segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5627: Dossiê Guileje / Gadamael (20): Esclarecimentos sobre a retirada, em 22 de Maio de 1973: Parte II (Coutinho e Lima)


Guiné > s/l > s/d (c. 1973) >  "Guerrilheiros deslocando-se num carro blindado, Guiné-Bissau".

Foto do acervo documental de MárioPinto de Andrade (1928-1990), dossiê do Arquivo e Biblioteca da Fundação Mário Soares.  Estas viaturas, oriundas da base de Kandiafara, a sul de Guileje, na vizinha Guiné-Conacri, já estavam em em 1973 devidamente identificadas e referenciadas pelas autoridades militares portuguesas, contituindo um perigo potencial para as guarnições fronteiriças, tais como Guileje, Gadamael ou até Cacine.

Foto (e legenda): Cortesia de  © Fundação Mário Soares (2009). Direitos reservados



Segunda e última parte do texto do Coutinho e Lima de resposta ao poste P 4634: Dossier Guileje/Gadamael 1973 (13): A desonra da CCAV 8350 ou o direito à minha versão... (Constantino Costa)

Nota prévia de L.G.: 

Este documento, enviado em duas partes, foi  escrito pelo antigo comandante do COP 5, e tem data de 30 de Setembro último. Infelizmente, não temos registo, na nossa caixa de correio, da sua entrada naquela data ou em datas próximas. Daí termos recentemente solicitado uma 2ª via ao nosso camarada Coutinho e Lima, que é membro da nossa Tabanca Grande e que, como tal, não precisa de invocar o direito de resposta.  Ontem já foi publicada a 1ª parte do texto (*).


O Constantino pergunta ainda: "…o que diriam aqueles que, involuntariamente, perderam a vida em vão, em Guileje e Gadamael? Alguém lhes concedeu uma oportunidade para fugirem também?"

Penso que, onde está Guileje, devia estar Guidage.

Já ficou referido que as guarnições de Guidage e Gadamael  foram oportunamente reforçadas; em Gadamael, em minha opinião, se o reforço se tivesse verificado mais cedo, certamente que o PAIGC não tinha instalado o seu dispositivo com tanta facilidade e as consequências da sua acção, para as NT e população, não teriam sido tão graves.

A pergunta atrás sugere-me outra: O que diriam hoje as famílias daqueles que teriam morrido ou feitos prisioneiros, em Guileje, se não tivesse havido a retirada, por mim decidida?

Nos convívios da CCAV 8350, que esteve em Guileje, é frequente ouvir vários dos presentes referir que, se não fora a retirada, seguramente não estariam agora nesses convívios.

Diz também o Constantino que fui "…o autor do primeiro e único abandono das tropas portuguesas de um quartel militar…"

Não sei se foi o único "abandono", pois não tenho a certeza que, depois do 25 de Abril, não terão existido situações semelhantes.

De qualquer maneira, mesmo que tenha sido o primeiro e único, também fui, seguramente, o único Comandante que foi "abandonado" pelo Escalão Superior, quando pedi reforços, face à situação da acção em força do PAIGC.

Afirma ainda que "…desonrou as forças armadas…".

Se não tivesse ordenado a retirada e se verificasse um número considerável de baixas e prisioneiros feitos pelo PAIGC, será que o Constantino concluiria que teria havido uma grande honra para as Forças Armadas?

Nunca é demais repetir que a vida humana não tem preço e que, com a minha decisão, foi evitada a perda de vidas humanas.

Não sei se o Constantino leu o meu livro; parece que não, quando pergunta que medidas tomei, face ao previsível agravamento da guerra. Nas pág. 24 a 26, são referidas as "primeiras medidas tomadas…em Guileje.":

- Reforço de Guileje com 1 GC da CCAÇ 3520 (Cacine), Pelotão de Reconhecimento Fox 3115 (incompleto) e Pelotão de Milícia 236, de Gadamael.

- Proposta para serem efectuadas novas obras no aquartelamento, feita em 22 JAN 73, dia em que cheguei a Guileje.

- Proposta, em 24 JAN 73, da substituição do material de Artilharia – Peças de 11,4 cm por Obuses de 14 cm, em virtude de ter conhecimento de que as munições de 11,4 estarem a acabar; esta proposta sugeria que as Peças de 11,4 permanecessem em Guileje, enquanto houvesse munições para elas, mesmo depois da chegada do material de 14, aumentando assim o potencial de fogo.

