as mãos...
Regressando à linha imaginária entre as duas referências, mais 3 metros e repetia-se toda esta sequência, embora para o lado contrário. Se se imaginar agora que, paralelamente, seguia uma outra linha imaginária com o mesmo esquema e número de minas, fácil é de calcular que a densidade por metro quadrado não dava grandes hipóteses de se passar sem accionar um destes engenhos. Todo este trabalho era simultâneamente acompanhado da feitura dum croqui que permitisse a todo o momento procurar, verificar, substituir, ou levantar o que fosse necessário. Claro que as precauções eram imensas! Desde logo porque todo o manuseamento dos engenhos era, já de si, susceptível de disparo inadvertido; depois porque as Encrier eram quase que deixadas à superfície o que não impedia que qualquer bicho ao farejá-las não levasse com ela nos queixos e por ali ficasse; a própria época das chuvas se encarregaria de as deslocar (dificultando perigosamente a sua localização à posteriori); os azimutes tinham de ser extremamente bem conseguidos sob pena de 1 grau de desvio representar uma grande amplitude de erro ao longo da linha imaginária; finalmente, a formação do bagabaga em cima das ditas tornava a operação de resgate uma tarefa imprópria para cardíacos! No total montaram-se cerca de 16.000 minas e, a par de alguns indígenas, e de diversos macacos, houve também vários camaradas acidentados.
a imagem Google (clicar para ver em tamanho mais aceitável) mostra esquematicamente a localização e extensão deste campo de minas. Infelizmente, na guerra, a "cunha" era tão omnipresente como no quotidiano e, como sempre, ganha o mais poderoso ainda que, posteriormente, não se evitem lágrimas de crocodilo para aligeirar "os remorsos".
Os campos de minas não se levantam, passam-se
Quero eu com isto dizer que, sendo dos livros que um campo de minas não se levanta, passa-se (para isso existem os croquis), aparecem sempre ombros estrelados que, por cagaço, incompetência e/ou mera prepotência, mandam os livros às malvas e impõem a lei do mais forte! Foi também o que aconteceu com esse campo de minas o qual teve que ser levantado (antes da guerra acabar!!!) apenas porque sim! Essa operação tornou-se um verdadeiro inferno em muito ajudado pela incompreensível condescendência admitida aos comandos dos piriquitos numa altura em que o fim da nossa comissão estava a chegar. Diariamente seguíamos para o campo com um espírito negativista devido à cadência dos acidentes e não raras vezes os vivi a uma distância de alguns poucos metros e mesmo alguns centímetros. E PUM!
Uma vez mais por meros motivos de memória futura destapo o baú das minhas más recordações e relato uma dessas ocasiões.
O Alf António Matos com o detector...
Tinha sido já detectada (por detector) a mina de fragmentação e propunha-me descobrir as outras à base de picagem do terreno. Simultâneamente, outro elemento de outra equipa (Furriel José Abreu, sapador) ocupava-se de idêntica operação no cacho (conjunto das 4 minas) contíguo; mais ao lado, um terceiro camarada (Furriel Santos) num 3º cacho. Eram evidentes as dificuldades em encontrá-las uma vez que essas minas estavam todas deslocadas das posições habituais por via das chuvas que, entretanto, tinham caído. Uma operação que normalmente demorava uns escassos minutos a neutralizar, prolongava-se, neste caso, há mais de 1/2 hora! Ordenei várias paragens para verificação de possíveis más colocações nossas mas não era o caso.
