segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10979: História da CCAÇ 2679 (60): Ir ou não ir para a vala... eis a questão (Cândido Morais)

1. Importa fazer uma espécie de introdução a mais esta História da CCAÇ 2679, apresentando uma troca de mensagens entre os camarada José Manuel Matos Dinis e Cândido Morais, este muito recentemente entrado para o nosso convívio:

Assim, em 5 de Janeiro dizia Zé Dinis ao Cândido:

Viva Morais,
[...]  Entretanto, lembro-te de que prometeste enviar duas estórias da tua passagem pela heróica 2679.
Cá fico a aguardar para lhes dar a relevância que os heróis merecem.

Um abraço
JD

E, ainda no mesmo dia, a resposta foi:

Pois, meu caro,
Vou escrever isso neste fim de semana.
Uma de cada vez...
[...]
Um abraço
CMorais

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2. O resultado veio no dia 8 de Janeiro

Pois és. Tu sempre foste um sacana dum amigo. Mas aqui vai, em traços largos, para tu poderes fazer o relato segundo os cânones do blog. 
A história é verdadeira e, curiosamente, alguns deles lembram-se dela, mas outros não. 
Já lá vão 40 anitos bem contados...
CMorais

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HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (60)

IR OU NÃO IR PARA A VALA... EIS A QUESTÃO

Por Cândido Morais, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71

Durante toda a minha comissão de serviço, sempre passada na zona leste da Guiné-Bissau, que detinha maioritariamente fronteira com a Guiné Conakry, tive oportunidade de comandar três pelotões da minha Companhia, uma Companhia de Caçadores cujos pelotões operacionais eram compostos por madeirenses, com graduados do Continente.

Obviamente que sempre estive englobado num Pelotão, mas, por ausência dos oficiais e sargentos do 2.º e 4.º Pelotões - fossem eles de férias ou estivessem adoentados -, tive ensejo de contactar mais intensivamente com os dois citados. E foi no comando efectivo do meu Pelotão, o 1.º que se passou o episódio que vou relatar e que ainda hoje me impressiona e marca, pela lealdade dos homens que tive a honra de comandar.

Os outros Pelotões, na altura, estavam todos comandados por alferes, sendo eu portanto, na minha condição de furriel, o menos graduado de todos os comandantes. Ora, na altura, era necessário abrir uma vala na frente norte, constituindo-se essa tarefa de extrema dificuldade, dado o calor que se fazia sentir. Por esse motivo, os homens descansavam nos abrigos e nas casernas, aproveitando todas as sombras e locais mais frescos que pudessem encontrar.

Contudo, o Comandante da Companhia resolveu lembrar-se que seria nessa precisa altura que a vala seria aberta, e por isso mandou chamar-me ao seu gabinete, dando-me ordem para reunir os homens e iniciar os trabalhos. Respeitosamente, disse-lhe que seria mais adequado iniciar os trabalhos noutra altura do dia, aproveitando o tempo mais fresco e menos desmotivador, e lembrei-lhe também que, na respectiva escala, não era ao meu Pelotão que competia tal tarefa, indicando-lhe aquele a quem pertencia essa responsabilidade no momento.

A resposta foi peremptória e também muito irritante:
 - Eu disse que é agora que se vai fazer esse trabalho, e disse que são os seus homens que terão de o fazer!

Na verdade, eu sempre alimentei uma grande admiração e empatia por aqueles homens e a experiência dizia-me que, quando enfrentavamos um trabalho do mesmo género, bastava eu chamá-los e, pegando na picareta ou na pá, exemplificar-lhes o que pretendia. De imediato me retiravam esse instrumento da mão, atirando-se ao trabalho de modo a completá-lo com a maior brevidade possível. E eu sabia disso.

Ora, talvez fosse por isso mesmo e por que o tom do nosso Comandante foi bastante irritante, que resolvi insistir:
- O meu Comandante desculpe, mas será um mau exemplo para os homens prejudicá-los na escala de serviço, ainda para mais dando-se a circunstância de eu ser um furriel e demonstrar, assim, fraca resistência a uma ordem que não se afigura justa. O meu Comandante sabe que eu tenho de lhes transmitir a máxima confiança, para poder contar com eles nas alturas difíceis.

E a resposta, não trouxe qualquer espécie de vacilação:
- O senhor faz porque eu mandei e não admito mais contestação!