Outra afirmação do Constantino: "Chegou-se ao ponto de…se deixar de efectuar patrulhamentos…, e com isto se facilitou que o In se aproximasse do aquartelamento em pequenos grupos…"

Já foi referido que solicitei a redução da actividade operacional, a partir de 30 ABR 73, para dedicar um esforço especial às obras, que estavam atrasadíssimas, por razões estranhas ao COP 5; a minha proposta foi aceite, devendo manter a abertura da estrada de Mejo, o que foi feito.

Não, Constantino, não foi a redução da actividade operacional que facilitou a actividade do In; este preparou o ataque durante meses e o Comando-Chefe tinha conhecimento da intenção do PAIGC, relativamente a Guileje.

Em Gadamael, no período de 22 a 31 MAI 73, foram realizados patrulhamentos intensos e frequentes, das 2 Companhias aí presentes; esta actividade operacional não impediu que o In montasse o seu dispositivo e desencadeasse, a partir de 31MAI/1 JUN, violentas flagelações sobre o aquartelamento e população de Gadamael.

Como é que o Constantino explica este último facto?

O Constantino pergunta por que não relatei, no meu livro, "…que uma parte da população de Guileje não queria abandoná-lo."

Mais uma vez parece que não leu o meu livro; nas pág. 154 a 162 constam os depoimentos dos seguintes elementos da população:

- Suleimane Djaló, Régulo de Guileje

- Amadu Djaló, irmão do Régulo e seu substituto

- Ussumane Silá

- Manga Dansó

Nas pág.166 e 167 está o depoimento do Cipaio Dauda Jaquité.

Praticamente todos estes elementos da população, quando interrogados sobre o assunto, declararam que não queriam sair de Guileje e compreende-se que pensassem assim, porque ninguém gosta de abandonar a sua terra e, neste caso, os seus haveres.

Não tenho qualquer dúvida que se tratava de um caso de sobrevivência, pois que não havia nenhumas condições de fazer face, com êxito, à ofensiva do PAIGC; foi por isso que determinei a retirada de toda a guarnição e população, para Gadamael.

Esperava encontrar, no auto de corpo de delito que me foi instaurado, o modo como o Comando-Chefe e o seu Estado Maior pensavam resolver a situação de Guileje; só em parte fiquei a saber a ideia do Sr. Comandante-Chefe sobre o assunto. O Coronel Pára-quedista Rafael Durão, ao ser nomeado novo Comandante do COP 5, viu alterada a Missão deste (pág. 117 do meu livro – resposta à 1ª. pergunta):

"…No dia 21 recebi directamente de Sua Excelência o General Comandante-Chefe ordem para manter a todo o custo o destacamento de Guileje, naquele local, para o que devia verificar as necessidades em meios para lá colocar os abastecimentos de toda a ordem, mais de 200 toneladas…"

A missão de "manter a todo o custo", era a mais exigente e que, no limite, poderia significar que era preciso aguentar até ao último homem; não era esta a Missão que me estava confiada, pois se o fosse, não poderia ser efectuada a retirada.

Não posso deixar de referir que, naquela data (21 MAI), com o aquartelamento de Guileje sujeito a intensas, constantes e prolongadas flagelações, desde as 20 horas do dia 18 MAI, a preocupação era " colocar lá os abastecimentos…", em vez de, em primeira prioridade, desarticular o dispositivo do Inimigo, de modo a aliviar a forte pressão que estava a ser exercida sobre as Nossas Tropas. Só quando a situação o permitisse é que se poderia tentar realizar as colunas de reabastecimento, o que, seguramente, o In iria dificultar ao máximo, ou até impedi-las, através de emboscadas e implantação de minas no itinerário.

Só quando, no Arquivo Histórico Militar do Exército, procedia à recolha de elementos para o meu livro, encontrei a Acta da Reunião de Comandos, realizada em Bissau, em 15 MAI 73; essa reunião foi presidida pelo General Comandante-Chefe, estando presentes os Chefes dos 3 Ramos das Forças Armadas, o Comandante Adjunto Operacional, o Chefe de Estado Maior e os Chefes das Repartições de Informações e Operações do Comando-Chefe.

