segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4769: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (12): O Mercado de Bafatá

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 28 de Julho de 2009:

Caro Carlos Vinhal

Para a série A Guerra Vista de Bafatá, aí vai uma estória que mais parece uma reportagem fotográfica. Como tem muitas fotos segue em dois e-mail. Retornarei só em Setembro. Acho que todos vós, editores, pelo trabalho que vos damos, precisareis mais das férias do que eu, ou nós, simples escribas.

Um abraço a todos.
Fernando Gouve


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

12 – O Mercado de Bafatá


O Mercado em 1969

O Mercado em 2001.
Foto: © David J. Guimarães (2009). Direitos reservados.


O Mercado em 2009.
Foto: © Carlos Silva (2009). Direitos reservados.


Na época da minha comissão na Guiné (JUN68-JUN70) Bafatá era o centro de uma vasta zona sem guerra e povoada por muitos fulas, mandingas e outras etnias. Existia nomeadamente uma comunidade de saracolés na tabanca da Ponte Nova, lá em Bafatá, dedicando-se estes a tingir de azul, panos que depois eram vendidos no mercado.

A beleza exterior do edifício, em estilo neo-árabe, o exotismo dos vendedores (principalmente mulheres) e ainda os produtos que lá se transaccionavam, levavam a que muitos camaradas visitassem o mercado quando tinham que passar pela segunda cidade da Guiné. Ali apercebiam-se que efectivamente se estava no centro de uma zona de paz.

A chegada e saída das compradoras era constante. Fácil era verificar que todas as mulheres, na ida ao mercado, envergavam as suas melhores vestes. Era um regalo para a vista essa passagem (não de modelos pois variavam pouco) pelo colorido dos panos que desciam até aos pés e das restantes vestes, já que na cidade as mulheres não andavam com os seios nus. Também ninguém andava descalço, mas isso era por força de uma lei do Administrador. Muitas vezes observei, nas minhas deambulações pela periferia da cidade, os nativos que vinham das tabancas próximas. Vinham com as sandálias ao ombro e calçavam-nas ao entrar na povoação. Isso pode ser que venha a dar outra estória.

Indo para o mercado.

A caminho do mercado.

A localização do Mercado sempre a achei perfeita. Bem enquadrado, ao lado do sempre belo Geba e do seu afluente Colufe. Nas margens deste havia sempre pescadores a consertar as suas redes. A seguir à Piscina, quase encostada ao mercado e na margem do Geba, era a zona das lavadeiras, outro regalo para a vista. Nesse local havia sempre barcos civis, com arremedos de veleiros, que ainda faziam o trajecto Bissau Bafatá transportando os mais variados produtos.

Como todos sabem, em todos os aquartelamentos escasseavam os chamados frescos. Em Bafatá seria suposto a tropa abastecer-se no mercado, mas isso não acontecia. Não sei muito bem porquê, mas os nativos nunca produziam produtos hortícolas, produtos que a tropa sempre compraria. Que me lembre a única coisa que lá havia com fartura eram pepinos.

A tropa seria potencialmente compradora de muito camarão que havia em todos os rios e bolanhas, no entanto o pouco que lá comi foi comprado aos soldados que o apanhavam quando estavam de guarda às pontes.

Havia um outro produto no mercado, o quiabo, que poderia ajudar a confeccionar muitos pratos mas, nessa altura, era considerado muito exótico para os gostos do metropolitano.

Vamos entrar no Mercado:

A zona dos panos, tingidos na tabanca da Ponte Nova.

Piripíri. Normalmente cada montículo custava um peso (escudo).

Venda de peixe apanhado nos rios próximos. O melhor e maior chamava-se ventana.

Não sabendo o que aqui se vendia, consultei alguns guineenses no seu ponto de encontro no Porto, o Café Restaurante Korá; admitiram poder tratar-se de pedacinhos de folhas de mandioca ou de batata doce ou da sua mistura, destinando-se à confecção de molhos para acompanhar o arroz ou o fundo.

Óleo de palma, obtido a partir do cocnote. Um bom chabéu teria que ser confeccionado com óleo acabado de extrair.

Bolinhos de Mancarra (amendoim).

Outro género de bolos à base de leite.

O vendedor de cola, terrível excitante. Lembro-me que cada noz custava um peso.

Um gila (contrabandista) mostrando a sua mercadoria. No caso uma pele de cobra.

Comprando uma meia cabaça, o recipiente mais vulgarizado.

Vinda do Mercado, a caminho da tabanca da Rocha.

Saída do Mercado com uma cabaça cheia de mancarra.

Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados.



A próxima estória, lá para Setembro, pois que um guerreiro tem o direito sagrado a férias, andará à volta da orgânica interna do Comando de Agrupamento, estrutura de retaguarda da Zona Leste e por onde passaram manga de Majores. Havia cada um mais esquisito…

Até Setembro camaradas.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4739: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (11): Interrogatórios

3 comentários:

Anónimo disse...

Na legenda da fotografia dos peixes. O peixe caracteristico dos rios da Guine e a "BENTANA" e nao Ventana..

Luís Graça disse...

Magníficas fotos, notáveis observações... Boas férias. LG

JD disse...

Caro Fernando,
EXcelente. Afinal um bom trabalho não precisa de muita extensão. A incredulidade de uma portuguesa no mercado de Bafatá, seria mais que certa. A exposição e as quantidades negociadas, iden.
Os retratos das vestes e o colorido dos panos, ainda está por completar, mas dá ideia.
Abraço e boas férias
J.Dinis