Repentinamente, PUM! e dou por mim caído no chão com o Abreu muito perto também estatelado . Os primeiros momentos foram de horror com a perspectiva das consequências. Recuperada a lucidez possível, perguntei ao Abreu se tinha sido ele a pisá-la, e o pânico apoderou-se dele perante essa expectativa. Não teve coragem para confirmar e então comecei eu a temer pela minha sorte. A dúvida de ambos é algo impossível de descrever pelos sentimentos provocados. Era imperioso esclarecer a situação e a muito medo cada um teve de certificar-se se ainda era possuidor de ambos os pés ou mesmo de ambas as pernas. É nessa altura que o camarada Santos, ali do outro lado, começa a dar sinais de ter sido ele a vítima. Havia que o ajudar de imediato mas não podia esquecer que estávamos caídos num campo de minas e qualquer gesto menos pensado podia transformar a ocasião num verdadeiro mar de sangue pelo possível rebentamento de vários outros engenhos. Tratei de localizar a nossa posição ao camarada enfermeiro (Aprígio) e "conduzi-lo" até nós via rádio. Esta tentativa demonstrou-se pouco prudente e optámos por levar o Santos para a estrada afim de ser socorrido. Uma vez aí, e perante um odor nauseabundo a carne humana assada, conseguimos pô-lo a soro e proceder à sua evacuação. A adrenalina só descarregou um par de horas mais tarde, no quartel, mas no dia seguinte, qual trapezista de circo que cai, voltamos para desafiar a sorte. Deus ajudou-me ! Estou inteiro! António
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Notas: 1. Imagens e texto de António Matos.
2. Sublinhados e subtítulos da responsabilidade do editor. 2. artigos do autor em 1 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3390 Tabanca Grande (95): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula (1970/72)
4 comentários:
Caro António,
Para além das histórias que viveste na guerra, muito semelhantes a outras situações que cada um de nós viveu em épocas muito distintas, estás a acrescentar informação muito útil ao blogue. Que me lembre é a primeira vez que aparece um Camarada a relatar uma acção de minagem tão sistemática. 16.000 minas em cerca de 16 kms é bem um retrato da dimensão que a guerra na Guiné tomou em tão pouco tempo. Sempre em crescendo, em meia dúzia de meses passou das "longas" e da Mauser, para as Kalashs e G-3, dos simples fornilhos para as sofisticadas minas, muitas vezes reforçadas com bombas e granadas que não explodiram quando os que as lançaram queriam. Quanto tempo demorou esta evolução? 10 anos. Ainda dizem que a guerra da Guiné foi uma miniatura da guerra do Vietname. Pois foi, para quem não as viveu. Para mim, a diferença está no cinema. Coppola e Cimino tiveram a sorte de nascerem nos States, o Botelho e o António Pedro Vasconcelos cresceram em Portugal. Aqui também o tamanho importa... e Portugal ainda hoje é confundido por muitos, de locais não tão exóticos como se pensa, com laranjas e com Espanha.
Se eu estivesse de fora da guerra, como felizmente agora acontece, achava deprimente e vergonhoso para as NT o que contas. E, provavelmente, consideraria que a desminagem foi um castigo bem merecido. Diria isto se não tivesse vivido a guerra e por isso compreendo as críticas que nos fazem. Quem as faz teve a sorte de não ter vivido a guerra da Guiné. Que vários estudiosos consideraram ter sido a mais violenta que se travou em África e uma das mais violentas que o mundo conheceu nas décadas de 60/70. Simplesmente esquecida por ter sido travada por Portugueses, digo eu agora.
António, continua a escrever, isso é que importa. O método é teu. E perdoa o exercício que eu fiz, mais para mim do que para ti, afinal.
Um abraço,
vb
E nós sabíamos que, Sapador de Engª-Minas e Armadilhas, só se podia enganar 3 vezes:
A primeira
A Unica e
A Ultima
António, um abraço
Amilcar Dias
Camarada Matos
Só agora 22H43M11NOV acabo de ler mais uma das tuas histórias que veem corroborar o que durante a tarde escrevi no teu Postado de hoje. Estes factos precisam de ficar escritos para memória futura pois, como muito bem diz o nosso co-editor VB, é preciso meditar sobre a progressiva e rápida incrementação da Guerra. Quando instaláste todo esse arsenal de armadilhas, andava pelo Chão Manjaco mas emtarefas já mais calmas.
Não pares.
Abraços
Jorge Picado
Á fazer fé do que o ex Alferes Antonio Matos da comp 2790 diz. Por aquilo por que passou na Guiné o que demonstra que foi um ilustre combatente. São historias que aconcelho a escreveu um livro das suas memorias,do tempo que viveu na tropa, contando toda a verdade, e tambem devem ser colaboradas pelos seus furrieis, e soldados. Deve ser um militar muinto condecorado, gostaria de saber quais as condecorações que recebeu.Caso contrario foi uma grande injustiça que se fez a um grande combatente
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