O General Comandante-Chefe abriu a sessão, afirmando: 

"…Estamos de novo em presença de ponderosas determinantes de uma reavaliação da situação no TO, face à evolução há muito prevista e recentemente verificada, e perante a qual se impõe não só a tomada, no plano interno, de medidas imediatas que permitam fazer face aos aspectos mais prementes da nova ofensiva que defrontamos, como ainda a consideração do grau de afectação sofrido face ao aumento de potencial do In, em ordem à definição urgente dos meios essenciais a mobilizar com vista à continuação do cumprimento da missão…

"Encontramo-nos, indiscutivelmente, na entrada de um novo patamar da guerra, o que necessariamente impõe o reequacionamento do trinómio missão-inimigo-meios. Começaremos esta reunião pela consideração da situação no T.O. face ao inimigo actual e à sua evolução futura, análise a apresentar pelo Chefe da Repartição de Informações a que se seguirá a apresentação do estudo das incidências da evolução do In na situação das NF, no seu potencial, capacidade de manobra, liberdade de acção e suficiência para o cumprimento da missão em termos de prosseguimento da manobra de contra-subversão. Apresentará este estudo o chefe da Repartição de Operações em cujo âmbito se projectam em pleno os condicionamentos actuais. Solicitarei em seguida, aos Senhores Comandantes-Adjuntos a sua impressão sobre o In e a situação das nossas Forças, bem como sobre o reflexo da situação actual e futura na sua esfera de responsabilidade; e ainda a definição das necessidades cuja carência se reflita no cumprimento das respectivas missões. Dou a palavra ao Chefe da Repartição de Informações."

Da intervenção do Chefe da Repartição de Informações, transcreve-se:

"A situação no T.O., analisada à luz da evolução do In e do seu potencial e processos de acção, sofreu, em especial nestes últimos dois meses, um substancial agravamento de resto já oportunamente previsto face às informações processadas, e que se traduz em franca subida de grau no desenvolvimento em escalada na sua manobra político--militar, constituindo o tempo inicial de uma nova fase do conflito: o empenhamento na passagem para acções do tipo convencional, embora ainda isoladas, visando objectivos limitados, e não integrados em qualquer plano de ofensiva geral em moldes clássicos, só próprios, aliás, de uma ulterior e última fase…

O ponto de viragem característico desta subida de grau materializou-se no explosivo incremento da eficácia dos meios In de neutralização da nossa até aqui total liberdade de acção da arma aérea, meios aqueles de que o In largamente dispõe em todo o T. O., desse modo resultando afectada a mais poderosa senão mesmo a única determinante da nossa superioridade de meios no balanço do potencial relativo de combate das forças em presença. E o acréscimo de liberdade de acção daí resultante para o In, adicionado às múltiplas incidências das resoluções que do mesmo facto advêm, confere ao desenvolvimento ulterior da manobra inimiga um grau de perigosidade jamais atingido.

Como factos marcantes…julgam-se de referir…os seguintes factos expressivos:

- Súbito crescimento em qualidade e quantidade da acção ofensiva directamente orientada para objectivos pontuais em áreas enfraquecidas pela nossa deslocação de meios para as áreas de esforço, em nítida intenção de conquista territorial;

- aparecimento no T.O. de unidades In quase totalmente constituídas por elementos não-africanos em acções frontais contra as NF;

- recrudescimento notável da agressividade do In, cujas acções se revelam já perfeitamente delineadas nos seus tempos de fixação, envolvimento, assalto e perseguição;

- disponibilidade de meio aéreos pelo In – próprios ou de reforço – e de carros de combate nas bases de onde normalmente irradia para as acções nas fronteiras Leste e Sul;

- transferência para o BOÉ da área tentativa para a implantação do novo estado."


No que diz respeito à SITUAÇÃO MILITAR:

"…No domínio dos armamentos, refere-se:

- a disseminação dos mísseis terra-ar inimigos em todo o T.O., eficazmente utilizados e referenciados em…

- as notícias insistentes referindo a disponibilidade para o In de armamento antiaéreo mais poderoso e eficaz, ainda não identificado;

- a confirmação de que o In dispõe já, apenas aguardando a chegada dos especialistas respectivos em treinos nos países comunistas de:

- lança torpedos e novos tipos de minas aquáticas para emprego contra as FN

- carros de combate e viaturas anfíbias

- novos mísseis terra-ar e tubos múltiplos lança-foguetões.

…Para completar o quadro da evolução do potencial material do In…no que se refere a meios aéreos, que o PAIGC dispõe já de 4 aviões ligeiros e aguarda o fornecimento de mais 6 de tipo não revelado, contando já com 28 pilotos; e no que se refere a meios navais, a posse de três vedetas rápidas do tipo P-6, de origem soviética.

