seguem para missões de meia dúzia de meses e a troco de belas fortunas), lhes pediu, de borla, para que fossem heróis na medida das suas forças!
Caramba, eu vi miúdos a chorar na caserna com saudades dos seus familiares !
Caramba, eu vi miúdos a baterem-se com uma heroicidade contagiante pela defesa do camarada em apuros que lhe estava ao lado!
Caramba, eu vi miúdos a fazerem frente a um contingente de guerrilheiros liderados pelo Nino Vieira!
Caramba, eu vi miúdos a caírem nas minas e a ficarem decepados!
Caramba, meus caros, eu vejo, todos vemos, o abandono a que esta Pátria nos relegou!
Não, não faço parte de qualquer associação de apoio aos ex-combatentes; nunca me disponibilizei a engordar as filas de manifestantes que se propõem zelar pelos interesses de todos nós; nunca expus publicamente o meu desencanto com os sucessivos (des)governantes que têm passado pelos corredores dos Passos Perdidos numa atitude de vil desrespeito por esta geração que é a minha; mas agora, do alto da palhota da minha Tabanca, tento compreender o meu tempo e as novas gerações onde já pontuam os meus filhos, os meus netos, e os filhos e os netos dos meus camaradas de armas.
Os tempos deram uma grande cambalhota e os valores alteraram a sua ordem hierárquica.
Hoje pertencemos a uma geração que sendo sobrevivente a uma guerra, assiste à transformação do paradigma da vida.
Hoje há filhos a morrer antes dos pais pelas mais diversas razões: droga, uso indevido de armas, acidentes viários, gangesterismo, AVC's, stress, incertezas profissionais, etc., etc., etc.
Duvido que esta juventude tenha alguma simpatia pelo conhecimento desta aventura africana na qual os seus pais se envolveram.
Têm tanto com que se preocupar...
Enfim, em dia de todos os mortos, rendo-me à memória de todos aqueles que partiram dirigindo às respectivas famílias o meu sentido silêncio já que as palavras teimam em não sair pelo nó que se forma na garganta.
Voltarei mais tarde para me dedicar também às ocasiões que nos faziam rir. E foram muitas...
Abraços,
António Matos
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Nota de CV
(*) Vd. poste de 1 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3390 Tabanca Grande (95): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula (1970/72)
Vd. último poste da série de 28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3364: Blogoterapia (66): Amargos de boca (J. Mexia Alves)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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7 comentários:
PORRA ....GOSTO.
JÁ TINHA GOSTADO DO OUTRO...E VOLTO A GOSTAR DESTE...TOCA E SENTE-SE.
ANTES DE PASSARES AO QUE NOS FEZ RIR, TAMBÉM FAZ FALTA, CONTINUA NESTE TOM MAIS UM POUCO E, JÁ AGORA DIGO CONMO DISSE AO NOSSO CAMARIGO J.M.ALVES PORQUE PALRRAMOS OU PROSAMOS E NÃO FAZEMOS ALGO MAIS????
ABRAÇOS
Torcato
É esta a verdadeira é esta que queremos e gostamos!
Corações saltando boca fora, com a simplecidade de expressarem a verdade vivida e sentida.
O torcato tem razão! Porra! É isto!
A sinceridade e verdade jorrando em riachos de palavras simples mostrando toda a grandeza do Homem.
Força António! Mas também quero partir o coco a rir.
Do tamanho do Cumbijã o velho Abraço.
Mário Fitas
Volto!
Torcato Homem Grande, desculpa escrevi o teu nome com letra minuscula.
Releva lá!
Para o António ainda: Não sei se conhecestes o Luís Tavares de Melo nos arrifes de Ponta Delgada. Conheci-o nas matas de Cufar Nalu Cabolol e Caboxanque. Foi camarada irmão e amigo. Já lá está, mas que grande Micaelense. Descance em Paz.
Mário Fitas
mas que moenga é essa oh Mário Fitas cá o rapaz ( sou um jovem )...é homem, isso é... mas grande?!...1.78m e 75kg...incluindo ferragens e enxertos de recauchutagem e afins vários...
Abraços não tenho o teu mail e vai por aqui. (Com a devida Vénia) TM ou tm
Palavras que sinto como minhas e que abraço e assino.
Abraço camarigo
Joaquim Mexia Alves
Caro amigo e camarada da Guiné. Li com muita atenção o teu escrito e não deixo de te dizer que estou de acordo com o que deixas transparecer da tua revolta para com a experiência vivida nos tempos de juventude. Também subscrevo a tua caracterização dos tempos que hoje vão correndo e das novas preocupações que povoam a vida dos actuais jovens.
É por isso que estou sempre esperançado que se encontrem novas (ou velhas) soluções para os novos problemas (ou velhos, com outras "roupagens") que estão aí.
Em todo o caso há que dar aos jovens a possibilidade de conhecer como nós lidámos com os nossos problemas para que, com essa informação, possam encontrar algumas pistas, ou então, não!
Mas se não lhes deixarmos o testemunho (e sei por experiência própria que raramente falámos do nosso passado com os nossos familiares, só agora... e principalmente através do Blogue...)eles nunca poderão decidir se consideram as informações ou as ignoram.
Escreve mais.
Um abraço
Hélder Sousa
Helder Sousa, sou o primeiro a querer transmitir as minhas experiências e para isso, escrevo.
A eles, jovens, assiste-lhes, evidentemente, o direito de quererem ou não aprofundar o conhecimento através destes relatos e aí é que eu acho que as suas preocupações actuais os incomodam demais para se entreterem com as nossas estórias.
Como documento histórico que reconheço a este tipo de blogues, faço votos que um dia, este possa servir para ajudar a entender aqueles tempos que passámos na Guiné ( e outros em Angola, Moçambique, etc. )
Um grande abraço,
António Matos
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