1. Mensagem do nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), com data de 11 de Janeiro de 2013, que assim começa a sua colaboração no nosso Blogue:
Julgo não estar muito longe da verdade se disser que meus pais foram, talvez, dos que mais contribuíram com “carne para canhão” para a guerra colonial. Efectivamente, tendo a minha mãe dado à luz 11 criaturas (8 rapazes, dos quais 2 morreram em criança e 3 raparigas), os 6 mancebos sobrevivos vieram a cumprir serviço militar nos 3 TO’s (Angola, Moçambique e Guiné).
Em 1971 a situação da Companhia Magro era a seguinte:
- Fernando de Pinho Valente (Magro), nascido a 10/05/1936 - Em serviço na Guiné como Cap. Milº de Artilharia, tendo cumprido já, entre 1956 e 1958, o serviço militar obrigatório como oficial miliciano;
- Rogério Alberto Valente Magro, nascido a 09/03/1944 - Na disponibilidade após ter cumprido serviço em Angola como Fur Milº Atirador de Infantaria, entre 1967 e 1969;
- Dálio Valente Magro, nascido a 10/12/46 - Em serviço em Moçambique como Alf. Milº de Engenharia – CENG 2686;
- Carlos Alberto Valente Lamares Magro, nascido a 17/07/48 - Em serviço em Angola como Cabo Especialista da FAP;
- Álvaro Valente Lamares Magro, nascido a 17/05/50, em serviço no HMR nº1 – Porto, como 1º Cabo Enfermeiro e já com guia de marcha para a Guiné, para onde “marchou” em Dezembro desse ano;
- Abílio Valente Lamares Magro, nascido a 06/11/51, a apresentar-se a Inspecção Militar.
Eu, o único que fazia jus ao apelido que ostentava, pois media 1,73m e pesava 53kg, e consciente dos contributos que os meus irmãos deram, estavam a dar e mais um já se perfilava para dar ao esforço de guerra, apresentei-me à Junta Militar de Inspecção com a confiança de quem podia afirmar: “Para esse peditório os meus irmãos já deram!”
Quando, com algum estrondo, me plantaram na papelada o carimbo que rezava: “Apurado para todo o serviço”, confesso que me perpassaram pela mente alguns impropérios que me dispenso de aqui relatar, limitando-me aos mais suaves e cujos destinatários eram os meus 5 irmãos, tais como: “aqueles gandas camelos andam lá no meio do mato armados em heróis do capim e estes bacanos julgam que é tudo da mesma cepa e tungas, bora lá fazer companhia aos maninhos!”
Muitas vezes ouvi falar em “carne para canhão”, mas em “ossos para canhão” é que nunca tal houvera visto!
Enfim, lá me apresentei em Abril de 1972 no RI 5 – Caldas da Rainha para frequentar o 1º ciclo do CSM, tendo depois frequentado o 2º ciclo no RAL 4 – Leiria, seguindo depois, já como 1º Cabo Milº para o QG/RML onde, passados 4 meses lá me passaram o “vaucher” para viajar até à Guiné.
Um Amanuense em terras de Kako Baldé*
1 - A chegada
Após uma viagem atribulada de 10 horas a bordo de um DC 6 da FAP - ferrugento, rangendo por todos os lados e largando abundante quantidade de óleo por um dos motores, que nos obrigou a uma escala na ilha do Sal para "afinações" - eis que dou comigo a desfrutar alegremente do agradável clima daquela que era, na altura, a Província Ultramarina da Guiné Portuguesa.
Corria o dia 28 de Março de 1973 e, para me receber, encontrava-se no requintado Aeroporto de Bissalanca o meu irmão Álvaro que por aquelas bandas já se encontrava desde finais de 1971 e que eu, ao vê-lo fardado de calções, sapatos e meias até ao joelho, logo fiquei com a impressão de ter acabado de chegar a um qualquer Clube de Golf onde iria passar uns agradáveis momentos, apesar de já me começar a irritar a presença de tanto insecto voador de bico afiado.
Logo nos disponibilizaram transfer gratuito – o meu irmão mal teve tempo de me transmitir todos os conselhos, avisos e informações que pretendia transmitir – que nos levou até ao aldeamento turístico que nos estava destinado e que era conhecido localmente pelo nome de DAG.
Durante esta curta viagem pude constatar que, naquele “paraíso terrestre”, o top-less era livre e abundantemente praticado, levando-me a concluir que: “a coisa estava a compor-se!” e que o tal DAG seria, talvez, um Departamento de Actividades Giras.
Não, não era! Era o Depósito de Adidos da Guiné.
Aí nos depositaram e foi também aí que comecei a ficar adido, para não dizer outra coisa!
E mais adido fiquei quando, uns dias depois, fui mudado para as instalações militares de Santa Luzia onde me aconselharam, amavelmente, um alojamento ao qual a tropa dava o sugestivo nome de Biafra e onde pernoitavam cerca de 20 “piriquitos” por caserna e onde as baratas, imensas e de avantajado porte, tinham ali o seu habitat natural.
Cada vez mais adido, mal dormi nessa noite com tanta “bazucada”!
Tinha começado a minha guerra!
As “bazucadas” eram constantes e provinham da Messe de Sargentos, ali próxima, e traduziam-se no arremesso de garrafas de cerveja vazias para cima dos telhados de zinco das camaratas em condomínio fechado.
(*) Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné
AM
(Próximo capítulo - Colocado na CSJD/QG/CTIG)
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Nota de CV:
Vd. poste de 13 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10935: Tabanca Grande (381): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (1973/74), 600.º tabanqueiro desta tertúlia
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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5 comentários:
Gosto, deste estilo de escrita, sim senhor. Acho até que assim sim. As verdades dizem-se sem chatear. Bem vindo camarada Abílio Magro.
Somos poucos mas bons, >Abraços
Veríssimo Ferreira
CCAÇ 1422, K3 Agosto 65/Abril67
Também gostei. Parabéns.
JD
Abílio:
A coisa promete, tens estilo, tens espírito de observação, tens sentido crítico, irreverência, graça, humor, piada...
Obrigado por quereres partilhar as tuas memórias connosco...
Infelizmente a tua mãe já tinha morrido partiste para a Guiné, o último dos cinco infantes... Mas gostava de saber como o teu pai, o "comandante", viveu estes acontecimentos, a partida de 5 filhos para o Ultramar...
Abílio Magro, peço desculpa a ti e aos teus camaradas da Guiné por me meter nesta "Guerra" que não é minha.
Porém, depois de ler o que escreves-te não resisti.O teu rigor e sentido de humor são fantásticos.É tão verdade o que escreves que até me sinto arrepiado como teu amigo de há quase 50 Anos.É tão agradável o que escreves que vou ficar ansioso por mais.Boa saúde p/ ti e aquele abraço do amigo Botelho.
Caro Abílio, novo camarada desta Tabanca:
Gostei e... pronto, venham daí mais!
Abraço
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