…os meios que a REP GUINÉ pode empenhar e em relação aos quais se refere:

- A recente chegada de 6 pilotos estrangeiros (líbios e argelinos) à REP GUINÉ

para substituir, nos MIG-15 e MIG-17, os pilotos guineanos cuja perícia se revelou  em alguns acidentes.

- A chegada à REP GUINÉ de 2 helicópteros MI-8 em fins de Abril.

- A promessa da REP GUINÉ ceder uma pista ao PAIGC para manobra dos seus  Aviões.

…Na ZONA SUL, …o IN ameaça directamente as guarnições de GADAMAEL e GUILEJE, a partir da REP GUINÉ, para o qual concentrou meios sobre a fronteira dentre os quais se destacam os carros de combate referenciados em KANDIAFARA, a cuja acção aquelas guarnições se apresentam particularmente expostas." (Negritos meus).

Relativamente às Possibilidades do Inimigo, o Chefe da Repartição de Informações, afirmava:

"…Esta actividade incidirá, mais provavelmente, nas guarnições de fronteira, em especial nas mais vulneráveis às acções de carros de combate, pelo que se consideram áreas de preocupação:

…a região de ALDEIA FORMOSA e, em especial, as guarnições de GADAMAEL e GUILEJE, expostas a uma acção de carros irradiando da REP GUINÉ;

No imediato, julga-se que o In;

…intente uma acção tipo convencional com carros de combate contra GADAMAEL, GUILEJE e/ou BURUNTUMA…visando o aniquilamento ou captura das guarnições.

…e apenas pode concluir-se por uma situação na qual todo o T.O., sem qualquer exclusão, acaba por constituir uma vasta área de preocupação, na qual dificilmente se podem, no momento, visualizar priorizações."

(Os negritos são meus).

A intervenção seguinte foi a do Chefe da Repartição de Operações. Da sua intervenção, salienta-se:

" Se não forem concedidos os reforços solicitados e as armas que permitam às NF enfrentar o In actual, para lhe evitar, a breve prazo, a obtenção de êxitos de fácil exploração psicológica e graves efeitos tácticos da maior influência no moral das NT, julga-se que será necessário remodelar o dispositivo, reforçando guarnições que sob o ponto de vista militar se considerem essenciais e que permitam, à luz de outras concepções de manobra, desencadear mais tarde acções ofensivas com forças de grande envergadura para recuperação de posições enfraquecidas, ou estruturar uma manobra de feição caracterizadamente defensiva baseada na implantação de um certo número de pontos de apoio a sustentar a todo o custo…".

Seguidamente intervieram os Comandantes dos 3 Ramos das Forças Armadas, que fizeram várias considerações e apresentaram as necessidades dos meios para enfrentar a nova situação.

Para dar um exemplo, refiro que o Comandante da Zona Aérea considerava necessário substituir todos os meios aéreos, bem como fornecer um radar de detenção e mísseis terra-ar do tipo REDEYE (não existentes).

As necessidades de reforços apresentadas eram de tal montante que, ainda que na Metrópole houvesse meios financeiros, para o efeito, haveria muita dificuldade, senão mesmo impossibilidade, de encontrar Países disponíveis, dispostos a fornecer o que pretendíamos.

Na mesma Reunião de Comandos de 15 MAI 73, o Brigadeiro Leitão Marques, Comandante Adjunto Operacional do Comando-Chefe (oito dias mais tarde seria nomeado para proceder a Auto de Corpo de Delito contra mim), afirmava, conforme consta na acta da referida reunião:

"…No mínimo, e disso não restam quaisquer dúvidas, o In está a preparar as necessárias condições para conquista e destruição de guarnições menos apoiadas por dificuldades de socorro (GUIDAGE, BURUNTUMA, GUILEJE, GADAMAEL, etc), a fim de obter os êxitos indispensáveis à sua propaganda internacional e manobra psicológica – isto está já ao alcance das suas possibilidades militares.

Quanto às vantagens para a manobra psicológica In, não podemos esquecer que qualquer êxito pode conduzir à captura de prisioneiros em número tal que possa constituir um elemento de pressão psicológica sobre a Nação Portuguesa.

…tal elemento será aproveitado ao máximo para desmoralizar a retaguarda e manter-se-á até serem atingidos os objectivos finais em todas as PU.

Assisti ao pressionamento psicológico do povo americano por causa dos seus prisioneiros no Vietnam do Norte durante quatro anos; e senti em toda a profundidade o efeito desmoralizador desse pressionamento, o qual, em larga medida, juntamente com o elemento económico, levou à agitação interna das massas e à capitulação, apesar de todo o poderio militar americano."  (Negritos meus).

