Tagme Na Waie e Nino Vieira
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Fevereiro de 2016:
Queridos amigos,
Deve-se à Liga Guineense dos Direitos Humanos um labor sem precedentes na análise e no protesto às violações dos direitos humanos no país, e no seu mais vasto ecrã.
Reservámos para esta resenha as suas chamadas de atenção para devastadores crimes ambientais, como sejam os turvos negócios que permitiram um grupo de chineses desflorestar no Sul do país com total impunidade e a criação de um corredor aberto ilegalmente na zona que liga o futuro porto de Buba à estrada Buba-Fulacunda, outra violação miserável. Mais adiante, o relatório da Liga referente a este período chama atenção para o papel quase ditatorial das forças de Defesa e de Segurança que, conforme escreve a Liga, constituiu o principal óbice à sua conversão em forças republicanas.
Um abraço do
Mário
Relatório sobre a situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau, 2008/2009,
Lema: a força sem discernimento colapsa sobre o seu próprio peso (2)
Beja Santos
Trata-se de um importantíssimo relatório onde se analisa o largo espectro dos direitos humanos, incluindo aqueles que se prendem com a inclusão social, tipo educação, saúde e emprego. Referimos no texto anterior os domínios que têm a ver com a antidemocracia decorrente do poder das Forças Armadas que subvertem a vida das instituições democráticas. No período em análise ocorreram o assassinato de um Presidente da República, um Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, houve prisões arbitrárias, torturas, uma completa deriva dos poderes regionais, como é o caso da região do Oio onde os N’Kumans detiveram ilegitimamente o poder, perpetrando toda a casta de furtos, espancamentos e intimidações.
Os crimes ambientais são uma outra vertente que o relatório contempla. No ano 2009 assistiu-se a um escândalo de corte ilegal e desenfreado de madeiras provocado por um grupo de chineses, na zona sul do país, com o único propósito de exportar a madeira para a China, facto que mereceu uma reação dos populares e de alguns deputados eleitos naquela zona; contudo, apurou-se que os chineses atuavam naquela zona a coberto de uma ordem superior em troca de interesses fictícios e de duvidosa legalidade.
Caso de extrema gravidade é o da demarcação de cerca de 25 hectares de terreno pela empresa Bauxite Angola, no Sul do país, com o único propósito de abrir uma estrada em direção ao local onde supostamente irá ser construído o futuro porto de Buba. A abertura desta via de acesso não teve estudo prévio e decorre à revelia dos departamentos do Estado. O mais grave de tudo é que esta zona é reconhecida internacionalmente como uma área protegida denominada RAMSAR, zona protegida das lagoas de Cufada. A empresa angolana procedeu a derrubes desenfreados de milhares de árvores nesta zona protegida. Esta mesma empresa contratou uma sua congénere brasileira para fazer o estudo do impacte ambiental sem ter havido um contrato definitivo com o Estado guineense que espelhasse de forma clara as modalidades e a forma como devia ser conduzida o estudo. Aqui se pode avaliar como o Estado é frágil, não se consultaram previamente as entidades estatais competentes, caso do IBAD, encarregado de gerir o Parque Natural das Lagoas de Cufada, dentro do qual se pretende construir o futuro porto.
