terça-feira, 17 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6865: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (16): A chegada à Guiné e a terras de Ingoré

1. Mensagem de Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 9 de Agosto de 2010:

A chegada à Guiné e a terras de Ingoré, da qual irei narrar singelas “estórias”, também fazem parte do puzzle do historial da CCaç 2381 “Os Maiorais.”

Em 06 de Maio/68, deu-se a chegada do Navio T/T Niassa a Bissau e o desembarque das tropas. Por sua vez a CCaç 2381 fez transbordo para a LDG 101 “Alfange” que zarpando e navegando para norte, ao largo da costa, seguiu com destino a São Vicente - Ingoré. Entrando no Rio Cacheu, na noite do dia 07 para 08 de Maio, avistamos a localidade de Cacheu com a sua iluminação. Prosseguindo, deparamos com o Cais de São Vicente pelas 07h30m. Neste acontecimento que ficou na memória de todos nós, ninguém se encontrava a aguardar-nos e tendo-se dado o desembarque apressadamente, dando como motivos o posicionamento do movimento de maré e a preocupação da manobrabilidade da LDG 101 “Alfange,” conjugando com a segurança da navegabilidade no rio Cacheu, a fim de ir ainda a tempo de abicar no Cais de Barro.

Foto 1 – Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Rio Cacheu > LDG 101 “Alfange” em manobras para abicar.
Fonte da imagem: Arquivo do Museu da Marinha, sendo solicitada ao tempo a sua extracção de Reservanaval.blogspot.com e colocação, com a cortesia do Camarada Lema Santos (MLS)

A LDG 101 “Alfange” não conseguira chegar a S. Vicente no dia 7 de Maio, como programado, dado ao acerto da conjugação da maré durante o dia.
Por sua vez os elementos da CCaç1801, que deviam receber-nos já estavam saturadas de esperar, fazendo-se noite receberam instruções para regressarem a Ingoré.

O Comandante da LDG 101 “Alfange” 1.º Tenente José Manuel C. Passos, antes de reiniciar a viagem informou que de Ingoré já sabiam da nossa presença e vinham a caminho ao nosso encontro.

Assim, o pessoal da CCaç 2381 espraiara-se na margem direita do rio Cacheu pela estrada que lhe fica adjacente (foto 2). Da situação de isolamento deparada, o Comandante da Lancha facultara dois cunhetes de balas de G3 e se algo mais houve foram granadas de mão, por caricato eu também tinha oito balas as quais retirara aquando da minha passagem pela carreira de tiro na Carregueira, sentindo-me dentro de uma certa segurança (depois conclui que aquilo era manteiga no focinho de um cão). Se o In soubesse éramos todos apanhados à mão.

Foto 2 – Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ingoré > Cais S. Vicente em 1998 > Local onde a companhia espraiou-se, na margem oposta era terra do In (Mata do Canchungo – Teixeira Pinto). Ao tempo não existiam aquelas moranças.
Imagem extraída do Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, I Série DXCVI, foi solicitado o uso, com a devida vénia ao camarada Francisco Allen.

Estamos isolados, são cerca das nove horas e começamos a ouvir o roncar de viaturas, depois vimos chegar os “nossos protectores” elementos da CCaç 1801 que vieram tirar-nos de um pesadelo. Ala que se faz tarde, todos embarcamos. Pelo caminho foram feitos tiros de G3 a gazelas, antes de passarmos por Antotinha (Tabanca em construção de reordenamento da população) a caminho de Ingoré.

Chegados a Ingoré, seguiu-se a expectativa e a devida acomodação da companhia. A quase todos foram servidos colchões de sumacimento, uma manta e dois lençóis. Com a manta fiz um catre, por isso tendo-a danificado. O meu amigo Cabo Quarteleiro queria o pagamento da mesma aquando da entrega, mas  foi fintado por uma troca.

Após a chegada, em dia que a companhia efectuara escolta a uma coluna auto a Sedengal e a Barro, fora-me solicitado para montar uma roda num Unimog, então pedi ferramenta, mas de momento não havia um macaco mecânico na oficina. Estava a começar bem, porque o único de que havia seguira na coluna auto.

E agora foi tentar desenrascar-me tanto quanto possível, utilizando pranchas fazendo-as de alavancas com a colocação de contra pesos. Levei cerca de duas horas para executar aquele trabalho, que normalmente com equipamento adequado levaria apenas dez minutos.

A situação desenrolara-se num barracão que se localizava na rua principal em frente ao Aquartelamento, tendo sido presenciada pelo Comandante da CCaç 1801, Capitão de Inf. José Daniel B. Adão, que ali se encontrava numa pequena secretária fazendo as suas anotações. Vendo aquela tarefa e não me conhecendo, perguntara o que ali estava fazendo e se era da sua companhia, porque estava queimado do Sol. Tendo-lhe dito que era periquito, e como era algarvio, desde Março sempre que possível fazia praia. Quanto ao serviço era a montagem de uma roda que se apresentava morosa, devido à falta temporária de um macaco para levantar o Unimog. Olhara-me de soslaio “quem é este artista”, mas concordou comigo.

Foto 3 – Guiné-Bissau > Região de Cacheu >  Ingoré > 1968 > Em horas de ócio, a minha primeira foto na Guiné, sentado num cadeirão. Este deverá ser o que está na foto do José M. Ferreira, tirada em Ingoré 1963/4 (P6792).