Da análise das transcrições feitas da Acta da importante Reunião de Comandos, realizada em 15 MAI 73, verifica-se a situação, muito difícil, das Forças Armadas na Guiné, face ao agravamento da situação, resultante entre outros factores, do aparecimento e actuação eficaz dos mísseis terra-ar, pelo In.

À data da reunião, a acção em força do In, sobre Guidage, já decorria desde o dia 8 MAI e, 3 dias depois – 18 MAI, iniciava o PAIGC o ataque a Guileje.

Em função do que fica escrito, não posso deixar de considerar, no mínimo, muito estranha a actuação do Comando-Chefe, relativamente a Guileje. Afirmando o Chefe da Repartição de Informações que:

",,,no imediato, o In…intente uma acção com carros de combate contra GADAMAEL, GUILEJE…, visando o aniquilamento ou captura das guarnições.";

afirmação confirmada pelo Comandante Adjunto Operacional (Brigadeiro Leitão Marques):

"…No mínimo e disso não restam quaisquer dúvidas, o In está a preparar as necessárias condições para conquista ou destruição de guarnições…GUILEJE, GADAMAEL…isto está já ao alcance das suas possibilidades militares…qualquer êxito pode conduzir à captura de prisioneiros em número tal que possa constituir elemento de pressão psicológica obre a Nação Portuguesa."

Perante este cenário, o Chefe da Repartição de Operações afirmava:

"…julga-se necessário remodelar o dispositivo, reforçando guarnições que sob o ponto de vista militar se considerem essenciais…"

Se Guileje fosse considerada uma dessas guarnições, deveria ter sido reforçada, em tempo oportuno; não só não o foi, como nem sequer lhe foi atribuído um Pelotão de canhões sem recuo, à semelhança do que tinha sido feito em Gadamael, para fazer face à defesa contra carros de combate, ameaça que pendia também sobre Guileje.

Julgo ter interesse referir a opinião dos elementos do PAIGC sobre a retirada de Guileje. Na pág. 378 do meu livro, refere o Sr. Dr. Delfim da Silva, participante no Simpósio Internacional de Guiledje e ex- Ministro dos Transportes da Guiné Bissau refere:

"…Aos combatentes portugueses aqui presentes exprimo as minhas saudações. Em particular, quero saudar o comandante do COP 5 Coronel Coutinho Lima pela decisão inteligente de ter sabido retirar-se, em boa ordem, da localidade de Guiledje, bombardeada intensamente, estrategicamente vulnerável sem a tradicional cobertura de uma força aérea portuguesa, radicalmente inibida pela acção dos mísseis terra-ar Strella com que os combatentes do PAIGC já operavam desde Março de 1973.

Com a retirada digna, ordenada pelo Coronel Coutinho Lima, pouparam-se muitas vidas de militares que ele responsavelmente comandava. Mas também se pouparam certamente muitas vidas de civis ao redor deste importante aquartelamento.

Sabe-se hoje que o General Costa Gomes, então, Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas de Portugal, defendia a retirada de Guiledje, percebendo a evidente fragilidade estratégica daquele dispositivo militar, debruçado sobre uma linha de fronteira "hostil".

…Para o General Costa Gomes, Guiledje era posição estrategicamente má, e, por isso, não era improvável que esse quartel viesse a ser submetido a uma pressão excessiva por parte das forças do PAIGC, apoiadas de perto a partir de uma linha de fronteira segura.

O General Spínola, teimoso, não valorizou aquela opinião, deixando assim ao Comandante do COP 5 o risco de, em caso de alteração desfavorável dos dados da conjuntura, ter de assumir inteligentemente a retirada sem a devida autorização da cadeia de comando."

A opinião do General Costa Gomes foi transmitida, na sua visita à Guiné, em Junho de 1973 (ver pág. 352 do meu livro). Essa retirada (no que dizia respeito a Guileje) defendida pelo Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas de Portugal, não fazia sentido, porquanto já se tinha processado a retirada em 22 de Maio de 1973, por minha exclusiva decisão, sem autorização superior, em virtude de o Centro de Comunicações de Guileje ter sido totalmente destruído, na flagelação da tarde do dia 21 MAI 73.

