1. Em mensagem de 22 de Agosto de 2010, José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviou-nos o 39.º episódio da História da sua Companhia.
HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (39)
Uma Flagelação
O ramerrame de Copá foi interrompido cerca das 19H30 do dia 10, quando um grupo IN estimado em 30/40 elementos flagelou, com RPG-2 e armas ligeiras, durante 05 minutos. O fogo dos RPG-2, aproximadamente 50 rebentamentos, caíu a maior parte fora da vedação de arame farpado, não causando qualquer tipo de baixa às NT ou à população. As NT que reagiram bem e prontamente pelo fogo, provocaram a retirada desordenada do IN. O 19.º PEL ART em Canquelifá apoiou com fogo muito certeiro. Entretanto uma força do Destacamento, quando cessou o fogo de artilharia, saiu procurando envolver o IN.
Esta conversa, que exalta o determinismo corajoso dos militares portugueses, consta do relato da História da Unidade. Porém, não sei se corresponde à realidade. Melhor, acho que não corresponde a nada do que se passou, antes fica a dever-se à fértil imaginação de quem preparava relatórios e justificava prejuízos. Referia-se retirada desordenada, sempre que não havia especiais vestígios deixados pelo IN. Impressionava.
O nosso fogo de reacção não foi certeiro, pela simples razão de que nenhum elemento IN ficou para amostra. Aliás, no dia seguinte indignei-me com o desperdício de munições, para mais numa situação de escassez. E quando eu me indignava ninguém ousava retorquir ou arranjar desculpas tolas. O comportamento foi o contrário do que eu queria que fosse, uma bandalheira provocada pelo medo, ou pela excitação de dar uns tirinhos a coberto do ataque. A verdade, é que ficámos mais expostos a uma reincidência. Da situação dei o necessário e natural conhecimento à sede da Companhia, que respondeu, alegando dificuldades logísticas (falta de viaturas), não poder, nem saber, quando enviaria uma coluna de reabastecimento.
Ruminei umas ofensas aos xicos que deixavam a degradação chegar a tal ponto. Imagine-se uma emergência... e nicles! Não havia viaturas a funcionar, pronto! E isto foi frequente durante a quadricula.
Uma Coluna
Felizmente que aquela guerra tinha critérios muito tolerantes. Refiro-me desta maneira, tendo em conta a descrição do que se segue:
Já bastante depois do almoço, não me recordo se com aviso prévio, ou totalmente à balda (não houve picagem, nem se deslocou ninguém para a segurança à picada, pelo que, provavelmente, não chegou qualquer mensagem de aviso), ouvi ruídos de motores em aproximação. Era apenas um motor, mas escandalosamente ruidoso. Uma velha GMC, oriunda de Bajocunda, com o motor à vista por falta de capot, sem bancos nem taipais, trazia uma dúzia de bravos. Ao volante, o Pedro, o meu amigo Pedro Nunes, um homem que partira para a Guiné com todos os medos, que a falta de preparação operacional acentuava. Pois o Pedro, e os seus mecânicos, prepararam de urgência a velha GMC, carregaram-na das munições que pedíramos, organizaram a escolta, e fizeram-se à picada, numa demonstração de extraordinária solidariedade. Por conta própria.
Tratei-o mal, quase que lhe batia. Às minhas interrogações violentas sobre a eventualidade de uma mina, ou de uma emboscada, o bom do Pedro respondia:
- Tens aí o material. Precisavas de mais alguma coisa?
Desarmava-me com aquela inocência. Mas não era de inocência que se tratava. Apesar de virem na escolta elementos que não faziam ideia sobre a guerra, outros participavam dela no dia-a-dia, como os condutores.
Foi um gesto lindo, digno de um filme de heróis místicos, daqueles que tratavam as dificuldades com a generosidade mais genuína. E o Pedro, por todas as dificuldades que passou na Guiné, a maior parte delas de pressão psicológica, bem merece um lugar na galeria dos heróis.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 23 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6886: História da CCAÇ 2679 (38): Situação Geral durante o mês de Dezembro de 1970 (José Manuel M. Dinis)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
Caro José Dinis
Uma justa e merecida homenagem ao Pedro e a todos os 'Pedros' que assim agiram por impulso de solidariedade, por companheirismo, afinal por tudo aquilo que aqui já se tem escrito e que é o 'miolo' do que se tem vindo a chamar camaradagem.
Em jeito de passagem assim ao de leve, retenho que esse teu 'mau feitio' (a aplicação prática da pedagogia do 'pontapé no cú') esteve para ser ali empregue... o Zé Dinis de sempre, 'pobre e mal agradecido'.
Salva-se a homenagem!
Um abraço
Hélder S.
CARO ZÉ,
FICA-TE BEM ESSE HINO DE LOUVOR AO FUR MIL MECÁNICO,POIS APESAR DE SER MEMBRO DA MÚSICA( NÃO OPERACIONAIS) ACABOU POR TER UM
COMPORTAMENTO EXTRAORDINÁRIO.
ABRAÇO.
MANUEL MAIA
Caro Zé
Grande homenagem aos não operacionais, quantos e foram muitos, que agiram deste modo, felizmente assim aconteceu.
Na minha Cart643, um dia o 1º cabo cozinheiro de nome Adérito, "arrancou" com um grupo de comb.lá para as bandas de Morés, salvo erro para um trilho junto a Fajunquito.
O regresso a Bissorã estava previsto para as 6,00h., mas o imprevisto aconteceu, só chegaram por volta das 12,00h.
O Adérito tinha a chave da arec. dos géneros, como tal não foi servido convenientemente o p/almoço, ficando o almoço nas mesmas condições.
O Cap. chamou-o dizendo: é pá merecias já uma "ganda porrada",não a levas porque a tua atitude foi de ajuda aos teus camaradas, de baixinho disse, até merecias um louvor.
Boa homenagem ao teu camarada, amigo Zé Dinis.
Um abraço Rogerio Cardoso
Cart.643-Aguias Negras
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