sábado, 24 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6243: O 6º aniversário do nosso blogue (29): Aqui vamos adquirindo conhecimentos sobre outras culturas e tradições (Filomena Sampaio)

1. Mensagem da nossa amiga tertuliana Filomena Sampaio com data de 22 de Abril de 2010 com a sua contribuição para a comemoração do 6.º aniversário do nosso Blogue:

Amigo Carlos,
Motivos não me faltam para deixar uma mensagem de parabéns pelo 6º aniversário do Blogue.

Como leitora do Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, que leio quase diariamente, quero dar os parabéns ao comandante Luís Graça e aos seus co-editores, pelo sucesso deste distinto espaço de leitura e informação. Para além de ficarmos com uma ideia do que foi a vida dos Nossos Militares em Guerra no Ultramar, também vamos adquirindo conhecimento sobre outras culturas e tradições, algumas que nos levam a reflectir e a querer saber mais.

Frequento o Clube de “Cidadania é Cultura” e decidi levar para discussão do grupo o tema “Mutilação Genital Feminina”. Foi através deste Blogue que tomei conhecimento desta tradição, e com base no que li e pesquisei escrevi um texto e fiz uma apresentação em Power Point.
Foi interessante, levantou muitas questões.
Obrigada a todos.

O livro que li – “Pami Na Dondo, A Guerrilheira” que me foi oferecido pelo autor Mário Fitas, (ex-Furriel Miliciano Operações Especiais, Guiné 1965/1966), um homem de palavra sentida, com uma vivência fortemente marcada pela guerra geradora de brutalidade e simultaneamente de forte amizade entre camaradas.

Esta obra varia entre a ficção e a realidade, somos transportados desde a vivência dos militantes do P.A.I.G.C. (Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde) até à acção e forma de viver dos soldados que compõem a companhia, uma Unidade do Exército Português, onde o autor esteve integrado, numa comissão de serviço militar na Guiné.
Nesta obra, o autor retrata a vida duma jovem guerreira que luta pela Independência do seu país, a Guiné.

É uma história interessante, pois relata a vida de Pami em várias fases, fazendo referência entre muitos outros aspectos, ao facto de Pami não ter sido sujeita à mutilação genital feminina, o que na comunidade guineense muçulmana à qual pertencia, era prática tradicional.
Conta a maneira como Pami se transformou numa guerrilheira do P.A.I.G.C. que para ela seguia a prossecução dos objectivos que ela também visava.

Alistada nas hostes da guerrilha, sofre um acidente que lhe incapacita um dos braços e acaba professora do P.A.I.G.C., devido à sua formação escolar, (quarta classe de alfabetização) e pelo facto de falar correctamente o português.
Muito do que sabe, aprendeu sozinha lendo e interpretando um dicionário que um padre lhe ofereceu.

É na escola que ela mentaliza e doutrina os futuros guerrilheiros.
Numa emboscada das N.T. (Nossas Tropas), à tabanca (povoação) Pami e outros guerrilheiros são feitos prisioneiros, são interrogados pelas N.T., uns são mortos outros são libertados, mas Pami, continua prisioneira das N.T. pois não conta a verdade sobre a sua condição, afirma que só responde em balanta, (dialecto da tribo com o mesmo nome, uma etnia muçulmana existentes na Guiné), fazendo-se ignorante a qualquer outra língua.

Pami fica retida no Interior do Aquartelamento, é vigiada e interrogada várias vezes, mas não confessa a sua condição de guerrilheira.
Quando é descoberta, pensa que o comandante das N.T., a vai matar da mesma forma que matou os seus companheiros de luta, mas contrariamente ao que aconteceu com os seus companheiros, foi libertada e deixada livre para seguir o seu caminho.

Não sendo a mutilação genital feminina o tema de maior relevo na história contada neste livro, despertou-me uma certa curiosidade e talvez pelo facto de ser mulher me tenha levado a pesquisar sobre o assunto.

O que li não é de forma alguma agradável, muito pelo contrário.

A mutilação genital feminina praticada em certas partes da África, na Península Arábica e em zonas da Ásia, tem uma origem de ordem cultural.

É rejeitada pela civilização ocidental, considerada um dos grandes horrores do continente africano que pensa que a forma de mudar esta mentalidade é educar as mulheres mais velhas que perpetuam este costume, bem como os homens mostrando os danos físicos e psicológicos causados nas meninas que têm de se sujeitar a esta prática.

Não fundamentada religiosamente, acredita-se que esta prática seja muçulmana e que a mutilação genital feminina está certa. Os pais, mais propriamente a mãe e a avó têm voto na matéria, eles acreditam que se a jovem não for "cortada" nunca irá arranjar um marido, isso é a pior coisa que pode acontecer a uma jovem. Se a jovem se sujeitar à MGF (Mutilação Genital Feminina) é uma condição prévia do casamento. Se uma mulher não for mutilada pensa-se que ela não é pura sendo vista como prostituta e excluída da sua própria sociedade.