No Simpósio Internacional de Guiledje vários ex-combatentes do PAIGC manifestaram-me a sua opinião de que a retirada, por mim decidida, foi a mais adequada à situação, dessa maneira evitando-se baixas nas Nossas Tropas e na População; de salientar o facto de o Ex- Comandante do PAIGC, Manuel dos Santos (Manecas), me ter dito que eu fizera aquilo que tinha de ser feito.

Também a população, que quando soube, ainda em Guileje, em 21 MAI 73, que íamos para Gadamael, informou, através dos seus representantes, que não queria sair, tem agora opinião contrária. Na verdade, quando no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje, nos deslocámos a esta região (1 MAR 08), o Régulo manifestou o reconhecimento da sua população pela minha decisão, tomada em 22 MAI 73, referindo que, se tal não tivesse acontecido, certamente muitos dos presentes (estava a população inteira, agora instalada em Mejo), não estariam ali.

Por ocasião do lançamento do meu livro, 4 Homens Grandes de Guileje, enviaram-me uma mensagem, gravada em vídeo, congratulando-se com o acontecimento, realçando que a decisão da retirada salvou muitas vidas e que esse facto "coloca" Guiledje na História que, sem ele, seria uma das inúmeras povoações desconhecidas, no futuro.

Por iniciativa e promoção da AD, uma ONG (Organização Não Governamental) da Guiné Bissau, está em andamento a implantação, em Guileje, de um Núcleo Museológico, alusivo à história daquela que foi, seguramente, das mais sacrificadas povoações, durante a guerra.

Para terminar esta extensa intervenção, provocada pela opinião do Constantino Costa, devo esclarecer que entendi acrescentar alguma informação complementar, nomeadamente transcrições da Acta da Reunião de Comandos de 15 MAI 73, para melhor se perceber o contexto em que estava inserido a situação do COP 5, no avalizado Estudo do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné.

Embora não dispusesse da informação privilegiada do Comando-Chefe, os elementos que deste recebi, nomeadamente da Repartição de Informações, juntamente com a minha experiência das duas comissões anteriores, o conhecimento pormenorizado da região Guileje/Gadamael (1ª. Comissão) e as condições concretas que se verificavam em 21 MAI 73, em Guileje, levaram-me a tomar a decisão de retirar; esta decisão, no meu ponto de vista, foi a mais adequada à conjuntura real e evitou a perda de mais vidas humanas.

Em Guileje evitou-se, como consequência da retirada, o que o General Costa Gomes afirmou, na sua deslocação à Guiné, em JUN 73, que pode ser lido na pág. 352 do meu livro:

" …A solução, sob o ponto de vista milita, passaria pela adopção de uma manobra visando o encurtamento de área efectivamente ocupada, evitando-se desse modo a contingência de aniquilamento das guarnições de fronteira que se impõe a todo o transe evitar, atentas as repercussões militares e políticas externas e internas".

Não sei se o General Costa Gomes foi devidamente informado da retirada de Guileje, em 22 MAI 73, portanto em data anterior à sua deslocação à Guiné.

A decisão de efectuar a retirada de Guileje foi, seguramente, a mais difícil de tomar, durante toda a minha vida militar; foi tomada, conscientemente, sem me preocupar com as consequências dela resultantes, porque, principalmente, estavam em jogo centenas de vidas humanas, cuja responsabilidade me cabia. Nunca me arrependi dessa decisão e, passados 36 anos, tal como na altura (MAI 73), estou de consciência perfeitamente tranquila. [Sublinhado do editor]

Lisboa, 28 de Setembro de 2009

Alexandre da Costa Coutinho e Lima

(Coronel de Artilharia Reformado – Ex Comandante do COP 5)

[ Fixação / revisão de texto / título: L.G.]

_______________

Nota de L.G.:

5 comentários:

Anónimo disse...