Na tropa há de tudo, certo dia na caserna aparecera um Soldado da minha companhia vindo todo lavado em lágrimas “de baba e ranho", termo algarvio, lastimando porque a sua mulher lhe escrevera dizendo que tinha o filho muito doente e precisava de 2.000$00 para tratamentos. Porque levou mais de meia hora a choramingar, convencido da sinceridade do artista, como bom samaritano, contribui com um empréstimo de 500$00 (ele nunca disse que não me pagava, mas como foi evacuado...). Ao que me contaram o pobre do homem tem mãos ágeis e vai tratando da sua “vidinha” na baixa do Porto.

Em fins de Maio/68, o In actuou do lado da fronteira tentando referenciar Ingoré com uma manobra de diversão, enviando espaçadamente várias granadas de armas pesadas, as quais caíam distante. Pretendiam assim aliciar as NT de forma perspicaz, não tendo sido ripostado por ordem do Comando, por este ter em conta que não havia noção do local de saída de fogo In, e por palpite seria um desperdício de material.
De manhã partiu uma patrulha de reconhecimento e foi referenciada a posição In.

Foto 4 – Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ingoré > 1968 > Eu junto da Caserna onde estava hospedado.

Da situação havida serviu para criarmos experiência, recebendo instruções do comando e dos velhos (CCaç 1801), na procura de um abrigo, a forma de proceder e já foi muito “atão… atão.., atão… atão..!” expressão algarvia.

Em 09 de Junho/68, a CCaç 2381 (2 GCOMB), a CCaç 1801 (1 GCOMB) e 1 Secção de Milícias, efectuaram uma acção de reconhecimento na fronteira com o Senegal sendo feitos quatro prisioneiros (prescindiram de dois dada a sua idade avançada).

Chegados a Ingoré, um dos prisioneiros fora colocado numa pequena cela, falava-se que quando lhe levaram comida atirara um balde “penicada”aos militares em serviço, e o Cabo reagiu disparando a G3, mas tendo dito que foi por tentativa de fuga. Se eu fui ao local e vi no pavimento porcaria, frutos do caju e furos na porta da cela feitos por balas, assim estaria esta fechada ou foi para simular um álibi. Eu pergunto, daquela forma como poderia efectuar a fuga. O segundo fora algemado, preso com a uma corda e havendo um vigia, depois fora enviado para Bissau e nada mais se soubera.

Na noite de São João de 1968, houve fanfarra e marcha (foto 5), fora organizada por Camaradas da CCaç 2381, com instrumentos de ocasião e da minha parte dava fracos acordes com uma guitarra portuguesa. Pela surpresa a população de Ingoré veio à rua aplaudindo e os camaradas mais velhos levaram-nos de tolos.

Foto 5 – Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ingoré > 1968 > A Fanfarra e Marcha de São João, era constituída por Furriéis e Praças da CCaç 2381.
A devida vénia ao Amigo e Camarada Zé Teixeira, que é o primeiro a contar da direita.

Também no dia 23 de Junho/68, fiz serviço de ronda aos postos de sentinela instalados na periferia da Tabanca, era por turnos e com visitas nos intervalos das rendições, fazendo-o montado em cima de uma auto-metralhadora Daimler, era necessária muita astúcia dada a fraca estabilidade e a má condução que esta viatura oferecia.

No norte da Guiné havia uma endemia da doença do sono, trata-se de uma parasitose que entra na circulação do sangue quando uma picada da mosca Tsé-tsé contaminada e que progride rapidamente. Ao tempo era irreversível, não havia medicação para a sua terapêutica, levando o infectado à morte em poucas semanas. Tendo observado um milícia que deambulava por Ingoré, apresentando os sintomas de psicose da fala e dos movimentos.

Por várias vezes efectuei serviço de mecânico auto das viaturas que estavam adstritas aos grupos de combate e operários que diariamente eram escalados para segurança e trabalhos de construção do reordenamento da população em Antotinha.
Em 09 de Julho/68, após a última vez que nesse local fiz serviço, quando já era noite, grupo In acercou-se da dita obra em construção sem qualquer oposição, montando sistema de dinamitação e fizeram um esfrangalhasso.

Foto 6 – Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Ingoré > 1968 > Estou a simular a pontaria com a Metralhadora Pesada Browning, arma de calibre 12,7mm que pode usar munições para vários fins. Antes tinha sido reparada pelo 1.º Cabo Mec Armas, Acácio da Silva (na foto) com o meu apoio.
Camarada José M. Ferreira, concordo contigo, por conseguinte não se trata da arma Breda (Comentário P6792).

Durante o período de permanência em Ingoré, a CCaç 2381 efectuara treino operacional com o apoio CCaç 1801, tendo ficado posteriormente como companhia de intervenção do COMCHEF.

Em 18 de Julho de 1968, a companhia embarcou na LDG 101 “Alfange,” no Cais de São Vicente - Ingoré com destino a Aldeia Formosa, via Buba.

Com um grande abraço
Arménio G.F. Estorninho

Ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas
CCaç 2381 “Os Maiorais”
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6844: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (15): Buba, quotidiano, deveres e desenrascanços

1 comentário:

Unknown disse...

DE DAKAR.
MARIA SEIDÉ ET SON MARI QUI L'AIME TROP A VISITÉ VOTRE BLOG ET SE RÉJOUISSENT DU CONTENU DOMMAGE QUE LE TEXTE NE SOIT EN FRANÇAIS POUR QUE JE PUISSE TIRER DES INFORMATIONS ET LES PUBLIER DANS NOTRE REVUE CONTINENTALE. A BIENTOT CHERNO.
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