Parque Natural das Lagoas de Cufada
Passando para outro domínio, o funcionamento das instituições democráticas, escreve-se que o desempenho dos órgãos de soberania ao longo deste período ficou caraterizado pela desconfiança, falta de coabitação e primazia de interesses pessoais sobre os interesses institucionais. O princípio da complementaridade institucional, fundado na interdependência dos referidos órgãos não foi observado. O Presidente da República tentou controlar o governo e impor controlo político na administração do aparelho de Estado – esta pretensão esteve na origem do derrube do primeiro governo de Carlos Gomes Júnior, em 2005. Com o termo do mandato do governo em Abril de 2008, o presidente da República foi obrigado a anunciar ao parlamento a necessidade da adoção de medidas para evitar o vazio institucional. A Assembleia Nacional Popular aprovou a Lei Constitucional Excecional e Transitória, em 16 de Abril de 2008, com o objetivo de prorrogar a legislatura e o funcionamento regular e pleno da Assembleia e continuidade do governo do Pacto de Estabilidade liderado pelo Engenheiro Martinho N’Dafa Kabi. Um grupo de deputados submeteu ao Supremo Tribunal de Justiça uma ação de pedido de inconstitucionalidade, e o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que a prorrogação da legislatura não era razoável, fazendo ocorrer o perigo de uma transição constitucional sem eleições legislativas. Com base nesta decisão, o Presidente da República dissolveu a Assembleia, demitiu o governo de Martinho N’Dafa Kabi e nomeou Carlos Correia como novo primeiro-ministro, que liderou o governo de gestão até às eleições legislativas de 2008, ganhas pelo PAIGC. Esta queda de governo inaugurou o corte de relações entre Nino Vieira e Tagme Na Waie. Os dois tinham estado em concertação permanente depois do conflito político-militar de 1998-1999, mesmo estando Nino Vieira com o estatuto de exilado político em Portugal. A perda de Tagme Na Waie como aliado foi um rude golpe para o Presidente. A desconfiança foi de tal ordem que Nino Vieira preferiu recrutar os elementos das milícias, que ficaram conhecidos pelo nome de “aguentas” para lhe servirem de segurança pessoal.
Carlos Gomes Junior
Martinho N'Dafa Kabi
A vitória das legislativas de 2008 pelo PAIGC abriu uma nova luta desenfreada sobre o controlo do poder entre Nino, Carlos Gomes Júnior e Tagme Na Waie, tornaram-se em antagonismos pessoais, a coabitação desequilibrou-se profundamente. Segundo o relatório, o combate ao narcotráfico agudizava a referida relação triangular na medida em que a determinação e predisposição dos três não eram convergentes. A sociedade civil ia reclamando que se adotassem mecanismos eficazes com vista a assegurar a neutralidade das Forças Armadas na vida política.
No que respeita à Assembleia Nacional Popular, este órgão não foi além de empreender esforços para viabilizar diplomas e resoluções em benefício da classe parlamentar e político-partidária. No entender da Liga, o funcionamento da ANP reflete a imagem real da classe política, caraterizada pela falta de ideologias. Os partidos políticos carecem de democracia interna, marcada pelo não funcionamento dos órgãos dirigentes dos partidos, não realização de congressos, partidos unipessoais que se resumem apenas à figura do líder, partidos sem sede e estruturas nacionais. Quanto às iniciativas orientadas para uma verdadeira reconciliação nacional, observa a Liga que esta precisa de um processo preparatório bem pensado e consistente para construir a confiança entre os atores envolvidos, abertura ao diálogo, respeito pela minoria, compromisso com a verdade e determinação contra a impunidade.
E o que se escreve sobre as forças de Defesa e Segurança é também de uma grande importância. Lembra-se neste relatório que estas forças surgiram muito antes da proclamação da independência, são património da luta de libertação nacional, foram concebidas como braço armado de uma luta política e militar de libertação nacional. Pois bem, esta politização perdurou formalmente até 1991, data em que através de revisão constitucional se pôs fim ao regime de partido único. Mas como diz a Liga, a matriz formal destas forças de Defesa e Segurança sobrevive sustentada pelos argumentos de que foram os promotores de independência e conseguintemente têm a responsabilidade histórica de imprimir um determinado rumo ao país. É esta visão que justifica as várias interferências de tais forças na vida política e constitui o principal óbice à sua conversão em forças republicanas.
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Nota do editor
Último poste da série de 24 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17614: Notas de leitura (980): Relatório sobre a situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau, 2008/2009, Lema: a força sem discernimento colapsa sob o seu próprio peso (1) (Mário Beja Santos)
8 comentários:
podem não gostar e não gostam de certeza.Mas também não me importa porque não sou politicamente correcto e estou habituado a nadar contra a corrente.A descolonização
exemplar está á vista, particularmente no caso da guiné.Onde estão os "amigos" suecos e outros?