Quanto ao chamado-Caso Guileje-julgava que já era tempo para:---"Uma paz,e silêncio,de cemitérios sob o luar". Mas,e depois de ler toda uma semântica(!) em volta de Cartas de Missao;por respeito por outros sacrifícios,noutros locais da Guiné,com outras gentes,e tendo plena consciência das diferencas nos condicionalismos envolventes,lembro...o 2 Pelotao da Comp.Cac.2381,dispondo entao de 26 Atiradores e um morteiro M/81 com uma dotacao TOTAL de 16(!) granadas,foi colocado no Destacamento de Mampatá situado na estrada que ligava Aldeia-Formosa a Gandembel.Lamentàvelmente,nimguém de entre os Superiores terá esclarecido o Alferes responsável que,na sua "carta de missao" nao constariam (talvez) os termos...defesa a todo o custo.Quando nos atacavam (aos tais 26 Atiradores+o Zé Teixeira!) com nove canhoes sem recuo e morteiros M/120,e metiam dezenas de granadas dentro do arame farpado(os abrigos eram feitos de troncos de árvore pois cimento "cá tem"!)este esclarecimento Superior dos têrmos de Missao teria sido muito útil.Nao só para nós em Mampatá,como certamente,para os vizinhos destacamentos de Chamarra e Ponte Balana á entrada de Gandembel. Os mal-entendidos quanto a...Aguentar...nao teriam entao surgido.Mas,como nimguém arredou pé,só o poderei explicar por má intrepretacao de "contextos". Ou,talvez,como todos os responsáveis por estes Destacamentos eram jovens Alferes e Furrieis Milicianos de vinte e poucos anos,nimguém se terá lembrado de perguntar..."especificidades"...de Missao. José Belo

Anónimo disse...

Boa tarde,


O meu nome é Cátia Bruno e sou aluna do 2º ano no curso de Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social. Um dos trabalhos que tenho de realizar é um guião de reportagem (uma simulação por escrito do que pretendo para uma reportagem), com protagonistas reais, que necessito de entrevistar. Eu gostaria muito que a reportagem fosse sobre os ex-combatentes da guerra colonial. Penso que é necessário não deixar morrer a memória do que se passou e que muitos hoje em dia parecem esquecer. As gerações mais novas não têm noção do facto de que tivemos pessoas a combater, numa guerra real, ainda não há muito tempo. Mas, para falar sobre isso, necessito de arranjar contactos e pessoas disponíveis para poder entrevistar.
A vossa ajuda seria uma grande mais-valia para mim, caso estejam interessados em participar. Qualquer pessoa que lá tenha estado, que tenha sentido na pele, dá sempre uma boa história. Infelizmente, como vivo na zona da Grande Lisboa só tenho oportunidade de me encontrar por aqui e portanto, com alguém que viva perto.
Aguardo uma resposta da vossa parte, desde já agradecendo a ajuda na recolha de alguns testemunhos de pessoas que queiram colaborar. Caso estejam interessados ou para qualquer esclarecimento ou dúvida: catiacbruno@gmail.com


Sem outro assunto e com os meus melhores cumprimentos,

Cátia Bruno

Amilcar Ventura, Furri.Milº. 1ª Compª. BCAV 8323 disse...

SEMPRE DEFENDI E CONTINUAREI A DEFENDER A RETIRADA DE GUILEJE, PORQUE VI COM OS MEUS PRÓPRIOS OLHOS COMO OS MEUS CAMARADAS DE COPÁ VIERAM, QUANDO TIVEMOS QUE OS IR LÁ BUSCAR ISTO PARA NÃO MORREREM TODOS ÁS MÃOS DO PAIGC, E COMO TODA A GENTE SABE ATÉ HOUVE ALGUNS QUE DEBAIXO DE FOGO INTENSO ABANDONARAM O QUARTEL E FORAM PARA OS QUARTÉIS VIZINHOS ONDE DEPOIS REGRESSARAM A COPÁ, PORTANTO O QUE ACHO E SEMPRE DISSE QUE NÃO FOI UMA FUGA COMO MUITOS DIZEM MAS SIM UMA RETIRADA ESTRATÉGICA PARA SALVAR VIDAS HUMANAS TANTO DOS NOSSOS CAMARADAS DE ARMAS COMO TAMBÉM AS DAS POPULAÇÕES DA TABANCA DE GUILEGE.E COMO TAMBÉM SEMPRE DISSE TANTO HÉROI É AQUELE QUE DÁ A VIDA AO SERVIÇO DA PÁTRIA, COMO AQUELE QUE SALVA VIDAS AO SERVIÇO DA PÁTRIA.

Anónimo disse...