Disse-lhe eu então, no mesmo tom e na mesma velocidade:
- Saiba o meu Comandante que não o farei, porque acho injusto o seu posicionamento!
- Pois, se não reunir já os homens para efectuar o trabalho, pode ficar certo que será alvo duma valente "porrada"! - informou-me ele de imediato.
- Pois, saiba o meu Comandante que eu respeito os meus homens acima de tudo, e nunca lhes pregarei tal partida. Fará o favor de mandar proceder disciplinarmente contra mim.

E saí do gabinete, confesso que visivelmente irritado, dirigindo-me para a caserna onde me deitei a descansar, cogitando nas injustiças que podem acontecer por força de um Comando que se afirmava prioritariamente junto dos menos graduados.
Passado cerca de um quarto de hora o Cabo da Secretaria veio ter comigo dizendo que o Comandante queria saber se continuava com a mesma ideia, ao que eu respondi que sim, e logo adormeci, pouco preocupado.

Não sei quanto tempo passou, quando novamente o Cabo escriturário me acordou, dizendo que o nosso Capitão queria que eu lá fosse. Disse-lhe que não valia a pena, a minha resolução era inabalável e ele que procedesse conforme entendesse. E foi aí que o Cabo me disse, algo agitado:
- Mas é que não é por isso, é por causa dos seus homens!
- Dos meus homens? E que têm eles a ver com isso?
- Por favor, venha comigo e já vai ver! - disse-me ele, ostentando certa preocupação.

Fiz-lhe a vontade, e ainda meio ensonado dirigi-me às instalações do Comando do Quartel de Bajocunda - pois foi aí que isto aconteceu -, pensando para comigo o que estaria a acontecer. E não foi preciso andar muito para ver o que se passava: o meu Pelotão estava todo formado em frente ao Comando, armado até aos dentes, com todo o armamento que, habitualmente, levava para o mato, desde dilagramas, HK, morteiro, bazooka... E creio que foi o Cabo Freitas que me dirigiu a pergunta fulcral, depois de eu lhes perguntar o que estavam ali a fazer:
- Disseram-nos que o meu furriel vai levar uma "porrada" por defender o nosso Pelotão. É verdade?
- Parece-me que é, disse eu. Mas não se preocupem, eu saberei defender-me disso e só tomei esta atitude porque a considerei justa.
- Pois então, vai fazer o favor de dizer ao nosso Comandante que nós não sairemos daqui, até sabermos se o nosso furriel vai levar uma "porrada". E diga-lhe também que, se a porrada sair, a caserna do Comando vai levar com tudo isto em cima, e hoje não ficará em pé.
- Oh rapazes, disse eu já bastante preocupado. Eu posso dizer-lhe isso, mas acho que é melhor vocês irem embora, o problema é meu e vou ser eu a resolvê-lo. Por favor não se metam nisto.
- Meu furriel, vá para dentro e diga isso ao nosso Capitão!

E lá fui. Logo que entrei, o Capitão deu-me ordem para mandar dispersar os homens, ao que eu respondi que já o tinha feito, mas eles desobedeceram-me. O Capitão insistiu e eu voltei a dizer-lhe que me achava incapaz de os obrigar a retirar, pelo que sugeria que fosse lá ele, pois certamente lhe obedeceriam melhor.

Mantivemos ali uma acesa troca de argumentos durante fartos minutos, ambos com posições inamovíveis, até que ele cedeu e disse para dizer aos homens para se retirarem, que ele reconsideraria a "porrada". Eu disse-lhe que nunca gostei de mentir ao Pelotão e perguntei-lhe se havia "porrada" ou não havia. Ele reflectiu algum tempo e, depois, disse-me:
- Pode ir e dizer-lhes isso. Tem a minha palavra.

Saí então e dirigi-me aos homens, dizendo-lhes:
- O nosso Capitão garantiu-me que não me atingirá com nenhum castigo e manda-os ir para a caserna.
- Tem a certeza disso, meu furriel?
- Tenho. e agradeço a vossa atitude, que eu não pedi, mas registo.

E foram mesmo para a caserna. Entretanto, não foi o meu Pelotão a fazer o trabalho que nos eras requerido - também já não me lembro qual foi - e, mais tarde, já na ausência do Capitão e quando a Companhia era comandada pelo Alferes do meu Pelotão, fui surpreendido com um significativo louvor. Não com o fundamento deste relato, mas por ouitras ocorrências que lá se encontravam devidamente descritas.

