segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6886: História da CCAÇ 2679 (38): Situação Geral durante o mês de Dezembro de 1970 (José Manuel M. Dinis)

1. Em mensagem de 22 de Agosto de 2010, José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviou-nos mais um episódio da História da sua Companhia.


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (38)


SITUAÇÃO GERAL DURANTE O MÊS DE DEZEMBRO DE 1970
(extraído da História da Unidade)


Durante o mês de Dezembro assinalaram-se várias manifestações de iniciativa IN no Sub-Sector da Companhia: duas flagelações ao Aquartelamento de Bajocunda e uma ao Destacamento de Copá.

A actividade operacional também foi neste período bastante grande. Efectuaram-se várias operações e patrulhamentos de contacto com a população e emboscadas nocturnas, sem que, no entanto, houvesse a registar qualquer contacto com o IN.

Neste período a Companhia foi reforçada temporariamente com 02 GComb da CArt 2762, devido à grande actividade operacional dispendida pela Companhia que, além disso, tem de continuar a dar protecção às tabancas de Amedalai, com o PEL MIL 269 e a TABASSAI, ora com GComb da Companhia, ora com os da CCav 2747.

O Natal foi celebrado com a armação de presépios, almoços melhorados e espectáculos de variedades organizados pelo pessoal. SEXA COMCHEFE visitou então o Aquartelamento de Bajocunda e os destacamentos de Copá e Tabassi (fim de citação).


Da actividade respigo as seguintes acções durante o mês:

Em Bajocunda: 7 operações; 5 emboscadas nocturnas; 5 patrulhamentos de combate; 5 patrulhamentos sociais; 3 patrulhamentos de contacto; 1 patrulhamento de reconhecimento.

Em Copá: 1 patrulhamento de combate; 1 patrulhamento de reconhecimento.

Em Amedalai: 1 patrulhamento de reconhecimento.


Minhas notas relativamente ao que antecede:

Sobre a visita de Natal que nos fez o ComChefe, no dia 27, o pessoal cortou-se a denunciar o descarado locupletanço dos xicos da Companhia, que no dia de Natal ignoraram o subsídio de vinte e cinco tostões para melhoria do rancho, e o que foi servido, foi a habitual bianda com estilhaços. Nessa ocasião, o pessoal revoltado no refeitório, não tomou especial atitude, mas dois ou três militares aproximaram-se da messe, onde os graduados e um civil comiam um frugal bife, mas bife, com batatas fritas, julgo que com vontade de dar umas bocas.

Eu estaria próximo da posição deles, e pediram para me falar. Quando me contaram a ocorrência no refeitório, nem quis acreditar, e dirigi-me ao local para confirmar. Ali chegado iniciou-se um burburinho, mas contiveram-se de seguida. Disse-lhes que, dada a circunstância, não me parecia viável fazer uma nova refeição, e aconselhei-os a comer o que era disponibilizado, mas chamei a atenção ao Jesus, o cantineiro, para que a seguir franqueasse o bar, e que o pessoal se servisse à minha ordem.

Regressei à messe e interpelei o capitão, dando conta do que vira e da minha decisão subsequente. E acrescentei que não tinha intenção de pagar qualquer despesa, nem me apetecia acabar a refeição naquela mesa. Peguei no prato e fui para o meu quarto. Seguiu-me um outro furriel, que já não consigo identificar, e sem preocupações perguntava: o que é que os filhos da puta fizeram?

Do caso não resultou nada, mas eu também não denunciei a atitude durante a visita do General. Pairava sempre a desconfiança da protecção que a tropa dava aos carreiristas. Talvez por isso, ninguém se manifestou. Deve salientar-se a falta de escrúpulos e fanfarronice do capitão, como dos sargentos, por terem registado a aldrabice na História da Unidade.

No fim de Novembro o Foxtrot deslocou-se para Copá. Ali permaneci apenas duas semanas, como a seguir revelarei. Encontrei o destacamento e a tabanca com falta de tudo. Falta de munições e falta de alimentos. Dei logo conhecimento da situação.

Era costume os graduados para ali deslocados manterem um negócio de géneros com a população, a quem vendiam arroz e vinho temperado. As provisões eram mínimas e eu fora avisado. Contratei um magarefe, a quem pagava um pouco mais, mas ia ao Senegal comprar vacas e cebolas, o que nos garantia uma alimentação quase de luxo, pois só ficávamos com o melhor da carne e as miudezas para petiscos. Havia farinha com alguma suficiência.

A falta de água era outra constante. Havia um poço muito pouco profundo, dois ou três metros, que de manhã proporcionava uma água argilosa, castanha, que, mais ou menos filtrada, aproveitávamos para a cozinha. Praticamente não tomávamos banho. O clima era o mais agreste que encontrara, com nítidas influências do deserto.

No destacamento havia um lugar de grande responsabilidade, o de encarregado pela tabanca dos géneros: se antes era um lugar da confiança dos graduados, que geriam a alimentação do pessoal e ainda negociavam com a população, actividade que rendeu uns Breitlihgs (relógios populares na época), agora, em regime de vacas magras, determinei a cessação das vendas, e era preciso alguém de muita probidade para ajudar à gestão equilibrada. Não era difícil entre o Foxtrot nomear alguém de aceitação tácita, e, se não me recordo do designado, a coisa funcionou. Tão bem funcionou, que ao fim do dia lá estava o chefe-de-tabanca na palhota que servia de comando, a reclamar por não terem sido atendidos os populares que demandavam por compras. Nunca fui entusiasta em alimentar a preguiça, e aqueles indivíduos eram preguiçosos. Não sei como arranjavam dinheiro suficiente para o supermercado, mas isso indiciava bons negócios com a tropa, pela venda de galinhas, cabritos, e pela prostituição das filhas. Nos arredores havia uma plantação de caju, que não exigia cuidados especiais e garantia rendimento certo.

Ao chefe referi que havia escassez de géneros, que não havia garantia de fornecimento para os próximos dias, e, por isso, estavam suspensas as vendas. Houve algum blá-blá em dialecto, entre o chefe e alguns populares surpreendidos pela novidade, mas a decisão estava tomada. Competia-me garantir a melhor solução para o meu pessoal, apesar de, aparentemente, atentar contra as regras da psícola que, francamente, ignorava, pois nunca tivera acesso a ordens ou instruções que clarificassem essa política de protecção (mais do que colaboração) às populações.

Outro aspecto que critico na política do Governador e ComChefe: a falta de meios para implementação e fiscalização de actividades, à semelhança da ribaldaria que resultava da descentralização de poderes nas companhias, sem que funcionasse alguma auditoria. Entendia eu, que para dar execução às vendas, seria necessário um stock generoso que não comprometesse o quotidiano do pelotão. Nem sabia, nem me interessava, se os géneros eram extraviados de Bambadinca até Copá. Se eu tivesse tido essa incumbência, muitos "rádios" teriam transmitido a situação.

Assim, limitava-me a gerir a presença militar. Mais uma vez manifestava uma atitude anti-social, que poderia vir a sair-me cara.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6861: (Ex)citações (92): A Guerra Colonial, todos querem ser heróis (José Manuel M. Dinis)

Vd. último poste da série de 13 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6589: História da CCAÇ 2679 (37): Como se pode ser vítima da sua própria armadilha (José Manuel M. Dinis)

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