Camaradas,
Congratulo-me com o nível de comentários relativamente aos dois textos: com excepção do Constantino, apresentam razões, antagónicas ou concordantes, em ambiente de grande elevação.
Referi com excepção do Constantino, porque, tratando-se de uma resposta às suas observações, fundamentada ponto por ponto, com as razões que ao autor parecem adequadas, o Constantino nem esperou pela segunda parte, para denegrir, sem fundamentos, a imagem do Cmdt do COP-5, recorrendo a uma linguagem de pretensa eloquência e superioridade. Não lhe ficou bem, nem ajudou ao esclarecimento das suas razões, pelo contrário.
Quanto à matéria versada, vou ser politicamente incorrecto.
A democracia é uma miragem. Digo isto, porque naquele tempo, o ditador assentou a doutrina do estado, no princípio da obediência e submissão das vontades populares.
A repressão seria a resposta aplicável a qualquer iniciativa contestatária. Quer dizer, a incompetência alijada no poder, ou a gravitar em roda do poder, não estava sugeita a cotejos.
O povo, na sua maioria, quer esclarecido, quer revoltado, só tinha que amochar. Mas houve excepções. E não eram só os comunistas a manifestarem-se, muito pelo contrário, no seio da igreja e na universidade desenvolveram-se algumas ideias anti-situacionistas. Depois veio um período de pseudo-democracia, que mais não foi do que uma tremenda confusão, estribada em revanchismos e ignorâncias colectivas, estranhamente evoluindo para a modernidade, que é reflexo de educação e trabalho disciplinado, a que se sucedeu novo período autocrático, inicialmente dominado pelo capital (lembram-se do FMI?), entretanto transferido para o poder político, ainda associado ao grande capital, apesar de sucessivos actos eleitorais que não revelam o achamento de um caminho socialmente interessante e digno na senda da harmonia colectiva.
Quero referir, que, na circunstância, o país é um espaço de constrangimento. Como era há quarenta anos, embora sob um modelo diferente. Neste contexto, a presunção de saber a verdade fica bastante hipotecada face ao malbaratar a que sugeitamos o país,
embora releve o direito de opinião nos termos que elogiei. E fica a questão de saber até quando, a incompetência deve ser motivo para resignação.
Abraços fraternos
J.Dinis

Anónimo disse...

Luís Paiva disse...
Há dois anos redigi, numa longa exposição, a versão dos acontecimentos em Guileje e Gadamael nos quais fui protagonista em 1973. Conjuntamente com o alferes Luís Pinto dos Santos, que infelizmente já se não encontra entre nós, e com mais dois Furriéis (Queirós e Santos), integrei o Pelotão de Artilharia, com o posto de furriel, tendo sido colocado em Guileje em meados de 1972, aquartelamento do qual retirámos para Gadamael, cerca de 1 ano depois.
De Gadamael fui transferido para Bula já em 1974 e foi neste último aquartelamento que terminei a minha comissão em 3 de Abril desse ano. Há uma parte das intervenções publicadas no blogue sobre o assunto por pessoas que não viveram directamente os acontecimentos, sendo que algumas reproduzem afirmações lamentáveis. Quanto aos protagonistas dos acontecimentos, constata-se que há divergência de opiniões. Todavia não me parece de todo saudável para ninguém -nem se afigura que daí decorra qualquer vantagem seja para quem fôr- que as opiniões reflictam um exacerbado pendor hostil e até fundamentalista. Os acontecimentos são velhos de 37 anos (como já alguém aqui lembrou e muito bem), muitos dos protagonistas já não estão entre nós e muitos outros (hoje, pais e avós) estarão envelhecidos, provàvelmente precocemente por um conflito que os desgastou e pela vida (também ela factor natural de dramas e tragédias pelos quais, todos nós, vamos paulatinamente passando).
Seria talvez salutar que se utilizassem os elos de camaradagem que se criaram num tempo dificil das nossas vidas para que as relações de sã camaradagem se sobrepusessem a tudo o mais. Muitos dos que estiveram em Guileje, Gadamael, Guidaje e outros locais complexos (sôb o ponto de vista militar) da Guiné e das outras ex-colónias viveram situações extremamente dificeis e perderam amigos e companheiros nessas campanhas que são credores de todo o respeito e merecerão certamente que se ponha uma pedra sobre polémicas que só servem para nos dividir. Eu próprio recordo o Faustino, furriel, e alguns dos homens do nosso Pelotão de Artilharia (um cabo e alguns soldados), falecidos em Gadamael.
Por uma questão de consciência, devo porém terminar esta minha intervenção, que vai mais longa do que inicialmente desejaria, com uma especial e pública saudação cordial ao Sr. Coronel Coutinho e Lima, autor do livro "A Retirada de Guileje" (obra que neste momento estou a ler) que consegui rever ao fim de 37 anos e a quem pessoalmente ficarei grato até ao final dos meus dias.
Aproveito a oportunidade para apresentar cordiais saudações a todos os intervenientes no blogue.
Luís Paiva
Ex-Furriel do 15º Pelart