Algumas razões apontadas para a realização da MGF são assegurar a castidade da mulher, a preservação da virgindade até ao casamento e a fertilidade da mulher. Por razões de higiene, estéticas ou de saúde, também se pensa que uma mulher não circuncidada não será capaz de dar à luz, ou que o contacto com o clítoris é fatal ao bebe.

A mutilação genital feminina elimina o prazer sexual. A sua prática está cercada de silêncios e é vivida em segredo, acarreta sérios riscos de saúde para a mulher, é muito dolorosa, por vezes de forma permanente, causa danos físicos e psicológicos irreversíveis sendo responsável pela morte de muitas meninas.

A remoção do órgão genital pode ser feito com instrumentos de corte impróprios (faca, caco de vidro ou navalha) não esterilizados e raramente com anestesia.

Um dos motivos para a continuidade deste ritual é a fonte de rendimento para os que a realizam. Mesmo para os médicos que a realizam em algumas clínicas, na tentativa de evitar que as meninas sofram os riscos e traumas resultantes de ablações anti-higiénicas e sem anestesia.

Normalmente é o pai que paga a “cirurgia”, para poder casar as filhas com homens que não aceitam mulheres não circuncidadas.

Têm-se promulgado leis para ilegalizar e criminalizar este costume. Embora muitos códigos penais não mencionem directamente os termos Circuncisão Feminina ou Mutilação Genital Feminina, é perfeitamente enquadrado como uma forma de "abuso grave de criança e de lesão corporal qualificada".

Vários organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), tem envidado esforços para desencorajar a prática da mutilação genital feminina. A ''Convenção sobre os Direitos da Criança'', assinada em Setembro de 1990, considera-a um acto de tortura e abuso sexual.

Em 2003 o Comité Inter-Africano de Práticas Tradicionais que Afectam Mulheres e Crianças, uma rede não-governamental, já levou à adopção de legislação contra as excisões em alguns países, iniciativa patrocinada pela ONU.


Reflexão:

Reconheço que em algumas situações devem ser mantidos os usos, costumes e tradições. Não se deve pôr em causa os valores nem as tradições dos povos. São símbolos de identidade, dentro ou fora do país. No entanto, considero que manter a tradição duma prática que causa um enorme sofrimento, é um atentado à saúde das mulheres e jovens, que as leva frequentemente à morte. É um desrespeito inaceitável pelos direitos humano.

Todos os países deviam adoptar uma legislação contra a mutilação genital.

Bibliografia:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Mutilação
http://www.acidi.gov.pt
Blogue de: Luís Graça & Camaradas da Guiné (marcadores: Mutilação Genital)

Filomena







Clicar nas imagens para as ampliar
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Nota de CV:

Vd. poste de 24 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6242: O 6º aniversário do nosso blogue (28): O meu bem haja com o vozeirão maior que se possa conceber (Manuel Maia)

8 comentários:

Anónimo disse...

AMIGA FILOMENDA QUERO TE DAR OS PARABÉNS POR DIVULGARES ESTE TEMA, EU SEI O QUE É ESTÁ FLAGELAÇÃO NOS JOVENS AFRICANOS, ASIÁTICOS E DOUTROS
PAÍSES DE ÁFRICA A ENFERMARIA DA MINHA COMPANHIA ERA JUNTE DA OFICINA MECÂNICA E NÃO PASSAVA UM DIA SEM QUE NÃO FOSSE PRESTADO ASSISTÊNCIA A UM JOVEM OU A UMA JOVEM QUE TIVESSE SIDO FEITO A MUTILAÇÃO GENITAL É COMO TU DIZES ERA FEITO COM QUALQUER OBJECTO CORTANTE SEM HIGIENE NEM DESINFECÇÃO O QUE ORIGINAVA INFECÇÕES E SÓ EM ULTIMO CASO É QUE IAM HÁ ENFERMARIA, POIS OS PAIS NÃO DEIXAVAM, VAI SER MUITO DIFÍCIL BANIR ESTE PROBLEMA MAS TEMOS QUE LUTAR PARA QUE ACABE DE VEZ.

FILOMENA UM ABRAÇO DO TAMANHO DA GUINÉ PARA SI E SUA FAMÍLIA.

AMILCAR VENTURA EX-FURRIEL MILº. MECÂNICO AUTO DA 1ª COMPª. DO BCAV8323 BAJOCUNDA 73/74

Juvenal Amado disse...

