terça-feira, 4 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3399: Estórias cabralianas (40): O meu sonho de empresário (falhado): a construção de uma tabanca-bordel (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral, enviada ao editor L.G.:

Amigão,

Aí vai estória, acompanhada de um Grande Abraço extensivo ao Vinhal e ao Briote.

Jorge Cabral


2. Estórias cabralianas (40)


Explicação de L.G.:

Mais uma estória cabraliana... ou história, para os purista da língua. Uma questão que, de resto, está em aberto, no blogue; mas, que me perdoe o Norberto Gomes da Costa, eu não vou alterar o título da série, só por não ser linguisticamente correcto. O nosso camarada não suporta o vocábulo estória. Um dia destes vamos falar sobre isso. Tenho uma opinião diferente da dele... De qualquer modo, deixem-me dizer que as histórias do Jorge Cabral só podem ser... estórias, tal como as estórias do Luandino Vieira ou do Mia Couto, dois grandes escritores lusófonos que renovaram a nossa língua comum e a literatura em português. É bom que os portugueses se habituem à ideia de que não são donos da língua portuguesa...

Voltando ao Cabral: ele está, aliás, em dívida comigo e com o resto do pessoal da Tabanca Grande e demais visitantes do nosso blogue. Prometeu-nos escrever 50 estórias. É assim que vem no contrato. E um contrato, num país de juristas, tem muita força... O Jorge Cabral é jurista, não ia agora aceitar que eu fosse rasurar o documento e substituir o vocábulo. Estórias cabralianas já pagam direitos de autor e só podem do Jorge Cabral. Esta é o nº 40. Faltam 10 para ele pagar o resto da dívida e a gente um dia publicar-lhe o livro... Proponho que o lançamento do futuro livro seja no Maxime.

After-War, Cabral Empreendedor Putófilo
por Jorge Cabral


Claro que lembro do Tosco! (**). Havia pretas, mulatas e até uma chinesa. Todas, mais os copos, trataram-me da saúde. Entrava sempre a coxear, por via dos descontos… Mas o meu preferido era o Bolero, onde jantava no primeiro andar, antes do Tango em baixo, tocado a rigor por uma orquestra de cegos. Ainda lá fui após o 25 de Abril. A mesma orquestra, as mesmas putas, mas a música mudara – Todos em coro cantávamos a Internacional.

Foi porém no "Sempre em Festa” – Ritz Club (***) – onde além do mais, cortava o cabelo e fazia a barba, que estabeleci contacto comercial, com um simpático casal de artistas octogenários. Eles actuavam lá, vestidos de noivos, num número brejeiro, ao qual aliás ninguém ligava…

Convidei-os a investir num negócio que afiançava altamente lucrativo… Uma Embaixada de putas à Guiné e até, se tudo corresse bem, a construção de uma Tabanca – Bordel.

Acharam a ideia excelente, e eu comecei o recrutamento. Já tinha onze inscrições… quando resolvi pedir ajuda ao Barbosa Henriques (****). Era preciso sensibilizar o Exército e a própria Pide, para este importante esforço de guerra. Ao invés de me ajudar, o Capitão, pregou-me uma valente descompostura:
- Mas o Cabral está maluco? Agora quer ser chulo?

Muito triste, desisti. A minha carreira de empresário acabou antes de começar.

Anos mais tarde, propus ao Conselho Científico da Escola onde leccionava, a implementação de uma Cadeira nova – Putologia.

Recusaram.

Porra, tenho sido mesmo um gajo incompreendido!...

Jorge Cabral
________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 25 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3237: Estórias cabralianas (39): O Marido das Senhoras (Jorge Cabral)

(**) Vd. poste de 30 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3380: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (10): Quando a guerra era com os copos... ou o elogio do Tosco, em Lisboa (Jorge Félix)

(***) Vd. poste de 5 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3025: Os nossos regressos (7): Perdido, com um sentimento de orfandade, pelos Ritz Club, Fontória, Maxime, Nina... (Jorge Cabral)

(****) Militar de carreira, Barbosa Henriques, nascido em Cabo Verde, foi instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos, em Fá Mandinga, em 1970. Faleceu em 2007. Era coronel comando na reforma. Vd. postes de:

19 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1536: Morreu (1)... Barbosa Henriques, o ex-instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos (Luís Graça / Jorge Cabral)

19 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1611: Evocando Barbosa Henriques em Guileje (Armindo Batata) bem como nos comandos e na PSP (Mário Relvas)

3 comentários:

joão coelho disse...

Só falta a referência ao Princípe Negro, ali ao elevador da Glória..E o Bolero tinha um caldinho que ajudava a compor o "estado das coisas"..Bons tempos.
Felicito-o pela escrita, é excelente.

Saudações atlânticas

João Coelho

Anónimo disse...

O camarada João Coelho relembra o caldinho do bolero:e o bitóque?
A minha equipe de Moscavide era normal após o encerramento dos cafés por volta da meia noite apanhávamos um táxi que tinha que ser um Mercedes novo,(um cara larga não)e íamos papar um bitóque ao bolero,o seguinte não é preciso comentar.
Um alfa bravo.
Colaço

António Matos disse...

Eu cá sou nortenho e lá pelo Porto pontuava a Rosete, mais tarde eternizada pelos Taxi.
Não era cabaret, nem deu direito à cadeira de putologia mas que deu imensos mestrados e até doutoramentos, lá isso deu !
Também não servia caldo verde mas chegava-se a beber um branco gelado enquanto se esperava que as damas se compusessem ...
Por 100 escudos ( 0,50 € !!) e um toque especial de campainha, aparecia a madrinha que nos acompanhava ao aposento disponível para aguardarmos a nossa vez.
Não raro era a espera ser feita na cozinha ou na sala de jantar ornamentada com pequenos naperons em cima da televisão, do rádio, da mesa, etc.
Depois havia a passagem dos modelos e a escolha da felizarda que se recolhia à assoalhada disponível com a juventude sedenta ...
O retemperar das forças seguia-se no Transmontano, aos Poveiros, onde nos banqueteávamos com umas tripinhas à moda do Porto ...
Era dura, a vida ...