quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7022: Ser solidário (88): A Alicinha do Cantanhez e a sua mãe, Cadi, estão bem de saúde e recomendam-se (Pepito / Luís Graça)


Guiné-Bissau > Bissau > Bairro do Quelelé > Casa do Pepito e da Isabel > A Alicinha do Cantanhez, de oito meses (à direita),  que tem na Alice de Candoz (que vive em Alfragide, Portugal) uma madrinha, quase tão babada e ternurenta como a sua mãe, a Cadi (à esquerda)... O pai, da criança, vive e trabalha na Linha de Cascais como segurança de uma empresa. A Cadi é de Farim do Cantanhez. Não fala português, só um pouco de crioulo, para desespero da Alice de Candoz que de vez em quando lhe telefona... De tempos a tempos, esta manda à Cadi as roupinhas e outras coisas que fazem da Alicinha uma pequena princesa do Cantanhez... Pelo meio, vai-se rezando ao Nhinte Camatchol para que proteja a menina (e a mãe)... Da cólera, do paludismo, das desinterias, da fome e das mil e uma causas de morte infantil na Guiné-Bissau...

Foto: © Pepito (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

Lembram-se da Cadi,  pois claro !? E  do poema Nasceu e morreu um pretinho da Guiné!? (*)...Uma história amarga e triste: O Nuninho nasceu e logo morreu, ao fim de quatro meses. De paludismo, de abandono. Depois veio a Alice que fez esquecer o Nuninho (**)... A vida vale pouco, em África... e mal há tempo para fazer o luto dos que morrem... Essa é a verdade nua e crua... Os nossos bisavós, em Portugal,  também conheceram a brutal realidade da mortalidade infantil que, no final do Séc. XIX, roubava uma em cada cinco crianças, antes dos cinco anos...

Já aqui contámos como é que a Cadi, filha do ex-guerrilheiro nalu Adbu Indjai (***), apareceu nas nossas vidas, na vida da Alice Carneiro e, por tabela, na minha... Conhecemo-la em Iemberém, em Março de 2008, por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008).

Cadi, de seu nome.
Amorosa.
Uma ternura.
Uma jóia de miúda.
Tinha a graça de uma gazela
apascentando na orla da bolanha.
Era nalu.
Vivia em Farim do Cantanhez.
Filha de um velho combatente da liberdade da pátria (...)

 

Estava grávida, em Março de 2008. Soubemos  depois que tivera um menino. Infelizmente a criança morreria, quatro meses depois, em Setembro de 2008. E a própria Cadi, perdida em Bissau, corria um sério risco de vida. Valeu-lhe na altura a solidariedade dos seus novos amigos, Júlia e Nuno Rubim (dois seres humanos de excepção), bem como do jovem Moisés Caetano Pinto, o Tino, que trabalha para a AD - Acção para o Desenvolvimento. A Júlia e o Nuno proporcionaram à Cadi os cuidados médicos de uma clínica privada, em Bissau, sem o que muito provavelmente ela também teria morrido a seguir ao seu filho.

Em 2010, a Alice e eu mantivemos alguns contactos telefónicos com a Cadi. Em Dezembro de 2009, o
João Graça, médico e músico, está de férias na Guiné (com uma semana de voluntariado em Iemberém, no Centro de Saúde Materno-Infantil, local). Por um feliz acaso encontra a Cadi, grávida, na consulta médica. Não sabia que era a mesma pessoa para quem levava umas roupinhas, um telemóvel e algum dinheiro, lembranças de Portugal.

Na conversa possível com alguém que mal falava o português, o João ficou a ser o nome do futuro cidadão guineense:
- Si for menino, será Luís... Si for minina, será Maria Alice - esclareceu a grávida, de sete meses...
- Estranho, são os nomes dos meus pais... - lá pensou ele, para os botões da sua bata branca...

Pois aqui está, na foto acima, a Maria Alice, nascida a 17 de Janeiro de 2009... Robusta e saudável! O fotógrafo foi o Pepito. A foto foi tirada na sua casa, em Bissau, por onde a Cadi passou, em trânsito... Foi à capital tratar de uns assuntos pessoais, aproveitando uma boleia. E, ao que sei, já voltou a casa, em Farim do Cantanhez,  que Bissau é um mau lugar para uma jovem mãe e a sua menina, uma cidade demasiado palúdica, colérica e buliçosa para dois seres que merecem o direito à vida, ao amor e à esperança.