Minha Cara Filomena

Gostei do que escreveu e ainda para mais sendo hoje o dia da Liberdade, em que acreditamos que era possível com a nossa vontade, mudar as mentalidades e crenças enraizadas.
Não é fácil, mas com o seu contributo deu-se mais um pequeno passo.
Era bom que não fosse nunca esquecido este tema, em que milhões de mulheres por crença e cultura, são privadas do completo uso do seu corpo.
No entanto chamo a atenção para um erro, que eu também cometi e o qual foi emendado pelo Luis Graça. (Poste 2575)
A mutilação feminina não é só praticado pelos muçulmanos e note-se que nem por todos, como eu estava convencido.
Espero que não leve a mal este pequeno registo, dou-lhe os parabéns para o tema que escolheu e da forma que o escreveu.

Com os melhores cumprimentos, desejo que tenha continuidade o seu contributo, para acabe esse mal que tem por cúmplices muitas mulheres, que foram dessa forma escravizadas e hoje por ignorância ajudam a escravizar.

Atentamente
Juvenal Amado

JD disse...

Filomena,
Aqui está um post muito interessante, pois tráz a terreiro uma tabanqueira, com uma matéria de pendor feminino, mas que interessa a todos, desenvolvida sem pretenciosismo, apenas com o inevitável intuito de nos fazer pensar sobre o assunto.
Pois, ao divulgar esta prática incompreensivel - na nossa civilização seria ignobil - contribui para que os praticantes, ou os familiares de praticantes emigrados que, entretanto, abominam o acto, possam influenciar no sentido de se expurgar tal prática do conjunto de tradições.
Vai ser dificil, mas não fazer nada, contribui nada para a evolução.
JD

Anónimo disse...

Estimada Filomena!

Primeiro um agradecimento por ter encontrado em "Pami na Dondo" um meio para combater o flagelo da MGF.

Sinto-me feliz por ter escrito algo que dá oportunidade de se falar do dramático problema da mulher africana e não só.

Parabéns pelo que escreveu! Será necessária muita pressão e divulgação, para este problema que vitimisa muita mulher ainda hoje em dia.

No entanto, não quero deixar passar esta oportunidade, para... a Filomena que me desculpe, clarificar determinadas situações que podem induzir em erro:

- A M.G.F. é de facto uma questão de ordem Cultural e não só mas também uma questão Tradicional. Embora certas étnias ligadas à relegião monoteista ainda pratiquem a MGF, não se encontra no Alcorão nem na Bíblia qualquer referência sobre este assunto.

- Pami era balanta e frequentava a escola e igreija católica segundo o livro "Pami na Dondo a Guerrilheira".

- Quanto ao destino de Pami ser o mesmo dos homens que iam desaparecendo, terei de fazer aqui um esclarecimento, não vá haver confusões:
Era obrigatório entregar no Batalhão todos os prisioneiros que pertencessem ao PAIGC, pois teriam de ser interrogados por um elemento da DGS. Todos aqueles que não fossem elementos considerados IN, regressavam às suas Tabancas ou até ficavam connosco, ou procuravam outros locais sossegados.

Peço desculpa destas explanações, pois espero que clarifiquem melhor as situações.

Mais uma vez aqui ficam os meus parabéns e agradecimento, pela Filomena trazer este assunto à nossa Tabanca.

Não assisti à MGF ao natural porque era proíbido, mas vi de outra forma também proibida.

É simplesmente horrível! Terminemos.

Com os melhores cumprimentos,

Mário Fitas

Unknown disse...

Quem sou eu para me meter nestas coisas. Mas uma coisa presumo que sei. Os Balantas não eram (são ?) muçulmanos. Têm uma tradição espírita e eram quanto muito uns desinteressados das coisas reais da vida.
Tive dois soldados balantas integrados no meu pelotão. Tanto quanto os pude observar (como as coisas agora e de longe podem ser diferentes) as suas actitudes eram totalmente antigonas das dos fulas e de dois outras mandingas com quem convivi.
Mas volto a escrever. Quem sou eu que apenas sei que nada sei.

Anónimo disse...

Jorge Portojo,

Só um pequeno esclarecimento, sobre os Balantas. É verdade que na sua grande maioria eram e são animistas. No entanto existiam e ainda hoje existem, os que tiveram uma influência islâmica dentro dos vários grupos dessa etnia, ficaram denominados como "Balantas-Manés".

O velho e fraterno abraço, como sempre com a referência do Cumbijã,

Mário Fitas

Anónimo disse...

O meu muito obrigada a todos os amigos que comentaram.
Não vou responder individualmente a cada um, embora reconheça que devia dar resposta ao comentário do Juvenal Amado e Mário Fitas.
Em relação aos restantes comentadores. o meu muito obrigada.
Abraços amigos para todos.
Filomena

Anónimo disse...

Boa noite amigos,
A todos os que comentaram o meu texto, muito obrigada.
Reconheço no entanto que deveria responder individualmente ao Sr. Juvenal e ao Sr. Mário Fitas.
Abraço amigo.
Filomena