J.Dias
Todos os problemas da Guiné, aqui recolhidos pelo incansável Beja Santos, não são problemas criados pelos guineenses, mas pelo partido.
Foi apenas o partido "libertador" que faz e desfaz.
Nunca se vê o povo da Guiné, nem mesmo os novos partidos impostos ao PAIGC pela democracia da ONU e do Banco Mundial, que roubaram, destruiram, abusaram, assassinaram, guerrearam estes mais de 40 anos de independência.
Na Guiné-Bissau, ao contrário de certos países africanos, não se vêm aqueles atritos e até matanças, tribais ou fanatismos entre o povo, apenas o PAIGC complica.
Já o seu partido irmão o MPLA em Angola, também foi entre si que fez a maior matança em Angola, 27 de Maio de 1977.
Até faz esquecer a guerra internacional do Savimbi /José Eduardo dos Santos, a chamada Guerra do Cuito, com Sulafricanos, americanos, russos e cubanos.
Inteiramente de acordo, António Rosinha com estas e outras visões que partilhas sobre a Guiné e Angola, onde aliás também estive.
Aliás sobre essa malfadada Onu nem é bom falar.Pois lembro-me que quando estive em destacamento em Cabinda (onde a Força Aerea tinha dois T6 Uma DO e um alouette III) os capacetes
azuis do miserável pacifista Neru serem os primeiros a violar as mulheres no vizinho Congo (brancas e negras).
Carlos Gaspar
Ó Carlos Gaspar, não me digas que és do meu tempo, é que eu em 1960 em Noqui, cabo milº também vi em Matadi os indianos que a ONU mandou para lá, ao lado de uma enorme cooperação sueca com suecas e tudo, que se vinham espraiando na piscina de Noqui aos fins de semana.
Fizeram do Congo belga tal pagode, ao ponto de além de Lumumba, até o sueco Hammarskjold, foi desta para melhor.
Gaspar, "Mas isto é Congo, ou quê"?, lembtas-te?
Afinal foi tudo muito pior do que imaginávamos, mas a Europa "civilizada" também está a sentir lentamente, é que aquela gente, caladinhos, têm memória e sabem ler.
Sou do teu tempo, mas com menos três ou quatro anos, mais coisa menos coisa uma vez que entrei para a força aérea com 17 anos.E quando estive em Angola gostei tanto que prolonguei a minha estadia a dobrar e não foi por razões monetárias.Acontece é que a politica não era comigo
C.Gaspar
António Rosinha, continuando, sabes como é crescemos por dentro e por fora e também mentalmente e espiritualmente.Daí que quando analisamos o nosso percurso e mais tarde juntamos o "puzzle" sabemos do que estamos a falar.Tu ainda melhor que quer como militar quer como civil estivestes em Angola e na Guiné.Quanto ao congo lembro-me que o congo do outro ladomdo Zaire, na altura era congo Leo a este e a norte de cabinda era o congo Brazza.E creio que o famigerado Hammarsjold també era sueco como convém a qualquer pseudo neutral.
Um abraço
Carlos Gaspar
Ah!António e como me parece que sabes melhor do que eu, os suecos sabem muito de africa (estou a gosar claro) e são uns tipos desinteressados na sua ajuda aos povos e como gostam muito de dar lições de moral como fizeram a Portugal por sermos uns perigosos colonialistas.Mas podem limpar as mãos à parede com a porcaria que fizeram em africa.
Um abraço
Carlos Gaspar
António Rosinha, desculpa ser um chato mas esqueci-me de acabar o meu raciocínio acerca dos suecos.Como trabalhei numa multionacional aquela superiodade sobre os povos do sul (talvez para camuflar a sua ignorância (deles) sobre os outros povos chateia-me solenemente.E para as suecas só quando era novo e dependia das circunstâncias.Porque também não há pachorra.
Carlos Gaspar
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