Desculpem, meus amigos e camaradas, mesmo correndo o risco de ser mal interpretado, tinha de partilhar isto convosco... LG
_______________

Notas de L.G.:

(*) Vd.poste de 3 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3167: Ser solidário (19): Morreu o Nuninho, da Cadi. De paludismo. De abandono (Luís Graça).

(**) 1 de Abril de 2010 > G
uiné 63/74 - P6086: Ser solidário (63): Gente feliz... com lágrimas: a Cadi e a sua filha, a Maria Alice do Cantanhez (Pepito / Luís Graça)

(***)  Vd. poste de 3 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6102: PAIGC - Quem foi quem (9): Abdú Indjai, pai da Cadi, guerrilheiro desde 1963, perdeu uma perna lá para os lados de Quebo, Saltinho e Contabane (Pepito / Luís Graça)


(...) Abdú Indjai [, foto à esquerda, tirada por João Graça, em Iemberém, em 9 de Dezembro de 2009]:

(i) Nasceu em Farim de Cubucaré,  [Cantanhez,] em 1947;

(ii) O pai foi militar português que prestou serviço em Macau [, durante a II Guerra Mundial];

(iii) Entrou na Luta Armada logo no seu início, no dia 23 de Janeiro de 1963, na Base Central de Cubucaré, na Barraca Miséria, centro de recrutamento;

(iv) Especializou-se como fuzileiro, em 64;

(v) Entrou no Exército Regular em 66, sob o comando de Kubói Nam'Bá, sendo Comissário Político Braima Camará;

(vi) Comandava então um grupo designado por "sete homens";

(vii) Fez missões militares em Como, Catchil [ou Cachil], Tombali, Cufar, Medjo [ou Mejo]  e Guiledje [ou Guileje];

(viii) Mais tarde, fez a guerrilha na zona 7 (Quínara), com o Comandante Gaio (cubano), sob a direcção do Comandante Nino Vieira;

(ix) Em 1968 intervém na Guerra da Ponte de Balana (tanto na pontezinha, como na ponte grande);

(x) Depois desloca-se para Quebo [, mapa de Xitole,] Saltinho e Contabane [, mapa de Contabana,] sob a chefia do Comandante Augusto Patchanga;

(xi) Nessa altura cai numa mina e fica sem uma perna [, possivelmente em 1969];

(xii) Evacuado para o Hospital de Boké,  na Guiné-Conacri, acaba por ir para a RDA [ ex-Alemanha de Leste,] em tratamento;

(xiii) Regressa a Conacri  na véspera da operação Mar Verde, assalto organizado por Spínola e Alpoím Calvão [, em 22 de Novembro de 1970];

(xiv) É nesta cidade que está quando a Independência da Guiné-Bissau é proclamada [, a 24 de Setembro de 1973];

(xv) Hoje é agricultor e Presidente da Associação dos Antigos Combatentes de Cantanhez. (...)

9 comentários:

Anónimo disse...

Amigo e Comandante (desta nau) Luís.

Regresso...Abro o Blogue...e deparo-me com esta beleza.

Não podia iniciar melhor esta nova etapa, depois da estada prolongada na bela Costa Nova do Prado.

Desculpas porquê?
Mal interpretado? Qual a razão?
Já somos todos veteranos e aqueles tempos passaram há muito.
Não temos sido solidários?

Que estes exemplos floresçam e frutifiquem, para que aquele Povo tenha direito há sua felicidade.

Muita saúde e longa vida para esta Maria Alice e seus padrinhos.

Abraços para todos

Jorge Picado

Luís Graça disse...

Amigos e camaradas:


Ainda são relativamente raras as fotos, publicadas no nosso blogue, de antigos guerrilheiros do PAIGC, homens (e algumas mulheres) que estavam do outro lado apontadando uma arma contra nós... Algumas (como a do homem que comandou o bigrupo que provocou o massacre do Quirafo, em Abril de 1972) são ainda bem duras de se verem e reverem... (Imagino os sentimentos, contraditórios, de camaradas nossos como o António Baptista, o nosso morto-vivo do Quirafo)...

Há dias descobri a foto do "fuzileiro" Abdu Indjai, nalu, que andou na guerrilha desde o início de 1963, travou combates desde o Como (1964) até Gandembel (1968), até perder uma perna (possivelmente em 1969), numa das nossas minas... lá para os lados do Quebo, Contabane ou Saltinho...