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Finaliza a conversa com esta troca de mensagens:

Lindo menino!
Às vezes precisas de ser espicaçado, mas depois compensas-nos com belos resultados.
Ainda assim, faço dois reparos à descrição: esqueceste-te de citar a fronteira com o Senegal, afinal aquela onde se situava Bajocunda e onde permanecemos mais tempo?

"Os outros Pelotões, na altura, estavam todos comandados por alferes" - referes a seguir. 
Se a acção decorreu entre a deslocação para Bajocunda e Setembro de 70, então não há nada a alterar, mas se foi noutra ocasião posterior, devo dizer-te que o Foxtrot já não estaria nessa situação.

São apenas dois pormenores, porque o que é relevante é o conteúdo da tua descrição.
Com um abraço agradecido
JD
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Olá meu velho 
Na verdade, eu não posso localizar isso no tempo, e apenas fiquei com a ideia de que os outros eram todos alferes, na altura. De qualquer modo, podes "ajeitar" à tua maneira, de modo a que não ocorra contestação, falando, talvez, em termos gerais. 
Quanto ao que dizes sobre a fronteira, quando me refiro à zona leste, estou convencido de que ela é maioritariamente ligada à Guiné Conakry. Sobre Bajocunda, vou revelar-te a minha inteira ignorância sobre se ainda é com o Senegal ou não. Mas podes alterar o que quiseres. O miolo da história é esse. 
Depois, se quiseres, conto-te a do soldado Vieira e do reforço nocturno. 

Um abraço 
CM


3. Cabe agora um comentário do editor para esclarecer que das duas histórias referidas, sendo a de hoje a segunda, a primeira foi publicada no P10947.

Esperemos que o Cândido não esmoreça e nos continue a brindar, assim como o "velho" Zé Manel Dinis, com histórias para a História da CCAÇ 2679.
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Nota de CV:

Vd. poste anterior da série de 15 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10947: História da CCAÇ 2679 (59): Grande farra no Funchal (José Manuel Matos Dinis / Cândido Morais)

4 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro camarada Cândido Morais

Circunstâncias várias não me permitiram saudar-te pela ocasião da tua apresentação.

Faço-o agora manifestando o desejo de que te possas sentir bem por aqui, que vás contribuindo com as tuas memórias para aumentar e melhorar o recheio deste sítio e, supremo reconhecimento, manifestar a minha admiração e respeito para com quem foi forçado a privar com um tal de Zé Dinis, 'mestre educador'.

Esta tua história é exemplar no sentido de que nos mostra como o acto de comandar, de chefiar, não é matéria dispicienda. "Ter os homens na mão" significava dar o exemplo, ser justo, estar muitas vezes 'à frente' ou 'na frente'. A tua firmeza para com as ordens ditatoriais, erradas, injustas, do Comandante, também não deve ser minorada, pois foi isso que despoletou o acto de solidariedade firme do qual resultou o desfecho feliz.

Abraço
Hélder S.

José Botelho Colaço disse...

Caro Cândido Morais: assim se vêm os bons comandantes,este capitão pelo comentários a seu respeito devia ser daqueles oficiais que gostamos de ver de costas.

Um abraço
Colaço

Tony Borie disse...

Olá Cândido Morais.
Segundo entendo estás a vir para o nosso convívio com o abraço do José Manuel.
Como antigo combatente, portanto teu companheiro, "welcome".
O apreço e a solidariedade dos teus comandados, demonstra os teus bons princípios de liderança, que devia ter criado amizade e respeito por a tua pessoa.
Esse capitão, com alguma arrogância, própria de quem demonstrava, que estava num lugar, para o qual não tinha sido treinado psicologicamente, pois não aguentava a responsabilidade e a pressão que o lugar exigia, devia ser uma pessoa, como diz o José Botelho Colaço, que todos gostariam de ver pelas costas.
Um abraço, Tony Borie.

Luis Faria disse...

Caro Cândido Morais

Pelo que se me dá a perceber,esse tal que julgo ser o "Trapinhos"(?),Capitão,gostava de usar e abusar!

Pensei que seria só um "benquisto" do
José Dinis?!?!

Abraço
Luis Faria