Não sei se se alguma vez nos "cruzámos", perto do Corubal, na região do Xime / Xitole, ele, os seus "sete homens" e a minha CCAÇ 12, no 2º semestre de 1969... É possível...

A foto foi tirada pelo João Graça no centro de saúde materno-infantil de Iemberém em 9 de Dezembro de 2009... Gostava de o conhecer pessoalmente. Tem um ar afável e seguramente uma memória prodigiosa. É o pai da Cadi e o avô da Alicinha do Cantanhez...

Jorge, obrigado pelas tuas palavras solidárias... Ah!, e já agora, não estou esquecido das fotos que te tirei, na Costa Nova, este verão passado, com o teu/nosso camarada da engenharia militar (Bissau, BENG 447)... Gostei muito de te rever. Um Abração. Luis

Anónimo disse...

ticAmigo Luís,
Por este Blogue têm passado temas que não dizem apenas respeito à Guiné e são bem recebidos.
Este Post é sem dúvida um grande exemplo de solidariedade e amizade.
Que outros se somem a este.
Parabéns aos padrinhos por esta linda afilhada.
Abraços
Filomena

Anónimo disse...

Alalhj Cherno Luís Graça
Que maravilha de Djubi, linda , bem nutrida e bem vestida, vê-se logo quem são os padrinhos, que devem estar orgulhosos desta acção para quem não têm nada e que têm tudo, eu explico, é difícil viver hoje na Guiné, mas com a solidariedade que é apanágio dos ex-combatentes para quem esta palávra diz muito, pois foi amassada com sangue, suor e lágrimas, já é mais fácil com a ajuda externa, neste caso com a tua.
Bem hajas Homem Grande Luís Graça
Abraço Fraterno
Luís Borrega

Anónimo disse...

Gestos do genero dao sentido a nossa propria vida !

Nelson Herbert
USA

Anónimo disse...

Abdú Indjai

Misões em Medjo, antes de Gandembel, deve ter sido em 67 ou 68. comandava o grupo "sete homens".
Lembro de um ataque a Medjo às 3 da tarde, após bombardeamento aéreo de Salancaur, em que ficámos a ver os aviões a picar, desapareciam nas copas da mata, voltámos a vê-los a subir,
ouviamos os estrondos, víamos as colunas de fumo. às 3 horas (a hora do lobo), nutrido fogo apanhou-nos de surpresa e enfiou uma série de granadas de basuca (?) que destruiram metade dos edifícios. A rádio do PAIGC relatou o acto como bravura de sete homens.
será o grupo do Abdú Indjai?

José Brás

Zé Teixeira disse...

Pois é. Não me lembro de ter visto o Abdu Injai, mas devo ter-me cruzado com ele em 1968/69 lá para os lados de Balana e Quebo. Eu com a minha bolsa de enfermeiro e ele com a Kalash a espreitar-me na mata cerrada do Cantanhez.
Guera é guera, mas já foi há manga di tempo, agora quero ser teu "ermon" como me disse o Braima Cassamá o sapador colega do Abdu que encontrei em Guiledje em 2008.
Este analisou comigo alguns encontros em estivemos frente a frente, sem nos vermos, uma das quais em que chegou a entrar dentro do arame farpado em Mampatá em Novembro de 68, mas... teve de fugir porque o Tuga ficou zangado(!)manga dele. Ou...
As 87 minas que montou em Tchangue Laia junto ao Balana, que nos levou 7 vidas.
Guerra é guerra. É preciso curar as feridas.Esta é a melhor forma.
Que a Alicinha seja a nossa "mascote" da paz que a Guiné-Bissau merece.


Zé Teixeira

Anónimo disse...

Que seja benvindo, e que conte as suas histórias, pois é interessante, saber se nos cruzámos.
Abdú Indjai, conta lá rapaz.

Recebe um grande abraço do tamanho do Cumbijã,

Mário Fitas

Hélder Valério disse...

Caros amigos e camaradas

Estes pequenos episódios fazem-nos perceber melhor quanto importante são os chamados 'pequenos gestos'.
Pequenos na sua aparente complexidade, pois na realidade são fundamentais para fazer a diferença e, mais ainda, para apontar o caminho da verdadeira solidariedade e da importância que isso tem.
Que a Cadi e a jovem Alice possam ser a ilustração viva de quão útil é a ajuda que levamos, que o seu exemplo possa servir de incentivo aos demais e que não nos cansemos de ser úteis...

Um abraço
Hélder S.